domingo, 27 de maio de 2018

O que fica do 22.º Congresso do PS


O 22.º Congresso do PS, que decorreu no Salão de Exposições na Batalha, distrito de Leiria, entre os dias 25 e 27 de maio, foi marcado pela história de 45 anos do partido, com homenagens a Mário Soares e a António Anaut, bem como pelo elogio às políticas inovadoras (nos âmbitos temático, económico, social e tecnológico) dos governos socialistas anteriores e, ainda, pela emergência dum certo delfinado e pelo debate ideológico sobre a posição política que o PS está a tomar.
Pensava-se que Sócrates seria o ausente de quem se falaria sem o mencionar e que não se resolveria politicamente, de forma adequada, o caso de justiça que o ex-filiado enfrenta. E assim sucedeu. Com efeito, a fotografia assomou no painel dos líderes e, sem que o seu nome fosse pronunciado, as suas políticas de governação foram elogiadas – o que, a meu ver, pecou pela generalização e por não ter sido feita a necessária e suficiente ressalva de erros eventualmente cometidos e assegurada a solidariedade, neles como nos méritos, por parte dos colaboradores. Por outro lado, diversos oradores içaram várias bandeiras do PS, tais como o combate à corrupção, a promoção da transparência, a capacidade de governar em prol dos portugueses sem deixar de satisfazer as exigências da UE e da zona Euro, o saneamento das contas públicas o crescimento da economia e alguma reposição salarial e do rendimento.
Concedendo que tudo isso tem uma boa fatia de verdade, deve dizer-se, contudo, que alguns dos temas são problemáticos para o partido do Governo. Por exemplo, dizer abertamente e sem reticências que o combate à corrupção está no ADN do PS hoje soa a oco com os conhecidos casos sobre a mesa da comunicação social e da justiça. E sente-se a pedra no sapato quando se ouve falar na transparência face a casos como o do Ministro-Adjunto ou o do Secretário de Estado da Juventude e Desporto. Depois, saber governar com a Europa e equilibrar as contas também a direita diz tê-lo feito. Quanto à reposição salarial e de rendimentos e ao crescimento da economia, é certo que houve avanços consideráveis, mas sabe tudo a muito pouco. Os cortes foram tão profundos a nível salarial e fiscal que a reposição feita não passa dum paliativo.
Também não vale a pena discutir a hodierna posição ideológica do partido (que o partido tem todo o direito a fazer), sem resolver politicamente a avaliação da governança socrática (Santos Silva ensaiou o exercício e invocou o patrono, mas foi nos corredores para os jornalistas) – deem as voltas que derem. O apelo de Ana Gomes está por cumprir, embora valha a pena ler e reler o seu discurso com a sua colocação sustentável à esquerda e não suportada no estribilho de que em equipa que funciona não se mexe, ouvido no consistório em que emergiram como potenciais delfins Fernando Medina, Pedro Santos e Ana Catarina Mendes.   
Acresce referir que um dos temas falados no Congresso foi o da proximidade do salário mínimo (que atualmente está em 580 euros) em relação ao salário médio. A abordagem correu por conta do dirigente sindical José Abraão, que defendeu o descongelamento salarial no Estado em 2019.
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Tecidas estas considerações, parece conveniente olhar para as reações dos partidos ao Congresso do PS, dado que os respetivos representantes participaram na festa de encerramento.
Para o PSD, que ora se perfila para acordos temáticos ora elege o Governo socialista como seu adversário de luxo, os socialistas estão a enveredar por uma via que Soares sempre recusou”. Morais Sarmento,  um dos vice-presidentes do PSD, sustentando que os socialistas estão a afirmar “um caminho que Mário Soares sempre recusou”, de “viragem à esquerda”, defende que seria melhor um PS “sem dependências, coligações ou prisões”. Disse o dirigente político: aos jornalistas:
Era melhor que o PS, que prestou homenagem ao seu fundador Mário Soares, mas que neste Congresso afirma um caminho que Mário Soares sempre recusou, era mais importante, porventura, que reafirmasse o seu próprio caminho, como nos habituámos a ver: sem dependências, coligações ou prisões a quaisquer outros partidos”.
Também considerou que o Congresso se dedicou mais a “discutir o futuro do PS do que o futuro de Portugal” e lamentou “a reafirmação de uma viragem à esquerda como sendo uma opção que se deseja repetir por muitos e bons anos”.
Por sua vez, o vice-presidente do CDS-PP Nuno Melo comentou com ironia o congresso do PS, apontando para um reino da fantasia, e associou o Governo de Costa ao passado e a Sócrates.
Ouvido o discurso do Secretário-Geral, o centrista frisou que, no executivo socialista , à exceção de Sócrates, estão lá “os mesmos ministros, os mesmos secretários de Estado, os mesmos assessores que até 2011 arruinaram as contas públicas do país e trouxeram a ‘troika’”. E assinalou o facto de “um dos maiores aplausos” do congresso ter sido para Sócrates, o líder que deu a primeira maioria absoluta ao PS, foi Primeiro-Ministro e é acusado no Processo Marquês.
De entre os partidos que apoiam o Governo no Parlamento, o Bloco de Esquerda, pela voz da eurodeputada Marisa Matias, afirmou estar sempre disponível para convergir com o PS, mas avisou que é “equação impossível” tratar melhor os portugueses e responder “obsessivamente” às metas de Bruxelas. Afirmou Marisa Matias:
Estamos sempre disponíveis para convergir com o PS naquilo que melhorar a vida dos portugueses, mas obviamente precisamos de investimento e, para termos investimento, para podermos incrementar essas medidas, precisamos de enfrentar muito diretamente aquilo que são as normas e as regras que são impostas por Bruxelas, que não nos deixam investir e não nos deixam melhorar a condição de vida das pessoas”.
Por seu turno, o PCP acusou o PS de continuar “amarrado às submissões do grande capital” e da Europa e alertou para os riscos duma maioria absoluta dos socialistas nas próximas legislativas.
O porta-voz da crítica comunista, Carlos Gonçalves, da comissão política do PCP, vincou:
Este congresso, no mais fundamental, confirma que o PS permanece amarrado a um conjunto de submissões ao grande capital e à União Europeia, que têm impedido de resolver alguns dos problemas nacionais”.
Além do mais, Carlos Gonçalves não acredita que, se o PS estivesse sozinho do Governo desde 2016, tivessem sido alcançados “avanços, conquistas, recuperação de rendimentos e de direitos” nos últimos dois anos e meio.
José Luís Ferreira,  pelo Partido Ecologista “Os Verdes”, disse esperar que “haja sintonia” entre o que disse Costa e as posições dos socialistas na Assembleia da República. E declarou:
Quando falamos de mais democracia, veremos se há sintonia quando se discutir a proposta para repor as freguesias extintas pelo anterior Governo, do PSD/CDS; quando falamos de mais justiça social, vamos ver como é que o PS se vai posicionar quando discutirmos a necessidade de valorizar os salários e os aumentos salariais ou a necessidade de investir nos serviços públicos, nomeadamente na saúde e na educação”.
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Do sermão do líder do PS no encerramento ressalta a pretensão de as empresas pagarem salários mais altos e de acordo na concertação social a permitir fixar horários de trabalho diferentes ao longo da vida. O escopo é criar condições para a geração entre os 20 e os 30 anos ficar no país. 
Depois do aumento do salário mínimo, o Governo quer ver o salário médio a subir. Porém, o Primeiro-Ministro coloca a responsabilidade nos empresários, não dando para já qualquer sinal sobre o descongelamento salarial no Estado. A este respeito, disse Costa:
Não podemos convergir só para a UE na estabilidade das finanças públicas e no crescimento. Temos de convergir também do ponto de vista social e salarial.”.
O Secretário-Geral sabe que este objetivo “não é para amanhã”, mas este é o caminho que quer seguir. “É um debate que temos de ter com o tecido empresarial”.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Segurança Social, em abril de 2017, a remuneração base era de 970,88 euros. Este é o salário médio para trabalhadores por conta de outrem apenas no setor privado (mas não cobrindo todas as atividades).
O líder socialista não explicou como pretende atingir o objetivo, mas deixou algumas pistas sobre a forma como Estado pode contribuir para uma decisão que não é sua. As empresas só são mais competitivas se investirem na modernização, para o que precisam de ter “quadros mais qualificados a quem têm de pagar mais”. Sustentou que, só “aumentando o conhecimento, ajudamos” e “passo a passo vamos avançando”. Disse que “este ano já abrimos um concurso onde já apoiámos mais de 1000 projetos de investigação”, vincando que o empreendedorismo desempenha também aqui um papel essencial. De facto, quem cria um negócio novo e inovador cria “emprego para si, para os outros e de melhor qualidade”, afirmou, elegendo este como mais um instrumento para o aumento dos salários.
Além disso, disse que “temos de procurar construir um grande acordo de concertação social para a conciliação da vida pessoal com a vida profissional”, sendo que este tema “implica sermos inventivos”. E apontou como medida que permita concretizar este objetivo “uma nova forma de modelação dos horários de trabalho ao longo da vida (…) para que trabalhar e ter família não seja algo inconciliável”.
Pensa o Secretário-Geral do PS dar, com medidas deste género, resposta a um dos desafios que se colocam no futuro e que está presente na sua moção que trouxe ao congresso socialista e que foi aprovada: ajudar a combater o problema da demografia.
Outra das questões a que o Primeiro-Ministro quer da resposta é a da emigração. Costa quer dar condições para voltar a quem saiu do país no período da troika. E, neste âmbito, anunciou:
Para o PS uma das principais prioridades do OE 2019 vai ser um programa que fomente o regresso dos jovens que partiram”.
Costa lembrou o trabalho feito e os resultados obtidos: a economia criou quase 300 mil postos de trabalho e o Governo tem proposta de redução da precariedade, para que “ser candidato a primeiro emprego não signifique ser candidato a emprego precário”.
Num discurso voltado para os jovens, o Chefe do Governo fechou o congresso com uma mensagem mais dirigida a questões sociais, depois de a tónica dos dois primeiros dias ter sido o sucesso dos resultados alcançados no défice e no crescimento económico. Disse Costa:
Um dos números que mais fixam do nosso sucesso é o 0,9% do défice [em 2017, o défice mais baixo da democracia]. Mas o que mais me orgulha é termos conseguido que a taxa de abandono escolar precoce tenha descido de 14% para 12%.”.
E referiu o crescimento do número de novos alunos no ensino superior, entre outros indicadores.
Depois dum congresso que debateu a posição ideológica sobre do PS, estando a governar com parceiros à esquerda e assinar acordos com o PSD, Costa afastou a discussão e centrou o discurso de encerramento em medidas e políticas públicas. Porém, deixou aviso para dentro do partido, depois de terem surgido potenciais sucessores: “Não meti os papéis para a reforma”.
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Por mais tíbio que tenha sido o consistório do PS, é desejável que as medidas ali equacionadas não fiquem no papel, mas se tornem projeto com pernas para andar e sem atraso.
2018.05.27 – Louro de Carvalho

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