sábado, 12 de maio de 2018

Afinal, a SCML fica-se por uma participação simbólica no Montepio


No passado dia 20 de abril, a Assembleia da República (AR) aprovou os projetos de resolução do PSD e do CDS-PP (como resoluções não têm força de lei, constituindo apenas recomendações ao Governo) mereceram o voto contra do PS, a abstenção do BE, PCP e PEV.
Também, no mesmo dia, a AR aprovou  um projeto-lei do CDS-PP, apenas com os votos contra do PS, para que sejam alterados os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
O objetivo dos democratas-cristãos é consagrar a necessidade de autorização da tutela – no caso, o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social – para que a Mesa da SCML efetue “investimentos estratégicos e estruturantes”, nomeadamente os que envolvam a SCML na administração ou órgãos sociais de instituições que desenvolvem atividades noutros setores ou que sejam em volume superior a 5% do seu orçamento anual.
Foi ainda aprovado por unanimidade o projeto de resolução do BE, que recomenda ao Governo que regule a política de investimentos da SCML, nomeadamente restringindo a política de investimentos a participações não qualificadas no capital de instituições de caráter privado, quando o seu objeto não se encontre em linha com o caráter “puramente social e não especulativo” da instituição. Os bloquistas pedem ainda que seja maximizado o montante afeto aos investimentos sociais nas várias áreas onde atua a SCML e que a sua carteira de ativos seja composta por “critérios de prudência e minimização de risco”.
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Em 4 de abril, o provedor da SCML, Edmundo Martinho, assegurou na AR que o investimento na Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) não constituía um “salvamento” do banco e que há 20 a 30 instituições de solidariedade interessadas em participar, embora de forma simbólica.
Segundo o provedor, em causa está a possibilidade de a instituição que lidera ficar com 1% do capital do banco em troca no máximo de 18 milhões de euros. Tal investimento, a concretizar-se, avalia o banco em cerca de 1.800 milhões de euros.
Entretanto, a 28 de abril, soube-se que a posição do Parlamento levou a SCML a considerar que não há, pelo menos para já, condições para avançar com este investimento nos termos que estavam em cima da mesa.
Hoje, dia 12 de maio, a Santa Casa anuncia uma entrada “simbólica” na CEMG “nas próximas semanas”, vindo Edmundo Martinho a garantir que a SCML continua empenhada em entrar no capital do Montepio, dizendo que “sobre isso não há dúvida, não há recuo”.
A SCML decidiu, assim, fazer um “compasso de espera” na entrada no capital do Montepio Geral, mas a espera poderá não ser prolongada. O Provedor da instituição admite, em entrevista ao Expresso (acesso pago), que irá “anunciar nas próximas semanas” a entrada “simbólica” da Santa Casa no Montepio, em conjunto com outras misericórdias e entidades da economia social.
O Provedor precisou que a decisão da entrada no capital do banco não se deu até ao final de 2017 devido ao “clamor público que surgiu“, pois “a SCML não pode considerar-se imune ao ambiente em que opera”. Com efeito, como recorda, “no final do ano, veio ao de cima a história dos 200 milhões de euros por 10% do capital do banco e isso tornou o debate muito mais clamoroso. Nalguns momentos foi de uma indigência total”. Mesmo assim, o objetivo era avançar com um investimento em duas componentes: uma de injeção em dinheiro no capital do banco, de valor mais baixo, e uma participação através de obrigações subordinadas. Contudo, a AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral) veio anunciar que só queria alienar 2% do capital do banco, quando o objetivo inicial da SCML era ficar com 10%. E Martinho infere:
Surgiu esta baliza nova e perante isso teríamos que entrar com uma posição mais baixa (1%) que acomodasse a recomendação do Haitong de entrada mista. Foi o que aconteceu.”.
No entanto, garante que “a SCML continua empenhada em fazer parte dum banco da economia social, em entrar no capital do Montepio”. Será necessário, contudo, adaptar-se à “realidade nova” e entrar “em conjunto com dezenas de entidades da economia social, de forma simbólica, para reafirmar a vontade de que haja um banco forte da economia social”. E o montante a investir poderá ir dos 10 mil aos 100 mil euros. “É uma mobilização que não tem efeitos e repercussões financeiras no capital do banco”, refere.
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Está visto que, se não se trata de salvar o banco e se a AMMG não aceita largar mais que 1% do capital da CEMG, obviamente a participação da Santa Casa e de outros putativos participantes é insignificante. Não passa, pois, de um capricho gestionário da Provedoria e do temor das demais provedorias e direções das diversas instituições. Ademais, como é possível acreditar que um máximo de 100 mil em cerca de dois milhões seja garantia de que o Montepio venha a ser um banco de economia social?

Porém, a teimosia impõe-se à deliberação, mesmo que não vinculativa, do órgão máximo e plural da representatividade da soberania. Espero que o Governo não venha a suscitar a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da resolução aprovada, como o fez a propósito dum diploma recente que a AR aprovou contra a vontade do executivo!

O Governo pode travar a SCML, dada a índole pública da mesma, o que não sucede com outras instituições potencialmente candidatas, se privadas.

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Quanto à Santa Casa, é de referir que, se o desejo de investimento fosse aceitável, sério, soteriológico e portador de retorno, era de esperar, primeiro, que se estabelecesse a paz financeira na arena AMMG-CEMG. Recordemos alguns episódios.

Um dos administradores da AMMG demitiu-se, há tempos, por discordância do aumento de capital da instituição; agora, outro fez o mesmo por discordar da entrada da SCML no capital da CEMG (vulgo Montepio) – isto sem falar do caos a que a gestão de Tomás Correia levou a Mutualista.

A AMMG prescindiu da isenção de IRC para obter uma borla fiscal de 800 milhões. Mas para este efeito, tinha de obter lucros e não prejuízos. E que acontece?

A 3 de maio, ficou a saber-se que a AMMG regressa a prejuízos e a borla fiscal está, afinal, a prejudicar as contas. Com efeito, a AMMG fechou o 1.º trimestre com prejuízos de 9 milhões de euros, sendo que mais de metade da perda corresponde à reversão duma parte dos créditos fiscais que a Mutualista registou nas contas do ano passado.

Há pouco mais de um mês, a Mutualista, quando aprovou as contas de 2017, sabia que teria de alcançar lucros no futuro para poder beneficiar do benefício fiscal de mais de 800 milhões de euros (que permitiu lucros contabilísticos de 587 milhões no último exercício). No entanto, em caso de prejuízos, esse crédito fiscal teria de ser revertido e contabilizado como prejuízo. Foi o que sucedeu logo no 1.º trimestre deste ano. Dos prejuízos de 9 milhões de euros registados entre janeiro e março deste ano, cerca de três milhões correspondem ao resultado operacional, isto é, ao que é a atividade normal da associação mutualista. Outro milhão diz respeito à dotação anual da AMMG para a Fundação Montepio, uma transferência que ficou registada no primeiro trimestre. Já a restante perda a rondar os 5 milhões tem a ver com a reversão dos chamados ativos por impostos diferidos (DTA,deferred tax assets, em inglês). Ora, representando os DTA o direito a um valor económico duma potencial dedução fiscal futura, a empresa ou banco apenas pode usufruir deles se apresentar lucros tributáveis nos anos seguintes. Porém, no caso da AMMG, como não houve lucro no 1.º trimestre, não houve lugar ao pagamento do imposto de IRC. Consequentemente, sem essa dedução fiscal, uma parte dos DTA teve de ser desfeita agora e contabilizada como prejuízo. A AMMG apurou 808 milhões em DTA, que foram originados sobretudo pelas provisões matemáticas para cobrir responsabilidades relativas aos produtos mutualistas e pelos prejuízos passados. Tais perdas ficaram disponíveis para uma dedução fiscal futura a partir do momento em que a AMMG deixou de estar isenta de IRC.
Também o início do ano não correu da melhor forma à AMMG no que diz respeito à atividade associativa, o negócio core da mutualista. Entre janeiro e março, a diferença entre novas aplicações em produtos mutualistas e os resgates dos associados foi negativa em mais de 65 milhões. Isto quer dizer que a associação não foi capaz de captar receitas suficientes para fazer face às responsabilidades que teve de assumir durante este período.
Já no ano passado, a AMMG havia registado uma perda significativa na atividade associativa: -373,8 milhões de euros.
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E o panorama da CEMG pouco melhor será. Depois das notícias divergentes sobre o valor do banco (2000, milhões, 1,6 milhões, 1,8 milhões…), que induziram percentagens diferentes de participação por parte da SCML, alegadamente por inconclusão da auditoria por falta de prestação de informação, temos o seguinte estado.

O presidente do Montepio cortará em quase 30 milhões os lucros registados em 2017. Mas, para assegurar a paz social, manterá o prémio dos trabalhadores.

Em 3 de maio soube-se que o banco deverá anunciar um resultado líquido entre 6 e 7 milhões relativamente a 2017. O número resultou do novo apuramento dos resultados de 2017 por parte da nova administração pois, à entrada de Carlos Tavares, a instituição financeira tinha feito saber que pretendia rever de “acordo com os próprios critérios de prudência”. Na altura, o Público avançava que, no seguimento da revisão, os lucros do banco “encolhessem” dos 30,1 milhões para os 5 milhões. Porém, a revisão dos resultados deverá resultar em lucros um pouco superiores: entre 6 e 7 milhões – valor que, ainda assim, é substancialmente inferior àquele que a instituição financeira tinha reportado.
Recorde-se que, em fevereiro, Félix Morgado (que saiu em discordância com Tomás Correia) divulgou contas não auditadas pela KPMG, surpreendendo ao avançar com lucros de 30,1 milhões de euros e comprometendo-se a distribuir pelo quadro de pessoal até 5% dos resultados positivos.
Os resultados do banco deverão ser conhecidos ainda em meados deste mês de maio, isto depois de a CEMG ter adiado em duas semanas a apresentação de contas.
A 1 de maio, enviou um comunicado à CMVM, onde dava conta desse objetivo. Num comunicado ao mercado, a instituição explicava que, no contexto da entrada em funções do novo conselho de administração, a 21 de março, e no quadro de um novo modelo societário, “não foi possível concluir os trabalhos” de elaboração dos documentos de prestação de contas relativas ao exercício de 2017, incluindo os pareceres obrigatórios e a certificação legal de contas.
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Apesar das resistências da AMMG, a 4 de maio, o banco acabou por mudar o nome da aplicação financeira “Capital Certo” para “Poupança Mutualista”.

Assim, começou por ficar congelada a venda do produto Capital Certo da Mutualista aos balcões do Montepio, pois Carlos Tavares quer comercialização transparente; e o nome do produto mudou para Poupança Mutualista. Quem for aos balcões da CEMG (Caixa Económica Montepio Geral) não consegue subscrever o produto Capital Certo da AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral), dona do banco. A principal preocupação da administração da CEMG é a completa transparência do processo de venda e o cumprimento de todos os requisitos de informação aos clientes e associados. E daí que as vendas do produto que tem estado na mira dos reguladores, especialmente do Banco de Portugal (BdP), se encontrem suspensas desde fevereiro, ainda na gestão de José Félix Morgado. A administração liderada por Carlos Tavares, que entrou em funções em meados de março, decidiu manter essa suspensão. Entretanto, uma coisa é certa: o nome deste produto vai mudar e já há uma nova designação, com a validação do BdP e da própria Associação liderada por Tomás Correia: Poupança Mutualista, uma forma de tornar claro aos clientes qual é a instituição que está a promover a venda deste produto.

Todavia, apesar do “embargo” aos balcões do banco, este produto que apresenta semelhanças com um depósito bancário (embora não esteja protegido pelo Fundo de Garantia de Depósitos) pode continuar a ser subscrito nos postos de atendimento aos associados e onde trabalham os gestores mutualistas (Há cerca de 100 destes espaços a funcionar dentro de aproximadamente 300 agências da CEMG).
O banco e a mutualista criaram um grupo de trabalho conjunto que está a avaliar toda a oferta de produtos mutualistas comercializados pela CEMG. Além da mudança da designação daquele produto para Poupança Mutualista, a reformulação irá além disso. A CEMG diz:
O grupo de trabalho está a repensar e a redesenhar o nome, a oferta, a informação simplificada dos produtos e a formação dos gestores. No fim do dia, o banco quer evitar quaisquer equívocos e ser transparente com os clientes.”.
Para a mutualista, o congelamento do Capital Certo surge num momento bastante sensível. Em 2017, a atividade associativa (que resulta das receitas geradas pelas aplicações dos associados nos produtos mutualistas menos os custos com responsabilidades desses produtos) gerou a perda de 373,8 milhões. E o ano de 2018 não começou bem: a margem do negócio foi deficitária em 67 milhões no primeiro trimestre, pressionando a mutualista a obter mais receitas ao longo do ano – a meta para este ano aponta para captação de 970 milhões de euros através da subscrição dos produtos da mutualista.
Seja como for, do lado do banco (e de Carlos Tavares), o objetivo é a comercialização assente em três pilares: adequada formação dos colaboradores que estejam habilitados a vender os produtos; informação rigorosa, completa e clara aos potenciais adquirentes de produtos financeiros de retalho sobre as características dos produtos e a natureza dos emitentes; e a sua submissão à CMVM e/ou à ASF, sempre que seja caso disso.
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Apesar de uma participação meramente simbólica (e se assim se mantiver) não lesar gravemente os objetivos e meios da SCML, é de questionar o que move a provedoria: política, gestão, protagonismo, capricho – já que não é salvar bancos nem atingir metas da Santa Casa…
2018.05.12 – Louro de Carvalho

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