terça-feira, 29 de maio de 2018

Altice já não comprará a TVI


A Autoridade da Concorrência (AdC) rejeitou os compromissos da Altice para a compra da TVI. A resposta está agora do lado da Altice, mas já ninguém espera que o negócio seja viável.
O grupo franco-israelita liderado por Patrick Drahi e Armando Pereira, que tinha comprado a PT, pretendia fazer uma integração vertical, com a Prisa, que controla a Media Capital, dona da TVI. Para tanto, anunciou a respetiva OPA a 14 de julho de 2017 por 440 milhões de euros.
Após conturbados e longos meses e com o processo na AdC, depois de ter passado na ERC, esperava-se a finalização com aprovação ou “chumbo”. A Altice já sabia desde fevereiro a natureza dos remédios exigidos pelo regulador, sobretudo em relação à possibilidade de “encerramento de mercados”, fórmula jurídica simplificada para explicar a possibilidade de a Altice impedir o acesso de outros operadores concorrentes, como a Nos ou Vodafone, a conteúdos de subscrição ou de aumentar de tal maneira os preços que, na prática, resultaria no mesmo. Ora, a Altice só respondeu no dia 30 de abril e com oito remédios comportamentais, que são impossíveis de monitorizar.
Os preditos remédios ou compromissos por parte da presumida adquirente foram: i) a autonomização dos negócios de distribuição de canais, conteúdos, publicidade e TDT, na ideia de que tais departamentos viessem a ser controlados por empresas distintas no grupo; ii) a disponibilização para implementar a oferta regulada de acesso à sua plataforma, por um período de 5 a 10 anos; iii) a não atribuição de exclusividade aos canais e novos canais da plataforma de televisão da Meo, ou seja, a garantia do acesso da concorrência aos canais que detém; iv) a não limitação futura do acesso aos serviços de operadores de televisão concorrentes; v) a continuidade da disponibilização da sua plataforma aos canais de operadores concorrentes da TVI e a sua não despromoção na grelha de canais; vi) a disponibilização dos canais publicitários da Media Capital aos concorrentes numa base não discriminatória “durante o período de duração dos compromissos”; vii) a restrição da mobilidade de trabalhadores entre a Meo e a Media Capital, para não haver risco de troca de informação sensível; e viii) a continuidade de dar acesso à TDT de forma não discriminatória e em condições de transparência de preço.
Estas oito “bem-aventuranças da boa vontade”, que alegadamente configuram os compromissos estruturais exigidos pela AdC à Altice para autorizar a compra da Media Capital, comportam riscos já elencados anteriormente por Miguel Almeida, da Nos, e Mário Vaz, da Vodafone – riscos de monitorização, riscos de incumprimento e insuficiência de especificações quanto às medidas propostas – pelo que os preditos compromissos da operadora são tidos por insuficientes pelas outras operadoras.
Para o conselho da AdC, presidido por Margarida Matos Rosa, os compromissos apresentados são de natureza apenas comportamental, quando se exigem medidas e “remédios” estruturais. Assim, os “remédios” apresentados foram considerados insuficientes “porque não protegem os direitos dos consumidores nem garantem a concorrência no mercado”.
Com efeito, regra geral, só com vendas de partes de negócio, mas essa possibilidade põe em causa a própria operação e fica de pé a questão como é que se garante que a Altice não vai encerrar mercados, não só na televisão por subscrição, mas na publicidade, nos Over The Top (OTT) ou na própria TDT?”.
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Em termos formais, a Altice poderá reformular ainda as medidas propostas para responder às exigências da AdC, mas diversas fontes asseguram que o negócio morreu, pois o que a AdC exige para admitir a operação é de tal ordem que, se a Altice ainda tem interesse no negócio, o que é duvidoso, não satisfará tais condições.
Recentemente, na Assembleia da República, Alexandre Fonseca, presidente da Altice Portugal, tinha dito que a Altice não estaria disponível para mudar os “remédios” apresentados. Esses remédios, apresentados sob a forma de compromissos, que a Nos e a Vodafone consideraram portadores de risco, foram rejeitados, de forma global, pelo regulador, por não protegerem os interesses dos consumidores. 
A decisão da AdC, que ainda não é a decisão final sobre o próprio negócio, foi comunicada, no dia 28, à Altice e cabe agora à operadora uma de duas respostas: apresentar novos remédios ou, simplesmente, desistir do negócio.
Oficialmente, a Altice, que se queixa de ter sabido da decisão através da comunicação social, remete uma resposta para os próximos dias, mas sabe-se que, salvaguardada qualquer evolução de última hora em contrário, deverá ser emitido um comunicado esta terça ou quarta-feira.
Na própria AdC, a convicção é a de que a Altice não apresentará qualquer alternativa de “remédios”, menos ainda na linha dos considerados indispensáveis para a aprovação do negócio. Não cabendo à Concorrência sugerir ‘remédios’ às empresas, os técnicos do regulador, no entanto, fazem cenários e antecipam condições que, tendo em conta o que está em causa, dificilmente serão viáveis para a Altice.
Duvida-se se nos últimos tempos a Altice ainda quereria mesmo comprar a Media Capital. Oficialmente, a administração da Altice Portugal fez várias e sucessivas declarações de empenhamento no negócio, mas os observadores estranharam o tempo que a empresa demorou a responder à Concorrência, por frisar publicamente existir no contrato de compra com os espanhóis da Prisa uma data-limite para a sua conclusão que já tinha sido ultrapassada.
Além disso, na semana passada, houve uma evolução que pode significar uma resposta às dúvidas sobre os reais interesses da Altice na Media Capital. Pressionada por um elevado nível de dívida, a Altice anunciou, em princípios de janeiro, a separação do negócio americano do europeu. E, a 22 de maio, dia em que a empresa começou a negociar em ex-dividendo na bolsa de Amesterdão, por força deste spin-off, Sebastien Soriano, presidente do regulador das telecomunicações francesas, declarou ao Le Monde estar aberto a novas fusões nas telecomunicações em França – o que foi considerado o suficiente para puxar pelos títulos da Altice, que chegaram a atingir mais de 50% em bolsa graças às perspetivas dos investidores em relação a uma possível venda da SFR, a telecom do grupo Altice em França.
A reestruturação da Altice, tanto do ponto de vista societário e de governação como do ponto de vista operacional, dá novo fôlego ao grupo franco-israelita junto dos investidores e a possibilidade de deixar cair um negócio no nosso país que estava contratado com um múltiplo que avalia a Media Capital em cerca de dez vezes o EBITDA que consegue gerar por ano poderá ser outra boa notícia nos mercados.
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A decisão da AdC já foi comunicada à empresa liderada por Patrick Drahi, que poderá avançar com novos compromissos para tentar fechar o negócio ou desistir da operação se considerar que não tem condições para apresentar uma nova proposta, como avançava o Dinheiro Vivo e como foi confirmado pelo ECO.
Dinheiro Vivo, que obteve a informação junto de fonte próxima do processo, mas sem a revelar, acrescenta que a Altice já foi informada desta decisão, podendo agora avançar com novos compromissos. Mas, se considerar que não tem condições para apresentar compromissos alternativos, poderá deixar cair o negócio de 440 milhões de euros. A AdC colocara, em fevereiro, o negócio de compra da Media Capital pelo grupo francês sob investigação aprofundada por considerar que a operação pode levantar obstáculos concorrenciais.
E, para responder às preocupações do regulador, a  Altice apresentou, no final de abril, os já referidos oito compromissos/remédios que incluem a autonomização de negócios de empresas distintas, a não exclusividade dos canais e a disponibilização na sua plataforma dos canais concorrentes da TVI. Mais o grupo de Drahi prometeu criar a figura independente do mandatário de monitorização para assegurar o cumprimento dos compromissos.
Contudo, o regulador entendeu que alguns dos remédios assumidos careciam de especificações, apresentavam riscos de monitorização e de eventual incumprimento, bem como de distorção de mercado. E considerou que a operação pode ter “impactos potencialmente negativos no desenvolvimento de novos conteúdos e modelos de negócio que envolvam, designadamente, a transmissão e o acesso a conteúdos audiovisuais através da internet”, como aponta o documento a que o Dinheiro Vivo teve acesso. Por outro lado, o passado recente da Altice não inspira propriamente confiança no cumprimento de regras comportamentais. Veja-se o caso da multa europeia de 125 milhões de euros por via do acesso a informação considerada confidencial da PT Portugal antes de a Comissão Europeia autorizar formalmente o negócio. Exigiam-se, pois, compromissos estruturais, que não chegaram.
Ademais, um relatório da Anacom – que abrange os incêndios de Pedrógão Grande, em 17 de junho de 2017, e os da região Centro, de 15 e 16 outubro –, indica que “apenas um operador mantinha ligações por restabelecer” a 11 de maio deste ano, isto é, a Altice. Estava por restabelecer a ligação de cerca de 1.300 clientes. A Lusa questionou, sem sucesso, a operadora sobre estes dados. Mas o presidente da Anacom explicou à agência, tendo em conta a justificação dada pela Altice ao regulador, que, até à data do relatório (11 de maio), cerca de 500 clientes recusaram “a solução de reposição da ligação que lhes tinha sido proposta”, pois, não se limitava a repor o serviço, mas a aumentá-lo instando à contratação de pacote plurivalente e não restrito à ligação telefónicaNos restantes casos, “a Meo aduziu não ter conseguido contactar os clientes” ou estar a ligação agendada para data posterior “por conveniência dos próprios clientes”, alguns dos quais não vivem permanentemente naquela zona. O responsável assegurou que “a Anacom vai continuar a fiscalizar e a acompanhar estas situações para garantir que não há nenhum cliente que, sem motivo, fique com as ligações por restabelecer”.
Por outro lado, a operadora estabeleceu uma rede tentacular de cal centers e batedores de portas cujos agentes passam a vida a infernizar os cidadãos e levam a firmar ou a alterar unilateralmente os contratos por formas e em condições verdadeiramente abstrusas.
Finalmente, como se disse, não é claro que a própria Altice ainda queira comprar a Media Capital. A reestruturação societária e de negócio internacional, a possibilidade de venda da SFR em França e a necessidade de redução da dívida do grupo poderão ajudar a explicar porque é que os compromissos propostos pela Altice ficaram claramente aquém do que se sabia serem as exigências da AdC. Por consequência, o negócio abortou em fase adiantada, pelo que, salvaguardada a hipótese e reviravolta inesperada, a Altice anunciará a desistência de modo formal ou informal, apresentando o respetivo boletim clínico, quiçá para bem do mercado e dos cidadãos.
2018.05.29 – Louro de Carvalho

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