A Autoridade da Concorrência (AdC) rejeitou os
compromissos da Altice para a compra da TVI. A resposta está agora do lado da Altice,
mas já ninguém espera que o negócio seja viável.
O grupo franco-israelita liderado por Patrick Drahi e Armando Pereira, que
tinha comprado a PT, pretendia fazer uma integração vertical, com a Prisa, que controla
a Media Capital, dona da TVI. Para tanto, anunciou a respetiva OPA a 14 de
julho de 2017 por 440 milhões de euros.
Após conturbados e longos meses e com o processo na AdC, depois de ter
passado na ERC, esperava-se a finalização com aprovação ou “chumbo”. A Altice
já sabia desde fevereiro a natureza dos remédios exigidos pelo regulador,
sobretudo em relação à possibilidade de “encerramento de mercados”, fórmula
jurídica simplificada para explicar a possibilidade de a Altice impedir o
acesso de outros operadores concorrentes, como a Nos ou Vodafone, a conteúdos
de subscrição ou de aumentar de tal maneira os preços que, na prática,
resultaria no mesmo. Ora, a Altice só respondeu no dia 30
de abril e com oito remédios comportamentais, que são impossíveis de
monitorizar.
Os preditos remédios ou compromissos por parte da presumida adquirente
foram: i) a autonomização dos
negócios de distribuição de canais, conteúdos, publicidade e TDT, na ideia de
que tais departamentos viessem a ser controlados por empresas distintas no
grupo; ii) a disponibilização para
implementar a oferta regulada de acesso à sua plataforma, por um período de 5 a
10 anos; iii) a não atribuição de
exclusividade aos canais e novos canais da plataforma de televisão da Meo, ou
seja, a garantia do acesso da concorrência aos canais que detém; iv) a não limitação futura do acesso aos
serviços de operadores de televisão concorrentes; v) a continuidade da disponibilização da sua plataforma aos canais
de operadores concorrentes da TVI e a sua não despromoção na grelha de canais; vi) a disponibilização dos canais
publicitários da Media Capital aos concorrentes numa base não discriminatória
“durante o período de duração dos compromissos”; vii) a restrição da mobilidade de trabalhadores entre a Meo e a Media
Capital, para não haver risco de troca de informação sensível; e viii) a continuidade de dar acesso à TDT
de forma não discriminatória e em condições de transparência de preço.
Estas oito “bem-aventuranças da boa vontade”, que alegadamente configuram os
compromissos estruturais exigidos pela AdC à Altice para autorizar a compra da
Media Capital, comportam riscos já elencados anteriormente por Miguel Almeida,
da Nos, e Mário Vaz, da Vodafone – riscos de monitorização,
riscos de incumprimento e insuficiência de especificações quanto às medidas
propostas – pelo que os preditos compromissos da operadora são tidos por insuficientes
pelas outras operadoras.
Para o conselho da AdC, presidido por Margarida Matos Rosa, os compromissos
apresentados são de natureza apenas comportamental, quando se exigem medidas e
“remédios” estruturais. Assim, os “remédios” apresentados foram considerados
insuficientes “porque não protegem os direitos dos consumidores nem garantem a
concorrência no mercado”.
Com efeito, regra geral, só com vendas de partes de negócio, mas essa
possibilidade põe em causa a própria operação e fica de pé a questão como é que
se garante que a Altice não vai encerrar mercados, não só na televisão por
subscrição, mas na publicidade, nos Over
The Top (OTT) ou na própria TDT?”.
***
Em termos formais, a Altice poderá reformular ainda as
medidas propostas para responder às exigências da AdC, mas diversas fontes asseguram
que o negócio morreu, pois o que a AdC
exige para admitir a operação é de tal ordem que, se a Altice ainda tem
interesse no negócio, o que é duvidoso, não satisfará tais condições.
Recentemente, na Assembleia da República, Alexandre Fonseca,
presidente da Altice Portugal, tinha dito que a Altice não estaria disponível
para mudar os “remédios” apresentados. Esses remédios, apresentados sob a forma
de compromissos, que a Nos e a Vodafone consideraram portadores de
risco, foram rejeitados, de forma global, pelo regulador, por não protegerem os
interesses dos consumidores.
A decisão da AdC, que ainda não é a decisão final sobre o próprio negócio,
foi comunicada, no dia 28, à Altice e cabe agora à operadora uma de duas
respostas: apresentar novos remédios ou, simplesmente, desistir do negócio.
Oficialmente, a Altice, que se queixa de ter sabido da decisão através da
comunicação social, remete uma resposta para os próximos dias, mas sabe-se que, salvaguardada qualquer evolução de última hora em
contrário, deverá ser emitido um comunicado esta terça ou quarta-feira.
Na própria AdC, a convicção é a de que a Altice não apresentará qualquer
alternativa de “remédios”, menos ainda na linha dos considerados indispensáveis
para a aprovação do negócio. Não cabendo à Concorrência sugerir ‘remédios’ às
empresas, os técnicos do regulador, no entanto, fazem cenários e antecipam
condições que, tendo em conta o que está em causa, dificilmente serão viáveis
para a Altice.
Duvida-se se nos últimos tempos a Altice ainda quereria
mesmo comprar a Media Capital. Oficialmente,
a administração da Altice Portugal fez várias e sucessivas declarações de
empenhamento no negócio, mas os observadores estranharam o tempo que a empresa
demorou a responder à Concorrência, por frisar publicamente existir no contrato
de compra com os espanhóis da Prisa uma data-limite para a sua conclusão que já
tinha sido ultrapassada.
Além disso, na semana passada, houve uma evolução que pode significar uma
resposta às dúvidas sobre os reais interesses da Altice na Media Capital.
Pressionada por um elevado nível de dívida, a Altice anunciou, em princípios de
janeiro, a separação do negócio americano do europeu. E, a 22 de maio, dia
em que a empresa começou a negociar em ex-dividendo na bolsa de Amesterdão, por
força deste spin-off, Sebastien Soriano, presidente
do regulador das telecomunicações francesas, declarou ao Le Monde estar aberto a novas fusões nas telecomunicações em França
– o que foi considerado o suficiente para puxar pelos títulos da Altice, que
chegaram a atingir mais de 50% em bolsa graças às perspetivas dos investidores
em relação a uma possível venda da SFR, a telecom do
grupo Altice em França.
A reestruturação da Altice, tanto do ponto de vista societário e de
governação como do ponto de vista operacional, dá novo fôlego ao grupo
franco-israelita junto dos investidores e a possibilidade de deixar cair um
negócio no nosso país que estava contratado com um múltiplo que avalia a Media
Capital em cerca de dez vezes o EBITDA que consegue gerar por ano poderá ser
outra boa notícia nos mercados.
***
A decisão da AdC já foi comunicada à empresa liderada por Patrick
Drahi, que poderá avançar com novos compromissos para tentar fechar o negócio
ou desistir da operação se considerar que não tem condições para apresentar uma
nova proposta, como avançava o Dinheiro Vivo e como foi confirmado pelo ECO.
O Dinheiro Vivo,
que obteve a informação junto de fonte próxima do processo, mas sem a
revelar, acrescenta que a Altice já foi informada desta decisão, podendo agora
avançar com novos compromissos. Mas, se considerar que não tem condições para
apresentar compromissos alternativos, poderá deixar cair o negócio de 440
milhões de euros. A AdC colocara, em fevereiro, o negócio de compra da Media Capital pelo grupo francês sob
investigação aprofundada por considerar que a operação pode
levantar obstáculos concorrenciais.
E, para responder às preocupações do regulador, a Altice apresentou,
no final de abril, os já referidos oito compromissos/remédios que incluem a
autonomização de negócios de empresas distintas, a não exclusividade dos canais
e a disponibilização na sua plataforma dos canais concorrentes da TVI. Mais o
grupo de Drahi prometeu criar a figura independente do mandatário de
monitorização para assegurar o cumprimento dos compromissos.
Contudo, o regulador entendeu que alguns dos remédios assumidos careciam de
especificações, apresentavam riscos de monitorização e de eventual
incumprimento, bem como de distorção de mercado. E considerou que a operação
pode ter “impactos potencialmente negativos no desenvolvimento de novos
conteúdos e modelos de negócio que envolvam, designadamente, a
transmissão e o acesso a conteúdos audiovisuais através da internet”, como
aponta o documento a que o Dinheiro Vivo teve acesso. Por outro lado, o
passado recente da Altice não inspira propriamente confiança no cumprimento de
regras comportamentais. Veja-se o caso da multa europeia de 125 milhões de
euros por via do acesso a informação considerada confidencial da PT Portugal
antes de a Comissão Europeia autorizar formalmente o negócio. Exigiam-se, pois,
compromissos estruturais, que não chegaram.
Ademais, um relatório da Anacom – que abrange os incêndios de Pedrógão
Grande, em 17 de junho de 2017, e os da região Centro, de 15 e 16 outubro –,
indica que “apenas um operador mantinha ligações por restabelecer” a 11 de
maio deste ano, isto é, a Altice. Estava por restabelecer a ligação
de cerca de 1.300 clientes. A Lusa questionou, sem sucesso, a operadora
sobre estes dados. Mas o presidente da Anacom explicou à agência, tendo em
conta a justificação dada pela Altice ao regulador, que, até à data do
relatório (11 de maio), cerca de 500 clientes recusaram “a solução de reposição da ligação
que lhes tinha sido proposta”, pois, não se limitava a repor o serviço, mas a
aumentá-lo instando à contratação de pacote plurivalente e não restrito à
ligação telefónica. Nos restantes casos, “a Meo
aduziu não ter conseguido contactar os clientes” ou estar a ligação agendada para data posterior “por conveniência
dos próprios clientes”, alguns dos quais não vivem permanentemente naquela zona.
O responsável assegurou que “a Anacom vai continuar a fiscalizar e a acompanhar
estas situações para garantir que não há nenhum cliente que, sem motivo, fique
com as ligações por restabelecer”.
Por outro lado, a operadora estabeleceu uma rede tentacular de cal centers e batedores de portas cujos agentes
passam a vida a infernizar os cidadãos e levam a firmar ou a alterar
unilateralmente os contratos por formas e em condições verdadeiramente
abstrusas.
Finalmente, como se disse, não é claro que a própria Altice ainda queira comprar
a Media Capital. A reestruturação societária e de negócio internacional, a
possibilidade de venda da SFR em França e a necessidade de redução da dívida do
grupo poderão ajudar a explicar porque é que os compromissos propostos pela
Altice ficaram claramente aquém do que se sabia serem as exigências da AdC. Por
consequência, o negócio abortou em fase adiantada, pelo que, salvaguardada a hipótese
e reviravolta inesperada, a Altice anunciará a desistência de modo formal ou
informal, apresentando o respetivo boletim clínico, quiçá para bem do mercado e
dos cidadãos.
2018.05.29 –
Louro de Carvalho
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