domingo, 6 de maio de 2018

Movimento pelo Interior, uma sensibilidade ou uma rota de ação?


O caderno de Economia do Expresso, do dia 5 de maio, publicou a páginas 11, um texto de Vítor Andrade que releva a opinião de economistas, urbanistas e académicos no sentido da insuficiência dos incentivos fiscais propostos pelo Movimento pelo Interior, movimento surgido nos finais do ano passado na sequência do estado em que ficou o país, sobretudo largas zonas do Interior, em razão dos incêndios florestais que varreram o país de pessoas, bens e paisagem.
As múltiplas vozes içadas clamavam pela atenção ao interior profundo por parte dos poderes. Todavia, sabe-se que a atenção dos poderes públicos não será eficaz se não pude contar com a cooperação dos agentes económicos e sociais, para o que tem de se criar e consolidar uma nova sensibilidade e estabelecer uma sustentável rota de medidas e de atuação, sem o que não passamos do campo das boas intenções.    
Assim, a 5 de novembro, de 2017, o presidente da Câmara da Guarda e presidente dos Autarcas Socialdemocratas, Álvaro Amaro, que lidera o denominado “Movimento pelo Interior – em nome da coesão”, foi recebido em audiência pelo Presidente da República. Com o autarca egitaniense estiveram no Palácio de Belém Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real (e dos Autarcas Socialistas); António Fontainhas Fernandes, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (e reitor da UTAD); Nuno Mangas, presidente do Conselho Coordenador dos Politécnicos (e do Instituto Politécnico de Leiria); e Silva Peneda, antigo presidente do Conselho Económico e Social. Outros fundadores do movimento são os empresários Rui Nabeiro, da Delta Cafés, e Fernando Nunes, do Grupo Visabeira. E Miguel Cadilhe, Jorge Coelho e Pedro Lourtie são os coordenadores para as políticas Fiscal, de Ordenamento do Território, e da Educação, respetivamente.
A audiência com Marcelo foi o primeiro ato público deste grupo de personalidades que se propôs realizar um conjunto de ações para refletir e alertar acerca dos problemas da interioridade. A este respeito, podia ler-se no documento entregue ao Presidente da República:
Pretende-se que venha a ser um Movimento que, após a sua institucionalização, seja naturalmente aberto a todas as personalidades e instituições que queiram aderir para que se defina, em concreto e bem faseado no tempo, um pequeno conjunto de medidas de políticas públicas e que, num prazo de 12 anos (3 legislaturas), seja clara a reversão da situação que hoje se vive nos territórios do Interior”.
A seguir, a 17 de novembro, o Movimento anunciou a criação duma plataforma na internet para receber os contributos dos portugueses que queiram colaborar com propostas e ideias.
Este movimento, que dizia ter surgido pela vontade e empenho de um grupo de personalidades de vários quadrantes sociais e políticos, referia em nota que tinha disponível ‘online’ uma plataforma que possibilita o envio de propostas e de ideias, devendo os interessados submeter conteúdos no endereço www.movimentopelointerior.org. E acrescentava:
Fica também disponível, a partir de hoje, a possibilidade, no mesmo sítio de internet, de [qualquer interessado] aderir a este movimento, uma ‘causa maior’ que merece o empenho de todos quantos queiram abraçá-la e incentivá-la”.
Com esta plataforma, os fundadores, que defendem que a luta pelo Interior deve ser “uma grande causa nacional”, intentavam “chegar a todas as personalidades e instituições que queiram aderir”, para que se defina, “em concreto e bem faseado no tempo, um pequeno conjunto de medidas de políticas públicas e que, num prazo de 12 anos (três legislaturas) seja clara a reversão da situação que hoje se vive nos territórios do interior”. E justificavam-se:
Combater esta desertificação dos territórios do interior é hoje uma causa nacional e, por isso, se impõe um grande consenso político para levar à prática esse pequeno conjunto de medidas que este movimento pretende com a ajuda de todos e com o alto patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República apresentar ao país durante o primeiro semestre de 2019”.
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O Movimento apresentou, a 23 fevereiro, aos parceiros sociais um esboço de “medidas radicais” (“já não dá com paliativos” – dizia José Silva Peneda) para corrigir os desequilíbrios estruturais do país, levando pessoas, empresas e algumas estruturas da administração pública para o interior.
De acordo com Silva Peneda, a ideia do grupo assenta em três eixos:
Um primeiro com a política fiscal, com o objetivo claro de aumentar a atividade económica no interior e o emprego; o outro eixo tem a ver com o sistema educativo, cujo objetivo tem a ver com a criação de mais lugares e mais alunos nas instituições do ensino superior do interior; e o terceiro tem a ver com a organização do Estado”.
Disse – considerando que, “num tempo em que o desenvolvimento tecnológico atingiu o desenvolvimento tecnológico que atingiu”, não faz sentido “ter todos os serviços da administração pública localizados em Lisboa” – que, entre as propostas, contam-se benefícios fiscais que levem à deslocalização de empresas e de pessoas para o interior. Porém, as medidas e a quantificação de quanto custarão serão apresentadas numa conferência em maio ou junho, cabendo aos poderes políticos decidir. Entretanto, advertiu:
Mas também temos a noção clara de que isto não é um problema que se resolva numa semana, num mês ou numa legislatura. Nós apontamos pelo menos três legislaturas para que estas ações possam ter efeitos práticos no terreno. Significa que um dos ingredientes para o sucesso é que haja estabilidade nas políticas que forem definidas e nos instrumentos que forem identificados, porque, se andarmos aqui aos ziguezagues, isso não será fácil.”.
Os promotores esperam um amplo consenso à volta desta causa e gostariam que estas medidas tenham já impacto no Orçamento do Estado para 2019, mas sobretudo que elas também fossem consideradas no quadro financeiro 2020/2030. A este respeito, disse Álvaro Amaro:
Temos a convicção profunda de que será aceite por todos os líderes partidários. O que nós procuraremos é que haja um largo consenso nacional para uma grande causa nacional.”.
Refira-se que as propostas em concreto na área fiscal têm estado a ser trabalhadas pelo antigo Ministro das Finanças Miguel Cadilhe; as propostas de deslocalização do Estado para o interior do território pelo ex-Ministro (sucessivamente, da Administração Interna, Adjunto e do Equipamento Social) Jorge Coelho; e as da educação pelo ex-Secretário de Estado da Educação Pedro Lourtie.
As medidas preliminares foram apresentadas também ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao Primeiro-Ministro, António Costa.
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O Movimento, que intentava fazer cinco conferências regionais pelo país e um grande debate nacional, já realizou conferências em Bragança, Covilhã e Mação e é aberto a todas as personalidades e instituições que queiram aderir para, como se disse, se definir, em concreto e bem faseado no tempo, um conjunto de medidas de políticas públicas que, num prazo de 12 anos seja clara a reversão da situação que hoje se vive nos territórios do Interior.
A 4.ª Conferência realizou-se no passado dia 20 de abril, pelas 14,30 horas, no Auditório do Centro de Congressos de Portalegre, sob a moderação de José Manuel Fernandes, publisher no jornal “Observador” e tendo sido convidados como oradores: Adelaide Teixeira, Presidente da Câmara de Portalegre; Rui Nabeiro, da Delta Cafés, Albano Silva, Presidente do Instituto Politécnico de Portalegre, e Jorge Marrão, Diretor Executivo da Deloitte.
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É de registar que este Movimento tem um fim em vista, conseguido o qual decretará a sua extinção como entidade. E já conseguiu um objetivo: colocar a discussão do Interior em cima da mesa do debate e pôr as pessoas a falar.
Porém, em espécie, já existem os seguintes incentivos: no âmbito do IRC, fica estabelecida uma taxa de 12,5% nos primeiros €15.000 de matéria coletável às PME que exerçam atividades no interior; no dos benefícios fiscais para a criação líquida de emprego, prevê-se a dedução dos encargos salariais correspondentes à conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo; no quadro do PT 2020, é de ter em conta o programa de discriminação positiva para os territórios do interior que já possibilitou o apoio a investimentos empresariais de € 1500 milhões; o Programa Semente visa apoiar investidores individuais interessados em entrar no capital social de startups inovadoras; o Programa Capitalizar compreende medidas de natureza fiscal e legislativa para incentivo ao investimento e à capitalização das empresas; e o SIFIDE II traduz-se numa dedução à coleta do IRC, até à sua concorrência, de um valor correspondente às despesas elegíveis com atividades de I&D.
A isto, Augusto Mateus (especialista em questões territoriais) sustenta que ninguém vai investir onde não se criar riqueza. Por isso, os incentivos pouco valem “sem uma logística organizada, um conjunto de serviços associados às tecnologias de informação e recursos humanos qualificados”. E não se faz coesão tirando a Lisboa, Porto e outros territórios. Ademais, as atividades exportadoras não deixarão de se situar junto dos portos e aeroportos, pois aí está a logística capaz de “gerar riqueza e ganhar escala”.
José Pedro Pontes (especialista em geografia espacial) julga que “a vantagem de uma empresa se implantar no interior é anulada pela proliferação de vias de comunicação”, sendo a melhoria dos transportes, por si, “um fator de agravamento das desigualdades territoriais”. Porém, um incentivo fiscal pode fazer a diferença, tudo dependendo do montante e da duração do incentivo, que tem de ser significativo. E, a par do incentivo dado às empresas, havia que dá-lo às pessoas que se queiram instalar no interior, por exemplo, pela redução do IRS. Pessoas e empresas atraídas significariam uma considerável mais-valia.
O Expresso recorda que este Movimento pelo Interior não é novo, já existe desde 2011. Luís Veiga, um dos promotores, diz que não faltam estudos sobre interior e coesão, mas sem resultados significativos. E questiona o que resta do Plano de 164 medidas destinado a revitalizar 165 municípios do interior, concebido por uma Unidade de Missão. E João Paulo Catarino, coordenador da dita Unidade de Missão para o Interior, disse recentemente que “65% das medidas já estão executadas ou em vigor”. Mas a sua antecessora Helena Freitas está satisfeita com as propostas ora apresentadas pelo Movimento. Só mostra a sua surpresa por esta abordagem não ter incluído medidas de promoção de economia “ajustadas” aos territórios do interior, pois “esta discriminação positiva, os investimentos a fazer ou a deslocalização de serviços públicos só podem resultar de uma estratégia integrada e comprometendo todas as áreas ministeriais”.
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A expressão territorial das dinâmicas económicas é essencial para a definição de políticas territoriais. Embora o discurso dos decisores políticos sublinhe a importância da coesão territorial e eliminação das assimetrias de desenvolvimento, as políticas concretas pouco têm a ver com estas boas intenções e a informação de apoio a essas políticas não tem estado disponível. (cf “Promoção do investimento em regiões do interior: uma política económica e demográfica”, in file:///C:/Users/user/Favorites/Documents/ws%20MC%202010%20(2).pdf).
O apontamento de 8 páginas ora mencionado, de 2010, de Eduardo Anselmo Castro, João Lourenço Marques e Marta Marques, da Universidade de Aveiro, e Pedro Ramos, da Universidade de Coimbra, exemplificava:
É necessário reverter o esvaziamento do interior do país – como fazê-lo? Seria importante que houvesse informação sobre: a capacidade de reprodução da população do interior, as necessidades de atracão de população que garanta a sustentabilidade demográfica e as necessidades de criação de emprego que atraia essa população.”.
E diziam que era “este tipo de informação” que o projeto que tinham entre mãos iria criar.
Na convicção de que é possível realizar políticas demográficas, políticas eficientes que invertam tendências de esvaziamento regional ou que contribuam para uma sustentabilidade demográfica, sustentavam que era necessário adotar uma metodologia que articulasse as componentes económica e demográfica e que permitisse identificar o tipo de investimento necessário capaz de fixar e atrair população em idade ativa de algumas regiões periféricas.
Como desafios nas próximas décadas, apontavam, em primeiro lugar, o dinamismo demográfico. Com efeito, a nível global, “o crescimento continuado da população coloca uma pressão insuportável sobre os recursos naturais”; por outro lado, sociedades economicamente mais desenvolvidas apresentam “taxas de fertilidade que não garantem a reprodução dos seus efetivos demográficos”. Neste contexto, torna-se difícil a “escolha entre a abertura à imigração e a cedência aos receios de uma população que teme perder as suas regalias e as suas referências culturais”. A amplitude negativa (ou positiva) que o dinamismo demográfico possa tomar “terá consequências, proporcionalmente relevantes, no sistema económico”.
Outro dos desafios apontados é o envelhecimento da população a nível nacional, agravado em municípios do interior, o que impõe “novas exigências na execução de políticas territoriais”, evidenciando a conexão “entre a demografia e economia”. Na verdade, a regressão demográfica, a par da posição periférica, gera a “ incapacidade de reanimar economicamente com capacidade endógena dos fatores produtivos”. Apenas “a ação conjugada dos dois domínios é passível de reverter o fenómeno”, já que “se torna essencial a atração de nova população (imigração) para estas regiões, como forma de compensar a sua estrutura regressiva”.
Como concretizar? Atraindo as pessoas com a qualidade de vida e emprego e com o acesso a mercados (de matérias primas e consumo) e dispondo da força de trabalho.
Como notas metodológicas, sugeriam a procura e produção de informação que induza a caraterização do sistema socioeconómico e a operacionalização de modelos de desenvolvimento que avaliem os impactos das opções de desenvolvimento (desafio ainda mais relevante a escalas sub-regionais, onde a inexistência de informação não permite atuar de forma assertiva). Estes modelos deviam: estimar os efeitos sobre o emprego da quebra populacional e da procura; e avaliar os impactos de determinadas estratégias de investimento em ordem à desejável estabilidade demográfica. E a integração da componente demográfica e económica de diferentes territórios é ferramenta de avaliação do investimento que identifique e quantifique a população migrante necessária para quebrar o ciclo de regressão demográfica e para quebrar o ciclo de regressão demográfica e económica (identificando os setores em que o investimento apresenta efeitos reprodutivos mais significativos).

É urgente valorizar o Interior e salvá-lo, mas na certeza de que as pessoas não quererão regressar para voltarem à vida desgraçada que lá viveram. Políticas adequadas precisam-se!
2018.05.06 – Louro de Carvalho

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