quarta-feira, 23 de maio de 2018

Da LISBOR à ESTER


Estamos obviamente a falar do indexante de taxa de juros em empréstimos à habitação no caso de empréstimos contratados a taxa de juro variável ou a taxa mista (na parte variável).
Porém, antes de mais, é de ter em conta os juros referenciais do BCE (Banco Central Europeu). Com efeito, quando se fala de taxa de juros europeia, referimo-nos a esses juros referenciais. O valor desta taxa é o preço que os bancos pagam pelos empréstimos contraídos junto do BCE. Este “preço de compra” constitui um fator importante para os bancos na definição das taxas de juros a aplicar no momento em que estes contratualizam empréstimos. Baixando ou aumentando a taxa de juros (há uns tempos a esta parte, a taxa deste juros é negativa), o BCE influencia indiretamente o nível das taxas aplicadas pelos bancos em, entre outras, transações interbancárias, empréstimos a empresas, empréstimos para consumo, hipotecas e contas de poupança.
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Os empréstimos à habitação podem ser contratados com taxa de juro variável, com taxa de juro fixa ou com taxa de juro mista.
Nos contratos de crédito à habitação a taxa de juro variável, a taxa resulta da soma do indexante e do spread. O indexantetaxa de juro de referência – corresponde geralmente à Euribor (European Interbank Offered Rate), a taxa de referência do mercado monetário interbancário, e resulta da média das cotações fornecidas por um conjunto de bancos europeus, podendo o cliente optar por diferentes prazos, sendo os usuais a Euribor a 3, 6 e 12 meses. O spread  – a componente da taxa de juro que acresce ao indexante – é livremente definido pela instituição de crédito para cada contrato, tendo em conta, designadamente, o risco de crédito do cliente, o rácio entre o valor do empréstimo e o valor do imóvel (loan-to-value) e o custo de financiamento. Dependendo da estratégia comercial da instituição de crédito, o spread poderá ser reduzido como contrapartida pela aquisição, necessariamente facultativa, de outros produtos (vendas associadas).
As instituições de crédito não podem rever o valor do indexante com uma periodicidade diferente do prazo desse mesmo indexante. Por exemplo, nos contratos em que o indexante seja a Euribor a 3 meses, o valor dessa taxa só pode ser revisto de 3 em 3 meses.
As instituições de crédito devem assegurar que o indexante utilizado para calcular a taxa de juro seja claro, acessível, objetivo e verificável pelas partes do contrato (instituição de crédito e cliente bancário) e pelo Banco de Portugal; assegurar que o indexante que corresponda a uma variável monetária de referência seja determinado por uma instituição independente e adequado às caraterísticas do contrato de crédito em causa; e manter os registos históricos do indexante utilizado para a taxa de juro, a que o cliente deve poder aceder de forma simples e gratuita.
Nos empréstimos contraídos a taxa de juro fixa, a taxa é sempre a mesma e a prestação não se altera durante o prazo do contrato. É livremente estabelecida pela instituição de crédito em cada contrato, tendo em conta – além do risco de crédito do cliente, o rácio entre o valor do empréstimo e o valor do imóvel (loan-to-value) e o custo de financiamento – o risco de fixação da taxa de juro por um período longo. Neste tipo de contrato, o cliente não está exposto ao risco de variação da taxa de juro por parte do indexante, pelo que, no início do empréstimo, a taxa é normalmente superior à praticada num empréstimo com taxa variável.
Neste tipo de contratos não faz sentido falar em indexante.
Nos empréstimos a taxa de juro mista, as partes acordam que o contrato tem um período de taxa fixa, seguido dum período de taxa variável. Por exemplo, um empréstimo à habitação a 30 anos pode ter uma taxa fixa durante os primeiros 5 anos e uma taxa variável, indexada à Euribor, nos restantes 25 anos.
No período em que se aplique a taxa variável, as instituições de crédito não podem rever o valor do indexante com uma periodicidade diferente do prazo desse mesmo indexante. Por exemplo, nos contratos em que o indexante seja a Euribor a 3 meses, o valor dessa taxa só pode ser revisto de 3 em 3 meses.
Além da taxa de juro, o cliente tem de pagar comissões e outros encargos associados ao empréstimo. Na verdade, a taxa de juro, livremente negociada entre a instituição de crédito e o cliente bancário, é apenas um dos encargos a pagar pela concessão do empréstimo.
O cliente tem de pagar comissões e outros encargos (por exemplo, com abertura do processo, avaliação do imóvel, processamento de prestações) cobrados pela instituição no início da operação (“à cabeça”) e durante a vigência do contrato. Para que o cliente conheça o custo do empréstimo, as instituições de crédito têm de apresentar informação sobre: taxa de juro anual nominal (TAN), taxa de juro anual efetiva global (TAEG) e montante total imputado ao consumidor (MTIC).
No crédito à habitação, o imposto do selo incide sobre o montante financiado: 0,04% para prazos inferiores a 1 ano; 0,5% para prazos de 1 a 5 anos; e 0,6% para prazos superiores a 5 anos e as comissões cobradas ficam em 4%.
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O indexante é o acordo estabelecido entre um conjunto de bancos de nome no mercado sobre o mínimo de taxa de juro no contrato de empréstimo à habitação a taxa variável ou a taxa mista na parte variável. Esse acordo, que noutras áreas se designa por cartel, é feito sob a égide do banco central do universo dos bancos intervenientes.
Até há cerca de 20 anos, o indexante em Portugal era a Lisbor, determinada a partir das taxas praticadas para as operações ativas de oito dos principais bancos portugueses na altura.
Com a chegada do euro, houve a necessidade de harmonizar as taxas de juro interbancárias na Zona Euro. Nesse contexto surgiu a Euribor que, durante um período de tempo vigorou em paralelo com a Lisbor, era a taxa de juro utilizada em Portugal quando ainda circulava o escudo e que servia como indexante nos créditos das casas.
Com a chegada do euro foi substituída pela Euribor, cuja determinação é feita a partir das referências de um painel composto por mais de 50 instituições financeiras da Zona Euro do qual faz parte a Caixa Geral de Depósitos.
Agora, cerca de 20 anos depois de a Euribor ter substituído a Lisbor, como referência nos contratos de crédito à habitação, no final de 2019 deverá passar a usar a ESTER, a nova taxa interbancária do BCE.
Euribor vai, assim, ter uma nova parceira – a ESTER – nome que o BCE escolheu para denominar a nova taxa de juro que deverá passar a referência nas operações interbancárias da Zona Euro já no próximo ano. Estava previsto ser aplicada antes de 2020.
A ESTER foi a sigla escolhida pelo BCE para denominar a short-term rate, uma taxa de juro cuja viabilidade está a ser testada e que, se o resultado for positivo, passará a ser utilizada como referência nas transações realizadas entre os bancos, segundo avançou a Reuters. Após os testes à nova taxa de juro que se realizarão ao longo de três meses – até 31 de julho –, segue-se um período de consulta pública.
Como prometeu o BCE, “as caraterísticas desta nova taxa de juro overnight serão comunicadas aos participantes do mercado ao longo de 2018; e eles serão depois convidados a darem o seu contributo à abordagem sugerida”.
Está tudo preparado de modo a que esta taxa seja lançada no quarto trimestre de 2019, estando previsto um período de transição em que se utilizarão em simultâneo a Euribor e a ESTER.
Deverá acontecer algo semelhante ao que se passou em 1999 quando surgiu a Euribor.
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Esta decisão do BCE deve-se aos escândalos relacionados com a manipulação da taxa por parte dos bancos, que induziram o levantamento de muitas questões relacionadas com a fiabilidade do modelo de determinação da Euribor, taxa de referência para biliões de euros em operações com derivados na Zona Euro, incluindo uma parcela considerável dos contratos de crédito à habitação. Surgiu assim a necessidade de encontrar um modelo alternativo mais fiável para a determinação de uma taxa de juro interbancária de referência.
Há cerca de um ano houve uma tentativa falhada de arranjar um novo método de cálculo para a Euribor, com base em operações efetivamente realizadas entre os bancos. Em maio do ano passado, após vários testes, a EMMI (European Money Markets Institute), entidade responsável pela taxa que serve de base às prestações dos créditos, acabou por chegar à conclusão que alterar a fórmula de cálculo para um modelo dessa natureza não era exequível, deixando os bancos céticos em relação à pertinência da inovação.
Pouco depois, em setembro do ano passado, o BCE decidiu, avançar com o desenvolvimento de uma nova taxa de referência para os depósitos dos bancos até 2020, criando um “concorrente” à atual Euribor. A opção foi o desenvolvimento dum modelo híbrido que respondesse às atuais condições do mercado. A ESTER resulta, pois, desse desenvolvimento. Será determinada com base nas transações que ocorram no mercado interbancário da Zona Euro, mas também a partir das estimativas facultadas pelos bancos.
Portanto, se os testes a que a ESTER será exposta correrem como o previsto, dentro de pouco mais dum ano quando o cliente for contratar um crédito para a compra de casa, será confrontado com a ESTER. Segundo o BCE, citado pela Reuters, no passado dia 18,esta taxa, que será produzida antes de 2020, irá complementar as atuais taxas de referência produzidas pelo setor privado e servir como uma taxa de referência de apoio”.
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É verdade que, em junho, o BCE anunciou não assumir qualquer papel na substituição das taxas Euribor, depois de a EMNI (European Money Markets Institute), responsável pela taxa que serve de base às prestações dos créditos, ter considerado inexequível por agora alterar a fórmula de cálculo da Euribor. No então, recuou e decidiu lançar a sua taxa de referência, aduzindo:
As taxas de juro de referência estão atualmente sob reformas profundas. O BCE decidiu tomar a iniciativa dado que as taxas têm um papel importante de âncora nos contratos nos mercados financeiros.”.
E nada muda de substancial. Continuamos a pagar imposto ao Estado quer emprestemos dinheiro à banca quer lho peçamos. E a banca não se contenta com o spread e com o indexante; também cobra comissão por todos os atos praticados, até por levantamento ao balcão. Tudo a sugar o Zé Povo!
2018.05.23 – Louro de Carvalho

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