É certo que
as declarações dos últimos dias são inequívocas. O caso do ex-Ministro da
Economia, Manuel Pinho, envergonha qualquer socialista e o de José Sócrates
ainda envergonha muito mais por se tratar de um antigo Primeiro-Ministro. São acordes
dedilhados pelo porta-voz do PS, João Galamba, pelo Presidente do PS e líder do
grupo parlamentar, Carlos César, e pelo Secretário-Geral e Primeiro-Ministro,
António Costa.
Soube a
pouco e pareceu atitude de desdém o estafado slogan primoministerial de então “à política o que é da política e
à justiça o que e da justiça”, apesar de se perceber o que António Costa queria
dizer: a separação dos poderes no Estado de Direito. E isto, que é verdade, é
insuficiente. Separação não impede a interdependência e o mais importante é o funcionamento
dos poderes no sistema de pesos e contrapesos. Caso contrário, como se
justificaria que o Parlamento e o Presidente da República pudessem indicar
vogais do Conselho Superior da Magistratura ou o Parlamento eleja a maior parte
dos juízes do Tribunal Constitucional e, perante suspeitas de crimes contra o
Estado ou depauperamento do erário público se constituam comissões parlamentares
de inquérito (CPI)?
É óbvio que
as coincidências são demasiadas e levantam dúvidas sobre a isenção dos críticos
e dos operadores. E exemplifico: Sócrates foi detido publicamente no aeroporto
de Lisboa nas vésperas dum Congresso do PS; e o caso de Manuel Pinho, cujo nome
já tinha sido aflorado, regressa agora com toda a força em ano pré-eleitoral. Depois,
é estranho que, para Manuel Pinho e circunstâncias que o envolvem, se tenha
criado uma comissão parlamentar de inquérito para esclarecimento cabal dos
factos, ao passo que o caso Sócrates passou ao lado do Parlamento, tendo sido,
em vez de merecer a atenção deste órgão de soberania, capturado pela Comunicação
Social. Já agora, convenhamos que o Parlamento não está sujeito à obrigação da presunção
da inocência para pretender o esclarecimento de situações que turbam a vida
pública. Com efeito, o acidente/atentado de Camarate, embora fosse caso de
justiça, nem por isso foi estranho ao Parlamento, muito embora as conclusões
das sucessivas comissões parlamentares de inquérito não tenham sido totalmente
esclarecedoras.
***
Foi Ana Gomes, eurodeputada do PS, quem trouxe
para o debate a questão da corrupção dentro ou à sombra do Partido Socialista. Sempre
a Ana Gomes, a que mais escreveu sobre a polémica dos submarinos e as
aeropassagens de inquilinos de Guantánamo e foi a formiguinha no caso de Timor-Leste!
Não o sou, mas suponho que valeria a pena ser socialista para ter como camarada
Ana Gomes, uma mulher de armas! Que a ouçam.
Pois Ana Gomes sustentou que o PS deve aproveitar
o próximo congresso (de 25 a 27 de maio) para fazer uma “autocrítica”
ou fazê-la no órgão mais importante entre congressos, porque, “o PS não pode continuar
a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga”, como criticou.
Claramente elegeu, numa publicação feita na rede
social Twitter, o próximo congresso do partido como a oportunidade preferencial “para
escalpelizar” como é que o PS “se prestou a ser instrumento de corruptos e
criminosos”. É um postulado conjuntural necessário da regeneração do próprio PS, da Política
e do País. Estas coisas não podem voltar a acontecer.
Em declarações ao Diário de
Notícias, a eurodeputada clarificou que a mensagem que publicou
deve, “obviamente”, ser vista “à luz das revelações” das reportagens da SIC sobre o ex-Primeiro-Ministro socialista, acusado de corrupção no âmbito da operação Marquês
e, também, pelas suspeitas de corrupção que recaem sobre o ex-Ministro da
Economia, Manuel Pinho, agora investigado no “caso EDP”.
Àquele jornal, Ana Gomes declarou que “não há dúvida nenhuma de que o PS se tornou instrumento de vários
indivíduos corruptos e com uma agenda de enriquecimento pessoal”. Sobre
o caso de Manuel Pinho, a eurodeputada disse que nunca teve “dúvidas nenhumas”.
“Não sabia nada, mas cheirou-me mal tudo aquilo”, referiu, apontando para
eventuais ligações entre o ex-governante e o BES/GES.
***
Depois, veio
Carlos César a declarar que, “a confirmar-se [o caso de Manuel Pinho], é uma situação incompreensível e lamentável” e que,
em relação a Sócrates a vergonha “até é maior”.
O líder
parlamentar do PS, Carlos César, afirmou que o partido se sente “envergonhado”
em relação ao ex-Ministro Manuel Pinho, caso sejam confirmadas as suspeitas de
que é alvo.
O Presidente
do PS disse, no programa “Almoços Grátis”, da TSF, que “o Partido Socialista sente-se, como os partidos, a
confirmar-se o que é dito, envergonhado”.
Aos
microfones daquela rádio, Carlos César refere que o caso “tem de ser
esclarecido e punido”, até porque não há razão para não avaliar o caso Manuel Pinho
como já se avaliaram “os casos de vários ministros e responsáveis que na banca
ou na política que tiveram comportamentos desviantes, irregulares ou até de
alçada criminal”.
Segundo
Carlos César “é através de uma Comissão de Inquérito” que “melhor se poderá resolver
este assunto”.
O caso que
envolve o ex-ministro da Economia foi noticiado, a 19 de abril, pelo jornal
online Observador, segundo o qual há suspeitas de Manuel Pinho ter
recebido, entre 2006 e 2012, cerca de um milhão de euros.
O dirigente socialista
referiu, no entanto, que o caso de Manuel Pinho não irá ter espaço de discussão
no congresso do partido, que se realiza entre os dias 25 e 27 deste mês.
Questionado
se, a confirmarem-se as suspeitas que recaem sobre José Sócrates, a vergonha é
a mesma, o líder parlamentar do PS admitiu que a vergonha “até é maior”,
uma vez que se trata de um antigo Primeiro-Ministro.
À TSF
revelou que estes casos são discutidos nas reuniões internas do partido. “Ficamos
até enraivecidos com isto”, em especial com “pessoas que se aproveitam dos
partidos políticos” e têm “comportamentos desta dimensão e desta natureza”. “Evidentemente
que ficamos revoltados com tudo isso, como outros certamente terão ficado”, afirmou
Carlos César.
***
No entanto,
gostaria de perguntar a César como responderia à eventual alegação de que Pinho
não terá infringido nenhuma norma legal. Ou seja, se não houver infração da lei,
que fará a justiça? O que faz correr agora o Parlamento para uma CPI, quando
não o fez para Sócrates? Quais as consequências do eventual desrespeito de um
quadro ético em que a respetiva subcomissão de ética venha a apanhar Manuel Pinho?
Mais: Como responde César aos rumores de que dirigentes socialistas têm familiares
e amigos em altos cargos públicos, com entrada pela porta do cavalo? Ou como
pode continuar a sustentar a honestidade da perceção da dupla subsidiação de
viagens às Regiões Autónomas, independentemente de serem ou não efetuadas, bem
como despesas públicas sem comprovativo documental. Ninguém está acima da lei nem
fora da lei em democracia, não é verdade? Ora, ainda que o estatuto dos deputados
não o estipule, a duplicação de subsídios e a não apresentação de comprovativo contrariam
as leis da contabilidade pública e o princípio ético da justiça!
***
Também o Porta-voz
do PS quebrou o silêncio sobre o processo que envolve o ex-Primeiro-Ministro e
falou sobre Manuel Pinho na rubrica Esquerda-Direita, na SIC Notícias.
João Galamba
afirmou que o caso de Sócrates “envergonha qualquer socialista, sobretudo se as
acusações vierem a confirmar-se”. E disse que é o “sentimento de qualquer
socialista” ao ver um “ex-Primeiro-Ministro e Secretário-Geral do PS” “acusado
de corrupção e branqueamento de capitais”. E, quanto a Manuel Pinho, João
Galamba diz-se perplexo:
“Estamos sobretudo perplexos com a revelação pública de um Ministro de
um Governo do PS que recebia mensalmente verbas quando disse que tinha cessado
toda e qualquer relação com o BES. Gerou perplexidade em toda a gente.”.
Ainda para
mais, falsas declarações!
***
Por seu
turno, o Primeiro-Ministro soltou a língua sem se desdizer muito do passado.
António Costa,
em visita oficial ao Canadá, declarou que em Portugal ninguém está acima da lei
e que, “a confirmarem-se” as suspeitas de corrupção nas políticas de energia
por membros do Governo de José Sócrates, será “uma desonra para a democracia”. E
acrescentou:
“Se essas ilegalidades se vierem a confirmar, serão certamente uma
desonra para a nossa democracia. Mas se não se vierem a confirmar, é a
demonstração que o nosso sistema de justiça funciona.”.
Nem reparou
na capciosidade da declaração. A justiça funciona se não se confirmarem as
ilegalidades. E não funcionará se vierem a confirmar-se?
Costa
assumiu esta posição na conferência de imprensa conjunta com o Primeiro-Ministro
do Canadá, Justin Trudea, depois de ter sido confrontado com os casos judiciais
que envolvem antigo ministro Manuel Pinho e o antigo chefe de Governo
socialista José Sócrates.
Interrogado
se, como o presidente e porta-voz do PS, César e Galamba, respetivamente,
também se sente envergonhado com estes casos que envolvem Sócrates e Pinho,
António Costa contrapôs que é “Primeiro-Ministro” e que se encontra agora no
estrangeiro. E sustentou:
“Temos de manter a política energética que dê prioridade às energias
renováveis e não há qualquer eventual facto criminal praticado por este ou por
aquele que possa comprometer o sucesso de uma política. Não confundamos as
opções políticas com aquilo que podem ter sido os comportamentos –
comportamentos que a justiça, que é independente em Portugal, terá todas as
condições para esclarecer e para dirimir.”.
E, depois, salientou
a importância de a justiça esclarecer aquelas suspeitas, acentuando:
“Não há nada pior para a democracia do que haver suspeições que não
estão confirmadas em sentenças transitadas em julgado. Aquilo que desejo é que
o nosso sistema de justiça funcione, confio que funcione, e que se apure o que houver
a apurar.”.
Face à
situação de Sócrates e à de Pinho, o Primeiro-Ministro reiterou em claro a tese
da separação entre política e justiça, dizendo, designadamente, que “é preciso
não confundir as questões no domínio da justiça com a política”.
E não deixou
de defender que Portugal tem de continuar a dar prioridade às energias renováveis,
onde tem condições “únicas para estar na primeira linha”.
Sobre as
rendas na energia, sustentou que o seu executivo está a baixá-las, com redução
de custos administrativos “de forma significativa”, mas também para os
consumidores, através da aplicação, por exemplo, da tarifa social – sendo uma
estratégia a prosseguir.
Concorde-se
que não é por erros de Pinho que devem julgar-se políticas governativas desse
tempo. Os erros punem-se e as políticas avaliam-se e continuam-se ou corrigem-se.
E, sobre o
sistema de justiça, o Primeiro-Ministro acrescentou:
“Não temos nenhuma razão para não confiar integralmente na capacidade do
nosso sistema de justiça no sentido de assegurar aquilo que é fundamental num
Estado de Direito: Ninguém está acima da lei e seja quem for que cometa uma ilegalidade
deve ser punido.”.
***
Queria não
pensar que estes lamentos socialistas não configurem lágrimas de crocodilo. E isso
só não acontecerá, se: os erros de compadrio forem corrigidos de imediato; o
partido vier a debater a sério a questão dos nichos de corrupção criados dentro
de si ou por ele favorecidos; se o Governo e o PS tomarem efetivas iniciativas legislativas
e regulamentares para combater a corrupção e eliminar todas as formas de nepotismo;
e, para exemplo e criação de confiança pública na política, os socialistas promoverem
a alteração substancial do estatuto do deputado e o funcionamento interno do
partido e do grupo parlamentar. Que é isso e para que é isso de cotas do
Secretário-Geral na escolha de candidatos nos diversos círculos eleitorais?
Como se tolera que os deputados não tenham conhecimento suficiente do que votam?
Precisamos de
coisas práticas, não de meras declarações políticas!
2018.05.03 – Louro de Carvalho
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