terça-feira, 1 de maio de 2018

“O fim da maior parte da vida no planeta”


A propósito da conferência programada para o Porto no próximo dia 6 de julho, cuja estrela será Barack Obama a discorrer sobre as alterações climáticas, parece-me oportuna a reflexão ameaçante do cientista britânico Mayer Hillman numa inquietante entrevista ao The Guardian, em que assegura que “não há forma de reverter o processo de alteração climática que está a derreter as calotes polares”. E frisa que “é o fim da maior parte da vida no planeta”.
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Hillman é um cientista social britânico de 86 anos, com um currículo académico recheado de estudos de dossiês ligados a transportes, planeamento urbano, segurança rodoviária, ambiente e alterações climáticas – de que ressaltam enunciados de “grande assertividade” e “invulgar capacidade de projetar ideias à frente do seu tempo e de antever, em suas dissertações, aspetos que, mais tarde, se vêm a confirmar ou soluções que, a posteriori, acabam por ser aplicadas.
Anote-se, em termos de reconhecimento do seu pioneirismo, que o coloca bem “à frente do seu tempo”, em 1972, criticou a abertura de centros comerciais fora das cidades, mais de 20 anos antes de o Governo britânico, mudando as regras de planeamento, impedir a sua expansão; em 1980, recomendou a cessação do encerramento de linhas férreas – mas apenas agora algumas das linhas encerradas estão a reabrir; em 1984, propôs a instituição de classificações de energia para as habitações, o que foi adotado como política do Governo inglês em 2007; e, ainda, algumas das suas posições políticas acabaram por se tornar comuns – como a defesa de limites de velocidade de 20 km/h nalgumas zonas.
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Doutorado pela Universidade de Edimburgo, Escócia, e professor (agora emérito) do Policy Studies Institute, sustenta que o aquecimento global é irreversível. Apesar de todos os esforços encetados e dos acordos climáticos firmados,  porfia que “não há forma de reverter o processo que está a derreter as calotes polares, sendo que muito poucos estão “preparados para dizê-lo”. Mas o cientista londrino não se inibe de assumir em letra de forma que “estamos condenados”.
Com efeito, na predita entrevista, Hillman declara, sem rodeios, que “o resultado é a morte” e “o fim da maior parte da vida no planeta” por nos termos tornado “tão dependentes da queima de combustíveis fósseis”. Por isso, é sombria a sua previsão das consequências das alterações climáticas, enfatizando que, tendo nós o abismo à nossa frente, “defender a utilização das bicicletas como o principal meio de transporte é quase irrelevante”. E propõe a obrigação de paramos de “queimar combustíveis fósseis”. Mais: havendo, a par de “muitos aspetos da vida que dependem de combustíveis fósseis”, tantos como “a música, o amor, a educação e a felicidade, não precisando de “combustíveis fósseis”, será nestes que “nos devemos focar”.
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É certo que “o cerne do pensamento de Hillman no último quarto de século” tem incidido sobre as alterações climáticas. Porém, o cientista é mais conhecido no Reino Unido pelo estudo na área da segurança rodoviária e nos efeitos da utilização massiva dos automóveis (Hillman acredita que a sociedade não conseguiu vencer a supremacia do carro). Observou que, por exemplo, em 1971, 80% das crianças inglesas de 7 e 8 anos se deslocavam para a escola sozinhas; e hoje é praticamente impensável uma criança com estas idades ir a pé até a escola sem a companhia dum adulto. Frisando que “removemos as crianças do perigo em vez de remover o perigo das crianças”, anota que estamos a encher as estradas com carros poluentes a caminho das escolas. Neste contexto social, “o ato de levar as crianças de carro para a escola por parte dos encarregados de educação exigiu, no ano 1990, um total de 900 milhões de horas aos adultos que as levaram, custando à economia 23 mil milhões de euros por ano”.
Assim, facilmente o cientista infere que “o fracasso da nossa sociedade em compreender o verdadeiro custo dos veículos está na génese desta dificuldade de combater as alterações climáticas”. O que dá para entender, do meu ponto de vista, que o uso e abuso do automóvel, com o quase abandono ou a subutilização de outros meios de transporte terrestre – comboio, bicicleta, dorso de animal, elétrico, troley-car, pedibus calcantibus… – se criaram as condições para o aquecimento global (foram registadas temperaturas positivas no Polo Norte no inverno quatro vezes entre 1980 e 2010, mas agora ocorreram também em quatro dos últimos cinco invernos) e se adensaram os problemas económicos, sem se resolverem os problemas da segurança de pessoas e bens.
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Obviamente que problema não está só no automóvel, mas em tudo o que tem vindo ou venha a contribuir para o desequilíbrio do ecossistema (vg: poluição, queimadas, desmatamento…).
Assim, não deixa de ser preocupante o que se passa com o permafrost ou pergelissolo, um tipo de solo existente na região do Ártico. Consiste numa espessa camada de solo congelado que, em princípio, não derreteria, dado ser uma camada formada ao longo de milhares e milhares de anos que armazenou grandes quantidades de metano e carbono no seu interior. Porém, nas épocas mais quentes do ano, a camada mais superficial de gelo do permafrost derrete, formando-se um terreno pantanoso; e, com o regresso das temperaturas baixas, o terreno volta a congelar.
Todavia, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente lançou, em 2012, o alerta sobre o derretimento acentuado do permafrost. O problema reside no facto do derretimento libertar grande quantidade de metano e de carbono, até aí aprisionada no gelo. Em contacto com a atmosfera, tal carbono transforma-se em dióxido de carbono, um dos principais gases responsáveis pelo agravamento do efeito de estufa. Quanto ao metano, gás com efeito de estufa mais potente que o CO2, foi descoberta uma perfuração desta camada de gelo.
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Para Hillman, os dados são claros: o clima está a aquecer e sobe o nível dos oceanos.
De resto, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (IPCC) estimava que o mundo, no seu curso atual, iria aquecer até 3ºC até 2100. Contudo, modelos revistos ​​recentemente sugerem uma estimativa mais favorável de 2,8ºC. Não obstante, Hillman lembra que os cientistas ainda estão confrontados com a dificuldade de prever o real impacto, no futuro, de situações como as da libertação de metano pelo derretimento dos permafrost.
Depois, o cientista londrino mostra a sua surpresa pelo facto de as análises nos media raramente se estenderem para lá do horizonte de 2100, referindo:
Isso é o que eu acho extraordinário quando os cientistas alertam que a temperatura pode subir para 5ºC ou 8ºC. E vão parar aí? Que legado estamos a deixar às futuras gerações? No início do século XXI, não fizemos nada de bom para dar resposta à mudança climática no planeta. Os nossos filhos e netos serão extraordinariamente críticos.”.
Hillman sustenta que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera foi confirmada em mais de 400 partes por milhão, o nível mais elevado em, pelo menos, três milhões de anos (quando o nível do mar era 20 metros mais alto do que agora). Adiantando que, “mesmo supondo que o mundo tivesse hoje uma pegada zero-carbono, isso não nos salvaria porque passámos do ponto sem retorno” ou, dito de outro modo, “mesmo que não emitíssemos, em absoluto, dióxido de carbono, daqui em diante, o que se conseguiria era uma redução do ritmo de subida das emissões, não a redução das emissões”.
Em coerência com as conclusões dos seus estudos, nos últimos mais de vinte anos, Hillman não viajou de avião como parte do compromisso pessoal de reduzir as emissões de carbono. No entanto, mostra desdém pelo contributo das ações individuais que descreve como “tão boas quanto fúteis”. Aliás, pela mesma lógica, segundo Hillman, também é irrelevante a ação nacional “porque a contribuição da Grã-Bretanha é diminuta” e, “ mesmo se o Governo fosse para zero carbono, isso não faria quase diferença alguma”.
Como solução, o cientista londrino propõe que a população mundial passe a ter, em todos os campos, zero emissões, desde a agricultura, às viagens aéreas, da navegação, ao aquecimento de casas – para abrandar o ritmo de aumento da temperatura global.
Outro pressuposto apontado pelo cientista é a redução da população humana. Porém, tal não pode ser feito sem um colapso da civilização. Tanto assim parece que Hillman lançou em tom provocatório ao entrevistador do The Gaurdian as seguintes questões:
Consegue ver todas as pessoas do mundo numa democracia a voluntariarem-se para desistir de voar? Consegue ver a maioria da população a tornar-se vegetariana? Consegue ver a maioria a concordar em restringir o tamanho dos seus agregados familiares?”.
Não há dúvida de que o cenário futurista traçado por Hillman é assustador, quase catastrófico, em que se acentuam dramaticamente as desigualdades, como explica o cientista: “as pessoas ricas serão mais capazes de se adaptar, mas a população mundial deslocar-se-á para regiões do planeta, como o norte da Europa, que será temporariamente poupado dos efeitos extremos da mudança climática”. E surge pertinente a questão: “Como vão essas regiões responder”?
E o cientista chama a atenção para o que se vê agora: os migrantes impedidos de chegar.
O The Guardian lembra que um pequeno grupo de artistas e escritores, como o projeto Dark Mountain de Paul Kingsnorth, abraçou a ideia de que a “civilização” terminará numa catástrofe ambiental, mas poucos cientistas sugeriram isso. Mas, quando o jornalista questiona o cientista sobre se a sua visão é consequência da velhice e/ou da doença, ele não se inibe de responder: “Eu há trinta anos que venho afirmando este tipo de coisas, quando era forte e saudável”.
E o mais notável na entrevista ao The Guardian é o facto de este cientista ter insistido com o jornalista que o entrevistou que não deveria apresentar o seu pensamento sobre as alterações climáticas como “uma opinião”.
(vd a este respeito: https://www.wattson.pt/2018/04/30/3447/; e https://brasilescola.uol.com.br/geografia/aquecimento-global.htm).
Hillman acusa os líderes – dos religiosos aos cientistas, passando pelos políticos – de não discutirem honestamente o que fazer para passarmos para emissões zero de carbono. E lamenta:
Eu não acho que eles podem, porque a sociedade não é organizada para permitir que eles façam isso. O enfoque dos partidos políticos é no emprego e no PIB, os quais dependem da queima de combustíveis fósseis.”.
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Já sabemos que Trump nega o problema das alterações climáticas, no pressuposto de que o espantalho foi criado e agitado para dar cobertura à emergência de algumas economias e evidenciar a ambição de notoriedade política de alguns líderes. Espero vir a conhecer o que vem dizer Obama ao Porto. Para já remeto-me para a releitura da Encíclica de Francisco Laudato Si, sobro cuidado da Casa Comum, que sublinha a responsabilidade de todos pelos erros cometidos contra o planeta, mormente os decisores, que não regulamentam as atividades económicas, e os empreendedores eivados da sede desmedida do lucro, colocando em risco milhões de pessoas que não veem meio de sair do limiar da pobreza e mesmo miséria. Haja Deus!
2018.05.01 – Louro de Carvalho  

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