A
propósito da conferência programada para o Porto no próximo dia 6 de julho,
cuja estrela será Barack Obama a discorrer sobre as alterações climáticas,
parece-me oportuna a reflexão ameaçante do
cientista britânico Mayer Hillman numa inquietante entrevista ao The
Guardian, em que assegura que “não há forma de reverter o processo de
alteração climática que está a derreter as calotes polares”. E frisa que “é
o fim da maior parte da vida no planeta”.
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Hillman é um cientista social britânico de 86 anos, com um currículo
académico recheado de estudos de dossiês ligados a transportes, planeamento
urbano, segurança rodoviária, ambiente e alterações climáticas – de que ressaltam
enunciados de “grande assertividade” e “invulgar capacidade de projetar ideias
à frente do seu tempo e de antever, em suas dissertações, aspetos que, mais
tarde, se vêm a confirmar ou soluções que, a
posteriori, acabam por ser aplicadas.
Anote-se, em termos de reconhecimento do seu pioneirismo, que o coloca bem “à
frente do seu tempo”, em 1972, criticou a abertura de centros comerciais fora das cidades,
mais de 20 anos antes de o Governo britânico, mudando as regras de planeamento,
impedir a sua expansão; em 1980,
recomendou a cessação do encerramento de linhas férreas – mas apenas agora
algumas das linhas encerradas estão a reabrir; em 1984, propôs a instituição de classificações de energia para as habitações,
o que foi adotado como política do Governo inglês em 2007; e, ainda, algumas
das suas posições políticas acabaram por se tornar comuns – como a defesa de
limites de velocidade de 20 km/h nalgumas zonas.
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Doutorado pela Universidade de Edimburgo, Escócia, e professor (agora emérito) do Policy Studies Institute, sustenta que o aquecimento global é
irreversível. Apesar de todos os esforços encetados e dos acordos climáticos firmados, porfia
que “não há forma de reverter o processo que
está a derreter as calotes polares, sendo que muito poucos estão “preparados
para dizê-lo”. Mas o cientista londrino não se inibe de assumir em letra de
forma que “estamos condenados”.
Com efeito, na predita entrevista, Hillman declara, sem rodeios, que “o
resultado é a morte” e “o fim da maior parte da vida no planeta” por nos termos
tornado “tão dependentes da queima de combustíveis fósseis”. Por isso, é
sombria a sua previsão das consequências das alterações climáticas, enfatizando
que, tendo nós o abismo à nossa frente, “defender a utilização das bicicletas
como o principal meio de transporte é quase irrelevante”. E propõe a obrigação
de paramos de “queimar combustíveis fósseis”. Mais: havendo, a par de “muitos aspetos
da vida que dependem de combustíveis fósseis”, tantos como “a música, o amor, a
educação e a felicidade, não precisando de “combustíveis fósseis”, será nestes que
“nos devemos focar”.
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É certo que “o cerne do pensamento de Hillman no último quarto de século”
tem incidido sobre as alterações climáticas. Porém, o cientista é mais
conhecido no Reino Unido pelo estudo na área da segurança rodoviária e nos
efeitos da utilização massiva dos automóveis (Hillman acredita que a
sociedade não conseguiu vencer a supremacia do carro). Observou que, por exemplo, em 1971, 80%
das crianças inglesas de 7 e 8 anos se deslocavam para a escola sozinhas; e hoje
é praticamente impensável uma criança com estas idades ir a pé até a escola sem
a companhia dum adulto. Frisando que “removemos as crianças do perigo em vez de
remover o perigo das crianças”, anota que estamos a encher as estradas com
carros poluentes a caminho das escolas. Neste contexto social, “o ato de levar
as crianças de carro para a escola por parte dos encarregados de educação
exigiu, no ano 1990, um total de 900 milhões de horas aos adultos que as
levaram, custando à economia 23 mil milhões de euros por ano”.
Assim, facilmente o cientista infere que “o fracasso da nossa sociedade em compreender o
verdadeiro custo dos veículos está na génese desta dificuldade de combater as
alterações climáticas”. O que dá para entender, do meu ponto de vista, que o
uso e abuso do automóvel, com o quase abandono ou a subutilização de outros meios
de transporte terrestre – comboio, bicicleta, dorso de animal, elétrico,
troley-car, pedibus calcantibus… – se
criaram as condições para o aquecimento global (foram registadas temperaturas
positivas no Polo Norte no inverno quatro vezes entre 1980 e 2010, mas agora
ocorreram também em quatro dos últimos cinco invernos) e se adensaram os problemas
económicos, sem se resolverem os problemas da segurança de pessoas e bens.
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Obviamente que problema não está só no automóvel, mas em tudo o que tem
vindo ou venha a contribuir para o desequilíbrio do ecossistema (vg: poluição, queimadas, desmatamento…).
Assim, não deixa de ser preocupante o que se passa com o permafrost ou pergelissolo,
um tipo de solo existente na região do Ártico. Consiste numa espessa camada de
solo congelado que, em princípio, não derreteria, dado ser uma camada formada
ao longo de milhares e milhares de anos que armazenou grandes quantidades de
metano e carbono no seu interior. Porém, nas épocas mais quentes do ano, a
camada mais superficial de gelo do permafrost derrete, formando-se um
terreno pantanoso; e, com o regresso das temperaturas baixas, o terreno volta a
congelar.
Todavia, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente lançou, em
2012, o alerta sobre o derretimento acentuado do permafrost. O problema
reside no facto do derretimento libertar grande quantidade de metano e de
carbono, até aí aprisionada no gelo. Em contacto com a atmosfera, tal carbono
transforma-se em dióxido de carbono, um dos principais gases responsáveis pelo
agravamento do efeito de estufa. Quanto ao metano, gás com efeito de estufa
mais potente que o CO2, foi descoberta uma perfuração desta camada de gelo.
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Para
Hillman, os dados são claros: o clima está a aquecer e sobe o nível dos oceanos.
De resto, o
Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (IPCC) estimava que o mundo, no seu curso atual, iria
aquecer até 3ºC até 2100. Contudo, modelos revistos recentemente sugerem uma
estimativa mais favorável de 2,8ºC. Não obstante, Hillman lembra que os
cientistas ainda estão confrontados com a dificuldade de prever o real impacto,
no futuro, de situações como as da libertação de metano pelo derretimento
dos permafrost.
Depois, o cientista londrino mostra a sua surpresa pelo facto de as
análises nos media raramente se estenderem para lá do horizonte de 2100,
referindo:
“Isso é o que eu acho extraordinário
quando os cientistas alertam que a temperatura pode subir para 5ºC ou 8ºC. E
vão parar aí? Que legado estamos a deixar às futuras gerações? No início do
século XXI, não fizemos nada de bom para dar resposta à mudança climática no
planeta. Os nossos filhos e netos serão extraordinariamente críticos.”.
Hillman sustenta que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera foi
confirmada em mais de 400 partes por milhão, o nível mais elevado em, pelo
menos, três milhões de anos (quando o nível do mar era 20 metros mais
alto do que agora). Adiantando que, “mesmo supondo que o mundo tivesse hoje uma pegada
zero-carbono, isso não nos salvaria porque passámos do ponto sem retorno” ou,
dito de outro modo, “mesmo que não emitíssemos, em absoluto, dióxido de
carbono, daqui em diante, o que se conseguiria era uma redução do ritmo de
subida das emissões, não a redução das emissões”.
Em coerência com as conclusões dos seus estudos, nos últimos mais de vinte
anos, Hillman não viajou de avião como parte do compromisso pessoal de reduzir
as emissões de carbono. No entanto, mostra desdém pelo contributo das ações
individuais que descreve como “tão boas
quanto fúteis”. Aliás, pela mesma lógica, segundo Hillman, também é
irrelevante a ação nacional “porque a contribuição da Grã-Bretanha é diminuta”
e, “ mesmo se o Governo fosse para zero carbono, isso não faria quase diferença
alguma”.
Como solução, o cientista londrino propõe que a população mundial passe a ter,
em todos os campos, zero emissões, desde a agricultura, às viagens aéreas, da
navegação, ao aquecimento de casas – para abrandar o ritmo de aumento da
temperatura global.
Outro pressuposto apontado pelo cientista é a redução da população humana. Porém,
tal não pode ser feito sem um colapso da civilização. Tanto assim parece que Hillman
lançou em tom provocatório ao entrevistador do The Gaurdian as seguintes questões:
“Consegue ver todas as pessoas do
mundo numa democracia a voluntariarem-se para desistir de voar? Consegue ver a
maioria da população a tornar-se vegetariana? Consegue ver a maioria a
concordar em restringir o tamanho dos seus agregados familiares?”.
Não há dúvida de que o cenário futurista traçado por Hillman é assustador,
quase catastrófico, em que se acentuam dramaticamente as desigualdades, como explica
o cientista: “as pessoas ricas serão mais
capazes de se adaptar, mas a população mundial deslocar-se-á para regiões do
planeta, como o norte da Europa, que será temporariamente poupado dos efeitos
extremos da mudança climática”. E surge pertinente a questão: “Como vão essas regiões responder”?
E o cientista chama a atenção para o que se vê agora: os migrantes impedidos
de chegar.
O The Guardian lembra que um
pequeno grupo de artistas e escritores, como o projeto Dark Mountain de
Paul Kingsnorth, abraçou a ideia de que a “civilização” terminará numa catástrofe
ambiental, mas poucos cientistas sugeriram isso. Mas, quando o jornalista questiona
o cientista sobre se a sua visão é consequência da velhice e/ou da doença, ele
não se inibe de responder: “Eu há trinta
anos que venho afirmando este tipo de coisas, quando era forte e saudável”.
E o mais notável na entrevista ao The
Guardian é o facto de este cientista ter insistido com o jornalista que o
entrevistou que não deveria apresentar o seu pensamento sobre as alterações
climáticas como “uma opinião”.
(vd a este respeito: https://www.wattson.pt/2018/04/30/3447/; e https://brasilescola.uol.com.br/geografia/aquecimento-global.htm).
Hillman acusa os líderes – dos religiosos aos cientistas, passando pelos
políticos – de não discutirem honestamente o que fazer para passarmos para
emissões zero de carbono. E lamenta:
“Eu não acho que eles podem, porque
a sociedade não é organizada para permitir que eles façam isso. O enfoque dos
partidos políticos é no emprego e no PIB, os quais dependem da queima de
combustíveis fósseis.”.
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Já sabemos que Trump nega o problema das alterações climáticas, no
pressuposto de que o espantalho foi criado e agitado para dar cobertura à emergência
de algumas economias e evidenciar a ambição de notoriedade política de alguns líderes.
Espero vir a conhecer o que vem dizer Obama ao Porto. Para já remeto-me para a
releitura da Encíclica de Francisco Laudato
Si, sobro cuidado da Casa Comum, que sublinha a responsabilidade de todos
pelos erros cometidos contra o planeta, mormente os decisores, que não regulamentam
as atividades económicas, e os empreendedores eivados da sede desmedida do
lucro, colocando em risco milhões de pessoas que não veem meio de sair do
limiar da pobreza e mesmo miséria. Haja Deus!
2018.05.01 – Louro de Carvalho
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