sábado, 19 de maio de 2018

Será desta vez que o Interior sentirá a reversão do abandono?


O Primeiro-Ministro anunciou ontem, 18 de maio, a intenção do Governo de baixar substancialmente o IRC para empresas instaladas no interior do país, podendo atingir uma “coleta zero” em função do número de postos de trabalho criados.
Como deixou entender, tal intenção insere-se no contexto da revisão do quadro fiscal aplicável com vista ao reforço da discriminação positiva. Declarou, a este respeito, o líder do executivo:
Iremos rever o quadro fiscal aplicável, reforçando a discriminação positiva do interior. Entre outras medidas, tencionamos que as empresas dos territórios de mais baixa densidade populacional possam beneficiar de reduções substanciais do IRC, podendo chegar até a uma coleta zero, em função do número de postos de trabalho.”.
Costa falava na cerimónia de apresentação do relatório do MPI (Movimento pelo Interior), no antigo Museu dos Coches, tendo a escutá-lo na primeira fila da plateia o Chefe de Estado, o Presidente da Assembleia da República, bem como os líderes do PSD, Rui Rio, e do CDS-PP, Assunção Cristas, o presidente da ANMP (Associação Nacional dos Municípios Portugueses), Manuel Machado, os Ministros da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, das Infraestruturas e Planeamento, Pedro Marques, Adjunto, Pedro Siza Vieira, e da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
A pari, o Chefe do Governo, na sua intervenção, reiterou a crítica à intenção da Comissão Europeia de cortar verbas ao fundo de coesão, ao passo que salientou a abertura do Governo para ponderar as propostas do Movimento pelo Interior e avançou ainda com outras medidas que o seu executivo tenciona adotar a curto prazo. Assim, anunciou:
Vamos lançar uma linha de crédito no montante de 100 milhões de euros, destinada exclusivamente a pequenas e microempresas situadas no interior, para financiamento de projetos de criação, expansão ou modernização de unidades produtivas”.
Após breves discursos proferidos pelos presidentes das Câmaras de Vila Real, o socialista Rui Santos, e da Guarda, o socialdemocrata Álvaro Amaro, Costa fez um balanço da atividade da Unidade de Missão para o Interior nomeada pelo seu executivo em dezembro de 2015.
No atinente ao processo de revisão do Programa Nacional para a Coesão Territorial, que se concretizará na próxima semana, o Primeiro-Ministro referiu que uma das linhas centrais passará pela continuação da aposta “na atração de investimento criador de emprego, para assim fixar população nos territórios do interior”. E adiantou:
 Na reprogramação do Portugal 2020 – e no âmbito dos sistemas de incentivos ao investimento empresarial exclusivamente dirigidos aos territórios do interior – teremos um programa para apoiar investimentos de 1700 milhões de euros no período de 2019 a 2021. Para além de incentivos ao investimento em capital fixo, como no atual modelo, este programa apoiará igualmente a criação de postos de trabalho, por forma a apoiar não apenas indústrias de capital intensivo, mas também atividades mais associadas à criação de emprego no interior.”.
Costa sustentou que, desde o início de funções do seu executivo, os sistemas de incentivos ao investimento empresarial em territórios de baixa densidade já atraíram 1840 milhões de euros de investimento privado para os territórios do interior, criadores de 8500 postos de trabalho, precisando que apostámos na atração de investimento estrangeiro, com programas específicos dirigidos ao interior, que já captaram 375 milhões de euros”.
E, traçando uma linha de demarcação face ao anterior Governo, apontando que nos últimos anos foram reabertos 20 tribunais e tomadas medidas na área da saúde e da educação, enfatizou:
Criámos 43 juízos de proximidade, beneficiando mais de 800 mil pessoas, criámos um programa de atração de médicos para territórios carenciados, mantivemos abertas 400 turmas com menos de 21 alunos, aumentámos a oferta de vagas no Ensino Superior no interior. Criámos dez lojas do cidadão e 215 espaços do Cidadão no interior”.
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Como foi referido, a cerimónia em que o Chefe do Governo usou da palavra e anunciou algumas das intenções do executivo para o Interior tinha como escopo, que foi alcançado, a apresentação do Relatório Final do Movimento pelo Interior.
O relatório, como é natural, quer mais do que o anunciado pelo Primeiro-Ministro. Defende, por exemplo, a transferência de 25 serviços para o interior em três legislaturas e mais um salário por ano para os funcionários que aceitarem ir para o interior, além de outros incentivos para os funcionários, como a majoração do tempo de serviço para efeitos de carreira e reforma.
A este respeito, um dos mentores do movimento, José Silva Peneda, ex-presidente do Conselho Económico e Social (CES) e antigo Ministro do Emprego e da Segurança Social, disse à Lusa que se trata dum documento “propositadamente curto”, focado em três áreas – a fiscal, a da educação, ciência e ensino superior, e a da ocupação do território por serviços do Estado. E frisou que “cada área tem seis ou sete medidas, algumas delas radicais, para ajudar ao desenvolvimento do interior do país”.
Impõe-se, na ótica dos mentores, a transferência de serviços da Administração Pública para o interior, ao ritmo de dois por ano, “com o objetivo de serem transferidos 25 serviços em três legislaturas”, mas também “devem ser dados incentivos aos funcionários, pois à força ninguém vai”, como considerou Silva Peneda.
Os incentivos propostos pelo MPI passam pela atribuição de mais um salário por ano aos funcionários que acompanhem a transferência dos serviços públicos e pela majoração do tempo de serviço para progredir na carreira e para atingir a idade da reforma, bem como pela melhoria do exercício dos direitos de parentalidade.
Silva Peneda defendeu ainda que o Estado deve persuadir as grandes empresas a investir no interior. Por isso, segundo o antigo presidente do CES, o relatório do MPI defende que os investimentos superiores a 25 milhões de euros que contem com apoios do Estado devem obrigatoriamente localizar-se no interior do país. É verdade que “as empresas é que escolhem a sua localização, mas, se não forem para o interior, não devem ter apoios do Estado”.
O antigo Ministro do Emprego e da Segurança Social considerou que “a vida é muito melhor nas cidades do interior e é mais económica, sobretudo para quem tem um emprego qualificado, mas são sempre necessários incentivos para as pessoas aceitarem a mudança”.
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A predita cerimónia estava agendada desde o passado dia 7, data em que foram antecipadas a público as 24 propostas que o MPI fez para ajudar a fixar mais pessoas nesta parte do país. 
O programa, desenhado de modo a vigorar por três legislaturasassenta em três pilares: política fiscal, coordenada pelo antigo Ministro das Finanças, Miguel Cadilhe; política educativa, organizada por Pedro Lourtie, antigo Secretário de Estado do Ensino Superior; e política de ocupação do território que está com Jorge Coelho, antigo Ministro das Obras Públicas.
Com os olhos postos no Orçamento do Estado para 2019, os mentores do MPI gostariam de ver no documento algumas das medidas que defendem, como por exemplo a canalização de benefícios fiscais para potenciar o investimento com vista à criação de emprego. Em causa estaria uma taxa de IRC de 12,5% que seria aplicada a todas as empresas do interior (aqui o Governo parece ser ainda mais generoso) e que eliminaria o atual limite de 15 mil euros de matéria coletável, mas também restringir o acesso ao Regime Contratual de Investimento às empresas do interior. Por outro lado, o movimento sugere um regime especial de IRS para atrair cérebros para as regiões em causa, medida a que o Primeiro-Ministro não se referiu.
Outra das dimensões passar por deslocalizar para o interior 25 serviços públicos, com pelo menos 100 funcionários cada, a partir de 2020, ao ritmo de dois por ano. Os funcionários públicos, por sua vez, poderiam progredir mais depressa na carreira através da majoração em 25% da contagem do tempo de trabalho e receberiam um subsídio equivalente a um salário anual, pago em prestações ao longo de 5 anos consecutivos. E quem se mudasse para o interior poderia reformar-se mais cedo, através da majoração em 10% da contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, durante o tempo de prestação de serviço no interior.
Ao nível da educação é proposta a criação de “Escolas de Pós-graduação” que envolvam várias instituições do ensino superior e a redução o número de vagas nas universidades das principais cidades do país. O Movimento sugere ainda alargar ao 2.º ciclo as bolsas que são hoje atribuídas aos estudantes do 1.º ciclo, no âmbito do Mais Interiorlançar uma linha de financiamento do Banco Europeu de Investimento (BEI) para capacitar unidades de investigação.
É de recordar que o MPI foi criado no final do ano passado com o objetivo de apresentar um conjunto de medidas para corrigir os desequilíbrios estruturais do país, após o que se extinguirá.
Além de Silva Peneda, o movimento integra o presidente da Câmara da Guarda e dos Autarcas Socialdemocratas, Álvaro Amaro, o presidente da Câmara de Vila Real e presidente dos autarcas socialistas, Rui Santos, o presidente do Conselho de Reitores, António Fontaínhas Fernandes, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, Nuno Mangas, o presidente do Grupo Visabeira, Fernando Nunes, e o fundador do Grupo Delta, Rui Nabeiro.
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Toma-se boa nota das medidas anunciadas pelo Chefe do Governo, mas fica-se sem saber se as acolhe pela via do MPI ou se as acolhe do lado do trabalho da Unidade de Missão para o Interior. Por outro lado, percebendo-se que não foram assumidas publicamente todas as medidas, resta esperar pela revisão do aludido quadro fiscal com vista à discriminação positiva para o Interior e pelos resultados do processo da revisão do Programa Nacional para a Coesão Territorial a concretizar na próxima semana.
Porém, o Governo tem de saber gerir a conflituosidade que a discriminação positiva pode induzir. Já foi dito que não se fazem reformas contra Lisboa, Porto e outros grandes centros, como não se faz promoção do Interior esvaziando o Litoral. Veja-se a crítica surgida pela medida de redução dumas vagas de acesso ao ensino superior em Lisboa e Porto ou a celeuma criada pela notícia da transferência da sede do Infarmed para a cidade do Porto!
Ora, também é de pensar na disparidade resultante da beneficiação a empresas e a funcionários que se desloquem para o Interior, sem dar um sinal de benefício aos trabalhadores, aos empresários e aos cidadãos que ali resistiram e continuaram a mourejar ou porque não tiveram outra hipótese ou porque adoraram ficar, mesmo quando lhes tiraram à força serviços centrais de proximidade, os empresários os abandonaram e os coletores do lucro os apertaram.
Será o Governo hábil de Costa capaz de fazer de forma justa estas quadraturas do círculo?
2018.05.19 – Louro de Carvalho

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