O semanário
“O Diabo” de hoje, dia 1 de maio,
apresenta um instantâneo, na sua última página, sob o título “Cravo ou não cravo”,
atestando que o cravo na lapela é a moda da esquerda no aniversário do 25 de
Abril. Além disso, o dito instantâneo distingue supostamente “um Presidente que
se lembra de que é representante de todos os portugueses” e “um primeiro-ministro
(nesta
fase, de gravata azul a compensar)
e o presidente da AR (sempre vermelhusco a condizer)” a sentir que “apenas
representam a ‘sua’ metade da população”.
Para já,
é de sublinhar a desigualdade de tratamento ortográfico por parte de “O Diabo”.
Por que raio é que o editor grafa Presidente com maiúscula na referência ao Presidente
da República e o título de António Costa e o de Ferro Rodrigues com minúscula, quando
o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro são,
respetivamente, a segunda figura e a terceira do Estado? Quem faz uma crítica
deve ter autoridade moral para o fazer, a qual postula, antes de mais, o
respeito pelas pessoas e pelas instituições.
Quanto ao
cravo, claramente há duas hipóteses: ou se assume como símbolo da efeméride ou
não. E, se se assume, coloca-se na lapela ou lugar similar, não se leva na mão
ou se tem ao pé do dono, como entendia o antigo comentador político Marcelo que
o então Presidente Cavaco Silva deveria fazer.
***
Quanto aos
críticos do cravo, devo salientar que o cravo vermelho é símbolo político, não da
esquerda portuguesa nem da direita nem do centro, mas da revolução abrilina,
que implantou no país uma democracia consentânea com a modernidade como a
entende o mundo ocidental. Com efeito, quando os cravos vermelhos começaram a
enfeitar as metralhadoras ninguém sabia qual era a ideologia do movimento dos capitães.
E, se muitos se revelaram colados à esquerda, seria surreal apelidar de esquerdistas
militares de abril como Salgueiro Maia, Sanches Osório, Firmino Miguel, Costa
Brás, Sousa e Castro Pires Veloso e tantos outros.
Além disso,
não é por um cravo ter sido usado por um comunista ou por um socialista que ele
fica refém ou propriedade do comunismo ou do socialismo. A questão é se os cidadãos
portugueses aceitam ou não o 25 de Abril com os poderes que o povo vai
legitimando e escrutinando. Se não o aceitam, digam-no com frontalidade e não se
escudem nas meias tintas.
Obviamente,
em contexto de liberdade, cada um é senhor de dizer o que pensa, aquilo por que
opta, tal como tem o direito de falar como o de se remeter ao silêncio.
E, muito
embora saiba que os alfaiates portugueses não tiveram mãos a medir no trabalho
de virar casacas nos dias subsequentes a 25 de abril de 1974 – muitas declarações
foram publicadas nos jornais, até 12 de março de 1975, de que A, B ou C não
tinham sido membros da UN/ANP, da PIDE/DGS, da LP ou da MP – a maior parte dos portugueses
saudou a Revolução e, na altura própria foi ao sufrágio para a Assembleia
Constituinte. Sendo assim, o cravo, a crescer como grito vermelho do
inconformismo, tal como a gaivota é o arrojo voador da liberdade, é património cultural
e político da totalidade moral dos cidadãos de Portugal, não sendo lícito, do
meu ponto de vista, deixa que ele murche por malquerer, incúria ou por inabilidade.
É claro
que o cravo vermelho não é exclusivo do teatro político. A este propósito,
apraz-me recordar um episódio ocorrido no decurso do ano de 1980. Fui a Freixinho,
de Sernancelhe, celebrar missa uma tarde de um dia de semana. Um homem de boa
vontade acompanhou-me, visto que eu não tinha carta de condução automóvel. Ao chegar,
um grupito de crianças abeirou-se de mim e ofereceu-me um ramito de cavos
vermelhos, o que agradeci. O referido senhor disse-lhes que me deviam ter
oferecido rosas brancas a lembrar Nossa Senhora (com a sua pureza
e inocência). Como
achei descabida a advertência, acudi a dizer que os cravos vermelhos remetiam
para o Sagrado Coração de Jesus, o símbolo do Amor de Deus, o sangue do
martírio e o fogo do Espírito Santo. E, sim, a Liturgia seleciona paramentos de
cor vermelha para celebrações do Espírito Santo, da Paixão de Cristo e dos Mártires.
Há mais de 2000 anos, o craveiro já era
utilizado pelos gregos em coroas de cerimónias. Ao longo da história, esta flor
tem assumido vários significados – por exemplo, a fidelidade matrimonial, no
Renascimento, e o amor pelos pais, nas Coreias. E os cravos representam,
na maioria das culturas mundiais, a boa sorte, o dom de atrair bênçãos e vitórias;
e são usados como símbolo em bandeiras e festivais de muitos países,
principalmente europeus. Os
cravos vermelhos, segundo Anna Jarvis, são símbolo da homenagem às mães em vida;
e os cravos brancos, o símbolo da saudade das mães que já partiram. Também
os cravos são muito usados na capela dos noivos durante os casamentos, ocasiões
de augúrio de vida feliz.
***
No que
diz respeito à “Grândola Vila Morena”, recordo que foi transmitida como senha
da Revolução pela Rádio Renascença, Emissora Católica Portuguesa. Confesso que nunca
percebi a razão por que a conotaram com os comunistas. Se foi por ter sido seu
autor Zeca Afonso, recordo que obra artística, literária ou musical, uma vez
produzida, não fica refém do autor.
Nem ao
diabo lembraria concluir que, se tivesse sido a letra da canção da autoria de
um bispo, de um padre ou de uma freira, ela teria de ser classificada como um
poema religioso e católico. Nem a Igreja Católica ou a Rádio Renascença a
assumiu exclusivamente como sua.
É certo
que, num sábado do mês de junho de 1974, se realizou, em Lamego, no Salão de
Festas do Centro Apostólico, um agradável espetáculo de variedades, aberto com
um concerto da Banda Filarmónica do Seminário Maior, de cujo repertório constou,
entre outras composições, precisamente a “Grândola Vila Morena”, orquestrada para
piano pelo saudoso Dr. Rui Morais Botelho e com transcrição minha para Banda
por mim, então instrumentista de saxofone alto. Estranha, mas claramente,
durante a sua execução se ouviu uma voz da plateia: “Comunistas”! Porém, a malta
nova de Lamego e arredores nunca deixou de cantar“ Grândola Vila Morena”.
Aliás,
recordo que a terra da fraternidade é uma criação do cristianismo e foi
assumida pela Revolução Francesa em 1789, a par da liberdade e da igualdade. Por
outro lado, o poder ao povo é um pressuposto fundamental da democracia e da “república”
enquanto causa comum (independentemente da forma de governo do
Estado, mas sobretudo o q adota os sistema de poder estribado no mecanismo de pesos
e contrapesos) ou
plataforma de fomento da igualdade de base reconhecida a todos e de promoção da
justiça social como imperativo primordial do bem comum.
Assim, a
plataforma da igualdade, proclamada por Grândola, a par da fraternidade, tem obviamente
de comportar a vizinhança efetiva e afetiva cultivada com a amizade.
Não é
justo que os cristãos – e o cristianismo constitui a primacial matriz cultural da
génese do país – possam renegar ou subestimar os valores da soberania do povo (que
se crê obra e espelho de Deus),
que não do indivíduo, os direitos de cada homem ou mulher, a liberdade a que,
segundo a Carta de Paulo aos Gálatas, fomos chamados, a igualdade que nos advém
de sermos vizinhos, amigos e irmãos, a vez e a voz que são apanágio da cidadania
e a justiça que dá a cada um aquilo de que precisa para viver condignamente, a
partir do trabalho, teto, repouso, educação, segurança e saúde – o que tem de gerar
em cada dia a solidariedade e a disponibilidade para o bom samaritanismo.
Por tudo
isto, um cristão deve sentir-se com o direito e com o dever de livremente proclamar:
“25 de Abril sempre”!
2018.05.01 –
Louro de Carvalho
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