Aos cerca de 600 participantes no encontro internacional de Reitores e Colaboradores de
Santuários, que recebeu na Sala Régia do Palácio Apostólico, no Vaticano, a 29
de novembro, o Papa
Francisco disse que “a piedade popular é
o sistema imunitário da Igreja”.
E aos cerca de 700
membros do Centro de Serviço para o Voluntariado “Sardenha Solidária”, que recebeu
hoje, dia 30, na Sala Paulo VI, no Vaticano, por ocasião do 20.º aniversário da
fundação, declarou
que “hoje são precisas testemunhas de
bondade e de amor gratuito”.
***
Reportando-se
a alguns pontos da Carta Apostólica em forma de Motu Proprio “Sanctuarium in
Ecclesia”, pela qual se transferem as competências sobre os santuários para o Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Francisco disse aos
participantes no aludido encontro sobre santuários:
“O santuário é o lugar privilegiado para experimentar a misericórdia que
não conhece confim. Esse é um dos motivos que me levou a desejar a ‘Porta da
misericórdia’ também nos santuários durante o Jubileu da Misericórdia.”.
Referindo
que esperava este momento para encontrar os representantes de vários santuários
espalhados pelo mundo, o Pontífice encareceu a relevância eclesial e pastoral
dos santuários:
“Quanto precisamos dos santuários no caminho quotidiano da Igreja! São
lugares a que o nosso povo vai com boa vontade a fim de manifestar a sua fé na
simplicidade e segundo as tradições que as pessoas aprenderam desde a infância.
De várias formas, os nossos santuários são insubstituíveis, pois mantêm viva a
piedade popular, enriquecendo-a com uma formação catequética que sustenta e
reforça a fé e alimentando, ao mesmo tempo, o testemunho da caridade.”.
Depois,
recordou, em abono da necessidade de manter viva a piedade popular, o n.º 48
da Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (número que designou por
“aquele tesouro”), em que São Paulo VI mudou a expressão “religiosidade popular” para “piedade
popular”. E disse que “essa é a inspiração dessa piedade popular que,
tal como disse um bispo italiano, “é o sistema imunitário da Igreja”, que “nos
salva de muitas coisas”. De facto, o Papa Montini explicava:
“Ela traduz em si uma certa sede de Deus,
que somente os pobres e os simples podem experimentar; ela torna as pessoas
capazes para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas para o sacrifício até
ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé; ela comporta um apurado
sentido dos atributos profundos de Deus: a paternidade, a providência, a
presença amorosa e constante, etc. Ela, depois, suscita atitudes interiores que
raramente se observam alhures no mesmo grau: paciência, sentido da cruz na vida
quotidiana, desapego, aceitação dos outros, dedicação, devoção, etc. Em virtude
destes aspetos, nós chamamos-lhe de bom grado “piedade popular”, no sentido de religião
do povo, em vez de religiosidade.”.
E destacando a
importância do acolhimento dos peregrinos, o Pontífice argentino disse:
“Sabemos que cada vez mais os nossos santuários são meta não de grupos
organizados, mas de peregrinos individuais ou pequenos grupos autónomos que vão
a esses lugares santos. É triste que, à sua chegada, não encontrem ninguém para
lhes dar as boas-vindas e que os acolha como peregrinos que fizeram uma viagem,
muitas vezes longa, para chegar ao santuário. Pior ainda quando encontram a
porta fechada!”.
Para
Francisco, não é possível dar mais atenção às exigências materiais, “esquecendo
que a realidade mais importante são os peregrinos”, pois eles são os que
contam. Por isso, “devemos dar atenção a cada um deles, fazendo com que se
sintam ‘em casa’, como parente esperado por muito tempo que finalmente chegou”.
E, atendendo
a que motivos artísticos e ambientais atraem as pessoas aos santuários,
sustentou:
“É preciso considerar também que muitas pessoas visitam os santuários
porque pertencem à tradição local, porque as suas obras de arte atraem ou
porque estão situados num ambiente natural de grande beleza e inspiração […] Essas
pessoas, quando são acolhidas, são mais disponíveis a abrir o seu coração e a
deixá-lo plasmar pela Graça. Um clima de amizade é uma semente fecunda que os
nossos santuários podem semear no terreno dos peregrinos, permitindo-lhes
reencontrar aquela confiança na Igreja que pode ter sido desiludida pela
indiferença recebida.”.
Porém, o mais importante, para o Papa, é que “o
Santuário é sobretudo lugar
de oração”.
E, tendo em conta que a maioria dos
nossos santuários é dedicada à piedade mariana, Francisco enaltece o exercício
da função materna de Maria ali exercida:
“Ali, a Virgem Maria abre os braços de seu amor materno para ouvir as
orações de cada um e as atender. Os sentimentos que todo o peregrino sente no
fundo do coração são encontrados também na Mãe de Deus. Ali, ela sorri dando
consolo. Ali, Ela chora com quem chora. Ali, apresenta a cada um o Filho de
Deus em seus braços como o tesouro mais precioso que uma mãe possui. Ali, Maria
faz-se companheira de caminhada de cada pessoa que olha para ela pedindo uma
graça, certa de ser atendida. A Virgem responde a todos com a intensidade do
seu olhar que os artistas souberam pintar, guiados do alto na contemplação.”.
E, a
propósito da oração nos santuários, sublinhou duas exigências: favorecer
a oração da Igreja que, pela celebração dos Sacramentos, torna presente e eficaz
a salvação, o que “permite a qualquer pessoa que esteja presente no santuário
sentir-se parte de uma comunidade maior que de todo o canto da terra professa a
única fé, testemunha o seu amor e vive a mesma esperança”; e alimentar a oração do peregrino, pois os santuários são chamados a
alimentar a oração de cada peregrino no silêncio de seu coração. Em relação à primeira exigência,
lembrou que muitos santuários surgiram através do pedido de oração feito pela
Virgem aos videntes, a fim de que a Igreja não esquecesse nunca as palavras do
Senhor Jesus de rezar sem cessar e permanecer sempre vigilante na espera do seu
retorno. E, em relação à segunda, considerou:
“Com as palavras do coração, com o silêncio, com as suas fórmulas
aprendidas na infância, com os seus gestos de piedade, cada um deve ser ajudado
a expressar sua oração pessoal. Muitas pessoas vão ao santuário porque precisam
de receber uma graça e depois voltam para agradecer por terem recebido a força
e a paz na provação. Essa oração torna os santuários lugares fecundos, para que
a piedade popular seja sempre alimentada e cresça no conhecimento do amor de
Deus.”.
O Pontífice
frisou que ninguém nos santuários se deve sentir um estranho, sobretudo quando
chega ali “com o peso de seu próprio pecado”. Nesse sentido, observou que “o santuário é o lugar privilegiado para
experimentar a misericórdia que não conhece confim”,
um dos motivos que o levou a desejar a ‘Porta da misericórdia’ também nos
santuários durante o Jubileu da Misericórdia. Na verdade – referiu – “a misericórdia, quando é vivida, torna-se
uma forma de evangelização real, porque transforma as pessoas que recebem a
misericórdia em testemunhas de misericórdia”. Assim, recomendou o
incremento do Sacramento da Reconciliação no santuário, o que
postula a presença de “sacerdotes bem formados, santos, misericordiosos e
capazes de saborear o encontro verdadeiro com o Senhor que perdoa”. E exortou:
“Desejo que nunca falte nos Santuários a figura do ‘Missionário da
Misericórdia’ como testemunha fiel do amor do Pai que abre os braços a todos e
vai ao encontro feliz por ter reencontrado quem se distanciou. As obras
de misericórdia pedem para ser vividas de modo particular nos nossos
santuários, pois nelas a generosidade e a caridade são realizadas de forma
natural e espontânea como atos de obediência e amor ao Senhor Jesus e à Virgem
Maria.”.
Na vertente peregrinacional típica do santuário, apontou:
“O Santuário é um lugar de encontro não somente com o peregrino, com
Deus, mas também do encontro de nós pastores com o nosso povo. A Liturgia de 2
de fevereiro diz-nos que o Senhor vai ao Santuário para encontrar o seu povo,
para sair ao encontro do seu povo, entender o povo de Deus, sem preconceitos,
com o faro da fé, com a infallibilitas in credendo, de que fala o n.º 12
da Lumen gentium.”.
Segundo o
Papa, “este encontro é fundamental”, pois, se o Pastor que está no santuário
não consegue encontrar o povo de Deus, é melhor que o bispo lhe dê outra missão,
pois não é apto para isso: sofrerá muito e fará o povo sofrer”.
Porém, não
concluiu a sua alocução sem, antes, contar um facto vivido por ele:
“Lembro-me de um brilhante professor de literatura. Foi a vida inteira
jesuíta. A vida inteira ensinou literatura, mas de alto nível. Depois, aposentou-se
e disse ao provincial: ‘Aposento-me e gostaria de fazer algo de pastoral num
bairro pobre, ter contacto com o povo, com as pessoas’. O provincial confiou-lhe
um bairro de pessoas piedosas, que iam aos santuários, que tinham essa mística,
mas muito pobres, uma favela, mais ou menos. Ele ia à comunidade da Faculdade
de Teologia onde eu era reitor uma vez por semana. Passava o dia todo connosco
em fraternidade, depois voltava. Assim, mantinha a vida comunitária. Como era
uma pessoa brilhante, um dia disse-me: ‘Você deve dizer ao professor de eclesiologia
que lhe faltam dois temas’. ‘Como assim’? ‘Sim, dois temas que ele deve ensinar’.
‘Quais são’? ‘Primeiro, o povo santo fiel de Deus é ontologicamente olímpico,
ou seja, faz o que quer, e metafisicamente cansativo’. Entendeu, no encontro,
como o povo de Deus cansa, porque cansa. Se você está em contacto com o povo de
Deus, você cansar-se-á. Um agente pastoral que não se cansa, eu pensaria duas
vezes! O olímpico faz o que quer: Lembro-me de que, quando era professor dos
noviços, ia todos os anos e, depois como provincial com os noviços, ao
Santuário de Salta, no norte da Argentina, nas festas do Senhor dos Milagres. Ao
sair da missa, uma senhora do povo aproximou-se dum sacerdote com alguns
santinhos e disse-lhe: ‘Padre, abençoe-os”. E o sacerdote, um teólogo muito
bom, disse-lhe: ‘A senhora foi à missa’? ‘Sim’. ‘A senhora sabe que na missa há
o sacrifício do calvário, Jesus Cristo está presente’? ‘Sim, padre, sim’. ‘E a
senhora sabe que tudo o que está ali foi abençoado’? ‘Sim, padre’. ‘A senhora
sabe que a bênção final abençoa tudo’? ‘Sim, padre’. Naquele momento estava a
sair outro sacerdote que conhecia tudo isso, tocou o padre, virou-se para o
saudar e a senhora disse-lhe: ‘Padre, abençoa esse santinho’? Olímpico! Queria
tocar. Este é o sentido mais religioso do contacto. As pessoas tocam as
imagens. Tocam em Deus. Obrigado pelo que fazem’.” (vd Vatican News, de 29/11).
Por fim,
pediu a Nossa Senhora que ajude e acompanhe os Reitores e Colaboradores de
Santuários nessa grande responsabilidade pastoral que lhes foi confiada. E
disse: “Por favor, não se esqueçam de
rezar mim e de fazer com que rezem por mim em seus santuários”.
***
Aos membros
do Centro de Serviço para o Voluntariado “Sardenha
Solidária” Francisco frisou que “a
cultura da solidariedade e da gratuitidade qualifica o voluntariado e contribui
concretamente para a construção de uma sociedade fraterna, em cujo centro está a pessoa humana”. E explicitou:
“O serviço
de voluntariado solidário é uma escolha que vos torna livres e abertos às
necessidades do outro; às exigências da justiça, à defesa da vida, à
salvaguarda da criação, com uma atenção tenra e especial pelos doentes e,
sobretudo, pelos anciãos, que são um tesouro de sabedoria!”.
Em apreço
pelo que fazem em favor dos necessitados, o Papa vincou:
“Vós representais a multidão de voluntários sardos, que trabalha por um tão
generoso quanto necessário serviço aos últimos, num território – da vossa bela
Ilha – rico de tesouros, belezas naturais, de história e de arte, mas também
marcado por pobreza e dificuldade”.
O Sumo Pontífice
manifestou o seu apreço pelo que estes voluntários fazem e continuam a fazer em
prol “das faixas mais frágeis da
população sarda, com uma atenção voltada também para alguns entre os países
mais pobres do mundo”.
Considerando
que a
pessoa humana está no centro de uma sociedade fraterna, o Santo Padre
frisou que os frágeis da população sarda não se ‘isolaram’, pois, apesar, das
grandes necessidades internas, tiveram aberto o horizonte da solidariedade dos
voluntários, o que deve ser ressaltado porque, “nessa perspetiva, souberam acolher e incluir aqueles que chegaram à
Sardenha vindos de outras terras em busca de paz e de trabalho”. E Francisco
observou:
“A cultura da solidariedade e da gratuitidade
qualifica o voluntariado e contribui concretamente para a construção de uma
sociedade fraterna, em cujo centro está a pessoa humana. Na vossa terra tal
cultura haure abundantemente das robustas raízes cristãs, ou seja, do amor a
Deus e amor ao próximo.”.
Sendo necessário
reconhecer
no outro o irmão a ser amado, o Papa Francisco apontou:
“É o amor a Deus que nos faz sempre reconhecer no outro o próximo, o
irmão ou a irmã a ser amado. E isso requer compromisso pessoal e voluntário,
para o qual certamente as instituições públicas podem e devem criar condições
gerais favoráveis.”.
É, na verdade,
graças a essa “seiva” evangélica que a ajuda mantém a sua dimensão humana e não
se rompe. Justamente, por isso, os voluntários não realizam uma obra de
suplência na rede social, mas contribuem para dar feição humana e cristã à sociedade,
observou o Papa, que disse:
“Encorajo-vos a prosseguir com paixão a vossa
missão, buscando todas as formas possíveis e construtivas para despertar na
opinião pública a exigência de se comprometer pelo bem comum, em auxílio aos
fracos e aos pobres”.
Na base de
tudo, está o serviço ao próximo. Assim, o Papa constatou e exortou:
“Hoje há muita necessidade de testemunhas de
bondade, de ternura e de amor gratuito. Há necessidade de pessoas perseverantes,
que enfrentam as dificuldades com espírito de unidade e colocando sempre na
base de tudo a finalidade última, ou seja, o serviço ao próximo. Assim fazendo
vós continuareis a ser para toda a Sardenha um ponto de referência e um
exemplo.”.
***
Enfim, duas dimensões complementares e intercomunicantes da vida cristã:
o santuário como um espaço aonde se peregrina para carregar as baterias espirituais
com a força do Alto e se tem como horizonte o serviço aos irmãos; e o serviço
aos necessitados nos quais devemos ver o santuário de carne sofrente onde resplandece
o rosto do Senhor!
2018.11.30
– Louro de Carvalho
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