sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Quando se considera a corrupção só dum lado e se judicializa a política…


Uma campanha adrede orquestrada em nome da corrupção presuntivamente localizada apenas no PT (Partido dos Trabalhadores), esquecendo o que se passa noutros quadrantes políticos e em muitos setores da sociedade brasileira, levou Jair Bolsonaro em andor processional, embora sem o “santo”, a ganhar a eleição presidencial, pelo PSL (Partido Social Liberal). Desde há uns tempos se previa que o candidato do PT, 2.ª escolha pelo facto de se manter por muito tempo a candidatura de Lula, que a justiça mantém preso, não atingisse um resultado vitorioso.
O agora Presidente eleito ganhou vantagem na 1.ª volta da corrida eleitoral na pluralidade dos candidatos, embora não tenha conseguido a maioria dos votos validamente expressos nas urnas, pelo que teve de ocorrer uma 2.ª volta cujo resultado pendeu por diferença inequívoca para o lado de Bolsonaro. Não se pode dizer que Fernando Haddad tenha obtido um resultado humilhante, mas não deu para ganhar. 
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Poderia dizer-se que funcionou a alternância governativa num regime democrático se não tivessem surgido dois fatores antidemocráticos: a judicialização da política e a presunção de situar o flagelo da corrupção apenas no lado agora politicamente fragilizado.
Não me parece aceitável, muito menos plausível, situar a corrupção apenas num dos lados, porque tanto a índole do flagelo como a experiência testificam a sua disseminação na sociedade qual fantasma que não tem um rosto de esquerda, de direita ou de centro. E, quer nos países democráticos, quer nos regimes ditatoriais, quem estiver sem pecado atire a primeira pedra. De facto, muitos atiram pedras, mas o pecado continua a morar do lado deles.
Alguns setores do PT foram indiciados de casos de corrupção ou vícios similares, mas os demais quadrantes, por mais vozes que tenham feito irromper no espectro político-económico, não estavam inocentes e o Congresso do Brasil não tem sido imune ao fenómeno.
Por outro lado, sabe-se que Lula, que chegou a ser apontado como ministro de Dilma para se eximir à alçada do juízo de 1.ª instância fora indiciado de erros ligados ao sistema de corrupção. Porém, nada foi documentalmente comprovado, pelo que a sua prisão terá resultado do que se designa por delação premiada, em que o tribunal decide com base em denúncia sem que os testemunhos passem pelo crivo da verificação da fidedignidade e pela triangulação de dados processuais. E Dilma Roussef foi destituída da presidência pelo Congresso por proposta do STF, não por cometimento de crimes específicos, mas basicamente pelo que, entre nós, se chama de desorçamentação e engenharia financeira em termos orçamentais. Se a moda pega, quantos governantes europeus não baterão com os costados na prisão! E é de questionar Michel Temer (o sucessor) sobre que medidas (eficazes ou de fachada) foram tomadas para combater a corrupção.
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O Brasil não resistiu à onda internacional que prepara e eleva ao poder ou à sua proximidade forças políticas de extrema-direita de cunho nacionalista e xenófobo, que disputam, em termos populistas (sem que apresentem medidas eficazes), o lugar político em nome do combate à corrupção e da independência, da proteção do território e do culto dos valores nacionais. Por outro lado, justificando-se com o combate à ameaça de terrorismo, prometem, embora com sacrifício de parte das liberdades, segurança aos cidadãos, o que estes aceitam com alguma facilidade, cansados de tudo o que os decisores instituídos prometem – liberdade, segurança, educação, saúde, emprego, proteção na velhice e na doença – sem terem cumprido.   
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Depois da Hungria, dos EUA, da Itália, dos fenómenos em França e na Alemanha, só para dar alguns exemplos, surge como Messias Bosonaro no Brasil um apagado político com passado militar, sem que os opositores, por via das meias-tintas de alguns, se tenham concertado para o enfrentarem com êxito. Valeu tudo: ditos, cooperação de importantes setores religiosos, anúncio de algumas escolhas de personalidades e medidas adjacentes a determinado campo ideológico…
É certo que, depois da eleição, o Presidente eleito prometeu cumprir a Constituição e fomentar a democracia, mas já ameaçou, no seu alarvismo, a ecologia da Amazónia e a identidade cultural das suas populações, ameaçou matar 30 mil “esquerdistas” e elogiou ditaduras. E não se podem esquecer alguns dos seus ditos como os seguintes, referidos a título de exemplo:
A verdade é que estamos perdidos em mar de tubarões gigantes e seres inimagináveis. Capturaremos esses seres e abateremos os tubarões da política nacional.”.
Eu acredito em Deus. Sou católico. Mas é coisa rara ir à Igreja. Eu já li a Bíblia inteirinha, com atenção. Levei uns sete anos para ler. Você tem bons exemplos ali. Está escrito: ‘A árvore que não der frutos, deve ser cortada e lançada ao fogo’. Eu sou favorável à pena de morte.”.
Sobre a guerra diz:
O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde”.
Relativamente à orientação sexual de outros, o político confessadamente heterossexual declara:
O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem.”.
E ao interlocutor que o contesta, responde:
O problema é seu. Eu não teria orgulho de ter um filho como você. Daria uma porrada nele, pode ter certeza disso.”.
E é terrífico o segmento:
O Governo não faz planeamento familiar porque acha que quanto mais pobre existir melhor. Porque serão mais eleitores amarrados nos seus programas assistencialistas.”.
Sobre as ditaduras militares sul-americanas, que não foram ditaduras na sua ótica, opina:
O único erro foi torturar e não matar. […]. Deveriam ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. […]. Pinochet devia ter matado mais gente.”.
Há pouco tempo ainda, quase ninguém queria votar nele. Como pôde acontecer isto agora?!
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Está visto que a situação atual brasileira resulta da conjuntura internacional tendencialmente atreita a recolocar a extrema-direita no poder como da intervenção de agentes do poder judicial tendenciosos e que até garantiam nunca enveredarem pela política. E parece continuar assim.
O Presidente eleito reuniu-se no passado dia 1 de novembro com o juiz Sérgio Moro e convidou-o para Ministro da Justiça do futuro Governo, proposta que o juiz aceitou. Recorde-se que Moro é o juiz que mandou prender o antigo presidente Lula da Silva no âmbito do Lava Jato, que era apontado há muito como uma forte hipótese para sobraçar as pastas da Justiça e da Segurança Pública num governo de Bolsonaro. E o novo Presidente confirmou a intenção de convidar o juiz na primeira entrevista que deu após a eleição, no passado dia 30 de outubro.
Sérgio Moro diz, em comunicado enviado às redações, que aceitou “o honrado convite” após discussão de políticas para a pasta que lhe vai caber. Não obstante “certo pesar” por “abandonar 22 anos de magistratura”, o juiz sublinhou o objetivo do seu mandato vindouro:
A perspetiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão”.
Veremos o que será capaz de fazer e se ele e Bolsonaro se suportarão mutuamente.
Quanto à Operação Lava Jato, garantiu que seguirá em Curitiba “com os valorosos juízes locais”, prometendo que se vai afastar das próximas audiências do caso “para evitar controvérsias desnecessárias”.
No respeitante à possibilidade de Moro ser escolhido para integrar o futuro Governo, Bolsonaro disse na entrevista à TV Record:
Agora que acabou o período eleitoral [posso falar nisso]. Se tivesse falado isso lá atrás, soaria oportunismo da minha parte. Eu pretendo, sim, [convidar Sérgio Moro], não só para o Supremo, quem sabe até para o Ministério da Justiça. Quero conversar com ele. Saber se há interesse dele nesse sentido também. Pretendo conversar com ele brevemente. E, se houver interesse da parte dele, com certeza será uma pessoa de extrema importância num Governo como o nosso.”.
O Ministério da Justiça será um superministério num governo que reduz o número de pastas em relação aos executivos anteriores do PT. Segundo o “Estado de São Paulo”, o objetivo do presidente de extrema-direita eleito no último domingo é reduzir o tamanho do governo, juntando pastas e criando superministérios – práxis dos governos postados mais à direita com vista à alegada poupança nos gabinetes ministeriais (Passos Coelho também assim o disse querer fazer).
Segundo o predito jornal, estão confirmados 15 ministérios, podendo o número chegar aos 17, número muito baixo se comparado com os governos de Dilma Rousseff (39 ministérios, passando para 31 pastas após uma remodelação em 2015) e de Michel Temer (com 29 ministérios). E será, segundo a imprensa brasileira, o governo mais pequeno desde o executivo de Fernando Collor de Melo, entre 1990 e 1992, com 16 ministérios.
As principais supressões ocorrerão no Ministério da Justiça, que aglutinará os antigos ministérios da Justiça e da Segurança Pública, e no Ministério da Economia, que agregará as antigas pastas da Fazenda, do Planeamento, Desenvolvimento e Gestão e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Também os ministérios da Educação, da Cultura e do Desporto serão fundidos num só e as pastas do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos passarão a ser tuteladas por um só Ministro. E o Ministério da Integração Nacional agregará a Integração Nacional, o Turismo e as Cidades e o do Meio Ambiente abrangerá a pasta da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, vindo a constituir o Ministério da Agricultura e Meio Ambiente. Tutelará Moro a Justiça e a Segurança Pública, ficando, assim, com jurisdição sobre a Polícia Federal. E adivinha-se a politização da justiça se o regime se tornar fascizante.
Moro dissera que ficará “honrado” com o convite para o Supremo Tribunal Federal ou para o Ministério da Justiça, caso ele se concretize formalmente, e garantiu que a proposta “será objeto de ponderada discussão e reflexão”.
Agora, o magistrado judicial chegou ao Rio de Janeiro no dia 1 de manhã, procedente de Curitiba, cidade do estado brasileiro do Paraná, onde dirigiu as investigações, em 1.ª instância, do “Lava Jato”, que revelou desvios milionários e que, numa década, envolveu a empresa estatal Petrobrás. No âmbito dessa operação, foram presos importantes políticos e empresários, entre os quais Lula, condenado por corrupção e a cumprir pena de 12 anos de prisão em Curitiba.
Antes da reunião com Bolsonaro, Sérgio Moro frisou que o Brasil precisa duma “agenda anticorrupção” e que, “se há uma possibilidade de implementação dessa agenda, de convergência de ideias, de como isso deve ser feito, então há uma possibilidade”, mas que “tudo é muito prematuro”. E, questionado sobre um eventual impacto negativo da aceitação dum cargo ministerial, o magistrado considera “surpreendente” a crítica por conversar com “um Presidente que foi eleito por 50 milhões de pessoas”.
Por sua vez, o Presidente eleito, que fez do combate à corrupção uma bandeira, declarou que Moro, que se tornou o mais mediático magistrado brasileiro por ser responsável pela Operação Lava Jato em 1.ª instância e por ter mandado prender o antigo presidente Lula da Silva, é um símbolo nacional e “perdeu a sua liberdade no combate à corrupção”. Assim, como afirmou Bolsonaro, ele, “um homem que tem que ter o trabalho reconhecido”, “não pode mais ir à padaria sozinho ou ir passear com a família no shopping sem ter aparato de segurança ao lado”.
Outro nome já confirmado para o novo Governo é Paulo Guedes, ultraliberal e defensor de um Estado mínimo, que ocupará como superministro a pasta da Economia (que agregará as antigas pastas acima indicadas). Mas Paulo Guedes poderá trazer problemas ao novo governo de extrema-direita, pois está a ser investigado por alegada corrupção  em negócios com fundos de pensões estatais num esquema que envolve políticos do PT.
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O capitão do Exército na reserva ganhou as eleições presidenciais do passado domingo, com mais de 55% dos votos, enquanto Fernando Haddad, indicado por Lula, teve pouco mais de 44%. Após a 2.ª volta das eleições, Moro felicitou Bolsonaro e desejou “um bom Governo”, destacando a pertinência de “reformas para recuperar a economia e a integridade da administração pública”.
Estamos para ver como evoluirá a situação política no Brasil, a economia, o mundo dos pobres, a classe média… Mas, com a obsessão do Estado mínimo, que tende a deixar para trás os pobres, talvez os decisores enveredem pela política das privatizações, pela satisfação de interesses poderosamente instalados e que viam em perigo a sua instalação, pelos cortes na educação, saúde e segurança social e pelo reforço da polícia e das forças armadas. Suprimirão a corrupção e o crime organizado? Os brasileiros ficarão mais seguros? Qual será a verdadeira sorte dos descamisados, dos Sem-terra, dos Sem-teto e dos Sem-trabalho? Teremos uma versão do Duterte filipino no Brasil?
Tão má é a judicialização da política como a politização da justiça!
2018.11.02 – Louro de Carvalho 

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