Uma campanha
adrede orquestrada em nome da corrupção presuntivamente localizada apenas no PT
(Partido dos
Trabalhadores),
esquecendo o que se passa noutros quadrantes políticos e em muitos setores da
sociedade brasileira, levou Jair Bolsonaro em andor processional, embora sem o
“santo”, a ganhar a eleição presidencial, pelo PSL (Partido Social Liberal). Desde há uns tempos se previa que
o candidato do PT, 2.ª escolha pelo facto de se manter por muito tempo a
candidatura de Lula, que a justiça mantém preso, não atingisse um resultado
vitorioso.
O agora Presidente
eleito ganhou vantagem na 1.ª volta da corrida eleitoral na pluralidade dos
candidatos, embora não tenha conseguido a maioria dos votos validamente
expressos nas urnas, pelo que teve de ocorrer uma 2.ª volta cujo resultado
pendeu por diferença inequívoca para o lado de Bolsonaro. Não se pode dizer que
Fernando Haddad tenha obtido um resultado humilhante, mas não deu para
ganhar.
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Poderia
dizer-se que funcionou a alternância governativa num regime democrático se não
tivessem surgido dois fatores antidemocráticos: a judicialização da política e
a presunção de situar o flagelo da corrupção apenas no lado agora politicamente
fragilizado.
Não me parece
aceitável, muito menos plausível, situar a corrupção apenas num dos lados,
porque tanto a índole do flagelo como a experiência testificam a sua
disseminação na sociedade qual fantasma que não tem um rosto de esquerda, de
direita ou de centro. E, quer nos países democráticos, quer nos regimes
ditatoriais, quem estiver sem pecado atire a primeira pedra. De facto, muitos
atiram pedras, mas o pecado continua a morar do lado deles.
Alguns
setores do PT foram indiciados de casos de corrupção ou vícios similares, mas
os demais quadrantes, por mais vozes que tenham feito irromper no espectro
político-económico, não estavam inocentes e o Congresso do Brasil não tem sido
imune ao fenómeno.
Por outro
lado, sabe-se que Lula, que chegou a ser apontado como ministro de Dilma para
se eximir à alçada do juízo de 1.ª instância fora indiciado de erros ligados ao
sistema de corrupção. Porém, nada foi documentalmente comprovado, pelo que a
sua prisão terá resultado do que se designa por delação premiada, em que o
tribunal decide com base em denúncia sem que os testemunhos passem pelo crivo
da verificação da fidedignidade e pela triangulação de dados processuais. E
Dilma Roussef foi destituída da presidência pelo Congresso por proposta do STF,
não por cometimento de crimes específicos, mas basicamente pelo que, entre nós,
se chama de desorçamentação e engenharia financeira em termos orçamentais. Se a
moda pega, quantos governantes europeus não baterão com os costados na prisão!
E é de questionar Michel Temer (o sucessor) sobre
que medidas (eficazes ou
de fachada) foram
tomadas para combater a corrupção.
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O Brasil não
resistiu à onda internacional que prepara e eleva ao poder ou à sua proximidade
forças políticas de extrema-direita de cunho nacionalista e xenófobo, que
disputam, em termos populistas (sem que apresentem medidas eficazes), o lugar político em nome do combate à corrupção e da
independência, da proteção do território e do culto dos valores nacionais. Por
outro lado, justificando-se com o combate à ameaça de terrorismo, prometem,
embora com sacrifício de parte das liberdades, segurança aos cidadãos, o que
estes aceitam com alguma facilidade, cansados de tudo o que os decisores
instituídos prometem – liberdade, segurança, educação, saúde, emprego, proteção
na velhice e na doença – sem terem cumprido.
***
Depois da
Hungria, dos EUA, da Itália, dos fenómenos em França e na Alemanha, só para dar
alguns exemplos, surge como Messias Bosonaro no Brasil um apagado político com
passado militar, sem que os opositores, por via das meias-tintas de alguns, se
tenham concertado para o enfrentarem com êxito. Valeu tudo: ditos, cooperação
de importantes setores religiosos, anúncio de algumas escolhas de
personalidades e medidas adjacentes a determinado campo ideológico…
É certo que, depois da eleição, o Presidente eleito prometeu cumprir a
Constituição e fomentar a democracia, mas já ameaçou, no seu alarvismo, a
ecologia da Amazónia e a identidade cultural das suas populações, ameaçou matar
30 mil “esquerdistas” e elogiou ditaduras. E não se podem esquecer alguns dos
seus ditos como os seguintes, referidos a título de exemplo:
“A verdade é que estamos perdidos em mar de tubarões gigantes e seres
inimagináveis. Capturaremos esses seres e abateremos os tubarões da política
nacional.”.
“Eu acredito em Deus. Sou católico. Mas é coisa rara ir à Igreja. Eu já
li a Bíblia inteirinha, com atenção. Levei uns sete anos para ler. Você tem bons
exemplos ali. Está escrito: ‘A árvore que
não der frutos, deve ser cortada e lançada ao fogo’. Eu sou favorável à
pena de morte.”.
Sobre a guerra diz:
“O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um covarde”.
Relativamente
à orientação sexual de outros, o político confessadamente heterossexual
declara:
“O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um
coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo:
ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem.”.
E ao interlocutor que o contesta, responde:
“O problema é seu. Eu não teria orgulho de ter um filho como você. Daria uma porrada nele, pode ter certeza
disso.”.
E é terrífico o segmento:
“O Governo não faz planeamento familiar porque acha que quanto mais
pobre existir melhor. Porque serão mais eleitores amarrados nos seus programas
assistencialistas.”.
Sobre as ditaduras militares sul-americanas, que não foram ditaduras na
sua ótica, opina:
“O único erro foi torturar e não matar. […]. Deveriam
ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando
Henrique Cardoso. […]. Pinochet devia ter matado mais gente.”.
Há pouco tempo ainda, quase ninguém queria votar nele. Como pôde
acontecer isto agora?!
***
Está visto
que a situação atual brasileira resulta da conjuntura internacional
tendencialmente atreita a recolocar a extrema-direita no poder como da
intervenção de agentes do poder judicial tendenciosos e que até garantiam nunca
enveredarem pela política. E parece continuar assim.
O Presidente
eleito reuniu-se no passado dia 1 de novembro com o juiz Sérgio Moro e
convidou-o para Ministro da Justiça do futuro Governo, proposta que o juiz
aceitou. Recorde-se que Moro é o juiz que mandou prender o antigo
presidente Lula da Silva no âmbito do Lava Jato, que era apontado há muito como
uma forte hipótese para sobraçar as pastas da Justiça e da Segurança Pública
num governo de Bolsonaro. E o novo Presidente confirmou a intenção de convidar
o juiz na primeira entrevista que deu após a eleição, no passado dia 30 de
outubro.
Sérgio Moro
diz, em comunicado enviado às redações, que aceitou “o honrado convite” após discussão de políticas para a pasta que lhe
vai caber. Não obstante “certo pesar”
por “abandonar 22 anos de magistratura”,
o juiz sublinhou o objetivo do seu mandato vindouro:
“A
perspetiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime
organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levaram-me a
tomar esta decisão”.
Veremos o que
será capaz de fazer e se ele e Bolsonaro se suportarão mutuamente.
Quanto à
Operação Lava Jato, garantiu que seguirá em Curitiba “com os valorosos juízes locais”, prometendo que se vai afastar das
próximas audiências do caso “para evitar controvérsias
desnecessárias”.
No
respeitante à possibilidade de Moro ser escolhido para integrar o futuro Governo,
Bolsonaro disse na entrevista à TV Record:
“Agora
que acabou o período eleitoral [posso falar nisso]. Se tivesse falado isso lá
atrás, soaria oportunismo da minha parte. Eu pretendo, sim, [convidar Sérgio
Moro], não só para o Supremo, quem sabe até para o Ministério da
Justiça. Quero conversar com ele. Saber se há interesse dele nesse
sentido também. Pretendo
conversar com ele brevemente. E, se houver interesse da parte dele, com
certeza será uma pessoa de extrema importância num Governo como o nosso.”.
O Ministério
da Justiça será um superministério num governo que reduz o
número de pastas em relação aos executivos anteriores do PT. Segundo o “Estado de São Paulo”, o objetivo do
presidente de extrema-direita eleito no último domingo é reduzir o tamanho do
governo, juntando pastas e criando superministérios – práxis dos governos
postados mais à direita com vista à alegada poupança nos gabinetes ministeriais
(Passos Coelho também
assim o disse querer fazer).
Segundo o
predito jornal, estão confirmados 15 ministérios, podendo o número chegar aos 17, número
muito baixo se comparado com os governos de Dilma Rousseff (39 ministérios, passando para 31
pastas após uma remodelação em 2015) e de Michel Temer (com 29 ministérios). E será, segundo a imprensa brasileira, o governo mais
pequeno desde o executivo de Fernando Collor de Melo, entre 1990 e 1992, com 16
ministérios.
As principais
supressões ocorrerão no Ministério da Justiça, que aglutinará os antigos
ministérios da Justiça e da Segurança
Pública, e no Ministério da Economia, que agregará as antigas
pastas da Fazenda,
do Planeamento, Desenvolvimento e Gestão e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Também
os ministérios da Educação, da Cultura e do Desporto serão fundidos num só e as
pastas do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos passarão a ser
tuteladas por um só Ministro. E o Ministério da Integração Nacional agregará a
Integração Nacional, o Turismo e as Cidades e o do Meio Ambiente abrangerá a pasta
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, vindo a constituir o Ministério da
Agricultura e Meio Ambiente. Tutelará
Moro a Justiça e a Segurança Pública, ficando, assim, com jurisdição sobre a
Polícia Federal. E adivinha-se a politização da justiça se o regime se tornar
fascizante.
Moro dissera que
ficará “honrado” com o convite para o Supremo Tribunal Federal ou para o
Ministério da Justiça, caso ele se concretize formalmente, e garantiu que a
proposta “será objeto de ponderada
discussão e reflexão”.
Agora, o
magistrado judicial chegou ao Rio de Janeiro no dia 1 de manhã, procedente de
Curitiba, cidade do estado brasileiro do Paraná, onde dirigiu as investigações,
em 1.ª instância, do “Lava Jato”, que revelou desvios milionários e que, numa
década, envolveu a empresa estatal Petrobrás. No âmbito dessa operação, foram
presos importantes políticos e empresários, entre os quais Lula, condenado por
corrupção e a cumprir pena de 12 anos de prisão em Curitiba.
Antes da
reunião com Bolsonaro, Sérgio Moro frisou que o Brasil precisa duma “agenda anticorrupção” e que, “se há uma possibilidade de implementação
dessa agenda, de convergência de ideias, de como isso deve ser feito, então há
uma possibilidade”, mas que “tudo é
muito prematuro”. E, questionado sobre um eventual impacto negativo da
aceitação dum cargo ministerial, o magistrado considera “surpreendente” a crítica por conversar com “um Presidente que foi eleito por 50 milhões de pessoas”.
Por sua vez,
o Presidente eleito, que fez do combate à corrupção uma bandeira, declarou que Moro,
que se tornou o mais mediático magistrado brasileiro por ser responsável pela
Operação Lava Jato em 1.ª instância e por ter mandado prender o antigo
presidente Lula da Silva, é um símbolo nacional e “perdeu a sua liberdade no combate à corrupção”. Assim, como afirmou
Bolsonaro, ele, “um homem que tem que ter
o trabalho reconhecido”, “não pode
mais ir à padaria sozinho ou ir passear com a família no shopping sem ter
aparato de segurança ao lado”.
Outro nome já
confirmado para o novo Governo é Paulo Guedes, ultraliberal e defensor de um
Estado mínimo, que ocupará como superministro a pasta da Economia (que agregará as antigas pastas acima
indicadas). Mas Paulo
Guedes poderá trazer problemas ao novo governo de extrema-direita, pois está a
ser investigado por alegada corrupção em negócios com fundos de
pensões estatais num esquema que envolve políticos do PT.
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O capitão do
Exército na reserva ganhou as eleições presidenciais do passado domingo, com mais
de 55% dos votos, enquanto Fernando Haddad, indicado por Lula, teve pouco mais
de 44%. Após a 2.ª volta das eleições, Moro felicitou Bolsonaro e desejou “um bom Governo”, destacando a
pertinência de “reformas para recuperar a
economia e a integridade da administração pública”.
Estamos para
ver como evoluirá a situação política no Brasil, a economia, o mundo dos
pobres, a classe média… Mas, com a obsessão do Estado mínimo, que tende a
deixar para trás os pobres, talvez os decisores enveredem pela política das
privatizações, pela satisfação de interesses poderosamente instalados e que viam
em perigo a sua instalação, pelos cortes na educação, saúde e segurança social
e pelo reforço da polícia e das forças armadas. Suprimirão a corrupção e o
crime organizado? Os brasileiros ficarão mais seguros? Qual será a verdadeira
sorte dos descamisados, dos Sem-terra, dos Sem-teto e dos Sem-trabalho? Teremos
uma versão do Duterte filipino no Brasil?
Tão má é a
judicialização da política como a politização da justiça!
2018.11.02 – Louro de
Carvalho
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