No passado dia 8 de novembro, o Conselho de Ministros aprovou
o decreto-lei de concretização da transferência de
competências para os órgãos municipais no domínio da educação. Neste sentido, o
respetivo comunicado esclarece:
“… O novo quadro de competências
concretiza um modelo de administração e gestão do sistema educativo que
respeita a integridade do serviço público de educação, a equidade territorial e
a solidariedade intermunicipal e inter-regional no planeamento das ofertas
educativas e formativas e na afetação dos recursos públicos no quadro da
correção de desigualdades e assimetrias locais e regionais, bem como a tomada
de decisões numa lógica de proximidade. Com esse propósito, este novo regime
redefine as áreas de intervenção e o âmbito de ação e responsabilidade de cada
interveniente, assente nos princípios e regras consagrados na Lei de Bases do
Sistema Educativo e no Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos
Estabelecimentos Públicos de Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e
Secundário.
“As novas competências incluem o
investimento, equipamento e manutenção de edifícios escolares, alargadas a todo
o ensino básico e secundário; o fornecimento de refeições nos estabelecimentos
do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, gerido pelos
municípios; o recrutamento, seleção e gestão do pessoal não docente,
transferindo-se o vínculo do Ministério da Educação para os municípios; e o
reforço das competência do Conselho Municipal de Educação.”.
Este diploma setorial da educação prevê a
transferência para a gestão municipal de quase mil estabelecimentos educativos,
mais de 3500 edifícios e cerca de 43 mil trabalhadores não docentes,
estimando-se que sejam necessários cerca de 800 milhões de euros em
transferências da administração central para municípios.
***
A 9
de novembro, como referia a agência Lusa,
a FNE (Federação
Nacional de Educação) colocou-se
contra
transferência da gestão dos funcionários das escolas para municípios, discordando
da “decisão do Governo” de transferir a gestão dos trabalhadores não docentes
para os municípios” por considerar que “não constitui um acréscimo de qualidade
para o funcionamento das escolas, antes pelo contrário”. Em comunicado esta
estrutura sindical explicitava assim a sua posição:
“Entende a FNE que seria muito mais
vantajoso que a gestão dos trabalhadores não docentes fosse da competência das
direções das escolas, tanto mais que são elas que estão todos os dias com
aqueles trabalhadores e que é muito mais útil uma gestão de proximidade, o que
obviamente não se consegue quando as decisões que lhes dizem respeito se situam
fora do âmbito do estabelecimento de ensino, entregues a um vereador da educação
ou até ao presidente da câmara”.
No seu documento a FNE critica o facto de os
sindicatos representativos destes trabalhadores não terem sido ouvidos e pede a
clarificação de competências entre poder central, poder local e escolas “de
forma que em nenhuma circunstância se estabeleçam ambiguidades”. Por outro
lado, regista que não pode continuar a verificar-se “a contradição entre o
discurso que se diz favorável ao reforço da autonomia das escolas” e a sua
tradução prática unicamente em “diminuição
de competências e insuficiência de recursos” na escola.
Adverte ainda a FNE que “não deixará de estar
vigilante” e que acompanhará o processo para garantir que são dados aos
municípios os “recursos indispensáveis ao cumprimento das competências”
atribuídas. E reforça criticando a tendência para o microcentralismo:
“Não é aceitável ainda que o centralismo do
poder central seja substituído pelo centralismo do município, se não forem
estabelecidos os adequados mecanismos de participação das comunidades. Não
basta mudar uma lógica de organização e de gestão do sistema educativo só por
mudar, sem garantir que se ambiciona mais eficácia e mais eficiência, num
quadro de reconhecimento e valorização dos trabalhadores do setor.”.
Embora esta
posição sindical não abranja a totalidade do problema, é óbvio que se reveste
de toda a razão na defesa duma gestão de proximidade e na denúncia dum novo
centralismo concretizado na câmara municipal, a meu ver, demasiado
presidencializada, que absorverá para o município os parâmetros de autonomia que
estavam na iminência de passar para as escolas. Será efetivamente um
centralismo sustentado pela apetência dos municípios e até pela elevada e
crescente falta de recursos financeiros e técnicos de que os municípios se queixam.
Os municípios têm dificuldade em lidar com a escassez de meios. Tanto assim é
que as objeções que opõem à transferência de competências se escoram na magreza
do envelope financeiro!
Ademais,
para quê engrossar as competências dos conselhos municipais de educação, se
raramente assumem as que têm? Que palavra têm, afinal, oferecido na construção dos
agrupamentos e mega-agrupamentos, encerramento de estabelecimentos e na
definição da rede escolar municipal? Quase tudo lhes tem passado ao lado…
***
Por
seu turno, a FENPROF (Federação Nacional dos
Professores) afirma que a descentralização na educação pela
transferência de competências para os municípios “abre nova frente de luta” para os professores em razão das assimetrias e desigualdades que cria.
O tema foi um dos pontos discutidos na reunião do
secretariado nacional da FENPROF na tarde do passado dia 12. E Mário
Nogueira, secretário-geral da FENPROF, disse à agência Lusa que “os professores não
são absolutamente corporativistas nas suas reivindicações”, para criticar o
processo de descentralização de competências aprovado pelo Conselho de
Ministros, o qual não abrange diretamente os professores, que se mantêm na
alçada do Ministério da Educação, mas que não deixam de ser afetados por uma
decisão que vai “criar desigualdades e
assimetrias”.
Reiterando que os professores são “frontalmente
contra”, Nogueira frisou que este processo “abre
portas à privatização de serviços” e “cria
condições para ingerência e perda de autonomia das escolas”, ao
atribuir-lhes mais uma tutela. E, insistindo nas críticas ao processo, lembrou
experiências internacionais semelhantes, como o caso da Islândia, que desistiu
do projeto, “porque correu mal”.
A FENPROF pega bem noutro ângulo do problema. Obviamente
os municípios com mais recursos poderão criar melhores condições físicas,
económicas e sociais para o serviço educativo, ficando em desvantagem os
municípios mais pobres. Os pobres continuarão a esperar sem poderem.
Depois, como a tentação dos municípios, alegadamente
por falta de recursos técnicos, é para conceder obras e serviços a privados,
muitas vezes pelo lado amical, não será de estranhar que, pela via da
municipalização, se desemboque na privatização.
Acresce que a municipalização arrebatará para si os parâmetros
da autonomia da escola, o que é mau, até porque muitos dos professores e
educadores que servem o município estão fora do contacto com os alunos e estão
por ali ocupados para não se afastarem da sua residência.
***
Porém, nem só a descentralização ocupa o trabalho
sindical. E a FENPROF aproveitou a reunião do secretariado nacional para um
balanço da greve ao trabalho extraordinário, anotando que já abrangia, no dia
12, pelo menos, 140 escolas e que os docentes têm vindo a aderir
“progressivamente” à medida que ultrapassam receios de cortes no salário,
possibilidade que o Ministério da Educação adiantou como possível dias antes do
início da paralisação.
Nogueira disse que esta é uma greve sem impacto nos
alunos e que “até vem ao encontro de declarações recentes do Ministro” Tiago
Brandão Rodrigues, que, segundo o dirigente da FENPROF, disse que o que não
está no horário de trabalho dos professores não deve existir nas escolas – “um
caso de: olhem para o que eu digo, não
olhem para o que eu faço”. E, porque não se desiste da reivindicação da contagem
integral do tempo de serviço, o líder da FENPROF comunicou que foi entregue aos
grupos parlamentares, em nome da plataforma sindical que tem negociado a
matéria com o Governo, uma proposta para que a Assembleia da República aprove
uma solução semelhante à da Madeira, com o apoio de todos os partidos na Assembleia
Legislativa Regional – que prevê a contabilização integral dos 9 anos, 4 meses
e 2 dias a partir de janeiro de 2019, recuperando em cada ano, até 2025, cerca
de um ano e meio de tempo de serviço congelado. E, esperando que os partidos no
continente sejam coerentes com o teor adotado pela Madeira, acentuou que “seria
uma grande desilusão para todos os professores se isso não acontecesse”.
No âmbito destas reivindicações, a FENPROF desencadeou
mais uma ação de rua nos dias 12 e 13, em todas as capitais de distrito, para
uma recolha de postais junto da população, nos quais “fique claro que as pessoas não estão contra a luta dos professores e a
consideram justa”. Para o efeito pediu ainda a cada professor que levasse
para a luta um ‘não-professor’, ficando cada docente por recolher um postal
nestes termos. E o seu envio, ou não, ao Primeiro-Ministro fica dependente do
que for decidido na versão final do Orçamento do Estado para 2019, que vai ser
votada a 29 de novembro.
***
E,
ainda no quadro reivindicativo, a FENPROF revelou hoje, dia 15, que vai apresentar queixa contra o Governo português na OIT
(Organização
Internacional do Trabalho), na UNESCO
(Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura) e na e IE (Internacional
da educação), acusando
o executivo de recorrer a expedientes antidemocráticos como a obstrução ao
direito à greve. É o que se lê em comunicado onde se regista que o “ataque aos
professores” atingiu “níveis gravíssimos”, com reiterada “negação de princípios
elementares da negociação e a obstrução ao exercício do direito à greve”. E isto,
se bem me lembro vem crescendo desde 2005.
Assim, a FENPROF, classificando de “antidemocrático e
inconstitucional” o posicionamento de “obstrução do direito à greve”, sublinha
que os argumentos usados pelo Governo, “se fossem validados, significariam
fortes e injustificadas restrições ao exercício deste direito, desde logo pela
manipulação do conceito legal de necessidade
social impreterível”.
A este respeito, é de recordar que, no final do ano
letivo 2017/2018, em julho, o colégio arbitral decretou, na sequência da
manifesta vontade do Governo, serviços mínimos nas greves às reuniões de
avaliação dos alunos – serviços mínimos que abrangeram as reuniões de conselhos
de turma dos anos em que os alunos tinham provas finais ou exames (9.º, 11.º e
12.º). Ora, ao recorrer a este
expediente, o Governo procurou, segundo esta estrutura sindical, “anular a
forte ação dos professores e educadores na defesa dos seus direitos
profissionais, da qualidade do seu exercício profissional e da Escola Pública”.
Na nota, disponível no seu ‘site’, a FENPTOF sustenta:
“Os professores portugueses têm sido alvo de
um tratamento inadmissível por parte do Governo português, que tudo tem feito
para dificultar a resolução dos problemas que afetam a Educação e os seus
profissionais. […]. Grave, também, é o facto de o governo ter decidido
desenvolver uma estratégia de discriminação, perseguição e isolamento dos
professores e dos seus sindicatos, recorrendo, para isso, a procedimentos
ilegais, em alguns casos inconstitucionais, que afrontam a dignidade de um
Estado democrático como o Português.”.
Na queixa, que enviada para a UNESCO, OIT e IE (uma
federação de associações e de 401 sindicatos em 171 países), a FENPROF aponta igualmente a contagem do tempo de
serviço, pois esta questão “tem levado a
que, obstinadamente, o Governo se recuse a considerar todo o tempo de trabalho
realizado, com consequências muito nefastas na carreira profissional de cada
docente e com efeitos destruidores na estrutura da carreira e da relação de
justiça que deve ser estabelecida, internamente, entre cada profissional”. E
acrescenta:
“Os professores portugueses não admitem o
roubo de mais de seis anos e meio da sua vida profissional, o qual tem reflexos
muito negativos no desenvolvimento da carreira. Por isso, não desistem e
continuarão a lutar até à consagração do legalmente estabelecido – a contagem
integral do tempo de serviço –, que o governo pretende não cumprir.”.
***
Também a
FENPROF se juntou à manifestação nacional da CGTP, em Lisboa, tendo entregado
um pré-aviso de greve para acautelar a participação dos docentes. A este
propósito, afirmou Mário Nogueira:
“O pré-aviso de greve destina-se a acautelar
situações de professores que queiram participar na manifestação e que não
tenham outra forma de justificar a falta. No caso de delegados sindicais – que
têm direito a horas – essa questão não se coloca”.
De acordo com o secretário-geral da FENPROF, o pré-aviso
visou apenas acautelar situações excecionais, não se esperando “que as escolas
fechem”.
O pré-aviso vigora entre as 0 horas e as 24 do dia 15
de novembro, para acautelar a participação de professores de todas as zonas do
país que queiram deslocar-se a Lisboa.
Os docentes concentraram-se na praça Marquês de Pombal
para defender mais investimento na educação e partilhar as reivindicações da
CGTP, como costuma acontecer com a FENPROF.
Do seu lado a CGTP previa ter milhares de trabalhadores
na manifestação nacional esperando que o protesto da tarde – entre a praça
Marquês de Pombal e a praça dos Restauradores, sob o lema “Avançar nos Direitos, Valorizar os Trabalhadores” –, chame a
atenção do Governo e dos patrões para as reivindicações que levam os
trabalhadores à rua. Com efeito, as posições do Governo e dos patrões têm
levado à “degradação das condições de vida e de trabalho daqueles que produzem
a riqueza”. E a CGTP pretendia influenciar a discussão da proposta de
Orçamento do Estado para 2019, apresentando como principais reivindicações: o
combate às desigualdades, à precariedade e à desregulamentação dos horários de
trabalho; a dinamização da contratação coletiva; e “a revogação das normas
gravosas da legislação laboral”.
Assim, a estrutura confederativa sindical reivindica o
aumento geral dos salários em 4%, a fixação do salário mínimo nos 650 euros em
janeiro de 2019, o aumento das pensões de reforma/aposentação e a defesa e
melhoria dos serviços públicos e funções sociais do Estado.
***
O complexo de reivindicações salariais que incluem a
postura contra a descentralização a que o Governo está a pôr mão, nomeadamente
a que está em marcha relativamente à educação constitui um parâmetro importante
para a concretização do Estado Social, a que se vem obstando pela alegada falta
de dinheiro. É claro que as condições atuais do país parecem constituir um cenário
difícil para a contemporização governativa com as reivindicações. Porém, não podemos
esquecer que tanta gente tem delapidado os recursos económicos e financeiros do
país quase impunemente, apesar do alarido acusatório que campeia na praça. Por outro
lado, se a economia não cresce, não se consegue o pagamento da dívida; a economia
não cresce sem consumo externo e interno; e o consumo não cresce sem
investimento, público e privado, e com salários de miséria. E, sobretudo, não
pagar salário condigno constitui afronta à dignidade do trabalhador e um escape
à justiça comutativa. De resto, que interessa um défice zero ao sabor de
Bruxelas se não se consegue pagar a dívida e se o povo se espalha na miséria à
custa do enriquecimento de poucos e a contra ciclo da suposta melhoria das condições
de vida?
2018.11.15 – Louro de Carvalho
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