quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A descentralização da educação no quadro reivindicativo sindical


No passado dia 8 de novembro, o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei de concretização da transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da educação. Neste sentido, o respetivo comunicado esclarece:
“… O novo quadro de competências concretiza um modelo de administração e gestão do sistema educativo que respeita a integridade do serviço público de educação, a equidade territorial e a solidariedade intermunicipal e inter-regional no planeamento das ofertas educativas e formativas e na afetação dos recursos públicos no quadro da correção de desigualdades e assimetrias locais e regionais, bem como a tomada de decisões numa lógica de proximidade. Com esse propósito, este novo regime redefine as áreas de intervenção e o âmbito de ação e responsabilidade de cada interveniente, assente nos princípios e regras consagrados na Lei de Bases do Sistema Educativo e no Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos de Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário.
As novas competências incluem o investimento, equipamento e manutenção de edifícios escolares, alargadas a todo o ensino básico e secundário; o fornecimento de refeições nos estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, gerido pelos municípios; o recrutamento, seleção e gestão do pessoal não docente, transferindo-se o vínculo do Ministério da Educação para os municípios; e o reforço das competência do Conselho Municipal de Educação.”.
Este diploma setorial da educação prevê a transferência para a gestão municipal de quase mil estabelecimentos educativos, mais de 3500 edifícios e cerca de 43 mil trabalhadores não docentes, estimando-se que sejam necessários cerca de 800 milhões de euros em transferências da administração central para municípios.
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A 9 de novembro, como referia a agência Lusa, a FNE (Federação Nacional de Educação) colocou-se contra transferência da gestão dos funcionários das escolas para municípios, discordando da “decisão do Governo” de transferir a gestão dos trabalhadores não docentes para os municípios” por considerar que “não constitui um acréscimo de qualidade para o funcionamento das escolas, antes pelo contrário”. Em comunicado esta estrutura sindical explicitava assim a sua posição:
Entende a FNE que seria muito mais vantajoso que a gestão dos trabalhadores não docentes fosse da competência das direções das escolas, tanto mais que são elas que estão todos os dias com aqueles trabalhadores e que é muito mais útil uma gestão de proximidade, o que obviamente não se consegue quando as decisões que lhes dizem respeito se situam fora do âmbito do estabelecimento de ensino, entregues a um vereador da educação ou até ao presidente da câmara”.
No seu documento a FNE critica o facto de os sindicatos representativos destes trabalhadores não terem sido ouvidos e pede a clarificação de competências entre poder central, poder local e escolas “de forma que em nenhuma circunstância se estabeleçam ambiguidades”. Por outro lado, regista que não pode continuar a verificar-se “a contradição entre o discurso que se diz favorável ao reforço da autonomia das escolas” e a sua tradução prática unicamente em “diminuição de competências e insuficiência de recursos” na escola. 
Adverte ainda a FNE que “não deixará de estar vigilante” e que acompanhará o processo para garantir que são dados aos municípios os “recursos indispensáveis ao cumprimento das competências” atribuídas. E reforça criticando a tendência para o microcentralismo:
Não é aceitável ainda que o centralismo do poder central seja substituído pelo centralismo do município, se não forem estabelecidos os adequados mecanismos de participação das comunidades. Não basta mudar uma lógica de organização e de gestão do sistema educativo só por mudar, sem garantir que se ambiciona mais eficácia e mais eficiência, num quadro de reconhecimento e valorização dos trabalhadores do setor.”.
Embora esta posição sindical não abranja a totalidade do problema, é óbvio que se reveste de toda a razão na defesa duma gestão de proximidade e na denúncia dum novo centralismo concretizado na câmara municipal, a meu ver, demasiado presidencializada, que absorverá para o município os parâmetros de autonomia que estavam na iminência de passar para as escolas. Será efetivamente um centralismo sustentado pela apetência dos municípios e até pela elevada e crescente falta de recursos financeiros e técnicos de que os municípios se queixam. Os municípios têm dificuldade em lidar com a escassez de meios. Tanto assim é que as objeções que opõem à transferência de competências se escoram na magreza do envelope financeiro!
Ademais, para quê engrossar as competências dos conselhos municipais de educação, se raramente assumem as que têm? Que palavra têm, afinal, oferecido na construção dos agrupamentos e mega-agrupamentos, encerramento de estabelecimentos e na definição da rede escolar municipal? Quase tudo lhes tem passado ao lado…     
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Por seu turno, a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) afirma que a descentralização na educação pela transferência de competências para os municípios “abre nova frente de luta” para os professores em razão das assimetrias e desigualdades que cria.
O tema foi um dos pontos discutidos na reunião do secretariado nacional da FENPROF na tarde do passado dia 12. E Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, disse à agência Lusa que “os professores não são absolutamente corporativistas nas suas reivindicações”, para criticar o processo de descentralização de competências aprovado pelo Conselho de Ministros, o qual não abrange diretamente os professores, que se mantêm na alçada do Ministério da Educação, mas que não deixam de ser afetados por uma decisão que vai “criar desigualdades e assimetrias”. 
Reiterando que os professores são “frontalmente contra”, Nogueira frisou que este processo “abre portas à privatização de serviços” e “cria condições para ingerência e perda de autonomia das escolas”, ao atribuir-lhes mais uma tutela. E, insistindo nas críticas ao processo, lembrou experiências internacionais semelhantes, como o caso da Islândia, que desistiu do projeto, “porque correu mal”. 
A FENPROF pega bem noutro ângulo do problema. Obviamente os municípios com mais recursos poderão criar melhores condições físicas, económicas e sociais para o serviço educativo, ficando em desvantagem os municípios mais pobres. Os pobres continuarão a esperar sem poderem.
Depois, como a tentação dos municípios, alegadamente por falta de recursos técnicos, é para conceder obras e serviços a privados, muitas vezes pelo lado amical, não será de estranhar que, pela via da municipalização, se desemboque na privatização.
Acresce que a municipalização arrebatará para si os parâmetros da autonomia da escola, o que é mau, até porque muitos dos professores e educadores que servem o município estão fora do contacto com os alunos e estão por ali ocupados para não se afastarem da sua residência.     
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Porém, nem só a descentralização ocupa o trabalho sindical. E a FENPROF aproveitou a reunião do secretariado nacional para um balanço da greve ao trabalho extraordinário, anotando que já abrangia, no dia 12, pelo menos, 140 escolas e que os docentes têm vindo a aderir “progressivamente” à medida que ultrapassam receios de cortes no salário, possibilidade que o Ministério da Educação adiantou como possível dias antes do início da paralisação. 
Nogueira disse que esta é uma greve sem impacto nos alunos e que “até vem ao encontro de declarações recentes do Ministro” Tiago Brandão Rodrigues, que, segundo o dirigente da FENPROF, disse que o que não está no horário de trabalho dos professores não deve existir nas escolas – “um caso de: olhem para o que eu digo, não olhem para o que eu faço”. E, porque não se desiste da reivindicação da contagem integral do tempo de serviço, o líder da FENPROF comunicou que foi entregue aos grupos parlamentares, em nome da plataforma sindical que tem negociado a matéria com o Governo, uma proposta para que a Assembleia da República aprove uma solução semelhante à da Madeira, com o apoio de todos os partidos na Assembleia Legislativa Regional – que prevê a contabilização integral dos 9 anos, 4 meses e 2 dias a partir de janeiro de 2019, recuperando em cada ano, até 2025, cerca de um ano e meio de tempo de serviço congelado. E, esperando que os partidos no continente sejam coerentes com o teor adotado pela Madeira, acentuou que “seria uma grande desilusão para todos os professores se isso não acontecesse”.
No âmbito destas reivindicações, a FENPROF desencadeou mais uma ação de rua nos dias 12 e 13, em todas as capitais de distrito, para uma recolha de postais junto da população, nos quais “fique claro que as pessoas não estão contra a luta dos professores e a consideram justa”. Para o efeito pediu ainda a cada professor que levasse para a luta um ‘não-professor’, ficando cada docente por recolher um postal nestes termos. E o seu envio, ou não, ao Primeiro-Ministro fica dependente do que for decidido na versão final do Orçamento do Estado para 2019, que vai ser votada a 29 de novembro.
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E, ainda no quadro reivindicativo, a FENPROF revelou hoje, dia 15, que vai apresentar queixa contra o Governo português na OIT (Organização Internacional do Trabalho), na UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e na e IE (Internacional da educação), acusando o executivo de recorrer a expedientes antidemocráticos como a obstrução ao direito à greve. É o que se lê em comunicado onde se regista que o “ataque aos professores” atingiu “níveis gravíssimos”, com reiterada “negação de princípios elementares da negociação e a obstrução ao exercício do direito à greve”. E isto, se bem me lembro vem crescendo desde 2005.
Assim, a FENPROF, classificando de “antidemocrático e inconstitucional” o posicionamento de “obstrução do direito à greve”, sublinha que os argumentos usados pelo Governo, “se fossem validados, significariam fortes e injustificadas restrições ao exercício deste direito, desde logo pela manipulação do conceito legal de necessidade social impreterível”.
A este respeito, é de recordar que, no final do ano letivo 2017/2018, em julho, o colégio arbitral decretou, na sequência da manifesta vontade do Governo, serviços mínimos nas greves às reuniões de avaliação dos alunos – serviços mínimos que abrangeram as reuniões de conselhos de turma dos anos em que os alunos tinham provas finais ou exames (9.º, 11.º e 12.º). Ora, ao recorrer a este expediente, o Governo procurou, segundo esta estrutura sindical, “anular a forte ação dos professores e educadores na defesa dos seus direitos profissionais, da qualidade do seu exercício profissional e da Escola Pública”.
Na nota, disponível no seu ‘site’, a FENPTOF sustenta:
Os professores portugueses têm sido alvo de um tratamento inadmissível por parte do Governo português, que tudo tem feito para dificultar a resolução dos problemas que afetam a Educação e os seus profissionais. […]. Grave, também, é o facto de o governo ter decidido desenvolver uma estratégia de discriminação, perseguição e isolamento dos professores e dos seus sindicatos, recorrendo, para isso, a procedimentos ilegais, em alguns casos inconstitucionais, que afrontam a dignidade de um Estado democrático como o Português.”. 
Na queixa, que enviada para a UNESCO, OIT e IE (uma federação de associações e de 401 sindicatos em 171 países), a FENPROF aponta igualmente a contagem do tempo de serviço, pois esta questão “tem levado a que, obstinadamente, o Governo se recuse a considerar todo o tempo de trabalho realizado, com consequências muito nefastas na carreira profissional de cada docente e com efeitos destruidores na estrutura da carreira e da relação de justiça que deve ser estabelecida, internamente, entre cada profissional”. E acrescenta:
Os professores portugueses não admitem o roubo de mais de seis anos e meio da sua vida profissional, o qual tem reflexos muito negativos no desenvolvimento da carreira. Por isso, não desistem e continuarão a lutar até à consagração do legalmente estabelecido – a contagem integral do tempo de serviço –, que o governo pretende não cumprir.”.
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Também a FENPROF se juntou à manifestação nacional da CGTP, em Lisboa, tendo entregado um pré-aviso de greve para acautelar a participação dos docentes. A este propósito, afirmou Mário Nogueira:
O pré-aviso de greve destina-se a acautelar situações de professores que queiram participar na manifestação e que não tenham outra forma de justificar a falta. No caso de delegados sindicais – que têm direito a horas – essa questão não se coloca”.
De acordo com o secretário-geral da FENPROF, o pré-aviso visou apenas acautelar situações excecionais, não se esperando “que as escolas fechem”. 
O pré-aviso vigora entre as 0 horas e as 24 do dia 15 de novembro, para acautelar a participação de professores de todas as zonas do país que queiram deslocar-se a Lisboa. 
Os docentes concentraram-se na praça Marquês de Pombal para defender mais investimento na educação e partilhar as reivindicações da CGTP, como costuma acontecer com a FENPROF.
Do seu lado a CGTP previa ter milhares de trabalhadores na manifestação nacional esperando que o protesto da tarde – entre a praça Marquês de Pombal e a praça dos Restauradores, sob o lema “Avançar nos Direitos, Valorizar os Trabalhadores” –, chame a atenção do Governo e dos patrões para as reivindicações que levam os trabalhadores à rua. Com efeito, as posições do Governo e dos patrões têm levado à “degradação das condições de vida e de trabalho daqueles que produzem a riqueza”.  E a CGTP pretendia influenciar a discussão da proposta de Orçamento do Estado para 2019, apresentando como principais reivindicações: o combate às desigualdades, à precariedade e à desregulamentação dos horários de trabalho; a dinamização da contratação coletiva; e “a revogação das normas gravosas da legislação laboral”.
Assim, a estrutura confederativa sindical reivindica o aumento geral dos salários em 4%, a fixação do salário mínimo nos 650 euros em janeiro de 2019, o aumento das pensões de reforma/aposentação e a defesa e melhoria dos serviços públicos e funções sociais do Estado.
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O complexo de reivindicações salariais que incluem a postura contra a descentralização a que o Governo está a pôr mão, nomeadamente a que está em marcha relativamente à educação constitui um parâmetro importante para a concretização do Estado Social, a que se vem obstando pela alegada falta de dinheiro. É claro que as condições atuais do país parecem constituir um cenário difícil para a contemporização governativa com as reivindicações. Porém, não podemos esquecer que tanta gente tem delapidado os recursos económicos e financeiros do país quase impunemente, apesar do alarido acusatório que campeia na praça. Por outro lado, se a economia não cresce, não se consegue o pagamento da dívida; a economia não cresce sem consumo externo e interno; e o consumo não cresce sem investimento, público e privado, e com salários de miséria. E, sobretudo, não pagar salário condigno constitui afronta à dignidade do trabalhador e um escape à justiça comutativa. De resto, que interessa um défice zero ao sabor de Bruxelas se não se consegue pagar a dívida e se o povo se espalha na miséria à custa do enriquecimento de poucos e a contra ciclo da suposta melhoria das condições de vida?
2018.11.15 – Louro de Carvalho

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