sábado, 24 de novembro de 2018

Parece que será desta vez que o ‘Brexit’ se concretiza



Depois de muitas dificuldades no percurso (um ano e 17 meses) de negociação do acordo com a UE (União Europeia) para uma saída airosa da União por parte do Reino Unido, segundo informação da France Presse, Theresa May retornou hoje, dia 24 de novembro, a Bruxelas a defender com os líderes das instituições o acordo negociado com a UE, na véspera duma reunião crucial, mas ainda sob a ameaça da Espanha de eventualmente não apoiar o texto por causa de Gibraltar.
Com efeito, os Chefes de Estado e de Governo dos 27 países que permanecerão na UE após o ‘Brexit’ realizarão um Conselho Europeu extraordinário no próximo domingo, dia 25, em que deverão aprovar o esboço preliminar alcançado entre Londres e Bruxelas.
Porém, ainda no dia 23, o Primeiro-Ministro espanhol declarara não ter garantias suficientes sobre o papel decisório do seu país na futura relação entre a UE e Gibraltar, pelo que usará do direito de veto de facto concedido pelos Estados-Membros em 2017. Sem a dirimição do diferendo que a Espanha deseja ver incluída nos textos, provavelmente o Conselho Europeu não se realizará, segundo Pedro Sanchez.
Em termos jurídicos a aprovação da Espanha não é necessária na reunião da cimeira do dia 25, mas politicamente a situação seria muito delicada porque os demais países da UE alegadamente romperiam a sua unidade na primeira separação de um de seus membros.
Após o Reino Unido ter encontrado a solução para evitar uma fronteira para a circulação de pessoas e bens na Irlanda, surge Gibraltar, território britânico desde 1713, sito no extremo sul da Península Ibérica. O Reino Unido encerrará mais de quatro décadas (45 anos e 3 meses) de adesão ao projeto europeu no próximo dia 29 de março e, até então, as duas partes deverão finalizar a ratificação do tratado de retirada para afastar os temores duma separação sem acordo.
A Primeira-Ministra britânica logrou, a 14 de novembro, o aval do seu Governo ao texto pré-negociado com Bruxelas durante os últimos 17 meses, que provocou pedidos de demissão de vários ministros e precisa de obter maioria no Parlamento britânico, onde recebe críticas da oposição e do próprio partido de May.
Theresa May reuniu-se hoje com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Apesar da questão de Gibraltar, UE e Reino Unido preparam-se efetivamente para concluir a primeira saída dum país do projeto europeu, depois de se terem solucionado questões relacionadas com a Irlanda, com os direitos dos cidadãos dos dois lados do Canal da Mancha e com a conta que deve ser paga por Londres. E crê-se que haverá aval da parte de Espanha, resolvido que esteja o caso de Gibraltar.
Seja como for, a partir de 29 de março de 2019, os dois lados deverão negociar um ambicioso acordo comercial durante o período de transição que prosseguirá no máximo até ao fim de 2022, na vigência do qual o Reino Unido manterá o atual ‘status quo’, mas sem participar das decisões da UE.
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Como foi referido, a 14 de novembro, May garantiu o apoio do seu Governo ao acordo para o Brexit. Segundo o Jornal de Negócios on line desse dia, numa curta intervenção que se seguiu a longas horas de discussão no conselho de ministros, a Primeira-Ministra anunciou que o Governo decidira apoiar o acordo técnico alcançado com Bruxelas com vista ao enquadramento da relação futura entre as duas partes.
As mais de 5 horas da sessão do conselho de ministros foram difíceis para a Chefe do Governo, que teve de convencer os colegas de executivo que defendiam um corte abrupto na relação Bruxelas-Londres, tendo, pelo meio (segundo os vários relatos da comunicação social inglesa), ouvido várias ameaças de demissão e exigências dum eventual voto de não confiança no seio do Partido Conservador. 
Aos jornalistas Theresa May revelou que “a decisão coletiva do Governo é de que deve apoiar o esboço do acordo de saída” da UE. Entendem os observadores que a referência a uma “decisão colectiva” confirma a inexistência de unanimidade. Porém, a Primeira-Ministra, disse acreditar “firmemente, com cabeça e coração, que esta é uma decisão no melhor interesse de todo o Reino Unido”, anotando que o acordo técnico alcançado entre Londres e Bruxelas “foi o melhor que poderia ter sido negociado”. 
Considera, pois, a Chefe do Executivo conservador que foi dado um “passo decisivo”, que permite seguir em frente e finalizar o acordo e, mais uma vez, sustentou que o acordo cumpre os pressupostos resultantes do referendo que, a 23 de junho de 2016, ditou a saída britânica do bloco europeu e, devolvendo a Londres o controlo sobre “o nosso dinheiro, as nossas leis e fronteiras, acaba com a livre circulação, protege empregos, a nossa segurança e a nossa união”, condições necessárias para “construirmos um futuro brilhante” para o Reino Unido. 
Por fim, reconhecendo que a decisão estará sob enorme “escrutínio” nos tempos vindouros”, prometeu ir, logo no dia seguinte, “explicar as decisões adoptadas pelo governo”, em nova declaração no Parlamento. Todavia, não deixou de assumir que o Governo foi confrontado com decisões “difíceis”, em particular a questão relativa ao mecanismo de salvaguarda exigido pela UE para evitar o estabelecimento duma fronteira física entre a Irlanda (membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido). Mas, como esclareceu, o país estava entre a espada e a parede: ou se chegava a acordo ou o Brexit ocorreria sem a salvaguarda de ligação à UE.
Logo após a declaração de May, foi divulgado o texto de 585 páginas que estabelece os moldes em que se processará o relacionamento Reino Unido-UE e que terá ainda de ser validado pelo conjunto dos Estados-Membros da União. 
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Logo a seguir, Michel Barnier, responsável pela condução das negociações pelo lado europeu, falava em Bruxelas sobre o compromisso. O político francês mostrou satisfação por o texto não surgir, desta feita, com cores a sublinhar os pontos de desacordo entre as partes.
E Barnier especificou que, no decurso do período de transição (intervalo de tempo que vai da data da saída formal britânica da UE, a 29 de março de 2019 até 31 de dezembro) será preservada a atual relação, com o Reino Unido a ter de cumprir as regras inerentes ao mercado único europeu (que pressupõe as quatro liberdades de movimento: bens, serviços, capitais e pessoas) e à união aduaneira. Também os direitos dos cidadãos britânicos que vivem na UE e das pessoas europeias que residem no Reino Unido vão continuar intactos. 
Já quanto à questão das negociações, respeitante à fronteira irlandesa, Michel Barnier referiu que o mecanismo de salvaguarda estabelece que a Irlanda do Norte continue na união aduaneira e assegura que a solução encontrada para evitar uma fronteira rígida cumpre as 4 condições essenciais: proteção do acordo de paz de 1998; preservação da integridade do mercado único e o lugar da Irlanda no mesmo; respeito pela integridade territorial do Reino Unido; e garantia da circulação na zona comum de viagens entre o Reino Unido e a Irlanda.
Em linhas gerais, se o mecanismo for ativado (o objetivo é que não seja preciso recorrer ao “backstop”, crendo-se que será possível até ao fim do período de transição encontrar solução para o problema), UE e Reino Unido partilharão uma zona aduaneira comum sem controlos na fronteira entre as Irlandas.
Porém, na reunião que, entretanto, decorrera na capital belga entre os embaixadores dos restantes 27 junto da UE, foram sinalizadas dúvidas quanto ao acordo, pois estes representantes identificam ainda “muitas questões em aberto” que não obtiveram resposta no acordo técnico.
Como era de prever, um acordo que não rasgasse com o essencial da atual relação britânica com a UE mereceria oposição dos conservadores, que defendiam uma espécie de rutura total com Bruxelas, os chamados “hard brexiters”, bem como dos unionistas irlandeses (DUP), de cujos 10 deputados também o Governo de May depende. Por isso, não se estranhou a primeira reação de Sammy Wilson, membro do DUP, que, em declarações à BBC, considerou tratar-se de “um mau acordo”, que May “não deveria ter aceitado”. 
Seja como for, May terá sempre a difícil missão de recolher os apoios necessários na Câmara dos Comuns à aprovação do acordo, tendo de garantir para tal o apoio de deputados trabalhistas que permitam compensar a mais do que provável rejeição dos defensores de um “hard Brexit”. 
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Ontem, dia 23, Greg Clark, Ministro da Energia e Estratégica Industrial, disse acreditar que o Parlamento (que autorizou o Governo a negociar após longas discussões) viabilizará o acordo alcançado com a UE após considerar “o caos de sair sem um acordo”. O Ministro declarou à Lusa:
Eu penso que nós teremos um acordo. Obviamente o primeiro passo é que na cimeira no domingo haja um acordo entre os 28 países da União Europeia, mas depois seguir-se-á um grande debate no Parlamento do Reino Unido. Estou confiante que os meus colegas, considerando as alternativas, incluindo a disrupção e o caos de sair sem um acordo, penso que irão reconhecer que é no interesse de todos de avançar com o acordo.”.
O acordo de princípio sobre a declaração política que servirá de base às negociações da relação pós-‘Brexit’ não alterou a posição dos principais opositores de Theresa May, alimentando cada vez mais o cenário de chumbo do acordo na câmara baixa do Parlamento britânico, numa votação que deverá ocorrer em meados de dezembro. E Clark mostrou-se ainda desapontado com o Governo espanhol, que voltou ontem a sublinhar que mantém o voto contra, esperando que até domingo o atual texto seja alterado no que concerne a Gibraltar.
Recorde-se que Gibraltar, um enclave de 7km2 com 32.000 habitantes e com fronteira no sul de Espanha, é território britânico desde 1713, mas é reivindicado pelas autoridades espanholas, que exigem agora “garantia absoluta” de que em todas as matérias relacionadas com Gibraltar no futuro compromisso sobre o ‘Brexit’ é “necessário o acordo prévio de Espanha”.
E, sobre a questão de Gibraltar, disse o Ministro:
Estamos desapontados que tenha surgido muito tarde nas negociações. O texto final foi acordado depois de um período de dois anos de negociações e os negociadores estão contentes com ele e uma das mensagens que chegou de Bruxelas é que não é possível fazer alterações ao acordo nesta fase. Portanto, espero que possa ser possível que Espanha concorde com os outros parceiros que negociaram o acordo por forma a que não seja um problema.”.
Greg Clark falava à Lusa à margem duma visita ao Laboratório de Redes Elétricas Inteligentes e Veículos Elétricos do INESC TEC (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência) no Porto. E ainda disse que se trata de um “acordo justo que implementa fielmente o ‘Brexit’, mas mantém a possibilidade de uma relação comercial, cultural e científica próxima e amigável" com os seus parceiros mais próximos na UE. (cf https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/brexit-ministro-britanico-acredita-que-parlamento-vai-aprovar-acordo-final).
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Entretanto, soube-se que a Espanha retirou o veto e votará a favor do ‘Brexit’. Segundo o DN, o Primeiro-Ministro espanhol revelou que já informara o Rei de que a UE e o Reino Unido aceitaram as exigências que Madrid tinha feito. Referiu Pedro Sanchez:
Primeiro, conseguimos uma declaração conjunta do Conselho Europeu e da Comissão Europeia no âmbito do acordo de retirada que exclui que o artigo 184 [o artigo em litígio entre Londres e Madrid] seja aplicável ao conteúdo da relação no terreno; em segundo lugar, o Governo britânico reconhece esta questão por escrito; e, em terceiro lugar, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia reforçam a posição da Espanha, como nunca antes, em face de futuras negociações”.
E acrescentou:
Porque vamos ter que falar sobre cossoberania e muitas outras coisas com o Reino Unido”.
Afirmando defender os interesses nacionais, Sánchez, que lembrou o dever do Governo de defender a situação dos habitantes em Gibraltar e porfiou querer “ter com os gibraltinos uma relação futura e frutífera que favoreça o desenvolvimento equilibrado”. E anunciou que, uma vez que ocorra a retirada do Reino Unido da União Europeia, a relação de Gibraltar com Bruxelas, (“o relacionamento político, legal e até geográfico”) passará por Espanha. E disse:
Os acordos que afetam Gibraltar devem ser acordos separados que são celebrados com o Reino Unido pela UE. Nós obtivemos uma declaração política conjunta que é um texto histórico, que estabelece a base escrita de uma nova forma de abordar as relações com Gibraltar a nível europeu”.
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O acordo para o ‘Brexit’ garante a saída ordeira do Reino Unido da UE, 45 anos e três meses após a adesão, em 1973. Com efeito o artigo 50.º do Tratado de Lisboa estabelece o mecanismo de retirada dum país da UE. Uma vez ativado, inicia o período formal de negociação de 2 anos entre a UE e o Estado respetivo, para estabelecer os termos e definir as diretrizes para as novas relações.
Este acordo garante então a saída ordeira do Reino Unido da UE, evitando consequências abruptas nas relações económicas e financeiras e no funcionamento de serviços (como transportes, energia ou comunicações). Está plasmado num texto de 585 páginas, 185 artigos e três protocolos, que estabelece os termos da saída do Reino Unido da UE para que ela se faça de forma ordeira, oferece um quadro jurídico para quando os Tratados e a legislação da UE deixarem de se aplicar ao Reino Unido e abrange as seguintes áreas:
- Um protocolo que garante a cooperação Norte-Sul inscrita no Acordo de Belfast de 1998 para evitar uma fronteira física com controlos em termos de circulação de pessoas e mercadorias e proteger o mercado único de eletricidade na ilha da Irlanda.
- A possibilidade de três milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e mais de um milhão de cidadãos britânicos nos países da UE continuarem a residir e a trabalhar nos respetivos países de acolhimento.
- Um período de transição que vai vigorar até ao final de dezembro de 2020, durante o qual a UE tratará o Reino Unido como se fosse um Estado-Membro, permitindo às instituições públicas, as empresas e os cidadãos adaptarem-se à saída do Reino Unido, e que pode ser prorrogado uma vez, por um período limitado e por acordo mútuo.
- O pagamento por arte do Reino Unido de uma compensação financeira pelas obrigações assumidas enquanto membro da UE, cujo valor o governo britânico estima ser entre 35 e 39 mil milhões de libras (40 a 45 mil milhões de euros).
- Um protocolo relativo a Gibraltar, território britânico na Península Ibérica junto a Espanha, que garante a circulação dos cidadãos que residam em qualquer dos lados da fronteira e a cooperação entre Londres e Madrid.
E, depois de 29 de março de 2019, abre-se o período de transição em que se começa a negociar a futura relação de acordo com as orientações que estão na declaração política para o futuro das relações entre o Reino Unido e a União Europeia.
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Enfim, Brexit habebimus!
2018.11.24 – Louro de Carvalho

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