Está a decorrer, na Cidade do
Vaticano, na Aula Magna da Pontifícia Universidade Gregoriana (Piazza della Pilotta, 4 – Roma) de 29 a 30 de novembro, o simpósio “Deus já não
habita aqui? Abandono de locais de culto e gestão integrada dos bens culturais
eclesiásticos”, que debate o destino a dar a igrejas que deixam de estar
afetas ao culto das comunidades católicas, ou seja, a “dispensa de lugares de
culto e gestão integrada de bens eclesiásticos culturais”, nos termos do cânone
1222, que estipula:
Ҥ 1. Se alguma igreja
de modo nenhum puder servir para o culto divino e não haja possibilidade de a
reparar, o Bispo diocesano pode reduzi-la a usos profanos, mas não sórdidos.
§ 2. Quando outras
causas graves aconselharem a que alguma igreja deixe de empregar-se para o
culto divino, o Bispo diocesano, ouvido o conselho presbiteral, pode reduzi-la
a usos profanos não sórdidos, com o consentimento daqueles que legitimamente sobre
ela reivindiquem direitos e contanto que daí não sofra detrimento o bem das
almas.”.
Uma igreja pode deixar de estar ao
culto por se encontrar de tal modo degradada que não pode servir para esse
efeito e não ser possível repará-la, bem como por outras causas graves.
As causas de fechamento de igrejas estão, muitas
vezes, ligadas à diminuição das comunidades cristãs, escassez de sacerdotes,
abandono da prática religiosa. E, ante este fenómeno, as pessoas quase sempre
se opõem, pois o prédio da igreja tem um forte valor simbólico e de identidade.
Ora, o presente simpósio – iniciativa conjunta da Conferência
Episcopal Italiana (Departamento Nacional para os bens culturais eclesiásticos
e os edifícios de culto),
da Universidade Pontifícia Gregoriana (Faculdade de História e Bens
Culturais da Igreja – Departamento dos Bens Culturais da Igreja) e do Pontifício Conselho para a
Cultura (Departamento
para o Património Cultural), que suscita a comunicação de experiências nacionais – pretende abordar
o tema dum ponto de vista geral que não negligencie a abordagem pastoral, além
de aprofundar os aspetos jurídicos e técnicos dos desinvestimentos.
O programa inclui uma intervenção da
diretora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja, Sandra Costa
Saldanha, sobre a experiência portuguesa na “formação e compromisso com a comunidade”.
Falando aos jornalistas, o Cardeal Gianfranco Ravasi,
presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, disse que os critérios para
as novas utilizações de antigas igrejas devem permitir que “no templo permaneça sempre algum valor de
símbolo espiritual, cultural, social, no seio da comunidade”. Outra
preocupação passa por tutelar o património e transferi-lo, por exemplo, para os
museus diocesanos.
Os promotores do encontro salientam que a diminuição das
comunidades cristãs, o abandono da prática religiosa e a escassez do clero têm
levado ao encerramento e mesmo abandono de igrejas e outros locais de culto,
sendo que os responsáveis pelas diversas dioceses estão a rever casos de venda
de igrejas e subsequentes transformações em casas, livrarias, restaurantes, lojas
ou SPA, especialmente na Bélgica e na Holanda
Os trabalhos – cujo programa inclui a discussão e
aprovação de diretrizes para desafetação ao culto e reutilização de locais de
culto – foram inaugurados pelo Padre Nuno da Silva Gonçalves SJ, o português
reitor da Universidade Pontifícia Gregoriana, e pelo Cardeal Gianfranco Ravasi.
O tema está em cima da mesa por ocasião do Ano Europeu do
Património Cultural, com a presença de delegados de Conferências Episcopais da
Europa, América do Norte e Oceânia.
Para alargar e aprofundar, tanto quanto
possível, o alcance da participação, os organizadores lançaram uma Call
for posters and papers destinada a pesquisadores e académicos, para se
saber das pesquisas sobre o tema. E lançaram pelas redes sociais o concurso
fotográfico Igrejas não mais igrejas #nolongerchurches, voltado a
documentar, mais que as situações de abandono, as de reutilização virtuosa de
antigas igrejas (in “L'Osservatore Romano”).
***
Igrejas
transformadas em lojas, bares, restaurantes, academias, centros de bem-estar,
discotecas, mesquitas ou passarelas para desfiles de moda? É uma questão
pertinente, se tivermos em conta como a revolução liberal e a implantação da
República (apenas mencionando agora o caso português).
O
destino de locais de culto que, por diversos motivos, são abandonados preocupa
a Igreja, pois, como todos sabemos, “a
igreja também é feita de cultura material, de coisas, de construções; de
lugares onde eram celebrados batismos, funerais e casamentos, onde a comunidade
se reunia para participar da Eucaristia; de lugares que são percebidos pelas
pessoas como sagrados, mesmo quando já não o são”, como observou, segundo o
Vatican News, Ottavio Bucarelli,
diretor do Departamento dos Bens Culturais da Igreja da Pontifícia Universidade
Gregoriana, ao apresentar, no passado dia 10 de julho, no Pontifício Conselho
para a Cultura, este simpósio – ato em que estiveram presentes o Cardeal
Gianfranco Ravasi, presidente do Dicastério para a Cultura, o Bispo Nunzio
Galantino, ex-secretário-geral da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e presidente da Administração
do Património da Sé Apostólica, o Bispo Dom Carlos Alberto de Pinho Moreira
Azevedo, delegado do Pontifício Conselho da Cultura, e Monsenhor Valerio
Pennasso, diretor do Departamento Nacional para os Bens Culturais Eclesiásticos
e a construção de locais de culto da CEI.
Na circunstância, o Cardeal Ravasi,
introduzindo a conferência de imprensa, referia que os locais de culto, que,
por diversos motivos, deixam de ter este fim, representam um tema delicado,
doloroso e complexo, “que não é reservado
a um clube restrito de especialistas, como poderia parecer num primeiro
momento, mas que desperta um interesse extraordinário em muitos âmbitos”.
Já em 1987 a Pontifícia Comissão para
a Arte Sacra na Itália publicava a “Carta
sobre destinação do uso dos antigos prédios eclesiásticos”, que se focava
sobretudo na situação italiana e no património imobiliário objeto das
requisições do final do século XIX e após a unidade da Itália, em grande parte já
não de propriedade eclesiástica. Agora, 30 anos mais tarde, a Santa Sé volta a
concentrar a sua atenção sobre o fenómeno, visto que os desafios na época assumiram
proporções mais amplas, embora não haja estatísticas sobre o abandono de
igrejas, pois não foi realizada pesquisa sistemática que reunisse os dados de
cada diocese.
Recentemente a imprensa internacional passou a
interessar-se pelo fenómeno, sobretudo pela forte reação da opinião pública,
suscitada quando igrejas são postas à venda ou transformadas em lojas, bares,
restaurantes, academias, centros de bem-estar, discotecas, mesquitas ou
passarelas para desfiles de moda, permanecendo paredes com afrescos e altares
decorados por temas religiosos – fenómeno que teve um peso maior em países como França,
Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, Estados Unidos e Canadá, mas tendo emergido
muitos casos também na Itália. E o problema não se restringe à Igreja Católica,
mas também às outras confissões cristãs.
***
De acordo com o programa, atempadamente fixado, o 1.º
dia foi dedicado ao assunto sério e urgente do desmantelamento de igrejas e seu
novo uso, ao passo que, no 2.º dia, dar-se-á atenção à gestão e promoção do
património cultural eclesiástico como atividade pastoral diocesana. Enquanto os
trabalhos das manhãs estarão abertos a todos, os das tardes são reservados ao
intercâmbio entre delegados das Conferências Episcopais da Europa, América do
Norte e Oceânia, em temas de preocupação compartilhada, pois os seus países
enfrentam condições sociais semelhantes e compartilham problemas análogos no âmbito
da gestão do património cultural.
Assim, no dia 29, depois da receção, procedeu-se às
saudações institucionais, com intervenções do Padre Nuno da Silva Gonçalves SJ
(Reitor
Pontifícia Universidade Gregoriana), de
Monsenhor Stefano Russo (Secretário Geral da Conferência Episcopal Italiana) e do Cardeal Gianfranco Ravasi (Presidente
do Pontifício Conselho para a Cultura).
Seguiram-se os trabalhos do 1.º dia em torno do tema
geral “Dispensando e reutilizando edifícios de culto”, com as seguintes
comunicações: “Leitura sociológica e pastoral do fenómeno da desafetação de
igrejas do culto”, por Luca
Diotallevi (Università di Roma Tre); e “Redução
ao uso profano de igrejas e desafios atuais”, por Paweł Malecha (Supremo Tribunal da Assinatura
Apostólica, Santa Sé).
Depois dum intervalo para um Coffee Break e inauguração de uma exposição temática no átrio
da universidade, decorreram as seguintes comunicações: “Soluções inovadoras
para as igrejas desmanteladas”,
por Thomas Coomans (Katholieke Universiteit Leuven); e “Reflexões sobre a herança imóvel eclesiástica
já não em uso”, por Maud de
Beauchesne-Cassanet (Conférence des évêques de France,
Departamento d’Art Sacré, Paris). Seguiu-se
o debate e o almoço.
De tarde, entre diretores
nacionais, procedeu-se à “Discussão e aprovação de Diretrizes para a
desafetação das igrejas do culto e sua reutilização” e à “Apresentação de experiências nacionais (1.ª parte).
No dia 30, os trabalhos do 2.º dia desenvolver-se-ão
em torno do tema geral “Gestão para o desenvolvimento integral dos bens
culturais”.
Após a Palestra Introdutória “Um projeto
pastoral através do património cultural”, por Valerio Pennasso (Conferência Episcopal Italiana, Diretor
do Departamento para as ciências eclesiásticas e os edifícios de Culto, Roma), seguir-se-ão as comunicações “A experiência da
diocese de Pádua”, por Andrea
Nante (Diretora do
Museu Diocesano de Pádua); “A
experiência da diocese de Trapani”,
por Liborio Palmeri (Delegado episcopal para a investigação, as artes e o
diálogo cultural, Trapani); e “Turismo
religioso: a experiência da Catalonia Sacra”, por Josep Maria Riba Farrés (Diretor do Museu Episcopal de Vic).
Depois dum intervalo para um Coffee Break, decorreram as seguintes comunicações: “Diálogo
intercultural e inter-religioso através do património cultural”, por Albert Gerhards (Universität Bonn); e “Formação
de pessoal e envolvimento com a comunidade: a experiência portuguesa”, por Sandra Costa Saldanha (Conferência
Episcopal Portuguesa, Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja,
Lisboa). Seguir-se-á o debate e o almoço.
À tarde, entre diretores
nacionais, proceder-se-á à “Apresentação de experiências nacionais (2.ª parte).
Por fim, serão apresentadas as Conclusões e proceder-se-á ao encerramento do Simpósio.
***
Entretanto, o Papa Francisco enviou uma mensagem, datada
de hoje, dia 29 de novembro, aos participantes em que deixa as suas indicações para a redução de
locais de culto, para ajudar à reflexão sobre o tema.
No seu texto, o Pontífice – citando São
Paulo VI, pastor muito sensível aos valores da
cultura, e São João Paulo II, particularmente atento à relevância
pastoral da arte e dos bens culturais, que se referiram ao tema – recorda
que os bens culturais da Igreja são testemunhas da fé da comunidade que os
produziu durante séculos e séculos. E refere:
“Seguindo o pensamento do Magistério eclesial, quase podemos elaborar um
discurso teológico sobre os bens culturais, considerando que ocupam um lugar na
liturgia sagrada, na evangelização e no exercício da caridade. De facto, fazem
parte, em primeiro lugar dessas ‘coisas’ (res) que são (ou têm
sido) instrumentos do culto, ‘sinais santos segundo a expressão do teólogo Romano Guardini (Lo spirito della liturgia. I
santi segni, Brescia 1930,
113-204), ‘res ad sacrum cultum pertinentes’, de acordo com a definição da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (n.º 122). O
sentido comum dos fiéis percebe nos ambientes e nos objetos destinados ao culto
a permanência duma espécie de pegada que não desaparece, mesmo depois de terem
perdido esse destino.”.
Então, porque são instrumentos de
evangelização, para o líder da Igreja Católica, os bens culturais da Igreja detêm
“esta eloquência originária”, que “pode ser mantida mesmo quando já não são utilizados
na vida ordinária do Povo de Deus”.
Francisco pensa que a verificação de
que muitas igrejas, necessárias até há poucos anos, mas não hoje, seja por
falta de fiéis e de clero, seja por uma distribuição diferente da população nas
cidades e nas zonas rurais, não deve ser acolhida com ansiedade pela Igreja. Ao
invés, este fenómeno deve ser interpretado como um sinal dos tempos “que nos convida a uma reflexão e nos impõe
uma adaptação”.
Esta reflexão, iniciada há algum
tempo no plano técnico em âmbito académico e profissional, já foi enfrentada
por alguns episcopados. Por isso, escreve o Papa, a contribuição deste Simpósio
é certamente fazer emergir a amplidão das problemáticas e compartilhar
experiências virtuosas graças à presença dos delegados das Conferências
Episcopais da Europa e de alguns países da América do Norte e da Oceânia.
Do simpósio sairão sugestões e indicações
de linhas de ação, mas as escolhas concretas caberão aos bispos. A este
respeito, o Santo Padre, no âmbito deste discernimento episcopal, exorta:
“Recomendo-lhes
vivamente que cada decisão seja fruto de uma reflexão conjunta conduzida dentro
da comunidade cristã e em diálogo com a comunidade civil. A redução não deve ser
a primeira e a única solução, a qual, nem pensar, jamais deve ser efetuada com
o escândalo dos fiéis. Caso seja necessário, deverá ser inserida na programação
pastoral ordinária, precedida por uma adequada informação e resultar o mais possível
compartilhada.”.
O Pontífice, evocando o 1.º Livro dos Macabeus em que se lê que, libertada Jerusalém
e restaurado o templo profanado pelos pagãos, os libertadores, que tinham de
decidir sobre o destino das pedras do antigo altar derribado, preferiram
depositá-las um lugar conveniente sobre a montanha do Templo “até que surgisse um
profeta que desse resposta sobre elas” (cf 2Mac 4,46) – conclui a recordar que a edificação duma
igreja ou o seu novo destino não são operações a tratar somente sob o aspeto
técnico ou económico, mas devem ser avaliadas segundo o espírito da profecia: “através dele, de facto, passa o testemunho
da fé da Igreja, que acolhe e valoriza a presença do seu Senhor na História”.
***
Que o Simpósio constitua efetivamente
um marco para o bom senso neste tipo de reutilização dos espaços sagrados sem lhes
impedir a utilidade, mas preservando a memória cultural de feição religiosa
como elemento significativo do património imaterial da comunidade. Prosit!
2018.11.29 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário