quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Simpósio sobre o destino de igrejas que deixam de ter culto


Está a decorrer, na Cidade do Vaticano, na Aula Magna da Pontifícia Universidade Gregoriana (Piazza della Pilotta, 4 – Roma) de 29 a 30 de novembro, o simpósio  “Deus já não habita aqui? Abandono de locais de culto e gestão integrada dos bens culturais eclesiásticos”, que debate o destino a dar a igrejas que deixam de estar afetas ao culto das comunidades católicas, ou seja, a “dispensa de lugares de culto e gestão integrada de bens eclesiásticos culturais”, nos termos do cânone 1222, que estipula:
“§ 1. Se alguma igreja de modo nenhum puder servir para o culto divino e não haja possibilidade de a reparar, o Bispo diocesano pode reduzi-la a usos profanos, mas não sórdidos.
§ 2. Quando outras causas graves aconselharem a que alguma igreja deixe de empregar-se para o culto divino, o Bispo diocesano, ouvido o conselho presbiteral, pode reduzi-la a usos profanos não sórdidos, com o consentimento daqueles que legitimamente sobre ela reivindiquem direitos e contanto que daí não sofra detrimento o bem das almas.”.
Uma igreja pode deixar de estar ao culto por se encontrar de tal modo degradada que não pode servir para esse efeito e não ser possível repará-la, bem como por outras causas graves.
As causas de fechamento de igrejas estão, muitas vezes, ligadas à diminuição das comunidades cristãs, escassez de sacerdotes, abandono da prática religiosa. E, ante este fenómeno, as pessoas quase sempre se opõem, pois o prédio da igreja tem um forte valor simbólico e de identidade.
Ora, o presente simpósioiniciativa conjunta da Conferência Episcopal Italiana (Departamento Nacional para os bens culturais eclesiásticos e os edifícios de culto), da Universidade Pontifícia Gregoriana (Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja – Departamento dos Bens Culturais da Igreja) e do Pontifício Conselho para a Cultura (Departamento para o Património Cultural), que suscita a comunicação de experiências nacionais – pretende abordar o tema dum ponto de vista geral que não negligencie a abordagem pastoral, além de aprofundar os aspetos jurídicos e técnicos dos desinvestimentos.
O programa inclui uma intervenção da diretora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja, Sandra Costa Saldanha, sobre a experiência portuguesa na “formação e compromisso com a comunidade”.
Falando aos jornalistas, o Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, disse que os critérios para as novas utilizações de antigas igrejas devem permitir que “no templo permaneça sempre algum valor de símbolo espiritual, cultural, social, no seio da comunidade”. Outra preocupação passa por tutelar o património e transferi-lo, por exemplo, para os museus diocesanos.
Os promotores do encontro salientam que a diminuição das comunidades cristãs, o abandono da prática religiosa e a escassez do clero têm levado ao encerramento e mesmo abandono de igrejas e outros locais de culto, sendo que os responsáveis pelas diversas dioceses estão a rever casos de venda de igrejas e subsequentes transformações em casas, livrarias, restaurantes, lojas ou SPA, especialmente na Bélgica e na Holanda
Os trabalhos – cujo  programa inclui a discussão e aprovação de diretrizes para desafetação ao culto e reutilização de locais de culto – foram inaugurados pelo Padre Nuno da Silva Gonçalves SJ, o português reitor da Universidade Pontifícia Gregoriana, e pelo Cardeal Gianfranco Ravasi.
O tema está em cima da mesa por ocasião do Ano Europeu do Património Cultural, com a presença de delegados de Conferências Episcopais da Europa, América do Norte e Oceânia.
Para alargar e aprofundar, tanto quanto possível, o alcance da participação, os organizadores lançaram uma Call for posters and papers destinada a pesquisadores e académicos, para se saber das pesquisas sobre o tema. E lançaram pelas redes sociais o concurso fotográfico Igrejas não mais igrejas #nolongerchurches, voltado a documentar, mais que as situações de abandono, as de reutilização virtuosa de antigas igrejas (in “L'Osservatore Romano).
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Igrejas transformadas em lojas, bares, restaurantes, academias, centros de bem-estar, discotecas, mesquitas ou passarelas para desfiles de moda? É uma questão pertinente, se tivermos em conta como a revolução liberal e a implantação da República (apenas mencionando agora o caso português).
O destino de locais de culto que, por diversos motivos, são abandonados preocupa a Igreja, pois, como todos sabemos, “a igreja também é feita de cultura material, de coisas, de construções; de lugares onde eram celebrados batismos, funerais e casamentos, onde a comunidade se reunia para participar da Eucaristia; de lugares que são percebidos pelas pessoas como sagrados, mesmo quando já não o são”, como observou, segundo o Vatican News, Ottavio Bucarelli, diretor do Departamento dos Bens Culturais da Igreja da Pontifícia Universidade Gregoriana, ao apresentar, no passado dia 10 de julho, no Pontifício Conselho para a Cultura, este simpósio – ato em que estiveram presentes o Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Dicastério para a Cultura, o Bispo Nunzio Galantino, ex-secretário-geral da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e presidente da Administração do Património da Sé Apostólica, o Bispo Dom Carlos Alberto de Pinho Moreira Azevedo, delegado do Pontifício Conselho da Cultura, e Monsenhor Valerio Pennasso, diretor do Departamento Nacional para os Bens Culturais Eclesiásticos e a construção de locais de culto da CEI.
Na circunstância, o Cardeal Ravasi, introduzindo a conferência de imprensa, referia que os locais de culto, que, por diversos motivos, deixam de ter este fim, representam um tema delicado, doloroso e complexo, “que não é reservado a um clube restrito de especialistas, como poderia parecer num primeiro momento, mas que desperta um interesse extraordinário em muitos âmbitos”.
Já em 1987 a Pontifícia Comissão para a Arte Sacra na Itália publicava a “Carta sobre destinação do uso dos antigos prédios eclesiásticos”, que se focava sobretudo na situação italiana e no património imobiliário objeto das requisições do final do século XIX e após a unidade da Itália, em grande parte já não de propriedade eclesiástica. Agora, 30 anos mais tarde, a Santa Sé volta a concentrar a sua atenção sobre o fenómeno, visto que os desafios na época assumiram proporções mais amplas, embora não haja estatísticas sobre o abandono de igrejas, pois não foi realizada pesquisa sistemática que reunisse os dados de cada diocese.
Recentemente a imprensa internacional passou a interessar-se pelo fenómeno, sobretudo pela forte reação da opinião pública, suscitada quando igrejas são postas à venda ou transformadas em lojas, bares, restaurantes, academias, centros de bem-estar, discotecas, mesquitas ou passarelas para desfiles de moda, permanecendo paredes com afrescos e altares decorados por temas religiosos – fenómeno que teve um peso maior em países como França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, Estados Unidos e Canadá, mas tendo emergido muitos casos também na Itália. E o problema não se restringe à Igreja Católica, mas também às outras confissões cristãs.
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De acordo com o programa, atempadamente fixado, o 1.º dia foi dedicado ao assunto sério e urgente do desmantelamento de igrejas e seu novo uso, ao passo que, no 2.º dia, dar-se-á atenção à gestão e promoção do património cultural eclesiástico como atividade pastoral diocesana. Enquanto os trabalhos das manhãs estarão abertos a todos, os das tardes são reservados ao intercâmbio entre delegados das Conferências Episcopais da Europa, América do Norte e Oceânia, em temas de preocupação compartilhada, pois os seus países enfrentam condições sociais semelhantes e compartilham problemas análogos no âmbito da gestão do património cultural.
Assim, no dia 29, depois da receção, procedeu-se às saudações institucionais, com intervenções do Padre Nuno da Silva Gonçalves SJ (Reitor Pontifícia Universidade Gregoriana), de Monsenhor Stefano Russo (Secretário Geral da Conferência Episcopal Italiana) e do Cardeal Gianfranco Ravasi (Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura).
Seguiram-se os trabalhos do 1.º dia em torno do tema geral “Dispensando e reutilizando edifícios de culto”, com as seguintes comunicações: “Leitura sociológica e pastoral do fenómeno da desafetação de igrejas do culto”, por Luca Diotallevi (Università di Roma Tre); e “Redução ao uso profano de igrejas e desafios atuais”, por Paweł Malecha (Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, Santa Sé).
Depois dum intervalo para um Coffee Break e inauguração de uma exposição temática no átrio da universidade, decorreram as seguintes comunicações: “Soluções inovadoras para as igrejas desmanteladas”, por Thomas Coomans (Katholieke Universiteit Leuven); e “Reflexões sobre a herança imóvel eclesiástica já não em uso”, por Maud de Beauchesne-Cassanet (Conférence des évêques de France, Departamento d’Art Sacré, Paris). Seguiu-se o debate e o almoço.
De tarde, entre diretores nacionais, procedeu-se à “Discussão e aprovação de Diretrizes para a desafetação das igrejas do culto e sua reutilização” e à “Apresentação de experiências nacionais (1.ª parte).
No dia 30, os trabalhos do 2.º dia desenvolver-se-ão em torno do tema geral “Gestão para o desenvolvimento integral dos bens culturais”.
Após a Palestra Introdutória “Um projeto pastoral através do património cultural”, por Valerio Pennasso (Conferência Episcopal Italiana, Diretor do Departamento para as ciências eclesiásticas e os edifícios de Culto, Roma), seguir-se-ão as comunicações “A experiência da diocese de Pádua”, por Andrea Nante (Diretora do Museu Diocesano de Pádua); “A experiência da diocese de Trapani”, por Liborio Palmeri (Delegado episcopal para a investigação, as artes e o diálogo cultural, Trapani); e “Turismo religioso: a experiência da Catalonia Sacra”, por Josep Maria Riba Farrés (Diretor do Museu Episcopal de Vic).
Depois dum intervalo para um Coffee Break, decorreram as seguintes comunicações: “Diálogo intercultural e inter-religioso através do património cultural”, por Albert Gerhards (Universität Bonn); e “Formação de pessoal e envolvimento com a comunidade: a experiência portuguesa”, por Sandra Costa Saldanha (Conferência Episcopal Portuguesa, Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja, Lisboa). Seguir-se-á o debate e o almoço.
À tarde, entre diretores nacionais, proceder-se-á à “Apresentação de experiências nacionais (2.ª parte).
Por fim, serão apresentadas as Conclusões e proceder-se-á ao encerramento do Simpósio.
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Entretanto, o Papa Francisco enviou uma mensagem, datada de hoje, dia 29 de novembro, aos participantes em que deixa as suas indicações para a redução de locais de culto, para ajudar à reflexão sobre o tema.
No seu texto, o Pontífice – citando São Paulo VI, pastor muito sensível aos valores da cultura, e São João Paulo II, particularmente atento à relevância pastoral da arte e dos bens culturais, que se referiram ao tema – recorda que os bens culturais da Igreja são testemunhas da fé da comunidade que os produziu durante séculos e séculos. E refere:
Seguindo o pensamento do Magistério eclesial, quase podemos elaborar um discurso teológico sobre os bens culturais, considerando que ocupam um lugar na liturgia sagrada, na evangelização e no exercício da caridade. De facto, fazem parte, em primeiro lugar dessas ‘coisas’ (res) que são (ou têm sido) instrumentos do culto, ‘sinais santos segundo a expressão do teólogo Romano Guardini (Lo spirito della liturgia. I santi segni, Brescia 1930, 113-204), ‘res ad sacrum cultum pertinentes, de acordo com a definição da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (n.º 122). O sentido comum dos fiéis percebe nos ambientes e nos objetos destinados ao culto a permanência duma espécie de pegada que não desaparece, mesmo depois de terem perdido esse destino.”.
Então, porque são instrumentos de evangelização, para o líder da Igreja Católica, os bens culturais da Igreja detêm “esta eloquência originária”, que “pode ser mantida mesmo quando já não são utilizados na vida ordinária do Povo de Deus”.
Francisco pensa que a verificação de que muitas igrejas, necessárias até há poucos anos, mas não hoje, seja por falta de fiéis e de clero, seja por uma distribuição diferente da população nas cidades e nas zonas rurais, não deve ser acolhida com ansiedade pela Igreja. Ao invés, este fenómeno deve ser interpretado como um sinal dos temposque nos convida a uma reflexão e nos impõe uma adaptação”.
Esta reflexão, iniciada há algum tempo no plano técnico em âmbito académico e profissional, já foi enfrentada por alguns episcopados. Por isso, escreve o Papa, a contribuição deste Simpósio é certamente fazer emergir a amplidão das problemáticas e compartilhar experiências virtuosas graças à presença dos delegados das Conferências Episcopais da Europa e de alguns países da América do Norte e da Oceânia.
Do simpósio sairão sugestões e indicações de linhas de ação, mas as escolhas concretas caberão aos bispos. A este respeito, o Santo Padre, no âmbito deste discernimento episcopal, exorta:
Recomendo-lhes vivamente que cada decisão seja fruto de uma reflexão conjunta conduzida dentro da comunidade cristã e em diálogo com a comunidade civil. A redução não deve ser a primeira e a única solução, a qual, nem pensar, jamais deve ser efetuada com o escândalo dos fiéis. Caso seja necessário, deverá ser inserida na programação pastoral ordinária, precedida por uma adequada informação e resultar o mais possível compartilhada.”.
O Pontífice, evocando o 1.º Livro dos Macabeus em que se lê que, libertada Jerusalém e restaurado o templo profanado pelos pagãos, os libertadores, que tinham de decidir sobre o destino das pedras do antigo altar derribado, preferiram depositá-las um lugar conveniente sobre a montanha do Templo “até que surgisse um profeta que desse resposta sobre elas” (cf 2Mac 4,46) – conclui a recordar que a edificação duma igreja ou o seu novo destino não são operações a tratar somente sob o aspeto técnico ou económico, mas devem ser avaliadas segundo o espírito da profecia: “através dele, de facto, passa o testemunho da fé da Igreja, que acolhe e valoriza a presença do seu Senhor na História”.
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Que o Simpósio constitua efetivamente um marco para o bom senso neste tipo de reutilização dos espaços sagrados sem lhes impedir a utilidade, mas preservando a memória cultural de feição religiosa como elemento significativo do património imaterial da comunidade. Prosit!
2018.11.29 – Louro de Carvalho

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