quarta-feira, 21 de novembro de 2018

De momento, prefiro a reforma do Parlamento à do sistema eleitoral

No passado dia 3 de outubro, a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) e a APDQ (Associação por uma Democracia de Qualidade) lançaram uma iniciativa legislativa de cidadãos e uma petição para reformar o sistema eleitoral, introduzindo círculos uninominais.
Foi José Ribeiro e Castro, antigo presidente do CDS-PP, que integra o Conselho Coordenador da Sedes e preside à APDQ, quem apresentou na AR (Assembleia da República) os dois documentos então lançados para recolha de assinaturas, sendo necessárias 20 mil para a iniciativa legislativa se converter em projeto de lei e 4 mil para a petição ser debatida em plenário.
Ribeiro e Castro, sustentando que os círculos uninominais são ‘um direito constitucional que está a ser negado’ aos cidadãos e que esta é evolução simples e suave do sistema atual, afirmou:
Nós gostaríamos que isto fosse aprovado já e não percebemos por que é que não é”.
E, referindo saber das “renitências” dos partidos políticos relativamente à matéria, acentuou:
Há cidadãos de todos os partidos que podem levantar a voz e levar os seus partidos a mudar isso. É isso que nós queremos que aconteça.”.
Na predita iniciativa legislativa, os promotores propõem o alargamento do direito de iniciativa legislativa dos cidadãos a matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República como as leis eleitorais e os regimes dos referendos, que atualmente lhes estão vedadas, de acordo com o art.º 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2017, de 5 de setembro. Mercê dessa interdição legal, a proposta de reforma do sistema eleitoral foi lançada através de petição – que necessita de 4 mil assinaturas para ser debatida em plenário – também lançada no mesmo dia para recolha de assinaturas.
Ribeiro e Castro realçou que a proposta “mantém os círculos plurinominais como estão, na base dos distritos e das regiões autónomas, agregando onde são pequenos”, complementados por círculos uninominais, para concretizar “o direito de se escolher o deputado que se quer”, e por um círculo nacional de compensação. E defendeu:
Não é muito difícil fazer a transição do sistema de representação proporcional simples para o sistema de representação proporcional personalizada; e não tenho dúvida nenhuma de que isso seria um despertar outra vez para a democracia. No dia em que os eleitores souberem ‘nestas eleições vamos poder escolher os deputados além dos partidos’, a afluência às urnas irá ser muito superior àquilo que é hoje.”.
Para o coordenador da proposta, o sistema continuaria “rigorosamente proporcional como é hoje” ou “até mais”. Ao ser questionado se já defendia esta reforma quando liderou o CDS-PP, o antigo deputado respondeu que nessa altura, “entre 2005 e 2007, foi uma questão que não se pôs” (porém, a revisão da CRP foi em 1997), mas que se pusera “pouco tempo antes”. E acrescentou:
Não era, de facto, um assunto que nessa altura estivesse na ordem do dia. É um assunto que cresce nas minhas preocupações sobretudo a partir dos anos de 2013 e 2014, numa tertúlia de que fazia parte.”.
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A 20 de novembro, sob o título “O que une Mota Amaral e Rui Reininho? Querem escolher os seus deputados”, Paula Sá publicou no DN um texto em que refere:
São já mais de três mil assinaturas e, entre elas, as do antigo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, e do vocalista do GNR, Rui Reininho. Mas o que os une? Uma petição para a reforma do sistema eleitoral, que permita os círculos uninominais e, portanto, que os cidadãos possam escolher os candidatos preferidos às eleições legislativas.”.
Afirmando que “a meta está quase a ser alcançada”, salienta que a iniciativa envolve pessoas de vários quadrantes e que, entre os apoiantes duma mudança “que permita um novo regime eleitoral à alemã – ou seja, mantendo os círculos plurinominais já existentes, com listas fechadas e ordenadas pelos partidos, e criando um sistema de voto duplo que permita aos eleitores votar tanto no partido da sua preferência como no deputado em que confiam, através de círculos uninominais – estão dois antigos presidentes da Assembleia da República, Mota Amaral (Porque não promoveu tal reforma enquanto Presidente da AR, se o legislador constitucional a autorizou em 1997?) e Francisco Oliveira Dias, e os antigos ministros Silva Peneda e Miguel Cadilhe”.
Além daquelas figuras públicas, contam-se ainda o antigo presidente da Câmara de Cascais António Capucho, o médico Gentil Martins, o jornalista Afonso Camões, o empresário José Roquette, o ex-candidato à Presidência da República Henrique Neto, o ex-governador de Macau Rocha Vieira e vários militares, como os almirantes António Balcão Reis e Nuno Vieira Matias.
Por uma “questão simbólica”, o antigo líder do CDS diz que gostaria de entregar a petição na Assembleia da República, a par do projeto de lei de cidadãos para mudar a lei, a 19 de janeiro.
Ribeiro e Castro, garantindo ao DN ter uma “grande crença” na proposta de uma mudança para um sistema eleitoral tipo alemão, disse:
É a solução dos problemas que as pessoas detetam no atual sistema eleitoral português e devolve a representatividade dos cidadãos no Parlamento”.
Além disso, sublinhou que “também melhorará o funcionamento dos partidos políticos, que tem vindo a degradar-se”. E não é parco ou meigo em argumentos, a ponto de atirar:
Não inventemos! Vamos lá seguir a Constituição... A Constituição deu, a lei não dá.”.
Assim provocatoriamente o ex-deputado centrista remete para o art.º 149.º da Lei Fundamental, que, a partir da revisão de 1997 (aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), prevê (mas sem impor) círculos uninominais para permitir aos eleitores a escolha do seu candidato preferido a um círculo nacional para aproveitar os votos desperdiçados pelo método de Hondt no atual sistema de eleição unicamente por distritos, a que a lei eleitoral para a AR não deu expressão. Com efeito, a lei que regula as iniciativas legislativas dos cidadãos prevê que um grupo de 20 mil pessoas possa propor uma alteração legislativa ao Parlamento, mas impede que a reforma do sistema eleitoral possa ser feita por esta via, pois só os partidos podem propor alterações numa matéria que é reserva absoluta da AR, como foi referido. Foi por isso que o trabalho de sensibilização para a reforma do sistema começou antes das eleições de 2015, tendo mesmo o PS até integrado no seu programa eleitoral a proposta agora defendida na petição. Porém, segundo Ribeiro e Castro, o PS não avançou “por causa da geringonça e os custos políticos que poderia ter na estabilidade da solução política”.  
São sobretudo os partidos mais pequenos, no caso CDS, PCP e BE, a opor-se às alterações ao sistema eleitoral, porque alegadamente diminuirá a proporcionalidade e a representatividade das forças mais pequenas no Parlamento. Em contraponto, o antigo líder centrista porfia estarem os promotores a trabalhar muito “no esclarecimento e para mostrar que esses receios não são verdadeiros” e garante que com o sistema alemão se mantém a proporcionalidade porque, no modelo que defende, o candidato mais votado no círculo uninominal é eleito em primeiro lugar e os restantes votos são distribuídos pelos outros candidatos das listas partidárias e, depois serão contados os votos das listas plurinominais que não serviram para eleger nenhum candidato e eleger-se-ão os deputados num círculo nacional de compensação. Porém, o antigo deputado defende que o modelo acabará por beneficiar os pequenos partidos, que, tendo mais dificuldades em reunir o número necessário para eleger em círculos distritais, na contagem nacional terão votos para estarem representados. E adianta:
É um sistema que merece ter a confiança de toda a gente, é um sistema honesto. Permite a vinculação do deputado ao seu eleitorado e aumenta a confiança entre eleitos e eleitores, reforçando o poder político do Parlamento.”.
O antigo líder do CDS confia que, na primeira eleição em que se adotar o sistema, a abstenção, que ronda os 50%, cairá para os 30% e a campanha eleitoral no país ficará reforçada, já que os candidatos estarão mais empenhados em cada círculo na defesa das suas propostas.
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Por mim, à reforma do sistema eleitoral prefiro a reforma do funcionamento do Parlamento e a alteração profunda do estatuto dos deputados e do regimento. Com efeito, é nefasto para o país o exemplo de insuficiente relação com a verdade e com a seriedade o que se passa no Parlamento: dormição, leitura de jornal, uso excessivo do telefone e do computador, saídas precárias, faltas de assiduidade e de pontualidade, moradas não condizentes com a residência efetiva, presenças registadas contemporâneas com ausências, falta de conhecimento das matérias e mutismo de muitos deputados e o excessivo protagonismo de outros, o pagamento especial por marcação de presença além do vencimento-base, subsídio de deslocação e ajudas de custo sem documento justificativo da efetuação do serviço. A ginástica financeira e técnica, a entrega excessiva de projetos a particulares para projetos e propostas de lei e as alcavalas engrossantes do vencimento dos deputados são lesivas do erário público. A excessiva burocratização da ação parlamentar e a dificuldade em os deputados usarem da palavra dificulta a efetiva representação do eleitorado. E a má práxis da interpretação do n.º 2 do art.º 152.º da CRP – “Os deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos” – não melhora com a proposta veiculada pela petição. E não vale a pena Ferro Rodrigues vir censurar certos comportamentos se não pode fazer nada para os prevenir e corrigir. Haja lei e quem possa fazê-lo!
É dito e redito que os deputados representam todo o país (que não representam este distrito, aquela profissão, aqueloutro grupo social, aqueloutro grupo económico…), mas a cada passo se lhes apela a que façam trabalho político nos círculos por que são eleitos, fizeram promessas àqueles eleitores e com os círculos uninominais querem garantir a proximidade do eleitor do seu deputado.
Também os autarcas em quem eu voto são e estão muito próximos de mim e a maior parte das vezes não me revejo neles. Depois, se são os partidos – e têm de ser porque a Constituição o impõe (vd art.º 151.º da CRP) e ninguém está na onda da revisão constitucional – que indicam o nome do candidato tanto nas listas plurinominais como nas uninominais – como saem os deputados da lógica partidária (disciplina de voto, obediência à direção partidária mesmo em matérias não atinentes à governação: programa de governo, orçamento, moções de censura e de confiança…)? Como é que vão representar o seu eleitor?  E, se são representantes de todo o país, como podem prestar contas da sua ação aos eleitores que os elegeram?
É certo que o facto de os deputados representarem todo o país tem em vista duas coisas: afastar a representação exclusivamente regional que em certos momentos da História do país se quis impor, bem como possibilitar que os deputados se pronunciem sobre todas as matérias da República e não se circunscreverem aos assuntos relativos ao seu círculo eleitoral nem sobrepô-los aos de incidência nacional e de política internacional de interesse para o país. Mas nada obsta a que o deputado lute pelas aspirações dos seus eleitores, o que muitas vezes não acontece.  
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Parece que o Presidente da República está um pouco nesta linha de afinação do funcionamento dos órgãos de soberania e dos partidos políticos quando avisa que há muito a fazer para aumentar a proximidade e participação dos cidadãos, mas que não deixará passar tentativas de resolver problemas conjunturais de governabilidade ou dificuldades da oposição, a menos que haja uma revisão constitucional.
Foi o que prometeu quando voltou à “sua” Faculdade de Direito para, ante uma plateia de académicos e deputados-chave de todos os grupos parlamentares, deixar avisos e pistas para a reflexão sobre a reforma do sistema eleitoral. Mais do que defender a reforma eleitoral, disse o que não pode suceder: ela fazer-se para proteger interesses de partidos específicos ou resolver problemas conjunturais. E, frisando que a ação dos políticos é que é determinante, disse:
O direito ajuda ou desajuda, mas são aqueles que o desenham, executam e que lhe dão vigor que o fazem evoluir ou esvaziam de significado”.
No encerramento da conferência “Sistema Eleitoral. A Reforma”, promovido pela SEDES e pela APDQ, a 12 de setembro, o Presidente deu como oportuno o regresso do debate sobre o sistema eleitoral, ainda que ele só ocorra em tempos de crise, quando está posta em causa a estabilidade governativa ou a capacidade de representar os cidadãos. E sentenciou:
Prevenir crises significa prevenir os fatores económicos, sociais e políticos que possam minar a representatividade e a governabilidade, entendida uma e outra como respostas a questões concretas de pessoas de carne e osso. Na Saúde, na Educação, na segurança, na Justiça, nas infraestruturas básicas, na solidariedade social. Isto pode ter tudo ou nada que ver com o sistema eleitoral, depende da opção e da prática partidária.”.
E aos jornalistas foi mais explícito:
Quando aparecem fenómenos radicais noutros países da Europa, com composições muito extremas e de grande rutura, não pensamos que isso acontece porque há problemas económicos e sociais que não estão resolvidos e os partidos clássicos não souberam responder. Hoje, as pessoas querem os políticos mais próximos, querem maior transparência e maior controlo, intervêm através de novos meios, há novos movimentos de base além dos velhos parceiros económicos e sociais. Isto significa uma mudança na política e o sistema partidário tem de se adaptar a isso.”.
Admitindo que um debate sobre a matéria é bom, mas não urgente, avisou que não se muda um sistema eleitoral em vésperas de eleições e, sobretudo, que tal debate “não se pode cingir à reforma do modo de distribuição de votos em mandatos, círculos uninominais, círculo nacional de compensação ou outras tecnicidades que “deleitam os iniciados”. E advertiu:
O sistema eleitoral não é só mais ou menos proporcionalidade, proximidade ao eleitor ou a preocupação de haver governos estáveis. É também voto eletrónico ou não, voto antecipado, tipo de campanhas eleitorais, financiamento das campanhas. Já não se pensa em muitos destes pontos há 22 anos e faz sentido, porque o mundo mudou.”.
Apelou ao debate entre partidos, instituições da sociedade civil e povo, sem tabus, inibições, ilusões e complexos, equacionando fórmulas flexíveis que “possam garantir a governabilidade sem a qual governar é só ir tapando buracos de conjuntura” e não para “resolver problemas da área governativa de cada instante, solucionar as fragilidades da área oposicionista de cada momento, apreciar as ambições, os ressentimentos, os desejos, as frustrações de pessoas ou de grupos” – quando a reflexão tem de ser em nome de princípios “sérios e nobres”, para responder aos “problemas concretos de pessoas de carne e osso” deste “novo tempo político” em que existe “um maior desejo de proximidade, um novo controlo sobre o que fazem os políticos e novas formas de participação política”. E prometeu ficar atento, como sempre esteve, intervindo e escrevendo sobre isto há 40 anos”, esperando poder voltar a intervir – o que só acontecerá se os partidos não optarem por uma revisão constitucional. Já uma revisão da lei eleitoral lhe deixará mão livre para a intervenção jurídica e política que lhe cabe nos poderes presidenciais.
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Obviamente que tenho de concordar com o Chefe de Estado nesta matéria. Mas, mais que o sistema eleitoral devia mudar-se o sistema partidário. Não faz sentido que as listas de candidatos em cada círculo não sejam confecionadas em respeitoso diálogo com as bases. Até quando as (abstrusas) quotas do líder a impor candidato sem referência local só para ir em lugar elegível?


2018.11.21 – Louro de Carvalho   

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