No
passado dia 3 de outubro, a SEDES (Associação para o Desenvolvimento
Económico e Social)
e a APDQ (Associação por uma Democracia de
Qualidade) lançaram uma
iniciativa legislativa de cidadãos e uma petição para reformar o sistema
eleitoral, introduzindo círculos uninominais.
Foi José
Ribeiro e Castro, antigo presidente do CDS-PP, que integra o Conselho
Coordenador da Sedes e preside à APDQ, quem apresentou na AR (Assembleia
da República) os dois
documentos então lançados para recolha de assinaturas, sendo necessárias 20 mil
para a iniciativa legislativa se converter em projeto de lei e 4 mil para a
petição ser debatida em plenário.
Ribeiro e
Castro, sustentando que os círculos uninominais são ‘um direito constitucional
que está a ser negado’ aos cidadãos e que esta é evolução simples e suave do
sistema atual, afirmou:
“Nós gostaríamos que isto fosse aprovado já e não percebemos por que é
que não é”.
E, referindo
saber das “renitências” dos partidos políticos relativamente à matéria, acentuou:
“Há cidadãos de todos os partidos que podem levantar a voz e levar os
seus partidos a mudar isso. É isso que nós queremos que aconteça.”.
Na predita iniciativa
legislativa, os promotores propõem o alargamento do direito de iniciativa
legislativa dos cidadãos a matérias de reserva absoluta de competência
legislativa da Assembleia da República como as leis eleitorais e os regimes dos
referendos, que atualmente lhes estão vedadas, de acordo com o art.º 3.º da Lei
n.º 17/2003, de 4 de junho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 52/2017,
de 5 de setembro. Mercê dessa interdição legal, a proposta de reforma do
sistema eleitoral foi lançada através de petição – que necessita de 4 mil
assinaturas para ser debatida em plenário – também lançada no mesmo dia para
recolha de assinaturas.
Ribeiro e
Castro realçou que a proposta “mantém os círculos plurinominais como estão, na
base dos distritos e das regiões autónomas, agregando onde são pequenos”,
complementados por círculos uninominais, para concretizar “o direito de se escolher
o deputado que se quer”, e por um círculo nacional de compensação. E defendeu:
“Não é muito difícil fazer a transição do sistema de representação proporcional
simples para o sistema de representação proporcional personalizada; e não tenho
dúvida nenhuma de que isso seria um despertar outra vez para a democracia. No
dia em que os eleitores souberem ‘nestas eleições vamos poder escolher os
deputados além dos partidos’, a afluência às urnas irá ser muito superior
àquilo que é hoje.”.
Para o
coordenador da proposta, o sistema continuaria “rigorosamente proporcional como
é hoje” ou “até mais”.
Ao ser questionado se já defendia esta
reforma quando liderou o CDS-PP, o antigo deputado respondeu que nessa altura,
“entre 2005 e 2007, foi uma questão que não se pôs” (porém, a
revisão da CRP foi em 1997), mas que
se pusera “pouco tempo antes”. E acrescentou:
“Não era, de facto, um assunto que nessa altura estivesse na ordem do
dia. É um assunto que cresce nas minhas preocupações sobretudo a partir dos
anos de 2013 e 2014, numa tertúlia de que fazia parte.”.
***
A 20 de novembro, sob o título “O que une Mota Amaral e Rui Reininho? Querem escolher os seus deputados”,
Paula Sá publicou no DN um texto em
que refere:
“São
já mais de três mil assinaturas e, entre elas, as do antigo presidente da
Assembleia da República, Mota Amaral, e do vocalista do GNR, Rui Reininho. Mas
o que os une? Uma petição para a reforma do sistema eleitoral, que permita os
círculos uninominais e, portanto, que os cidadãos possam escolher os candidatos
preferidos às eleições legislativas.”.
Afirmando
que “a meta está quase a
ser alcançada”, salienta que a iniciativa envolve pessoas de vários quadrantes
e que, entre os apoiantes duma mudança “que permita um novo regime eleitoral à
alemã – ou seja, mantendo os círculos plurinominais já existentes, com listas
fechadas e ordenadas pelos partidos, e criando um sistema de voto duplo que
permita aos eleitores votar tanto no partido da sua preferência como no
deputado em que confiam, através de círculos uninominais – estão dois antigos
presidentes da Assembleia da República, Mota Amaral (Porque não promoveu tal reforma
enquanto Presidente da AR, se o legislador constitucional a autorizou em 1997?) e Francisco Oliveira Dias, e os
antigos ministros Silva Peneda e Miguel Cadilhe”.
Além daquelas figuras públicas, contam-se
ainda o antigo presidente da Câmara de Cascais António Capucho, o médico Gentil
Martins, o jornalista Afonso Camões, o empresário José Roquette, o ex-candidato
à Presidência da República Henrique Neto, o ex-governador de Macau Rocha Vieira
e vários militares, como os almirantes António Balcão Reis e Nuno Vieira
Matias.
Por uma “questão simbólica”, o antigo
líder do CDS diz que gostaria de entregar a petição na Assembleia da República,
a par do projeto de lei de cidadãos para mudar a lei, a 19 de janeiro.
Ribeiro e Castro, garantindo ao DN ter uma “grande crença” na proposta
de uma mudança para um sistema eleitoral tipo alemão, disse:
“É
a solução dos problemas que as pessoas detetam no atual sistema eleitoral
português e devolve a representatividade dos cidadãos no Parlamento”.
Além disso, sublinhou que “também
melhorará o funcionamento dos partidos políticos, que tem vindo a degradar-se”.
E não é parco ou meigo em argumentos, a ponto de atirar:
“Não
inventemos! Vamos lá seguir a Constituição... A Constituição deu, a lei não dá.”.
Assim provocatoriamente o ex-deputado
centrista remete para o art.º 149.º da Lei Fundamental, que, a partir da
revisão de 1997 (aprovada
pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), prevê (mas sem impor) círculos uninominais para permitir
aos eleitores a escolha do seu candidato preferido a um círculo nacional para
aproveitar os votos desperdiçados pelo método de Hondt no atual sistema de
eleição unicamente por distritos, a que a lei eleitoral para a AR não deu
expressão. Com efeito, a lei que regula as iniciativas legislativas dos
cidadãos prevê que um grupo de 20 mil pessoas possa propor uma alteração legislativa
ao Parlamento, mas impede que a reforma do sistema eleitoral possa ser feita
por esta via, pois só os partidos podem propor alterações numa matéria que é reserva
absoluta da AR, como foi referido. Foi por isso que o trabalho de
sensibilização para a reforma do sistema começou antes das eleições de 2015,
tendo mesmo o PS até integrado no seu programa eleitoral a proposta agora
defendida na petição. Porém, segundo Ribeiro e Castro, o PS não avançou “por
causa da geringonça e os custos políticos que poderia ter na estabilidade da
solução política”.
São sobretudo os partidos mais
pequenos, no caso CDS, PCP e BE, a opor-se às alterações ao sistema eleitoral,
porque alegadamente diminuirá a proporcionalidade e a representatividade das
forças mais pequenas no Parlamento. Em contraponto, o antigo líder centrista
porfia estarem os promotores a trabalhar muito “no esclarecimento e para
mostrar que esses receios não são verdadeiros” e garante que com o sistema
alemão se mantém a proporcionalidade porque, no modelo que defende, o candidato
mais votado no círculo uninominal é eleito em primeiro lugar e os restantes
votos são distribuídos pelos outros candidatos das listas partidárias e, depois
serão contados os votos das listas plurinominais que não serviram para eleger
nenhum candidato e eleger-se-ão os deputados num círculo nacional de
compensação. Porém, o antigo deputado defende que o modelo acabará por
beneficiar os pequenos partidos, que, tendo mais dificuldades em reunir o
número necessário para eleger em círculos distritais, na contagem nacional
terão votos para estarem representados. E adianta:
“É
um sistema que merece ter a confiança de toda a gente, é um sistema honesto.
Permite a vinculação do deputado ao seu eleitorado e aumenta a confiança entre
eleitos e eleitores, reforçando o poder político do Parlamento.”.
O antigo líder do CDS confia que, na
primeira eleição em que se adotar o sistema, a abstenção, que ronda os 50%,
cairá para os 30% e a campanha eleitoral no país ficará reforçada, já que os
candidatos estarão mais empenhados em cada círculo na defesa das suas
propostas.
***
Por mim,
à reforma do sistema eleitoral prefiro a reforma do funcionamento do Parlamento
e a alteração profunda do estatuto dos deputados e do regimento. Com efeito, é
nefasto para o país o exemplo de insuficiente relação com a verdade e com a
seriedade o que se passa no Parlamento: dormição, leitura de jornal, uso
excessivo do telefone e do computador, saídas precárias, faltas de assiduidade
e de pontualidade, moradas não condizentes com a residência efetiva, presenças
registadas contemporâneas com ausências, falta de conhecimento das matérias e mutismo
de muitos deputados e o excessivo protagonismo de outros, o pagamento especial
por marcação de presença além do vencimento-base, subsídio de deslocação e
ajudas de custo sem documento justificativo da efetuação do serviço. A
ginástica financeira e técnica, a entrega excessiva de projetos a particulares
para projetos e propostas de lei e as alcavalas engrossantes do vencimento dos
deputados são lesivas do erário público. A excessiva burocratização da ação
parlamentar e a dificuldade em os deputados usarem da palavra dificulta a
efetiva representação do eleitorado. E a má práxis da interpretação do n.º 2 do
art.º 152.º da CRP – “Os deputados
representam todo o país e não os círculos por que são eleitos” – não
melhora com a proposta veiculada pela petição. E não vale a pena Ferro
Rodrigues vir censurar certos comportamentos se não pode fazer nada para os
prevenir e corrigir. Haja lei e quem possa fazê-lo!
É dito e
redito que os deputados representam todo o país (que não
representam este distrito, aquela profissão, aqueloutro grupo social,
aqueloutro grupo económico…),
mas a cada passo se lhes apela a que façam trabalho político nos círculos por
que são eleitos, fizeram promessas àqueles eleitores e com os círculos
uninominais querem garantir a proximidade do eleitor do seu deputado.
Também
os autarcas em quem eu voto são e estão muito próximos de mim e a maior parte
das vezes não me revejo neles. Depois, se são os partidos – e têm de ser porque
a Constituição o impõe (vd art.º 151.º da CRP) e ninguém está na onda da
revisão constitucional – que indicam o nome do candidato tanto nas listas
plurinominais como nas uninominais – como saem os deputados da lógica
partidária (disciplina de voto, obediência à direção partidária
mesmo em matérias não atinentes à governação: programa de governo, orçamento,
moções de censura e de confiança…)?
Como é que vão representar o seu eleitor? E, se são representantes de todo o país, como
podem prestar contas da sua ação aos eleitores que os elegeram?
É certo
que o facto de os deputados representarem todo o país tem em vista duas coisas:
afastar a representação exclusivamente regional que em certos momentos da
História do país se quis impor, bem como possibilitar que os deputados se
pronunciem sobre todas as matérias da República e não se circunscreverem aos
assuntos relativos ao seu círculo eleitoral nem sobrepô-los aos de incidência
nacional e de política internacional de interesse para o país. Mas nada obsta a
que o deputado lute pelas aspirações dos seus eleitores, o que muitas vezes não
acontece.
***
Parece que
o Presidente da República está um pouco nesta linha de afinação do
funcionamento dos órgãos de soberania e dos partidos políticos quando avisa que
há muito a fazer para aumentar a proximidade e participação dos cidadãos, mas que
não deixará passar tentativas de resolver problemas conjunturais de
governabilidade ou dificuldades da oposição, a menos que haja uma revisão
constitucional.
Foi o que
prometeu quando voltou à “sua” Faculdade de Direito para, ante uma plateia de
académicos e deputados-chave de todos os grupos parlamentares, deixar avisos e
pistas para a reflexão sobre a reforma do sistema eleitoral. Mais do que
defender a reforma eleitoral, disse o que não pode suceder: ela fazer-se para
proteger interesses de partidos específicos ou resolver problemas conjunturais.
E, frisando que a ação dos políticos é que é determinante, disse:
“O
direito ajuda ou desajuda, mas são aqueles que o desenham, executam e que lhe
dão vigor que o fazem evoluir ou esvaziam de significado”.
No
encerramento da conferência “Sistema
Eleitoral. A Reforma”, promovido pela SEDES e pela APDQ, a 12 de setembro, o
Presidente deu como oportuno o regresso do debate sobre o sistema
eleitoral, ainda que ele só ocorra em tempos de crise, quando está posta em
causa a estabilidade governativa ou a capacidade de representar os cidadãos. E
sentenciou:
“Prevenir
crises significa prevenir os fatores económicos, sociais e políticos que possam
minar a representatividade e a governabilidade, entendida uma e outra como
respostas a questões concretas de pessoas de carne e osso. Na Saúde, na
Educação, na segurança, na Justiça, nas infraestruturas básicas, na
solidariedade social. Isto pode ter tudo ou nada que ver com o sistema
eleitoral, depende da opção e da prática partidária.”.
E aos
jornalistas foi mais explícito:
“Quando
aparecem fenómenos radicais noutros países da Europa, com composições muito
extremas e de grande rutura, não pensamos que isso acontece porque há problemas
económicos e sociais que não estão resolvidos e os partidos clássicos não
souberam responder. Hoje, as pessoas querem os políticos mais próximos, querem
maior transparência e maior controlo, intervêm através de novos meios, há novos
movimentos de base além dos velhos parceiros económicos e sociais. Isto
significa uma mudança na política e o sistema partidário tem de se adaptar a
isso.”.
Admitindo
que um debate sobre a matéria é bom, mas não urgente, avisou que não se muda um
sistema eleitoral em vésperas de eleições e, sobretudo, que tal debate “não se
pode cingir à reforma do modo de distribuição de votos em mandatos, círculos
uninominais, círculo nacional de compensação ou outras tecnicidades que
“deleitam os iniciados”. E advertiu:
“O
sistema eleitoral não é só mais ou menos proporcionalidade, proximidade ao
eleitor ou a preocupação de haver governos estáveis. É também voto eletrónico
ou não, voto antecipado, tipo de campanhas eleitorais, financiamento das
campanhas. Já não se pensa em muitos destes pontos há 22 anos e faz sentido,
porque o mundo mudou.”.
Apelou ao debate
entre partidos, instituições da sociedade civil e povo, sem tabus, inibições,
ilusões e complexos, equacionando fórmulas flexíveis que “possam garantir a governabilidade
sem a qual governar é só ir tapando buracos de conjuntura” e não para “resolver
problemas da área governativa de cada instante, solucionar as fragilidades da
área oposicionista de cada momento, apreciar as ambições, os ressentimentos, os
desejos, as frustrações de pessoas ou de grupos” – quando a reflexão tem de ser
em nome de princípios “sérios e nobres”, para responder aos “problemas
concretos de pessoas de carne e osso” deste “novo tempo político” em que existe
“um maior desejo de proximidade, um novo controlo sobre o que fazem os
políticos e novas formas de participação política”. E prometeu ficar atento,
como sempre esteve, intervindo e escrevendo sobre isto há 40 anos”, esperando poder
voltar a intervir – o que só acontecerá se os partidos não optarem por uma
revisão constitucional. Já uma revisão da lei eleitoral lhe deixará mão livre
para a intervenção jurídica e política que lhe cabe nos poderes presidenciais.
***
Obviamente que
tenho de concordar com o Chefe de Estado nesta matéria. Mas, mais que o sistema
eleitoral devia mudar-se o sistema partidário. Não faz sentido que as listas de
candidatos em cada círculo não sejam confecionadas em respeitoso diálogo com as
bases. Até quando as (abstrusas) quotas do líder a impor candidato
sem referência local só para ir em lugar elegível?
2018.11.21 – Louro de
Carvalho
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