terça-feira, 20 de novembro de 2018

Troço de 200 metros de estrada abateu-se para cima duma pedreira


No dia 19 de novembro, um troço de 100 a 200 metros da estrada – dantes nacional, mas agora intermunicipal – que liga Borba a Vila Viçosa, no distrito alentejano de Évora, derrocou para cima duma das duas pedreiras que a ladeiam dum lado e doutro.
O deslizamento de grande volume de terra naquela estrada provocou a deslocação duma quantidade significativa de rochas, de blocos de mármore e de terra para o interior duma pedreira contígua cheia de lama e rochas, tendo o alerta sido dado às 15,45 horas do dia 19.
Pelos vistos, o aluimento engoliu um automóvel e uma carrinha que nela transitavam e uma retroescavadora com dois dos trabalhadores que laboravam na pedreira que está em atividade. Às 18,30 horas do dia 20, estava seguramente confirmada a morte de duas pessoas (trabalhadores da A.L.A. empresa exploradora da dita pedreira) e o desaparecimento de outras três. Segundo a fonte do Comando Territorial de Évora da GNR (Guarda Nacional Republicana), os dois mortos confirmados, operários da empresa que explora a pedreira, são um homem de 50 anos, que residia em Bencatel, no concelho de Vila Viçosa, e outro de 57 anos, que morava em Vila Viçosa (Algumas fontes dão as idades 49 e 58 anos). E o corpo de uma das duas vítimas mortais confirmadas foi retirado da pedreira no dia 29, à tarde (quase 24 horas depois do acidente), segundo fonte dos bombeiros.
A fonte do CDOS (Comando Distrital de Operações de Socorro) de Évora adiantou que continuam os trabalhos para o resgate do corpo da segunda vítima mortal confirmada, tendo presente “as condições de segurança” dos operacionais por se tratar de um terreno “instável” e a chuva dificultar as operações. De facto, as autoridades de socorro destacaram a “complexidade” das operações em curso, sublinhando a sua possível morosidade em razão da dificuldade que as condições do terreno e do clima oferecem atualmente.
De acordo com a fonte da GNR, estão dados como desaparecidos dois homens residentes em Bencatel, concelho de Vila Viçosa, e um idoso, de 85 anos, de Alandroal, com as autoridades a admitir terem sido vítimas do deslizamento de terras para a pedreira. Os dois homens de Bencatel terão indicado a familiares que iriam na tarde do dia 19 a Borba, passando pela estrada onde ocorreu o acidente. Fonte da Junta de Freguesia de Bencatel relatou à Lusa:
O condutor da carrinha de caixa aberta e de cor cinzenta, na casa dos 50 anos, terá informado a mulher que ia à tarde [de segunda-feira] com o cunhado, na casa dos 30 anos, ao contabilista a Borba”.
O predito desaparecimento dos dois homens foi comunicado à GNR por familiares.
E, como referiu a Procuradoria-geral da República, o Ministério Público instaurou, entretanto, “um inquérito para apurar as circunstâncias que rodearam a ocorrência”.
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Antes de referir algumas das reações ao sucedido, é de recordar que a Estrada Nacional 255 existe na zona desde os anos 40 do passado século e só depois é que se instalaram as pedreiras. Entre Estremoz e o Alandroal há 150 pedreiras, dando emprego a cerca de 500 pessoas, e onde se deu a derrocada estão cerca de 10, dando emprego a 60 pessoas. Ora, segundo Nuno Gonçalves, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Cerâmica, Construção Civil e Mármores do Sul, o problema são as pedreiras abandonadas:
Choveu muito, a zona está instável, as pedreiras, sobretudo as abandonadas, enchem-se de água e isto pode bem ser a causa para o abater da estrada”. 
Por seu turno, Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros Portugueses, aponta:
Mandaria o simples bom senso que houvesse uma margem de segurança entre a exploração e a via”.
E, dizendo que “as pedreiras foram exploradas até ao limite, até encostarem à estrada”, supõe:
Se não fossem estas chuvas a provocar o aluimento, teriam sido outras, porque o que aconteceu era inevitável”.  
A situação das pedreiras em relação à proximidade da estrada tem a ver com a avaliação deficiente que a Direção-Geral de Energia e Geologia fez aquando da autorização da exploração das pedreiras ou com o abuso dos operadores furtando-se à fiscalização, tantas vezes inexistente ou ineficaz. Assim, Nuno Gonçalves denuncia que as pedreiras em atividade nem sempre são contempladas com o investimento necessário em segurança, porque um conjunto de empresas pensa que a segurança no trabalho é um curso e não um investimento.
Entretanto, a Administração Central construiu uma via rápida alternativa à EN 255, deixando a estrada em causa à responsabilidade dos municípios de Borba e de Vila Viçosa, o que, segundo alguns, facilita o estado de degradação.
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Foram muitas as vozes que alertaram para a falta de segurança e para os problemas da estrada que ruiu. O primeiro alerta já tem, pelo menos, 4 anos. E hoje vários industriais do setor dos mármores reforçam que esta é uma tragédia que “poderia ter sido evitada”. O corte da estrada, que abria caminho entre duas pedreiras (uma delas desativada) foi pedido à câmara “há pelo menos 4 anos”, como disse José Batanete, empresário do setor do mármore, à Lusa. Segundo o industrial, que possuía há 4 anos uma pedreira de extração de mármore (entretanto vendida) junto à estrada onde ocorreu o deslizamento de terras, os empresários até apresentaram ao Município de Borba e à então Direção Regional da Economia “soluções” alternativas para a circulação rodoviária para que isto “não pudesse ou não devesse acontecer”. E lamentou:
Entretanto, como costuma ser usual neste país, as coisas, pelos vistos, caíram todas em saco roto, até à tragédia que se verificou ontem”.
Contactado pela Lusa, Luis Sorromayor, outro industrial do setor, com pedreiras de extração de mármore na zona, administrador da Marmetal, frisou que os problemas da estrada estavam identificados há muito tempo. E confirmou a predita sugestão junto dos poderes públicos no sentido do corte da estrada, numa parte que era perigosa, visto que servia para acesso às pedreiras e para circulação rodoviária dos habitantes em geral. Então, os técnicos do Ministério da Economia, da área de geologia, alertaram que “o problema” era a estrada poder “cair de um momento para o outro e não dava segurança”. E, quanto aos empresários, contou:
E nós anuímos porque temos as pedreiras aqui, somos empresas responsáveis, gostamos de trabalhar em segurança e aquilo também era uma insegurança para nós, além de nos limitar quanto a trabalharmos mais junto à estrada”.
Porém, como vincou, na altura, não houve consenso entre os empresários para o corte da estrada e não saiu nada de concreto da reunião, em que participaram cerca de 10 industriais, pois, “alguns colegas, referiu, chamaram-nos malucos” e disseram que “a gente estava a levantar um problema que não existia”.
É também Luís Sottomayor que aparece citado na notícia da estação de rádio Campanário, de 2014, sobre as fragilidades daquela estrada:
A Direção Regional da Economia tem acompanhado em questões de segurança as pedreiras devido à fraturação existente no anticlinal desta zona da estrada e por uma questão de segurança está equacionada essa hipótese de extinção da estrada.[…]. Há uma série de estudos que metem em perigo a estrada.”.
José Batanete ressalva que os opositores à interrupção do trânsito naquela via rodoviária representavam “uma minoria”. “Ninguém pensava que isto acontecesse”, julgavam que “eram tudo estudos, que aquilo iria durar mais não sei quantos anos” – relatou.
Nessa altura, a pedido dos empresários, o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) efetuou um estudo, que poderia ter servido de base de trabalho e que foi apresentado ao município, identificando o “problema” e, no caso de corte daquela estrada, “como é que cada empresa” na zona poderia “ter acesso a Borba e a Vila Viçosa” através de “caminhos alternativos”. Mas tudo ficou em águas de bacalhau”, pois quem circulava na estrada não se apercebia, devido às sebes que a ladeiam, mas o que ali se encontrava, com pedreiras dum lado e doutro, “era uma ponte estreitinha, um talude, de seis metros” de largura por pouco mais de 100 de comprimento. E “foi dito” ao autarca de Borba que, “se houvesse algum azar, a responsabilidade” seria “da câmara”.
Horas depois da tragédia, António Anselmo, Presidente da Câmara Municipal de Borba, dizia estar de “consciência tranquila” porquanto, apesar dos testemunhos que davam conta da fragilidade da estrada, Anselmo garante que a situação estava “perfeitamente segura”.
Porém, José Batanete, afirmando-se “revoltado” com o sucedido, recordou que “ficou combinado que a câmara iria fazer uma assembleia municipal, propor à população que a estrada deixasse” de ter trânsito, mas tudo “caiu em saco roto”. Também os trabalhadores das empresas de extração de mármore e os moradores estavam avisados do perigo. Ilídio Gila, primo de um trabalhador da pedreira, confirma que há anos se fala da insegurança da estrada onde ocorreu a derrocada e que continuavam a circular por ela muitas viaturas pesadas, apesar dos alertas de ser uma estrada muito insegura, e sustenta que, se a derrocada tivesse ocorrido depois das 17 horas, haveria muito mais mortes por ser um local onde circulava muita gente junto da estrada.
Ribau Esteves, vice-presidente ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), comentou, em entrevista à TSF, a forma como as estradas nacionais têm sido desclassificadas, passando para a alçada municipal sem ajudas nem investimento. E explica:
Sabemos que existiram no passado muitas estradas nacionais que foram desclassificadas e entregues às câmaras em más condições e que essas câmaras não têm capacidade de fazer os enormes investimentos de que necessitavam”.
A reabilitação destas estradas está, pois, dependente da capacidade financeira de cada autarquia, que vai investindo “mais ou menos para manter a qualidade da rede viária”. E, segundo o vice-presidente da ANMP, para evitar situações como a ocorrida em Borba, “é necessário um investimento regular na qualificação das estradas”.
É sempre a mesma coisa, do meu ponto de vista: a Administração Central tem dificuldade em manter a rede rodoviária da sua responsabilidade em boas condições; e as autarquias não conseguem fazer melhor nem igual. E, sempre que se passam competências para os municípios, o queixume é sempre o do insuficiente envelope financeiro. Não dão conta aquando da celebração dos respetivos acordos?!   
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O já mencionado bastonário da Ordem dos Engenheiros Portugueses considera chocante tratar-se duma “situação que esta identificada há quatro anos” e de “um acidente anunciado”. Mal viu as primeiras imagens do que tinha acontecido, não teve dúvidas: não foi a chuva a grande culpada pela tragédia. E explicou:
Aquilo tinha de acontecer. A pedreira foi até aos limites. A estrada nem berma tinha. A estrada por baixo não estava fundada em rocha, naquele maciço calcário, mas sim na terra. Portanto, a terra um dia havia de cair e deslizou com mais chuva. A chuva não tem culpa, só acelera processos que estão em desenvolvimento. O que houve ali foi um deslizamento de terras e a estrada a cair, infelizmente. […]. É de uma evidência que é trágica..
Do meu ponto de vista, o problema não é a estrada estar assente em saibro: é não ter sido o terreno bem compactado e as laterais estarem desamparadas por força da escavação adjacente.
Mas o bastonário Mineiro Aires não compreende como é que se chegou a isto, sustentando:
Há uma coisa elementar que é o bom senso. Qualquer engenheiro, qualquer técnico, qualquer pessoa conscienciosa não pode obviamente explorar uma pedreira até uma berma ou até à proximidade de uma estrada. Mesmo que existisse uma margem de segurança, acredita que não se estava imune a um acidente, ainda assim não tinha acontecido com as consequências que teve.”.
Mineiro Alves defende que a antiga estrada nacional 255 “devia ter sido encerrada, obviamente” e lamenta que não tenha havido “uma decisão de interditar a circulação naquela estrada”.
Mas não se fica pelo lamento, antes considera que a situação da rodovia poderá ser semelhante um pouco por todo o país. Diz mesmo recear que continuem a existir infraestruturas em risco em Portugal, tanto públicas como privadas, ao mesmo tempo que assinala a falta de informação disponibilizada pelas entidades competentes sobre o que se passa no país. E propõe:
Devia haver uma base de dados sobre o que está a ser feito, o que está a ser observado, como é feita a monitorização, o acompanhamento. Nós vamos, por exemplo, ao site da Infraestruturas de Portugal, e não temos essa monitorização. […] Não estou a dizer que não haja informação, mas devia estar disponibilizada. Se se for ao site das Águas de Portugal, sabe-se qual é a qualidade das águas. Há muita informação já até em relação ao clima. Sobre as infraestruturas há pouca informação e o cidadão tem direito a ter informação sobre a se a sua vida está em risco ou não.”.
Por outro lado, aponta o dedo à falta de fiscalização no país, sublinhando que, “ultimamente, em Portugal se tem perdido um bocado a capacidade de fiscalizar, de intervir e de acompanhar as atividades e situações de risco”, denunciando o que designa de “poupança falsa”, pois, como refere, “essa ideia de poupar nas instituições, de fechar instituições, de deixar de ter quadros adequados” como sendo uma solução “não pode ser”. E sentencia:
Um país seguro, um Estado que é seguro tem de acautelar os direitos dos seus cidadãos. E, neste caso, acautelar os direitos é ter técnicos adequados, engenheiros adequados e não é o que se passa..
Foi, na sua ótica, por falta dessa visão, desse investimento, que as instituições se deixaram enfraquecer, porquanto “ter quadros técnicos e engenheiros parece que é uma coisa que se foi esquecendo a pouco e pouco e esqueceu-se o papel que a engenharia tem na prevenção destes acidentes”. Por isso, julga fundamental “repensar isto tudo” para evitar a tragédia de Borba e sublinha:
Não podemos estar constantemente a queixar-nos do que acontece e consecutivamente pensar que é a partir de agora que vamos corrigir as coisas”.
Mineiro Alves, que se recusa a apontar a apontar responsáveis para a tragédia de Borba, assume que faltou engenharia e não só neste caso. Na verdade, como lamenta, “ultimamente, temos assistido no país que há falta de engenharia, de instituições fortes, de intervenções do próprio Estado a esses níveis e depois queixamo-nos dos resultados”.
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Compreende-se a postura do Secretário de Estado da Proteção Civil ao optar, não pela atenção à responsabilidade, mas pelo resgate dos sinistrados – mortos ou desaparecidos –, já que para o apuramento dos factos e das responsabilidades está em ação o Ministério Publico. Ao contrário, censura-se a falta de vontade política dos governantes e dos autarcas em investir na manutenção atenta e eficaz da malha rodoviária, mormente quando há avisos claros de degradação e iminência de perigo nas infraestruturas – caso em que não se devem procurar os consensos.
E, se temos uma boa engenharia capaz de garantir a segurança das estruturas e infraestruturas, há que a disponibilizar para os diversos departamentos do Estado (todos), pois não se pode poupar na farinha para ter de gastar no farelo. Depois, há que zelar pelo país, promover a cultura da avaliação prévia ao licenciamento de obras e explorações, fiscalizar assídua e eficazmente, corrigir os erros e punir os abusos, mandando, em prol do bem comum, às malvas o eleitoralismo, o compadrio e todos os germes e fenómenos de corrupção.   
2018.11.20 – Louro de Carvalho

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