No dia
19 de novembro, um troço de 100 a 200 metros da estrada – dantes nacional, mas
agora intermunicipal – que liga Borba a Vila Viçosa, no distrito alentejano de
Évora, derrocou para cima duma das duas pedreiras que a ladeiam dum lado e
doutro.
O deslizamento de grande volume de terra naquela estrada provocou a
deslocação duma quantidade significativa de rochas, de blocos de mármore e de
terra para o interior duma pedreira contígua cheia de lama e rochas, tendo o
alerta sido dado às 15,45 horas do dia 19.
Pelos
vistos, o aluimento engoliu um automóvel e uma carrinha que nela transitavam e
uma retroescavadora com dois dos trabalhadores que laboravam na pedreira que
está em atividade. Às 18,30 horas do dia 20, estava seguramente confirmada a
morte de duas pessoas (trabalhadores da A.L.A. empresa
exploradora da dita pedreira)
e o desaparecimento de outras três. Segundo a fonte do Comando Territorial de Évora da GNR (Guarda Nacional Republicana), os dois mortos confirmados, operários da empresa que explora a pedreira,
são um homem de 50 anos, que residia em Bencatel, no concelho de Vila Viçosa, e
outro de 57 anos, que morava em Vila Viçosa (Algumas fontes
dão as idades 49 e 58 anos). E o corpo de uma das duas vítimas mortais confirmadas foi retirado da
pedreira no dia 29, à tarde (quase 24 horas depois do
acidente), segundo fonte
dos bombeiros.
A fonte do CDOS (Comando Distrital de Operações
de Socorro) de Évora
adiantou que continuam os trabalhos para o resgate do corpo da segunda vítima
mortal confirmada, tendo presente “as condições de segurança” dos operacionais
por se tratar de um terreno “instável” e a chuva dificultar as operações. De
facto, as autoridades de socorro destacaram a “complexidade” das operações em curso,
sublinhando a sua possível morosidade em razão da dificuldade que as condições
do terreno e do clima oferecem atualmente.
De acordo com a fonte da GNR, estão dados como desaparecidos dois homens
residentes em Bencatel, concelho de Vila Viçosa, e um idoso, de 85 anos, de
Alandroal, com as autoridades a admitir terem sido vítimas do deslizamento de
terras para a pedreira.
Os dois homens
de Bencatel terão indicado a familiares que iriam na tarde do dia 19 a Borba,
passando pela estrada onde ocorreu o acidente. Fonte da Junta de Freguesia de
Bencatel relatou à Lusa:
“O condutor da carrinha de caixa aberta e de
cor cinzenta, na casa dos 50 anos, terá informado a mulher que ia à tarde [de
segunda-feira] com o cunhado, na casa dos 30 anos, ao contabilista a Borba”.
O predito desaparecimento dos dois homens foi
comunicado à GNR por familiares.
E, como referiu a Procuradoria-geral da República, o Ministério Público instaurou, entretanto,
“um inquérito para apurar as circunstâncias que rodearam a ocorrência”.
***
Antes de
referir algumas das reações ao sucedido, é de recordar que a Estrada Nacional
255 existe na zona desde os anos 40 do passado século e só depois é que se
instalaram as pedreiras. Entre Estremoz e o Alandroal há 150 pedreiras, dando
emprego a cerca de 500 pessoas, e onde se deu a derrocada estão cerca de 10,
dando emprego a 60 pessoas. Ora, segundo Nuno Gonçalves, dirigente do Sindicato
dos Trabalhadores da Cerâmica, Construção Civil e Mármores do Sul, o problema
são as pedreiras abandonadas:
“Choveu muito, a zona está instável, as pedreiras, sobretudo as
abandonadas, enchem-se de água e isto pode bem ser a causa para o abater da
estrada”.
Por seu
turno, Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros Portugueses,
aponta:
“Mandaria o simples bom senso que houvesse uma margem de segurança entre
a exploração e a via”.
E,
dizendo que “as pedreiras foram exploradas até ao limite, até encostarem à
estrada”, supõe:
“Se não fossem estas chuvas a provocar o aluimento, teriam sido outras,
porque o que aconteceu era inevitável”.
A
situação das pedreiras em relação à proximidade da estrada tem a ver com a
avaliação deficiente que a Direção-Geral de Energia e Geologia fez aquando da
autorização da exploração das pedreiras ou com o abuso dos operadores
furtando-se à fiscalização, tantas vezes inexistente ou ineficaz. Assim, Nuno
Gonçalves denuncia que as pedreiras em atividade nem sempre são contempladas
com o investimento necessário em segurança, porque um conjunto de empresas
pensa que a segurança no trabalho é um curso e não um investimento.
Entretanto,
a Administração Central construiu uma via rápida alternativa à EN 255, deixando
a estrada em causa à responsabilidade dos municípios de Borba e de Vila Viçosa,
o que, segundo alguns, facilita o estado de degradação.
***
Foram muitas
as vozes que alertaram para a falta de segurança e para os problemas da estrada
que ruiu. O primeiro alerta já tem, pelo menos, 4 anos. E hoje vários
industriais do setor dos mármores reforçam que esta é uma tragédia que “poderia
ter sido evitada”. O
corte da estrada, que abria caminho entre duas pedreiras (uma delas desativada) foi pedido à câmara “há pelo menos 4 anos”, como disse José Batanete,
empresário do setor do mármore, à Lusa.
Segundo o industrial, que possuía há 4 anos uma pedreira de extração de mármore
(entretanto
vendida) junto à estrada onde ocorreu o
deslizamento de terras, os empresários até apresentaram ao Município de Borba e
à então Direção Regional da Economia “soluções” alternativas para a circulação
rodoviária para que isto “não pudesse ou não devesse acontecer”. E lamentou:
“Entretanto, como costuma ser usual neste país, as coisas, pelos vistos,
caíram todas em saco roto, até à tragédia que se verificou ontem”.
Contactado
pela Lusa, Luis Sorromayor, outro
industrial do setor, com pedreiras de extração de mármore na zona, administrador
da Marmetal, frisou que os problemas da estrada estavam identificados há muito
tempo. E confirmou a predita sugestão junto dos poderes públicos no sentido do
corte da estrada, numa parte que era perigosa, visto que servia para acesso às
pedreiras e para circulação rodoviária dos habitantes em geral. Então, os técnicos
do Ministério da Economia, da área de geologia, alertaram que “o problema” era
a estrada poder “cair de um momento para o outro e não dava segurança”. E,
quanto aos empresários, contou:
“E nós anuímos porque temos as pedreiras aqui, somos empresas
responsáveis, gostamos de trabalhar em segurança e aquilo também era uma
insegurança para nós, além de nos limitar quanto a trabalharmos mais junto à
estrada”.
Porém, como
vincou, na altura, não houve consenso entre os empresários para o corte da
estrada e não saiu nada de concreto da reunião, em que participaram cerca de 10
industriais, pois, “alguns colegas, referiu, chamaram-nos malucos” e disseram
que “a gente estava a levantar um problema que não existia”.
É também
Luís Sottomayor que aparece citado na notícia da estação de rádio Campanário, de 2014, sobre as
fragilidades daquela estrada:
“A Direção Regional da Economia tem acompanhado em questões de segurança
as pedreiras devido à fraturação existente no anticlinal desta zona da estrada
e por uma questão de segurança está equacionada essa hipótese de extinção da estrada.[…].
Há uma série de estudos que metem em perigo a estrada.”.
José
Batanete ressalva que os opositores à interrupção do trânsito naquela via
rodoviária representavam “uma minoria”. “Ninguém pensava que isto acontecesse”,
julgavam que “eram tudo estudos, que aquilo iria durar mais não sei quantos
anos” – relatou.
Nessa
altura, a pedido dos empresários, o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia
Civil) efetuou um estudo, que poderia ter
servido de base de trabalho e que foi apresentado ao município, identificando o
“problema” e, no caso de corte daquela estrada, “como é que cada empresa” na
zona poderia “ter acesso a Borba e a Vila Viçosa” através de “caminhos
alternativos”. Mas tudo ficou em águas de bacalhau”, pois quem circulava na
estrada não se apercebia, devido às sebes que a ladeiam, mas o que ali se
encontrava, com pedreiras dum lado e doutro, “era uma ponte estreitinha, um
talude, de seis metros” de largura por pouco mais de 100 de comprimento. E “foi
dito” ao autarca de Borba que, “se houvesse algum azar, a responsabilidade”
seria “da câmara”.
Horas depois
da tragédia, António Anselmo, Presidente da Câmara Municipal de Borba, dizia
estar de “consciência tranquila” porquanto, apesar dos testemunhos que davam
conta da fragilidade da estrada, Anselmo garante que a situação estava “perfeitamente
segura”.
Porém, José
Batanete, afirmando-se “revoltado” com o sucedido, recordou que “ficou
combinado que a câmara iria fazer uma assembleia municipal, propor à população
que a estrada deixasse” de ter trânsito, mas tudo “caiu em saco roto”. Também
os trabalhadores das empresas de extração de mármore e os moradores estavam avisados
do perigo. Ilídio Gila, primo de um trabalhador da pedreira, confirma que há
anos se fala da insegurança da estrada onde ocorreu a derrocada e que continuavam
a circular por ela muitas viaturas pesadas, apesar dos alertas de ser uma
estrada muito insegura, e sustenta que, se a derrocada tivesse ocorrido depois
das 17 horas, haveria muito mais mortes por ser um local onde circulava muita
gente junto da estrada.
Ribau
Esteves, vice-presidente ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), comentou, em entrevista à TSF, a forma como as estradas nacionais têm sido desclassificadas,
passando para a alçada municipal sem ajudas nem investimento. E explica:
“Sabemos que existiram no passado muitas estradas nacionais que foram
desclassificadas e entregues às câmaras em más condições e que essas câmaras
não têm capacidade de fazer os enormes investimentos de que necessitavam”.
A
reabilitação destas estradas está, pois, dependente da capacidade financeira de
cada autarquia, que vai investindo “mais ou menos para manter a qualidade da
rede viária”. E, segundo o vice-presidente da ANMP, para evitar situações como
a ocorrida em Borba, “é necessário um
investimento regular na qualificação das estradas”.
É sempre a
mesma coisa, do meu ponto de vista: a Administração Central tem dificuldade em
manter a rede rodoviária da sua responsabilidade em boas condições; e as autarquias
não conseguem fazer melhor nem igual. E, sempre que se passam competências para
os municípios, o queixume é sempre o do insuficiente envelope financeiro. Não
dão conta aquando da celebração dos respetivos acordos?!
***
O já mencionado bastonário da Ordem dos Engenheiros
Portugueses considera chocante tratar-se duma “situação que esta identificada
há quatro anos” e de “um acidente anunciado”. Mal viu as primeiras imagens do
que tinha acontecido, não teve dúvidas: não foi a chuva a grande culpada pela
tragédia. E explicou:
“Aquilo
tinha de acontecer. A pedreira foi até aos limites. A estrada nem berma tinha.
A estrada por baixo não estava fundada em rocha, naquele maciço calcário, mas
sim na terra. Portanto, a
terra um dia havia de cair e deslizou com mais chuva. A chuva não tem culpa, só
acelera processos que estão em desenvolvimento. O que houve ali foi um
deslizamento de terras e a estrada a cair, infelizmente. […]. É de
uma evidência que é trágica.”.
Do meu ponto de vista, o problema não é a estrada estar
assente em saibro: é não ter sido o terreno bem compactado e as laterais estarem
desamparadas por força da escavação adjacente.
Mas o bastonário Mineiro Aires não compreende como é que
se chegou a isto, sustentando:
“Há uma coisa elementar que é o bom
senso. Qualquer engenheiro, qualquer técnico, qualquer pessoa
conscienciosa não pode obviamente explorar uma pedreira até uma berma ou até à
proximidade de uma estrada. Mesmo que existisse uma margem de segurança, acredita que não se estava
imune a um acidente, ainda assim não tinha acontecido com as consequências que
teve.”.
Mineiro Alves defende que a antiga estrada nacional 255
“devia ter sido encerrada, obviamente” e lamenta que não tenha havido “uma
decisão de interditar a circulação naquela estrada”.
Mas não se fica pelo lamento, antes considera que a
situação da rodovia poderá ser semelhante um pouco por todo o país. Diz mesmo recear
que continuem a existir infraestruturas em risco em Portugal, tanto públicas
como privadas, ao mesmo tempo que assinala a falta de informação
disponibilizada pelas entidades competentes sobre o que se passa no país. E
propõe:
“Devia haver uma base de dados sobre o que está a ser
feito, o que está a ser observado, como é feita a monitorização, o
acompanhamento. Nós vamos, por exemplo, ao
site da Infraestruturas de Portugal, e não temos essa monitorização. […] Não
estou a dizer que não haja informação, mas devia estar disponibilizada. Se se
for ao site das Águas de Portugal,
sabe-se qual é a qualidade das águas. Há muita informação já até em relação ao
clima. Sobre as infraestruturas há pouca informação e o cidadão tem direito a
ter informação sobre a se a sua vida está em risco ou não.”.
Por outro lado, aponta o dedo à falta de fiscalização no
país, sublinhando que, “ultimamente, em Portugal se tem perdido um bocado a capacidade de
fiscalizar, de intervir e de acompanhar as atividades e situações de risco”, denunciando
o que designa de “poupança falsa”, pois, como refere, “essa
ideia de poupar nas instituições, de fechar instituições, de deixar de ter
quadros adequados” como sendo uma solução “não pode ser”. E sentencia:
“Um país seguro, um Estado que
é seguro tem de acautelar os direitos dos seus cidadãos. E, neste caso,
acautelar os direitos é ter técnicos adequados, engenheiros adequados e não é o
que se passa.”.
Foi, na sua ótica, por falta dessa visão, desse
investimento, que as instituições se deixaram enfraquecer, porquanto “ter
quadros técnicos e engenheiros parece que é uma coisa que se foi esquecendo a
pouco e pouco e esqueceu-se o papel que a engenharia tem na prevenção destes
acidentes”. Por isso, julga fundamental “repensar isto tudo” para evitar a
tragédia de Borba e sublinha:
“Não podemos estar constantemente a queixar-nos do que
acontece e consecutivamente pensar que é a partir de agora que vamos corrigir
as coisas”.
Mineiro Alves, que se recusa a apontar a apontar responsáveis para a
tragédia de Borba, assume que faltou engenharia e não só neste caso. Na verdade,
como lamenta, “ultimamente, temos assistido no país que há falta de engenharia,
de instituições fortes, de intervenções do próprio Estado a esses níveis e
depois queixamo-nos dos resultados”.
***
Compreende-se
a postura do Secretário de Estado da Proteção Civil ao optar, não pela atenção
à responsabilidade, mas pelo resgate dos sinistrados – mortos ou desaparecidos –,
já que para o apuramento dos factos e das responsabilidades está em ação o Ministério
Publico. Ao contrário, censura-se a falta de vontade política dos governantes e
dos autarcas em investir na manutenção atenta e eficaz da malha rodoviária,
mormente quando há avisos claros de degradação e iminência de perigo nas infraestruturas
– caso em que não se devem procurar os consensos.
E, se temos
uma boa engenharia capaz de garantir a segurança das estruturas e
infraestruturas, há que a disponibilizar para os diversos departamentos do Estado
(todos), pois não se pode poupar na farinha
para ter de gastar no farelo. Depois, há que zelar pelo país, promover a
cultura da avaliação prévia ao licenciamento de obras e explorações, fiscalizar
assídua e eficazmente, corrigir os erros e punir os abusos, mandando, em prol
do bem comum, às malvas o eleitoralismo, o compadrio e todos os germes e
fenómenos de corrupção.
2018.11.20 –
Louro de Carvalho
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