Dom
Bernardito Auza, Observador Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas, ao
intervir numa conferência realizada na Universidade de Yale, nos Estados
Unidos, centrou-se na questão das migrações, recordando a perspetiva do Papa e
da Santa Sé sobre este complexo fenómeno e sublinhando que a resposta à migração
deve ser global, solidária e sem
cálculos. E isto em nome da dignidade de toda a pessoa humana.
Na verdade, como
refere o Vatican News pela voz de Amedeo Lomonaco, para a Santa
Sé, emigrar é, antes de mais, um direito, mas, por outro lado, a
migração voluntária, segura, ordenada, regular e bem gerida fornece um precioso
contributo para o desenvolvimento e o enriquecimento cultural. Foi esta a
doutrina humanitária que Dom Bernardito Auza reiterou na sua intervenção no
passado dia 14, na conferência sobre migração organizada pelo McMillan
Center for International and Area Studies, da Universidade de Yale.
Segundo o
prelado, a migração é uma natural
resposta humana à crise e um testemunho do desejo inato de todo o ser
humano de buscar a felicidade, a liberdade, maiores oportunidades e condições
adequadas para uma vida melhor. Por conseguinte, terá de concluir-se
que “emigrar
não é um ato de desespero”.
Dom Auza aproveitou
o ensejo para recordar que a própria Santa Sé deu o seu contributo para a
definição do “Pacto Global” promovido
pela ONU e assinado pelos 193 membros da Assembleia Geral da ONU – documento
cujo texto final, voltado para a promoção de medidas para uma migração ordenada
e segura, é o resultado de análises, consultas e negociações a nível
internacional. Em particular, a Santa Sé deu a sua contribuição determinante
para a formulação do artigo 13.º, que indica a necessidade de “criar condições
que permitam às comunidades e indivíduos viver em segurança e dignidade em seus
países”; e conseguiu que fosse acrescentado no Pacto global o seguinte dito sentencioso
da Santa Sé: “a migração nunca deveria
ser um ato de desespero”.
Dom Auza fez
questão de recordar os apelos lançados pela Santa Sé à comunidade internacional
em ordem ao respeito dos direitos fundamentais de todos os migrantes,
independentemente do seu status. E,
respondendo a esses apelos, o Pacto Global indica, entre os seus objetivos, o
de garantir a todos os migrantes o exercício de seus direitos através de um acesso
seguro aos serviços básicos.
Também a
Santa Sé reiterou, em várias ocasiões, que a migração é um fenómeno global, pelo
que é necessária uma resposta global, que implica a assunção de uma “responsabilidade
compartilhada”. E, embora reconheça e respeite o direito soberano dos
Estados individualmente considerados a implementar as suas políticas em matéria
de migração, em conformidade com as respetivas obrigações de direito internacional,
a Santa Sé entende que são os contextos globais e regionais os mais idóneos para
promover uma migração, segura, ordenada e regular.
Por sua vez,
o Papa Francisco condensou, segundo Dom Auza, em quatro verbos a abordagem
geral da Igreja Católica para responder ao desafio global da migração. São eles:
acolher,
proteger,
promover
e integrar.
O verbo acolher, segundo as palavras de
Francisco aos participantes no Fórum Internacional sobre Migrações e Paz em
fevereiro de 2017, apresenta-se perante a “índole da rejeição” como “urgente mudança de atitude para superar a
indiferença e antepor aos receios uma generosa atitude de hospitalidade em
relação àqueles que batem às nossas portas”. Para o Pontífice, é preciso abrir
canais humanitários acessíveis e seguros para quantos fogem de guerras e de
perseguições terríveis, não raro presos nas garras de organizações criminosas
sem escrúpulos – um “acolhimento responsável e digno destes nossos irmãos e
irmãs” a começar “pela sua primeira acomodação em espaços adequados e decentes”.
O verbo proteger aplica-se à situação
de trabalhadores migrantes, refugiados,
necessitados de asilo e vítimas do tráfico, que são vulneráveis à exploração,
ao abuso e à violência. A estes, deve ser promovida a defesa dos seus direitos
inalienáveis, a garantia das suas liberdades fundamentais e o respeito pela sua
dignidade – tarefas de que “ninguém se pode eximir”, segundo o Papa, que
elencou algumas ações práticas neste sentido aos participantes do Fórum, entre
eles a coordenadora da Pastoral dos Refugiados, irmã Rosita Milesi.
O verbo promover surge no seguimento da convicção de que “proteger não é suficiente. Com efeito,
é necessário promover o desenvolvimento humano integral de migrantes,
refugiados e pessoas deslocadas, que ‘tem lugar mediante o cuidado dos bens
incomensuráveis da justiça, da paz e da proteção da criação’”, como exortou
Francisco, que incentiva as comunidades de origem e também os atores políticos,
a sociedade civil, as organizações internacionais e as instituições religiosas
a empreenderem ações coordenadas e promover também o direito “a não
ter que migrar”: o direito a encontrar na própria pátria as condições
que lhes permitam levar uma existência digna.
E o verbo “integrar” diz respeito a um processo que se baseia no “mútuo reconhecimento da riqueza cultural do
outro”, a integração apontada pelo Papa recordando que o Magistério da
Igreja se faz com “políticas capazes de
favorecer e privilegiar as reunificações familiares” e também com “programas específicos que favoreçam o
encontro significativo com o próximo”. Também para a comunidade cristã, “a integração pacífica de pessoas de várias
culturas é, de certo modo, um reflexo da sua catolicidade, pois a unidade que
não anula as diversidades étnicas e culturais constitui uma dimensão da vida da
Igreja que, no Espírito do Pentecostes, está aberta a cada um e deseja abraçar
todos”. (cf http://www.cnbb.org.br/papa-francisco-orienta-acao-da-igreja-junto-aos-migrantes-a-partir-de-quatro-verbos/).
Em suma, acolher significa respeitar a dignidade
de todo o migrante; proteger quer
dizer salvaguardar a dignidade dos migrantes nos seus Estados de origem,
oferecendo informações confiáveis e verificadas antes da partida; promover postula que tal proteção deve
depois continuar nos Estados de trânsito e destino com vista a conseguir uma vida
digna; e integrar significa
incentivar a cultura do encontro. E, em resultado disso, pode concluir-se que,
se a migração é bem gerida, os migrantes dão uma contribuição positiva para a
economia, a vida social e cultural e enriquecem as comunidades. A integração, como
observou Dom Auza, não é um processo de assimilação que leva os migrantes a
suprimir ou esquecer a sua identidade cultural. Ao invés, é um processo de “conhecimento
recíproco” e de “abertura recíproca”.
O Observador
Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas enfatizou que o Pacto Global será “um
ponto de referência internacional” para as boas práticas e a cooperação global
na gestão da migração. O acordo, que entrará em vigor após o encontro da Cimeira
de Marraquexe, previsto para dezembro será, em particular, um ponto de referência
não só para os governos, mas também para as organizações não-governamentais. E Dom
Auza, convicto de que só pode a responsabilidade compartilhada concretizar-se
apenas se todos realizarem esforços, concluiu:
“Seja qual for a nossa parte nesta responsabilidade compartilhada, a nossa
resposta deve ser motivada principalmente pelo nosso profundo senso de comum
humanidade pelo migrante e não por cálculos contingentes que poderiam violar
sua dignidade humana”.
***
E os bispos mexicanos veem no migrante o rosto
sofredor de Cristo. Com efeito, na Mensagem
ao Povo de Deus, no final de sua Assembleia Plenária, os bispos recordam os
deslocados hondurenhos e pedem às autoridades que mantenham os projetos de bem
comum e justiça social apresentados na campanha eleitoral. E escrevem:
“Descobrimos o rosto sofredor de Cristo em milhares de irmãos migrantes
da América Central, deslocados em diferentes circunstâncias e que seguem em
direção aos Estados Unidos da América. Reconhecemos a ação responsável de
algumas autoridades estaduais e municipais, que trataram eficazmente dessa
emergência, mesmo se reconhecemos que muitas outras deixaram de lado a
responsabilidade estabelecida na Lei Nacional de Migração.”.
“Como
sociedade e Igreja – escrevem os prelados na mensagem – procuramos acolher com
fraternidade aos migrantes enquanto atravessavam a nossa terra,
respondendo ao apelo do Papa Francisco para acolhê-los, protegê-los,
promovê-los e integrá-los”.
***
Por seu turno, o Cardeal Secretário de Estado da
Santa Sé põe o acento na dignidade humana e no compromisso com todos os
possíveis interlocutores e diz que a tentação da
sociedade de hoje é a de dar mais atenção à palavra “direitos”, deixando de
lado a mais importante: a “humana”.
Na verdade, o Cardeal fez
uma conferência, na tarde do passado dia 15, em Roma, durante o Simpósio
Internacional da “Fundação Ratzinger – Bento XVI”, que teve como tema: “Direitos
Fundamentais e conflito entre direitos”. O evento ocorreu por ocasião dos
70 anos da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 10 de dezembro de
1948.
Ali declarou
que, se os direitos perderem a sua “unidade com a humanidade”, podem tornar-se
meras expressões de grupos de interesse, com um conceito de pessoa humana
separada de qualquer contexto social e antropológico, como o Papa afirmou por diversas
vezes. Por isso, o Cardeal Parolin reiterou o compromisso da Igreja com todos e
cada um dos homens e com o “homem na sua totalidade”. E, nas
vésperas da sua viagem à África, o Secretário de Estado traçou um quadro dos
interlocutores da Santa Sé no âmbito dos direitos humanos, afirmando:
“Na reflexão da Igreja, não há direitos de um homem livre de qualquer
elo de união ou um homem fragmentado nos vários aspetos sociais, económicos,
religiosos, mas o homem na sua totalidade”.
Neste sentido,
a Santa Sé não cessa de “levantara sua voz” em defesa da pessoa humana. E Parolin
afirmou que a Igreja tem a “liberdade” de atingir “todos os possíveis interlocutores”,
mesmo partindo das posições “mais longínquas” e de um aspeto fundamental: “o
caráter universal dos direitos”. E o Cardeal Secretário de Estado
recordou:
“Notamos certa distância, seja entre algumas áreas do chamado Ocidente,
seja em outros contextos culturais, como se o profundo significado de direitos
humanos fosse possível contextualizar e aplicar apenas a alguns lugares e
algumas épocas, que parecem, irremediavelmente, a caminho do ocaso”.
No entanto, como
acrescentou, convém recuperar a dimensão objetiva dos direitos humanos, com
base no reconhecimento: “A dignidade
inerente a todos os membros da família
humana, que é o fundamento da justiça, da liberdade e da paz no mundo”
(Declaração
de 1948).
O dignitário
romano anotou que há também uma “crescente insensibilidade em relação às
organizações internacionais e à diplomacia multilateral”, que, hoje, coloca em
sério perigo a interlocução sobre os direitos humanos. E a Santa Sé entende que
é “fundamental” favorecer um confronto mais amplo com todos os
homens e com instituições “que trabalham
para proteger os direitos humanos e promover o bem comum e o desenvolvimento
social”. E recorrendo às palavras do Papa Francisco, disse:
“Tal confronto impulsiona-nos, constantemente, a construir pontes com os
diversos interlocutores, seja a nível multilateral e bilateral, seja dos
Estados com as organizações não governamentais, com interlocutores religiosos,
como com fiéis leigos e não crentes”.
Sobre o
compromisso da Santa Sé com a defesa dos direitos específicos, o Cardeal
Secretário de Estado Pietro Parolin pôs em evidência o direito à vida, desde o
início até ao seu fim natural – obviamente tendo como subtexto o aborto e a
eutanásia –, sobretudo face aos “novos desafios”, concernentes à biotecnia
moderna e, às vezes, favorecidos por legislações mais permissivas, bem como por
“questões delicadas”, como a manipulação genética, o tráfico de órgãos, a hibridização,
os genomas humanos… E destacou o trabalho da Santa Sé na ONU no atinente ao
compromisso de promover a eliminação da pena de morte, os direitos dos
migrantes e refugiados.
Por outro
lado, a Santa Sé participa também na definição dos chamados Pactos Globais
sobre migrantes e refugiados, que serão adotados no decorrer do ano –
uma referência ao trabalho de Dom Auza. E a este respeito, o Cardeal recordou
que o Papa Francisco propôs “acolher, proteger, promover e integrar” os que
deixam a sua pátria por causa das guerras, perseguições, fome, dificuldades
económicas, na linha dum acolhimento dos migrantes que deve ser razoável e
acompanhado pela capacidade dos governantes de integrar. No entanto, nem sempre
a política tem demonstrado seu papel de “mediação social” para construir o bem
comum.
No quadro do
direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, o Secretário
de Estado recordou que a Santa Sé toma as devidas medidas para se evitar a
marginalização da religião na sociedade civil, onde devem ser protegidos os
direitos de todos os cidadãos, independentemente das suas crenças religiosas.
E o Cardeal Pietro Parolin concluiu a
sua intervenção dizendo que, no mandamento do amor, podemos encontrar a ideia
inspiradora dos direitos humanos. Na sua origem, há só compaixão e gratuitidade,
que recebem, em termos cristãos, o nome de caridade.
***
É de
recordar que, em 1963, o Papa São João XXIII, publicou a Encíclica Pacem in Terris sobre a Paz de todos os
Povos na base da Verdade, Justiça, Caridade e Liberdade, na qual, partindo do
reto ordenamento nos seres humanos (segundo o coração de Deus), enuncia os direitos e os deveres de cada homem, as
bases das relações dos poderes públicos com os cidadãos e dos direitos e
deveres dos cidadãos relativamente aos poderes públicos, bem como as relações
entre as diversas comunidades políticas – tudo na linha do Evangelho e na
leitura atenta dos sinais dos tempos.
***
Enfim, tantos motivos para reflexão e ação!
2018.11.16 – Louro de Carvalho
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