O centenário
do Armistício da I Grande Guerra, firmado em 11 de novembro de 1918, foi assinalado
em Lisboa, no passado dia 4 de novembro, onde estiveram presentes e desfilaram cerca
de 4600 ex-combatentes de cinco países diferentes (Portugal, Alemanha, França, Estados
Unidos e Reino Unido),
acompanhados por 11 aeronaves militares – numa inédita iniciativa da Liga dos
Combatentes e do EMGFA (Estado-Maior-General
das Forças Armadas) sob
a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e Comandante
Supremo das Forças Armadas, que discursou às 11,30 horas, na presença do
Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, do
Primeiro-ministro, António Costa, do Ministro da Defesa Nacional, João Gomes
Cravinho, e dos ex-Presidentes da República António Ramalho Eanes e Jorge
Sampaio.
Com efeito,
a Avenida da Liberdade fechou para acolher as comemorações dos 100 anos do fim daquele
conflito mundial. E foi para “homenagear
a paz e honrar a memória de todos os que lutaram e morreram pela Pátria”,
segundo a escolha temática das Forças Armadas Portuguesas (FAP), que tantos
antigos combatentes desfilaram pela cidade numa cerimónia que impôs grande
condicionamento ao trânsito de Lisboa no passado fim de semana. Além disso, segundo o porta-voz do EMGFA,
chefiado pelo almirante António Silva Ribeiro, a cerimónia pretendeu ainda “estimular o orgulho nacional” e ser “um ato de cidadania”.
Ex-militares
da Armada, Exército, Força Aérea, Guarda Nacional Republicana, polícias da
Polícia de Segurança Pública e alunos do Colégio Militar e do Instituto dos
Pupilos do Exército, portugueses, alemães, norte-americanos, franceses e
ingleses deram corpo ao, segundo os observadores, maior desfile militar em 100
anos a assinalar o dia que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, em que participaram
100 mil homens portugueses (morreram 7.500, além dos feridos e apanhados pelo gás) integrados na força aliada, combatendo em Angola (1914-1915), em Moçambique (entre 1914 e 1918), para defesa das colónias portuguesas, e em França (1917 e 1918).
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As cerimónias
iniciaram-se às 11 horas, com Honras Militares ao Presidente da República,
revista das forças em parada ao longo da Avenida e homenagem aos mortos, com a
deposição de uma coroa de flores e o sobrevoo por quatro aeronaves F-16.
Partindo do Marquês do Pombal, o desfile durou cerca de duas horas e terminou
nos Restauradores.
Através da
conta de Facebook, as FAP elaboraram uma infografia para explicação do que se
encontraria no domingo. Além das
aeronaves, desfilaram 111 viaturas e motos das forças de segurança, 86 cavalos,
78 viaturas das Forças Armadas e estiveram dois navios fundeados (uma
fragata e um navio de patrulha oceânico) no Tejo junto ao Terreiro do Paço.
A cerimónia
evocativa dos cem anos do fim da I Guerra Mundial (1914-1918) começou com a chegada do Presidente
da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, que passou revista às
forças em parada e discursou depois da homenagem aos mortos, com a deposição de
uma coroa de flores. Em seguida, começou o desfile no sentido descendente da
Avenida da Liberdade, a partir do Marquês de Pombal até aos Restauradores,
reunindo cerca de 4.600 elementos, dos quais 3.437 militares das
Forças Armadas, 390 militares da GNR, 390 polícias da PSP e 160
antigos combatentes. Estiveram ainda representadas, como se disse, as
forças armadas da Alemanha, EUA, França e Reino Unido, com 80 militares, e o
Colégio Militar e os Pupilos do Exército, com 180 alunos.
O
Chefe de Estado, após colocar uma coroa de flores junto ao Monumento Nacional de Homenagem
aos Mortos da Grande Guerra, durante o momento que lembrou os mais de 7 mil
portugueses que morreram no conflito, fez um discurso breve em que lembrou os
“que se bateram por terra, pelo mar e pelo ar, todos quantos puderam, há um
século, celebrar o dia da vitória da paz”, e declarou enfaticamente:
“Esses
heróis lutaram pela compreensão contra o ódio, pela liberdade, contra a
opressão, pela justiça, contra a iniquidade, pela Europa aberta, contra a
Europa fechada, o mundo solidário contra o mundo dos egoísmos, das xenofobias,
das exclusões. Não toleraremos que se repita a sangrenta divisão da
Europa. Não toleraremos que se repita perder-se a paz, ganha com
tantas mortes às mãos de aventureiros criadores de novas guerras, não toleraremos que se repita o uso das
Forças Armadas ao serviço de interesses, pessoas, grupos ou de jogos de poder,
enquanto soldados se batiam pela Pátria e pela Humanidade.”.
Marcelo recordou ainda várias histórias particulares de militares
portugueses – “das trincheiras de França,
ao Atlântico ou nos desertos de Angola e Moçambique” – e acabou por incluí-las
de uma forma geral “na pessoa do soldado
Milhões”. E proclamou:
“Hoje mais do que
nunca queremos afirmar os valores que nos identificam como Nação e na relação fraterna com nações aliadas e
amigas aqui representadas: o primeiro dos quais é a dignidade da pessoa humana”.
Além de
afirmar que, sem as Forças Armadas, “não
há liberdade nem segurança nem democracia nem paz” e que quem, “dentro ou fora, isto não entender, não
entendeu nada do passado nem do presente nem do futuro de Portugal”,
Marcelo anunciou a condecoração dos três ramos das Forças Armadas (Exército, Armada e Força Aérea) que
combateram na I Guerra Mundial com a Ordem
Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito.
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Quanto às
medidas especiais de segurança, a Avenida da Liberdade esteve delimitada em
zonas para o público, com gradeamentos e carris antiveículo. A operação não
previu o rígido controlo de acessos, mas envolveu alguns
milhares de polícias de várias unidades face ao risco significativo que a PSP
associa a iniciativas desta dimensão e com a presença de altas entidades.
E, apesar
de o desfile vir a acontecer apenas no dia 4 de novembro, os condicionamentos
ao trânsito da cidade começaram no dia 2. O trânsito esteve totalmente
interrompido a partir das 8 horas de
domingo na Avenida da Liberdade e nos acessos entre a Praça do Marquês de
Pombal e o Rossio, no túnel do Marquês de Pombal e a partir do viaduto Duarte
Pacheco, na rua Barata Salgueiro e entroncamento com a Rua Mouzinho da
Silveira. E a
Alameda Cardeal Cerejeira e a Alameda Edgar Cardoso estiveram encerradas à
circulação desde as 22 horas do dia 2 até às 12,30 do dia 4.
No local
da cerimónia, houve os cortes necessários ao tranquilo desenvolvimento das
atividades previstas.
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Há, no entanto, quem assegure que maior
que esta houvera uma outra parada militar (e desfile) e com real significado
político-militar, a 25 de Abril de 1977, a primeira de Eanes, Presidente da
República e CEMGFA. Segundo o jurista João Gonçalves, em artigo de opinião no JN, de 5 de novembro, Ramalho Eanes,
dirigindo-se ao país através dos militares em parada e com a autoridade que lhe
advinha do sufrágio popular e da própria tropa que pusera na ordem após 25 de novembro
de 1975, sublinhou a “imagem de coesão, unidade e disciplina” das FAP,
declarando que elas “só à nação” pertencem.
Diz o articulista que “este conceito estratégico fundamental da
ligação perene dos militares com a nação, e vice-versa” tem andado perdido
desde o fim do serviço militar obrigatório, ofuscado que está pela “retórica político-partidária de
circunstância e por peripécias pouco edificantes para as instituições do Estado
de direito”. E anota que o que recentemente se passou em Tancos e que todos
veem que foi utilizado como arma de arremesso partidária e desvalorização das
Forças Armadas e da sua relação com o poder político, nos remete para o que se
passou em Tancos há cem anos discorrendo:
“Naquela altura,
nem o oficialato nem os soldados desejavam combater num exército impreparado
para tal. […].Tudo foi preparado a correr, justamente em Tancos, sob as ordens
do então ministro da Guerra, e posteriormente luminária da ‘oposição’, o
coronel Norton de Matos. […]. Improvisou tropas, comandos e armamento e, após
algumas revistas cerimoniais, mandou tudo para França, sem se preocupar
excessivamente com as condições de vida e de luta do Corpo Expedicionário que
criara como pura peça de propaganda, o CEP, também conhecido à época pelos Carneiros Exportados de Portugal.”.
O jurista entende que não há motivo para
celebrar o fim da guerra, que foi um rotundo fracasso para os portugueses, em
vez do então esperado milagre, aduzindo que “a estátua onde Marcelo depôs uma singela coroa de flores perpetua esse
fracasso patriótico pelo qual os democráticos de Afonso Costa e os bonzos seus
aliados, foram os únicos responsáveis”. No entanto, ironiza amargamente
que, à espera de um segundo ‘milagre de Tancos’, por motivos mais prosaicos e
já quase do foro da superstição” (que tudo seja investigado custe o que
custar), Marcelo prometeu não tolerar – e,
supostamente, a nação ainda menos – “que se repita o uso das Forças Armadas
ao serviço de interesses, pessoas, grupos ou de jogos de poder”.
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Ao invés do mencionado jurista, penso
que o fim da guerra deve ser comemorado de várias formas, incluindo a vertente
militar, mas sobretudo pela via pedagógica da educação para a paz como estilo
de vida e relação e de trabalho pela justiça social e pela valorização e apreço
das instituições que nos podem e devem assegurar a defesa e a segurança.
Além disso, não interessa tanto
evidenciar as razões da participação na guerra há 100 anos, que devem
efetivamente ser estudadas e ponderadas, como evitar novas guerras e honrar a
memória daqueles que ali combateram, dos quais largos milhares tombaram em
obediência àquilo que lhes fizeram crer que era o desígnio nacional. Com
efeito, a História estuda-se, discute-se e emenda-se na escrita e sobretudo na
sua condução, mas assume-se!
***
O próprio Vaticano, como refere o Vatican News, fez memória do armistício
de Pádua, firmado a 3 de novembro de 1918 (antecedendo o de 11 de novembro), que pôs termo
à guerra entre a Itália
e o Império Austro-Húngaro, enfraquecendo a vontade do Império Alemão que ainda
persistia em opor-se aos Aliados. Depois de 17 milhões de mortos, concluía-se
um dos mais sangrentos conflitos do século XX.
Na verdade,
o armistício assinado na Villa Giulia, nos arredores de Pádua, foi o único que
o Império Austro-Húngaro assinou com a Entente,
pondo fim à guerra entre a Itália e a Áustria-Hungria, no quadro da I Guerra
Mundial, iniciada para a Itália a 24 de maio de 1915, 10 meses após o início da
guerra. As discussões entre o general Viktor Weber von Webenau e Pietro Badoglio, vice-chefe do Estado-Maior italiano, duraram dois
dias, de 1 a 2 de novembro sem que chegassem a acordo. Porém, a 3 de novembro,
Weber assumiu pessoalmente a iniciativa e, para evitar outras mortes e
sofrimentos, às 15,20 horas assinou o armistício nos termos propostos por
Pietro Badoglio. A este respeito, o Papa Bento XV referira:
“Nesta angustiante situação, na presença de
uma grave ameaça, Nós, não por alguma visão política particular, nem por
sugestão ou interesse de qualquer uma das partes beligerantes, mas movidos
unicamente pela consciência do supremo dever do Pai comum dos fiéis, mas por
solicitação dos filhos que invocam a Nossa intervenção e a Nossa palavra
pacificadora, pela mesma voz da humildade e da razão, renovamos o nosso grito
de paz e renovamos um premente apelo aos que têm em mãos o destino das Nações”.
Assim se
concluía um dos mais sangrentos capítulos do século XX (fez, pelo menos, 17 milhões de mortos), o da I Guerra Mundial ou, como a definiu
profeticamente Papa Bento XV na Carta aos Chefes dos Povos Beligerantes, da
inútil tragédia, dizendo:
“Animados pela suave esperança (…) de chegar o quanto antes ao final
dessa violenta luta, que, a cada dia que passa, parece mais uma inútil tragédia”.
***
Só lamento que esta parada e desfile
militares e/ou ex-militares tenha sido preparada quase no segredo dos deuses e
não acompanhada de uma forte atividade de sensibilização dos portugueses para o
conceito estratégico nacional, soando a um remendo mal cosido ao tecido do caso
de Tancos, que deteriorou as relações instituição castrense – órgãos de
soberania nacional, e sem que se possa afirmar que foi um contributo eficaz para
que a UE não venha a descambar no caos da desintegração. O país merece mais e
melhor e as FAP também!
2018.11.05 – Louro de Carvalho
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