segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A amizade e colaboração entre Portugal e Angola são fundamentais


Quem o disse foi o Presidente da República Popular de Angola que esteve em Portugal, na sua primeira visita de Estado, entre os dias 22 e 24 deste mês de novembro, com a normalização das relações entre os dois países (em bom ponto) e a pertinente regularização das dívidas às empresas portuguesas em pano de fundo (o Governo angolano já certificou dívidas às empresas portuguesas no valor de 200 milhões de euros e, deste valor, já pagou 100 milhões). Mas entendeu não ser oportuno visitar a sede da CPLP por se tratar de uma entidade multilateral e a visita ser de âmbito bilateral.
José Eduardo dos Santos, então Presidente angolano, foi recebido, em fevereiro de 2009, em Portugal pelo Chefe de Estado, Cavaco Silva, que, um ano depois (julho de 2010), retribuiu a deslocação viajando para Luanda. Os dois chefes de Estado acordaram as bases duma parceria estratégica que não saiu do papel, em parte pelo desconforto de Angola com as investigações da Justiça, em Portugal, a elementos da elite angolana próximos de Santos. A crispação subiu de tom em 2017, ao avançar a acusação em Portugal contra Manuel Vicente, à data vice-Presidente da República de Angola, por suspeitas de corrupção sobre um magistrado português, quando era presidente da petrolífera Sonangol. E o desanuviamento das relações e do episódio que ficou conhecido como o “irritante”, só chegou em maio deste ano, com o Tribunal da Relação de Lisboa a enviar o processo de Vicente, ora deputado, para as autoridades judiciárias angolanas, como era pretensão do próprio Chefe de Estado.
Desta vez, em conferência de imprensa conjunta no Palácio de Belém, João Lourenço referiu que os amigos se devem visitar mutuamente, pois “os amigos querem-se juntos”. E assumiu que pretende “esquecer que o petróleo existe e passar a viver com outras formas de economia, para o que espera o contributo dos homens de negócios portugueses”.  E anunciou que, nesta linha de amizade entre os dois países, o Presidente de Portugal visitará Angola no próximo ano, em “data a acertar pelas diplomacias”. Por seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu que é necessário corrigir os erros do passado e retomar as relações positivas com Angola.
Na sua intervenção no Palácio de Belém, no início da visita de Estado, Lourenço declarou:
Vamos assinar 12 instrumentos de cooperação, apenas 12 (afinal, foram 13) porque não pretendemos esgotá-los enquanto o Presidente Marcelo não visitar Luanda. […]. Estamos a dar oportunidade de, durante a sua visita a Angola no próximo ano, em data que as diplomacias vão acordar, podermos também assinar instrumentos de cooperação que venham consolidar os nossos laços de amizade e cooperação económica.”.
Nesta visita de três dias, o primeiro decorreu em Lisboa, o segundo no Porto e o terceiro em visita à Base Naval e ao Arsenal do Alfeite.
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O Presidente português recebeu, no dia 22, o Presidente angolano, na praça do Império, em Lisboa, sob forte chuvada – que cessou à chegada do visitante – e com dezenas de turistas a assistir. Acompanhavam o Chefe de Estado visitante e a primeira-dama, Ana Dias Lourenço, entre outros membros do Governo vários ministros de Angola, como o das Relações Exteriores, o das Finanças, o do Interior, o das Obras Públicas e o da Cultura. Depois das cerimónias protocolares (hinos nacionais dos dois países e revista à tropas em parada). Marcelo deixou o local, passando o Presidente angolano e a primeira-dama a colocar uma coroa de flores no túmulo de Luís de Camões, no interior do mosteiro dos Jerónimos. E, em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu o seu homólogo angolano, a quem atribuiu o Grande-Colar Ordem do Infante Dom Henrique e disse antever “novo e promissor ciclo” nas relações bilaterais. Entretanto, Lourenço visitou o INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrícola e Veterinária), em Oeiras. E, às 15 horas, o Chefe do Estado angolano e o Presidente do Parlamento Ferro Rodrigues discursaram em sessão solene da Assembleia da República, após o que Lourenço seguiu para a Câmara Municipal de Lisboa, onde recebeu a chave da cidade das mãos do presidente da autarquia, Fernando Medina. À noite, o Presidente Marcelo ofereceu um banquete ao seu homólogo no Palácio Nacional da Ajuda. E, no Porto, o Presidente angolano participou num seminário económico e, a seu tempo, teve o encontro oficial com o Primeiro-Ministro António Costa, bem como os encontros com outros governantes e a comunidade angolana residente em Portugal.
Diplomatas e deputados destacaram a “distinção rara”, reservada aos “amigos” e aliados mais próximos. Com efeito, a última vez que um chefe de Estado estrangeiro discursou numa sessão solene no Parlamento português foi em 2016 (o rei de Espanha, Filipe VI), antes disso fora em 2010 (Armando Guebuza, de Moçambique) e em 2004 (Joaquim Chissano, também de Moçambique).
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Entretanto, umas “pedras” foram atiradas à visita do Chefe de Estado de Angola. Efetivamente, o ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos apareceu em público, no dia 22, para responder ao sucessor em relação às declarações deste ao Expresso de que, ao chegar à Presidência, tinha os cofres vazios. Santos fez uma declaração sem direito a perguntas, na sede da sua fundação, para esclarecer a forma como conduziu o país durante 38, referindo que, em setembro de 2017, na passagem de testemunho, deixou 15 mil milhões de dólares (13,1 mil milhões de euros) no BNA (Banco Nacional de Angola) como reservas internacionais líquidas a cargo do governador do BNA sob orientação do Governo e garantindo que deixou um orçamento do Estado pronto para Lourenço, mas que este preferiu elaborar um novo, atrasando o processo. E a mui rica empresária angolana, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente, carpiu as desigualdades e a sorte dos pobres, alertando que “a situação está a tornar-se cada vez mais tensa, com a possibilidade de se juntar à crise económica existente, uma crise política profunda”.
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Nos três dias da sua visita oficial a Portugal, o Presidente angolano assinou 13 acordos de caráter bilateral, proferiu mais duma dezena de intervenções e pediu, por várias vezes, aos “investidores para fazerem as malas e irem para” o seu país “em força”, em especial “os empresários pequenos e médios de praticamente todos os ramos da economia”. No encontro com os jornalistas portugueses, no dia 24, garantiu não existirem atualmente “obstáculos no caminho das relações” entre os dois países como ficou comprovado pelo número de acordos ora assinados e a que somarão outros, já no início de 2019, quando o Presidente de Portugal se deslocar a Angola.
E, recordando os “séculos de convivência e intercâmbio entre culturas, língua, hábitos e costumes” dos dois países, enfatizara no dia 23:
A proximidade entre as visitas deve ser entendida como um sinal de vitalidade das nossas relações e da vontade que ambos os governos e países expressam no sentido de superarmos os pequenos obstáculos que podiam, eventualmente, dificultar ou atrasar a execução de importantes projetos de interesse comum”.
Com efeito o Presidente angolano comprometeu-se, na sexta-feira, com um “clima desanuviado” na nova fase das relações entre Angola e Portugal, assumindo que o momento é de explorar “ao máximo” as “vastas oportunidades” que agora se abrem entre os dois países. Discursando numa receção a dezenas de convidados portugueses e angolanos num hotel da capital portuguesa, no último momento público da sua visita de Estado a Portugal, na presença do Presidente da República português, referiu que, nesta visita, se puderam abordar com os interlocutores portugueses todos os aspetos que permitem solidificar “as bases sobre as quais assentarão, doravante, as relações” entre os dois países. E disse:
O nosso compromisso comum é o de cultivar e manter entre Angola e Portugal um clima desanuviado nos contactos entre políticos, agentes económicos, homens de cultura e de ciência, fazedores de opinião e outros, que contribua para explorarmos ao máximo as vastas oportunidades que se abrem nas nossas relações e que às vezes as desperdiçamos”.
Lourenço recordou, a propósito da nova fase nas relações entre os dois países, que esta visita de Estado surge cerca de dois meses depois de o Primeiro-Ministro português ter visitado Luanda. E, em resposta a uma pergunta do Diário de Notícias/Plataforma, deixou pistas sobre o seu futuro político, admitindo abertamente ter “o direito de lutar por um segundo mandato”, em 2022, durante o qual espera concretizar a que elegeu como uma das prioridades da sua governação: a autossuficiência alimentar de Angola, meta de que espera aproximar-se “ainda no primeiro mandato, se for possível”.
Foram também obtidas garantias do governo de Costa para a identificação e repatriamento de capitais angolanos ilicitamente colocados em Portugal. E, noutro plano, foi garantida a presença de capitais da Sonangol no Millenium BCP (“nós sossegámos essa empresa, para dormir descansada”, disse). A permanência da Sonangol no capital do Banco prende-se com o processo de redefinição das prioridades de investimento da petrolífera. Das cerca de 100 empresas em que a Sonangol está presente, estão identificadas “52 empresas”, a nível global, das quais ela se deve retirar.
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Entre os pontos de cooperação em curso, consta a formação da parte da AT (Autoridade Tributária) portuguesa a quadros intermédios e superiores de Angola para a introdução do IVA naquele país (no âmbito das faturas e dos programas informáticos certificados) – exigência que o FMI (Fundo Monetário Internacional) fez ao Governo angolano, incluída no programa de assistência financeira. A entrada em vigor do IVA, prevista para janeiro de 2019, foi adiada para julho de 2019 (com a anuência do FMI) pelos responsáveis governamentais adiaram a sua introdução. Com esta exigência, abrem-se mais oportunidades para as empresas portuguesas ligadas à informático e à contabilidade expandirem a atividade para aquele país. Outro item fiscal relaciona-se com a convenção entre Portugal e Angola a obviar à dupla tributação dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC). O texto assinado a 18 de setembro, em Luanda, pelo Ministro das Finanças angolano, Archer Mangueira, e pelo Secretário de Estado das Finanças português, Mourinho Félix (que o nosso Conselho de Ministros já aprovou e enviou à Assembleia Nacional de Angola) permitirá o fluxo mais rápido de investimento entre os dois países.
Outros setores importantes na visita são os da Saúde e da Educação. Na Saúde, a Ministra Sílvia Lutucuta promoveu a assinatura de protocolos com unidades hospitalares portuguesas para diminuir as listas de espera em Angola ao nível das cirurgias. E, na Educação, a ideia é estabelecer a escolaridade obrigatória, obrigando à contratação de professores portugueses.
A agricultura, as pescas e o turismo foram, aliás, expressamente referidas como áreas de interesse para a presença portuguesa pelo dirigente angolano neste sábado.
Por sua vez, a Banca angolana quer abrir canais de financiamento. Assim, aterraram com Lourenço em Portugal o Governador do BA (Banco de Angola), José Massano, se encontrou com o seu homólogo Carlos Costa, e os líderes dos 4 principais bancos angolanos. Um deles é Sanjay Bashin, do Banco Económico (ex-BESA), pois as instituições financeiras angolanas pedem ajuda à nossa banca para a abertura de canais de financiamento a projetos no setor agrícola. 
O Ministro das Relações Exteriores angolano referiu que o país quer “a ajuda de todos os países e governos e instituições” para o repatriamento de capitais, desvalorizando a nacionalidade do detentor. Assim declarou em Luanda:
O que procuramos é o repatriamento, independentemente da nacionalidade de quem tenha os capitais, desde que sejam comprovadamente angolanos e ilegalmente transferidos, pois andamos à procura da bola e não do jogador”.
Entre os acordos ora assinados figuram os de cooperação na área do ensino superior, ciência e tecnologia e formação de professores, memorandos de entendimento no setor do turismo e da juventude e desportos, parcerias nas áreas da engenharia, investigação científica e da justiça.
Além dum protocolo para formação e investigação no setor agroalimentar com o objetivo de alcançar “autossuficiência alimentar” e a “promoção de culturas em que Angola tem tradição”, como é o caso do café, cacau, palmar e caju para reduzir a saída de divisas, como explicou o Ministro da Agricultura, Marcos Nhunga, falando no final da visita de Lourenço ao INIAV.  
Para a visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola no próximo ano ficarão os acordos na área da saúde e da simplificação de vistos, além de outros instrumentos ainda em negociação.
E Lourenço garantiu não haver “instabilidade em Angola” mercê do combate à corrupção e a outras práticas fraudulentas que desencadeou desde a chegada da Presidência, apesar de estarem em causa figuras anteriormente ligadas aos círculos do poder, como os filhos do ex-Presidente.
Também a AICCOPN (que representa as construtoras) considera “sinal muito positivo” e “bom indício” o anúncio da certificação de dívidas de 200 milhões de euros às empresas portuguesas.
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O encontro do chefe de Estado angolano com os nossos media ficou marcado por um incidente: Ulika dos Santos, angolana que se identificou de origem ovimbundu, como a do Presidente, e como filha de vítimas dos acontecimentos de 27 de maio de 1977 em Luanda, quis interpelá-lo. O presidente preparava-se para responder a uma pergunta sobre a atitude do seu Governo face ao que, na época, foi caraterizado como tentativa de golpe de Estado duma fação do MPLA contra Agostinho Neto, sendo que a repressão subsequente foi violenta e, além dos alegados golpistas, foram mortas e presas milhares de pessoas. Ulika queria ler um poema do pai escrito quando esteve detido no campo de São Nicolau em 1973 (ainda na época do regime colonial). O Presidente permitiu que ela falasse, mas não deixou que lesse o poema, notando que mais importante que a origem étnica da interlocutora, o que conta é ser angolana e “não dá privilégio absolutamente nenhum” ter nascido numa determinada localidade ou ser parte dum grupo específico.
O governante diz-se consciente de estarem por “reparar as feridas profundas que ficaram nos corações de muitas famílias” na sequência daqueles “tristes acontecimentos”, em que perderam a vida alguns dos “melhores filhos” de Angola.
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A bem da convivência bilateral e do interesse recíproco, é de saudar o bom estado das relações diplomáticas e o propósito de combate à corrupção e às outras fraudes. Porém, dificilmente se pode garantir a eficácia desse combate num país que precisa de quase tudo a nível das infraestruturas (foram muitos anos de guerra e destruição e a base da economia era o petróleo e os diamantes). Também não se pode garantir que a estabilidade política não seja quebrada, sendo de pensar o aviso de Isabel dos Santos. Contudo, faz bem Portugal (Estado e empresas) em ajudar no que pode e investir em Angola. Mas não passa de retórica o propósito de cooperar no repatriamento de capitais. Como agora? De intenções hipócritas e de ingenuidade tola está o inferno repleto!
2018.11.26 – Louro de Carvalho   

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