Referiu a
agência Lusa, a 8 de novembro, que um grupo de cientistas descobriu o
mais antigo desenho de um animal: uma silhueta vermelha dum espécime parecido
com um touro na parede de uma caverna na Indonésia – um desenho com
pelo menos 40 mil anos, um pouco mais velho que pinturas de animais semelhantes
encontradas em cavernas de França e de Espanha.
Até há
alguns anos, os especialistas acreditavam que a Europa era o sítio onde os nossos
antepassados começaram a desenhar animais e outras figuras. Porém, a idade do
desenho divulgada, a 7 de outubro, pela revista Nature, com descobertas anteriores no sudeste asiático, sugerem que
o desenho figurativo apareceu em ambos os continentes no mesmo período.
Maxime
Aubert, arqueólogo e geoquímico da Universidade Griffith, em Queensland, na Austrália – o autor do artigo publicado na susodita revista – afirma
que estas novas descobertas vêm alimentar discussões sobre se eventos
históricos ou evolutivos provocaram essa quase simultânea “explosão de
criatividade humana”.
É certo que
as cavernas de calcário no Bornéu são conhecidas desde a década de 1990 por
conterem desenhos pré-históricos. E Aubert e os colegas investigadores deram a
conhecer em 2014 a arte rupestre da ilha vizinha de Celebes. Mas agora, com a
descoberta do desenho na caverna no Bornéu, os cientistas são capazes de
construir uma linha do tempo aproximada de como a arte se desenvolveu na área.
E, além da imagem do touro, com cerca de 1,5 metros de largura, foram
encontrados “stencils” de mãos de cores vermelha e roxa e
pinturas rupestres de atividades humanas. Assim, para Aubert, depois de grandes
desenhos de animais e “stencils”, “parece que o foco mudou para
mostrar o mundo humano”.
Há cerca de
14 mil anos, os habitantes das cavernas começaram a desenhar regularmente figuras
humanas a dançar e caçar, transição similar em temas de arte rupestre que sucedeu
nas cavernas da Europa – o que, para Peter Veth, arqueólogo da Universidade da
Austrália Ocidental, que não esteve envolvido no estudo, “é muito interessante,
do ponto de vista humano”, pois, como acentua, “as pessoas adotaram estratégias
similares em diferentes ambientes à medida que se tornaram mais modernas”.
A ilha do
Bornéu ainda estava ligada ao sudeste asiático há cerca de 40 mil anos, quando foram
feitos os primeiros desenhos figurativos – período em que os primeiros humanos
modernos chegaram à Europa, sendo que os primeiros desenhos de animais na
caverna francesa de Chauvet foram datados de há 33.500 a 37.000 anos. E ainda
não está claro se novas ondas de pessoas que migraram de África trouxeram a
técnica da pintura rupestre figurativa com elas ou se essas artes emergiram
mais tarde. Os cientistas têm apenas um registo parcial da arte rupestre
global. As primeiras gravuras de cavernas foram encontradas em África e incluem
desenhos abstratos datados de há cerca de 73 mil anos.
A próxima
etapa da pesquisa na Indonésia incluirá escavações para aprender mais sobre as
pessoas que fizeram essas pinturas. Alguns locais já foram identificados,
contendo ossos humanos, joias pré-históricas e restos de pequenos animais.
***
Por seu turno, no DN, do dia 7 de
novembro, afirma-se que a história tem de ser reescrita, pois os primeiros
artistas que fizeram pinturas figurativas nas paredes e tetos de grutas viveram
no Bornéu há mais de 40 mil anos. E enfatiza-se:
“Mãos – muitas mãos –, com os
contornos bem marcados, em cores fortes, e figuras de animais. Descobertas nas
paredes e nos tetos de uma rede de grutas que se estende através do subsolo, na
província de Kalimantan, na parte indonésia da ilha de Bornéu, estas são as
pinturas rupestres figurativas mais antigas que se conhecem, garante uma equipa
internacional de cientistas. Um
recorde com implicações para a história.”.
Segundo o DN, não se fixa, uma
datação exata para as pinturas do Bornéu, mas a sua situação num intervalo de
40 a 50 mil anos. Seja como for, os investigadores que fizeram a datação
garantem que isto muda muito daquilo que até agora se pensava sobre a primeira
arte figurativa humana. Para já, altera a ideia de que as primeiras
representações de figuras de animais e de mãos humanas surgiram na Europa
Ocidental.
Reitera-se que as pinturas rupestres das grutas de
Sangkulirang-Mangkalihat, em Kalimantan, território indonésio do Bornéu, já
eram conhecidas desde da década de 1990, mas frisa-se que a datação rigorosa
não tinha sido possível, dada a extrema dificuldade de acesso ao local. Porém,
isso mudou: a aludida equipa de
investigadores indonésios e australianos, liderada por Aubert, foi lá e conseguiu
recolher uma série de amostras dos diferentes locais onde há pinturas, vindo a
verificar que “a idade das mais antigas
suplanta a das outras, que já eram conhecidas, nomeadamente as das diferentes
zonas da Europa Ocidental”.
Para datar aquelas pinturas, a
equipa recorreu a uma técnica de datação radiométrica dos depósitos de
carbonatos de cálcio. E o chefe da equipa explicita:
“A pintura mais antiga que encontrámos na
gruta representa um animal não identificado, provavelmente uma espécie bovina
selvagem da floresta do Bornéu, que tem pelo menos 40 mil anos e que é agora a
pintura figurativa mais antiga que se conhece”.
No atinente às representações das mãos, marcadas na pedra por meio de
contornos coloridos muito bem definidos (fazem lembrar
as pinturas das crianças no jardim de infância, que pintam o papel em volta das
próprias mãos), a datação mostra que têm uma idade idêntica (podendo chegar os 52 mil anos).
São agora estas as pinturas mais antigas
conhecidas, ultrapassando as congéneres da Europa do top de antiguidade e da posição
referencial como origem geográfica desta manifestação artística humana primeva. E o especialista Adhi Oktaviana, do Instituto
Indonésio de Arqueologia Arkenas (Jacarta), diz que esta descoberta mostra como a história
do surgimento da arte rupestre é mais complexa do que se supunha, para lá do muito que ainda não se
sabe.
Por sua vez, Pindi Setiawan, do Instituto de Tecnologia de Bandung, na
Indonésia, outro dos autores do estudo, acentua que não se sabe, desde logo,
quem foram os autores destas primeiras pinturas murais no Bornéu, ou seja, “quem
eram e o que lhes aconteceu é um mistério”. O que se sabe é que aquela manifestação
artística surgiu ali num tempo em que o Bornéu era o extremo leste da Eurásia,
pois, como já foi afirmado, aquele território ainda estava ligado na época ao
grande continente, sendo isso que ajuda a colocar as coisas numa nova perspetiva.
E o arqueólogo Adam Brumm (também da universidade australiana de Griffith), coautor do estudo, resume:
“O que agora se percebe é que estas manifestações de arte surgiram
paralelamente, e mais ou menos na mesma altura, nos dois pontos extremos da
Eurásia do Paleolítico, ou seja na zona da Europa Ocidental e nesta região da
Indonésia”.
Além destas, as grutas do Bornéu têm muitas representações pictóricas mais tardias
(datam de há cerca de 20 mil anos), entre as quais mais desenhos de animais e de mãos, além de figuras
humanas. Esta variedade de épocas e de representações, como dizem os
cientistas, prova que aquela rede de grutas serviu de ‘tela’ a sucessivas
gerações daqueles primeiros artistas humanos do Oriente.
***
Todavia, há que lembrar o artigo de Lucinda Canelas,
no Público de 7 de novembro de 2014
sob o título “Afinal, a pintura mais
antiga do mundo não está na Europa”. Já o seu texto propalava:
“Identificadas
pinturas com pelo menos 40 mil anos em grutas na Ilha de Celebes, na Indonésia.
O estudo na revista Nature defende que a produção artística no
Sudeste asiático é contemporânea da europeia, se não mais antiga.”.
E referia que
as pinturas que adornam as paredes de várias grutas calcárias na ilha indonésia
de Celebes, entre o Bornéu e as Molucas, nos arredores da cidade de Maros, têm pelo
menos 40 mil anos e “fazem lembrar as
brincadeiras das crianças com tintas, mas são, na realidade, produto das
primeiras manifestações artísticas do homem”.
Atestando
que as pinturas rupestres daquelas grutas calcárias já eram conhecidas há 50
anos, mas que só em 2014 foram datadas por peritos australianos e indonésios
das universidades de Griffith e Wollogong, que publicaram as suas conclusões na
revista científica Nature, já sustentavam os cientistas que os dados recolhidos
mostram que o homem moderno do Sudeste asiático começou a pintar pelo menos ao
mesmo tempo que o europeu. Aubert dizia então:
“Presume-se
com frequência que a Europa foi o centro das mais antigas explosões da
criatividade humana, em particular da arte das cavernas, há cerca de 40 mil
anos. Mas as datas da nossa arte rupestre de Celebes mostram que, por volta da
mesma altura, do outro lado do mundo, as pessoas desenhavam animais tão
extraordinários como os das grutas da Idade do Gelo de França e Espanha.”.
As pinturas
mostram mãos – 12 stencils (impressões em negativo), feitos espalhando tinta numa rocha contra a qual se pôs a
mão – e dois animais (um
deles um babirusa, espécie de porco
autóctone do arquipélago indonésio). Uma das mãos, segundo a equipa, “é agora o mais antigo
exemplar desta forma de arte rupestre, ao passo que um dos desenhos dos
mamíferos – um babirusa fêmea com pelo menos 35.400 anos – estará certamente
entre as representações figurativas mais precoces”.
A ideia de
que a arte nascera na Europa baseava-se nas pinturas rupestres, algumas de
grande espetacularidade, descobertas no continente, sendo a mais antiga um
disco vermelho indefinido em El Castillo (Espanha)
com 41 mil anos, a par dos cavalos e rinocerontes de Chauvet (França), representações já muito complexas e de grande
movimento, com pelo menos 30 mil anos.
Embora
as pinturas de Celebes fossem conhecidas há mais de 50 anos, não tinha
havido ainda qualquer tentativa para as datar. Dizia-se até, sem certezas, que
não teriam mais de dez mil anos por se supor não poderem resistir mais tempo do
que isso num clima tropical, como escreve Wil Roebroeks, especialista em
evolução humana da Universidade de Leiden, na Holanda, num artigo que acompanha
o estudo na Nature e a que deu o título de Art on the move.
Para determinar
a datação, os cientistas apuraram o rácio de urânio e de isótopos (formas) de tório existentes em pequenas formações
semelhantes a estalactites (as “pipocas das cavernas”) que cresceram sobre as imagens. E aplicaram o método (baseado em técnicas de datação radiométrica) a 14 pinturas distribuídas por sete
grutas, mostrando que foram executadas entre 39.900 e 17.400 anos, mas advertindo
para o facto de se tratar de datações mínimas, o que significa que, na
realidade, as pinturas podem ser muito mais antigas. Sustentava então a equipa
que as pinturas do Paleolítico europeu que vem surpreendendo gerações nas
grutas de Chauvet e Lascaux terão raízes mais profundas. E o já mencionado Adam
Brumm, que coordenou o estudo com Aubert e os indonésios Muhammad Ramli e
Budianto Hakim, que identificaram já 90 sítios com pinturas na ilha, além de
centenas de figuras e stencils isolados, explicava:
“Na
realidade, as pinturas nas grutas e outras formas de expressão artística com
elas relacionadas faziam muito provavelmente parte das tradições culturais dos
primeiros homens modernos que saíram de África para a Ásia e a Austrália, muito
antes de chegarem à Europa”.
E Brumm
disse ao britânico The
Guardian
“O
que significavam estes stencils de mãos para os artistas pré-históricos de Celebes continua a ser um
mistério, assim como a razão por que os criaram em tão grande número”.
Sobre a
importância desta arte, Thomas Sutikna, outro dos autores do estudo,
assegurava, num comunicado da Universidade de Wollogong, que é um dos primeiros
indicadores da existência de pensamento abstrato, que “é o que faz de nós humanos tal como nos conhecemos”. E, no mesmo
documento, Anthony Dosseto, que também assina o artigo da Nature, sublinhava:
“Agora
os europeus já não podem alegar terem sido, em exclusivo, os primeiros a desenvolver
uma mente abstrata. “Têm de partilhar [esse feito], pelo menos, com os
primeiros habitantes da Indonésia.”.
Para o holandês
Wil Roebroeks, especialista em arqueologia paleolítica e em evolução, a
contemporaneidade das duas produções artísticas, europeia e a asiática, é uma
“descoberta espetacular” por apontar para uma “prática amplamente partilhada há
40 mil anos”. Mas, o que é deveras interessante é a reflexão que desencadeou sobre
se as populações humanas desenvolveram isoladamente e em simultâneo estas
manifestações artísticas ou se os primeiros humanos a espalharem-se pela Europa
e a Ásia saíram de África intelectualmente sofisticados.
Confirmada
esta última hipótese, poder-se-á dizer que os antepassados dos primeiros
colonizadores destes territórios já eram capazes de se exprimir através da arte.
Segundo este
investigador de Leiden, a equipa de Aubert, nas conclusões a que chegou,
alertou para a importância destes sítios arqueológicos, ora ameaçados pela
exploração mineira, e da própria Ásia para o estudo da evolução humana. O
Sudeste asiático, ocupado há pelo menos um milhão de anos pelo Homo erectus (espécie de hominídeo, extinta), terá recebido os primeiros homens modernos (da nossa espécie, originários de
África) há mais de 50
mil anos.
A dificuldade
é que, em comparação com a Europa, a Ásia tem pouco trabalho de campo, mas as
novas descobertas continuarão a questionar aquilo que se julga saber sobre a
evolução humana. E o especialista dá exemplos cientificamente relevantes
naquela região: o sítio de referência do Homo erectus, em Java; a arte rupestre no Bornéu,
muito semelhante à de Celebes; ou o pequeno hominídeo que Mike Morwood (1950-2013), o arqueólogo australiano que coassina
o artigo da Nature, descobriu na Ilha de Flores, 400
quilómetros a sul da região de Maros, e que ficou conhecido como o Homo floresiensis e com a alcunha de hobbit.
***
Em suma, o estudo
publicado em 2018 vem confirmar o que foi publicado em 2014 e vincar a ideia de
que é preciso reescrever a História , tal
como adverte para a ameaça à arte paleolítica por parte dos interesses
economicistas. Com efeito, assim como Galileu Galilei persistiu em dizer “Terra tamen movetur”, também doravante
se pode sustentar que a ciência está em movimento. O eurocentrismo tem os dias
contados, mas a ameaça às artes, nomeadamente as expostas em ambiente natural
não conhece fronteiras!
2018.11.09 – Louro de Carvalho
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