sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A mais antiga pintura rupestre dum animal numa caverna na Indonésia


Referiu a agência Lusa, a 8 de novembro, que um grupo de cientistas descobriu o mais antigo desenho de um animal: uma silhueta vermelha dum espécime parecido com um touro na parede de uma caverna na Indonésia – um desenho com pelo menos 40 mil anos, um pouco mais velho que pinturas de animais semelhantes encontradas em cavernas de França e de Espanha.
Até há alguns anos, os especialistas acreditavam que a Europa era o sítio onde os nossos antepassados começaram a desenhar animais e outras figuras. Porém, a idade do desenho divulgada, a 7 de outubro, pela revista Nature, com descobertas anteriores no sudeste asiático, sugerem que o desenho figurativo apareceu em ambos os continentes no mesmo período.
Maxime Aubert, arqueólogo e geoquímico da Universidade Griffith, em Queensland, na Austrália – o autor do artigo publicado na susodita revista – afirma que estas novas descobertas vêm alimentar discussões sobre se eventos históricos ou evolutivos provocaram essa quase simultânea “explosão de criatividade humana”.
É certo que as cavernas de calcário no Bornéu são conhecidas desde a década de 1990 por conterem desenhos pré-históricos. E Aubert e os colegas investigadores deram a conhecer em 2014 a arte rupestre da ilha vizinha de Celebes. Mas agora, com a descoberta do desenho na caverna no Bornéu, os cientistas são capazes de construir uma linha do tempo aproximada de como a arte se desenvolveu na área. E, além da imagem do touro, com cerca de 1,5 metros de largura, foram encontrados “stencils” de mãos de cores vermelha e roxa e pinturas rupestres de atividades humanas. Assim, para Aubert, depois de grandes desenhos de animais e “stencils”, “parece que o foco mudou para mostrar o mundo humano”.
Há cerca de 14 mil anos, os habitantes das cavernas começaram a desenhar regularmente figuras humanas a dançar e caçar, transição similar em temas de arte rupestre que sucedeu nas cavernas da Europa – o que, para Peter Veth, arqueólogo da Universidade da Austrália Ocidental, que não esteve envolvido no estudo, “é muito interessante, do ponto de vista humano”, pois, como acentua, “as pessoas adotaram estratégias similares em diferentes ambientes à medida que se tornaram mais modernas”.
A ilha do Bornéu ainda estava ligada ao sudeste asiático há cerca de 40 mil anos, quando foram feitos os primeiros desenhos figurativos – período em que os primeiros humanos modernos chegaram à Europa, sendo que os primeiros desenhos de animais na caverna francesa de Chauvet foram datados de há 33.500 a 37.000 anos. E ainda não está claro se novas ondas de pessoas que migraram de África trouxeram a técnica da pintura rupestre figurativa com elas ou se essas artes emergiram mais tarde. Os cientistas têm apenas um registo parcial da arte rupestre global. As primeiras gravuras de cavernas foram encontradas em África e incluem desenhos abstratos datados de há cerca de 73 mil anos.
A próxima etapa da pesquisa na Indonésia incluirá escavações para aprender mais sobre as pessoas que fizeram essas pinturas. Alguns locais já foram identificados, contendo ossos humanos, joias pré-históricas e restos de pequenos animais.
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Por seu turno, no DN, do dia 7 de novembro, afirma-se que a história tem de ser reescrita, pois os primeiros artistas que fizeram pinturas figurativas nas paredes e tetos de grutas viveram no Bornéu há mais de 40 mil anos. E enfatiza-se:
Mãos – muitas mãos –, com os contornos bem marcados, em cores fortes, e figuras de animais. Descobertas nas paredes e nos tetos de uma rede de grutas que se estende através do subsolo, na província de Kalimantan, na parte indonésia da ilha de Bornéu, estas são as pinturas rupestres figurativas mais antigas que se conhecem, garante uma equipa internacional de cientistas. Um recorde com implicações para a história.”.
Segundo o DN, não se fixa, uma datação exata para as pinturas do Bornéu, mas a sua situação num intervalo de 40 a 50 mil anos. Seja como for, os investigadores que fizeram a datação garantem que isto muda muito daquilo que até agora se pensava sobre a primeira arte figurativa humana. Para já, altera a ideia de que as primeiras representações de figuras de animais e de mãos humanas surgiram na Europa Ocidental.
Reitera-se que as pinturas rupestres das grutas de Sangkulirang-Mangkalihat, em Kalimantan, território indonésio do Bornéu, já eram conhecidas desde da década de 1990, mas frisa-se que a datação rigorosa não tinha sido possível, dada a extrema dificuldade de acesso ao local. Porém, isso mudou: a aludida equipa de investigadores indonésios e australianos, liderada por Aubert, foi lá e conseguiu recolher uma série de amostras dos diferentes locais onde há pinturas, vindo a verificar que “a idade das mais antigas suplanta a das outras, que já eram conhecidas, nomeadamente as das diferentes zonas da Europa Ocidental”.
Para datar aquelas pinturas, a equipa recorreu a uma técnica de datação radiométrica dos depósitos de carbonatos de cálcio. E o chefe da equipa explicita:
A pintura mais antiga que encontrámos na gruta representa um animal não identificado, provavelmente uma espécie bovina selvagem da floresta do Bornéu, que tem pelo menos 40 mil anos e que é agora a pintura figurativa mais antiga que se conhece”.
No atinente às representações das mãos, marcadas na pedra por meio de contornos coloridos muito bem definidos (fazem lembrar as pinturas das crianças no jardim de infância, que pintam o papel em volta das próprias mãos), a datação mostra que têm uma idade idêntica (podendo chegar os 52 mil anos).
São agora estas as pinturas mais antigas conhecidas, ultrapassando as congéneres da Europa do top de antiguidade e da posição referencial como origem geográfica desta manifestação artística humana primeva. E o especialista Adhi Oktaviana, do Instituto Indonésio de Arqueologia Arkenas (Jacarta), diz que esta descoberta mostra como a história do surgimento da arte rupestre é mais complexa do que se supunha, para lá do muito que ainda não se sabe.
Por sua vez, Pindi Setiawan, do Instituto de Tecnologia de Bandung, na Indonésia, outro dos autores do estudo, acentua que não se sabe, desde logo, quem foram os autores destas primeiras pinturas murais no Bornéu, ou seja, “quem eram e o que lhes aconteceu é um mistério”. O que se sabe é que aquela manifestação artística surgiu ali num tempo em que o Bornéu era o extremo leste da Eurásia, pois, como já foi afirmado, aquele território ainda estava ligado na época ao grande continente, sendo isso que ajuda a colocar as coisas numa nova perspetiva. E o arqueólogo Adam Brumm (também da universidade australiana de Griffith), coautor do estudo, resume:
O que agora se percebe é que estas manifestações de arte surgiram paralelamente, e mais ou menos na mesma altura, nos dois pontos extremos da Eurásia do Paleolítico, ou seja na zona da Europa Ocidental e nesta região da Indonésia.
Além destas, as grutas do Bornéu têm muitas representações pictóricas mais tardias (datam de há cerca de 20 mil anos), entre as quais mais desenhos de animais e de mãos, além de figuras humanas. Esta variedade de épocas e de representações, como dizem os cientistas, prova que aquela rede de grutas serviu de ‘tela’ a sucessivas gerações daqueles primeiros artistas humanos do Oriente.
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Todavia, há que lembrar o artigo de Lucinda Canelas, no Público de 7 de novembro de 2014 sob o título “Afinal, a pintura mais antiga do mundo não está na Europa”. Já o seu texto propalava:
Identificadas pinturas com pelo menos 40 mil anos em grutas na Ilha de Celebes, na Indonésia. O estudo na revista Nature defende que a produção artística no Sudeste asiático é contemporânea da europeia, se não mais antiga.”.
E referia que as pinturas que adornam as paredes de várias grutas calcárias na ilha indonésia de Celebes, entre o Bornéu e as Molucas, nos arredores da cidade de Maros, têm pelo menos 40 mil anos e “fazem lembrar as brincadeiras das crianças com tintas, mas são, na realidade, produto das primeiras manifestações artísticas do homem”.
Atestando que as pinturas rupestres daquelas grutas calcárias já eram conhecidas há 50 anos, mas que só em 2014 foram datadas por peritos australianos e indonésios das universidades de Griffith e Wollogong, que publicaram as suas conclusões na revista científica Nature, já sustentavam os cientistas que os dados recolhidos mostram que o homem moderno do Sudeste asiático começou a pintar pelo menos ao mesmo tempo que o europeu. Aubert dizia então:
Presume-se com frequência que a Europa foi o centro das mais antigas explosões da criatividade humana, em particular da arte das cavernas, há cerca de 40 mil anos. Mas as datas da nossa arte rupestre de Celebes mostram que, por volta da mesma altura, do outro lado do mundo, as pessoas desenhavam animais tão extraordinários como os das grutas da Idade do Gelo de França e Espanha.”.
As pinturas mostram mãos – 12 stencils (impressões em negativo), feitos espalhando tinta numa rocha contra a qual se pôs a mão – e dois animais (um deles um babirusa, espécie de porco autóctone do arquipélago indonésio). Uma das mãos, segundo a equipa, “é agora o mais antigo exemplar desta forma de arte rupestre, ao passo que um dos desenhos dos mamíferos – um babirusa fêmea com pelo menos 35.400 anos – estará certamente entre as representações figurativas mais precoces”.
A ideia de que a arte nascera na Europa baseava-se nas pinturas rupestres, algumas de grande espetacularidade, descobertas no continente, sendo a mais antiga um disco vermelho indefinido em El Castillo (Espanha) com 41 mil anos, a par dos cavalos e rinocerontes de Chauvet (França), representações já muito complexas e de grande movimento, com pelo menos 30 mil anos.
Embora as pinturas de Celebes fossem conhecidas há mais de 50 anos, não tinha havido ainda qualquer tentativa para as datar. Dizia-se até, sem certezas, que não teriam mais de dez mil anos por se supor não poderem resistir mais tempo do que isso num clima tropical, como escreve Wil Roebroeks, especialista em evolução humana da Universidade de Leiden, na Holanda, num artigo que acompanha o estudo na Nature e a que deu o título de Art on the move.
Para determinar a datação, os cientistas apuraram o rácio de urânio e de isótopos (formas) de tório existentes em pequenas formações semelhantes a estalactites (as “pipocas das cavernas”) que cresceram sobre as imagens. E aplicaram o método (baseado em técnicas de datação radiométrica) a 14 pinturas distribuídas por sete grutas, mostrando que foram executadas entre 39.900 e 17.400 anos, mas advertindo para o facto de se tratar de datações mínimas, o que significa que, na realidade, as pinturas podem ser muito mais antigas. Sustentava então a equipa que as pinturas do Paleolítico europeu que vem surpreendendo gerações nas grutas de Chauvet e Lascaux terão raízes mais profundas. E o já mencionado Adam Brumm, que coordenou o estudo com Aubert e os indonésios Muhammad Ramli e Budianto Hakim, que identificaram já 90 sítios com pinturas na ilha, além de centenas de figuras e stencils isolados, explicava:
Na realidade, as pinturas nas grutas e outras formas de expressão artística com elas relacionadas faziam muito provavelmente parte das tradições culturais dos primeiros homens modernos que saíram de África para a Ásia e a Austrália, muito antes de chegarem à Europa”.
E Brumm disse ao britânico The Guardian
O que significavam estes stencils de mãos para os artistas pré-históricos de Celebes continua a ser um mistério, assim como a razão por que os criaram em tão grande número”.

Sobre a importância desta arte, Thomas Sutikna, outro dos autores do estudo, assegurava, num comunicado da Universidade de Wollogong, que é um dos primeiros indicadores da existência de pensamento abstrato, que “é o que faz de nós humanos tal como nos conhecemos”. E, no mesmo documento, Anthony Dosseto, que também assina o artigo da Nature, sublinhava:
Agora os europeus já não podem alegar terem sido, em exclusivo, os primeiros a desenvolver uma mente abstrata. “Têm de partilhar [esse feito], pelo menos, com os primeiros habitantes da Indonésia.”.
Para o holandês Wil Roebroeks, especialista em arqueologia paleolítica e em evolução, a contemporaneidade das duas produções artísticas, europeia e a asiática, é uma “descoberta espetacular” por apontar para uma “prática amplamente partilhada há 40 mil anos”. Mas, o que é deveras interessante é a reflexão que desencadeou sobre se as populações humanas desenvolveram isoladamente e em simultâneo estas manifestações artísticas ou se os primeiros humanos a espalharem-se pela Europa e a Ásia saíram de África intelectualmente sofisticados.
Confirmada esta última hipótese, poder-se-á dizer que os antepassados dos primeiros colonizadores destes territórios já eram capazes de se exprimir através da arte.
Segundo este investigador de Leiden, a equipa de Aubert, nas conclusões a que chegou, alertou para a importância destes sítios arqueológicos, ora ameaçados pela exploração mineira, e da própria Ásia para o estudo da evolução humana. O Sudeste asiático, ocupado há pelo menos um milhão de anos pelo Homo erectus (espécie de hominídeo, extinta), terá recebido os primeiros homens modernos (da nossa espécie, originários de África) há mais de 50 mil anos.
A dificuldade é que, em comparação com a Europa, a Ásia tem pouco trabalho de campo, mas as novas descobertas continuarão a questionar aquilo que se julga saber sobre a evolução humana. E o especialista dá exemplos cientificamente relevantes naquela região: o sítio de referência do Homo erectus, em Java; a arte rupestre no Bornéu, muito semelhante à de Celebes; ou o pequeno hominídeo que Mike Morwood (1950-2013), o arqueólogo australiano que coassina o artigo da Nature, descobriu na Ilha de Flores, 400 quilómetros a sul da região de Maros, e que ficou conhecido como o Homo floresiensis e com a alcunha de hobbit.
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Em suma, o estudo publicado em 2018 vem confirmar o que foi publicado em 2014 e vincar a ideia de que é preciso reescrever a História, tal como adverte para a ameaça à arte paleolítica por parte dos interesses economicistas. Com efeito, assim como Galileu Galilei persistiu em dizer “Terra tamen movetur”, também doravante se pode sustentar que a ciência está em movimento. O eurocentrismo tem os dias contados, mas a ameaça às artes, nomeadamente as expostas em ambiente natural não conhece fronteiras!
 2018.11.09 – Louro de Carvalho

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