O movimento
de 28 de maio de 1926 começou por ser um levantamento militar iniciado no norte
do país, mais propriamente em Braga, a que rapidamente aderiu a maioria das
unidades do país. Ao constituir-se em golpe de Estado, retirou o poder aos
partidos republicanos e foi o primeiro passo para o regime do Estado Novo, que
depois veio a denominar de “Revolução Nacional” este acontecimento.
Os anos
anteriores foram de instabilidade num país profundamente dividido em termos
políticos e sociais, que esteve continuamente à beira da guerra civil e na
barra da bancarrota financeira. O 28 de maio abriu caminho à ditadura militar,
que sucessivamente deu lugar à ditadura nacional e ao Estado Novo, sendo que
este apenas se distinguiu da ditadura por dispor duma Constituição (plebiscitada
e não elaborada por Assembleia Constituinte) e dos órgãos formais da democracia: o Presidente da República, o Governo
chefiado pelo todo-poderoso Presidente do Conselho de Ministros, a Assembleia
Legislativa (não emanada de partidos e que funcionava três meses por ano). Este regime, cuja vigência durou 48 anos, foi
derrubado a 25 de abril de 1974.
***
O ambiente
que levou ao 28 de maio
Cedo a I
República (implantada a 5 de outubro de 1910) evidenciou
sinais de fragilidade. No horizonte temporal de quase 16 anos, que terminou a 28
de maio de 1926, a República teve 7 parlamentos, 8 Presidentes da República, 39
Governos, 40 chefes de Governo, uma junta constitucional e uma junta
revolucionária. Foi um período de instabilidade constante, repleto de agitação
social e de ameaças de golpe.
No início
dos anos 20 do século XX, depois da I Guerra Mundial, a instabilidade aumentou:
além dos graves problemas financeiros (que se agravaram com a participação
de Portugal na guerra), os
Governos caíam constantemente (foram 23, entre 1920 e 1926) e a agitação social cresceu, com ameaças de
atentados e forte atividade anarco-sindicalista. A instabilidade política quase
chegou a uma situação de guerra civil (com confrontos entre diferentes
unidades militares). Referem-se
dois exemplos do ambiente que se vivia e que são prenúncios da revolução de
1926:
Em Lisboa, a
19 de outubro de 1921, no seguimento da demissão do 28.º Governo Republicano,
encabeçado por Liberato Pinto, uma milícia de marinheiros e arsenalistas montou
uma revolta militar, a Noite Sangrenta, de que resultou o assassinato,
entre outros, de António Granjo, Presidente do Ministério (Governo), Machado
Santos e Carlos da Maia (personalidades históricas da Implantação da República).
Depois,
eclodiu a revolta de 18 de abril de 1925, contra as instituições da I
República, organizada pelo capitão-de-fragata Filomeno da Câmara, pelo general
João José Sinel de Cordes, pelo coronel Raul Augusto Esteves e pelo capitão Jaime
Baptista. Foi a 1.ª vez, desde 1870, que uma revolta militar foi liderada por
um grupo de oficiais com um general no ativo. Estiveram envolvidos 61 oficiais.
A revolta foi considerada o primeiro ensaio geral do que foi o 28 de maio, um
ano depois.
***
O movimento
No meio da
evocada instabilidade política, soaram muitos rumores de golpes que corriam. O
general Manuel Gomes da Costa foi desde sempre o principal apontado
para liderar a revolução.
Estava marcado
para o dia 28 de maio, o Congresso
Mariano, em Braga, cidade conhecida como a cidade dos arcebispos, pela sua ligação
à religião, e uma das mais populosas do país. O evento reunia as principais
figuras do conservadorismo católico, descontentes com as medidas anticlericais
dos republicanos, entre as quais se destacava Francisco Cunha Leal, na
altura líder da União Liberal Republicana. E, Às 6 horas do dia 28, eclodiu a
revolução pela mão de Gomes da Costa, que, a par dos militares, logo ganhou o
apoio dos civis do Minho. O movimento alastrou rapidamente a outras unidades
militares. Aderiram expressa e ativamente as seguintes unidades militares: 1.ª Divisão
(Lisboa), 2.ª Divisão (Viseu), 3.ª Divisão (Porto), 4.ª Divisão
(Évora), 5.ª Divisão (Coimbra), 6.ª Divisão (Vila Real), 7.ª Divisão (Tomar) e 8.ª Divisão (Braga).
Tendo o
golpe começado na ‘cidade dos arcebispos’, em Lisboa, 400 quilómetros a sul, muitos
não acreditavam que o pronunciamento militar marcava o início do regime que
duraria 48 anos. O vespertino “Diário de
Lisboa” (DL) dedicou toda a 1.ª página ao
movimento que eclodira e reportava que “à
hora que escrevemos estas linhas − 2 da tarde − sabe-se que o movimento está
circunscrito à divisão de Braga, que foi revoltada pelo general sr. Gomes da
Costa”.
O Governo,
garantindo que o movimento não teve repercussão, tomou medidas e declarou ao mencionado
vespertino que “não decretaria nenhumas
medidas excecionais, para Lisboa, pelo menos, e que a vida normal da cidade não
se alterará”. Ademais, o jornal informava que “o conselho de ministros reuniu às 13 horas, no Governo Civil, onde se
conservaram desde madrugada o sr. António Maria da Silva e o sr. dr. Barbosa
Viana”. E António Maria da Silva, o chefe do Governo, avistou-se com os
jornalistas às 13 horas. Estava “sereno e
declarou que o movimento será asfixiado em breves horas, não tendo no país
repercussão alguma”. Mas não. O golpe militar conduziu à queda da I
República.
Afinal,
o plano era ambicioso, e a primeira etapa era marchar sobre o Porto, apesar de o
destino final ser Lisboa. Gomes da Costa decidiu-se pela reunião de tropas em
Santarém; outras, em Mafra, seriam comandadas por Mendes Cabeçadas. Óscar
Carmona, que fora Ministro da Guerra em 1923, tinha por missão concentrar
forças em Évora. Depois, todos juntos e coordenados seguiriam para Lisboa.
Entretanto,
ainda no dia 28, formou-se, em Lisboa, a Junta de Salvação Pública, presidida
pelo almirante José Mendes Cabeçadas, que entregou um manifesto a Bernardino
Machado, então Presidente da República. A 29 de maio, depois de a guarnição de
Lisboa aderir em massa ao movimento e de o general Óscar Carmona assumir o
comando da 4.ª divisão do Exército, em Elvas, o Governo de António Maria da
Silva apresentou a demissão a Bernardino Machado, após o que Mendes Cabeçadas
aceitou o convite do ainda Presidente para formar um Executivo, convite que fez
com que Gomes da Costa ordenasse a todas as unidades militares envolvidas no
golpe que se retirassem. E, a
31 de maio, Bernardino Machado resignou e preparou-se para um novo exílio.
Mendes
Cabeçadas, a 3 de junho, distribuiu funções no Governo. Assim, entregou a Gomes
da Costa as pastas da Guerra, Marinha e Colónias; a Ezequiel Pereira de Campos,
a da Agricultura; a António de Oliveira Salazar, a das Finanças; a Joaquim
Mendes dos Remédios, a da Instrução Pública; e a Manuel Rodrigues Júnior, a da
Justiça. Os três últimos ministros, por serem todos professores da Universidade
de Coimbra, ficaram conhecidos por “Tuna
de Coimbra”.
No dia
seguinte, após encontro com Gomes da Costa na Amadora para clarificar o
propósito do Governo, Mendes dos Remédios e Manuel Rodrigues voltaram a Lisboa
para tomar posse, ao passo que Salazar regressou a Coimbra. O movimento
terminou a 6 de junho de 1926, na Avenida da Liberdade (Lisboa,) onde, após tomar posse, Gomes da Costa comandou um
desfile militar de 15 mil homens para celebrar a vitória. Começa agora a
ditadura militar, que suspende a Constituição de 1911, dissolve o Parlamento e
estabelece a censura. Mas um
rodopio de lideranças marca os primeiros 40 dias do regime: os destinos do país
que estavam confiados a Mendes Cabeçadas veem-no rapidamente destituído por
Gomes da Costa. Nova destituição e, às 15 horas de 9 de julho, já existe um
novo governo, chefiado por Óscar Carmona. Seguem-se tempos de grande
instabilidade e, um ano mais tarde, o Governo publica um manifesto onde faz o
balanço da sua ação.
Em
1927, celebrou-se o 1.º aniversário do 28 de maio com feriado nacional,
decretado pelo líder máximo do país, Óscar Carmona, que “usando da faculdade”
que lhe confere a lei, instituiu o feriado para esse ano pelo decreto n.º 13 665,
e ordenou aos “ Ministros de todas as
Repartições [que] o façam imprimir, publicar e correr”.
Em 1928,
torna-se na ditadura nacional. Óscar Carmona é eleito Presidente da República
por sufrágio universal e António de Oliveira Salazar é novamente convidado para
a pasta das Finanças, para equilibrar as finanças públicas do país. Salazar tomou posse como Ministro
das Finanças no dia 27 de abril e, como referia o DL, “neste momento é a chave
não só da vida financeira, mas de toda a vida governativa do país”. E este
vespertino perguntava:
“Ninguém o acusará de buscar uma
satisfação para a sua vaidade, porque raros homens se têm mostrado mais
modestos do que ele − talvez pelo facto de ser um espírito culto, especializado
nos problemas da sua pasta (...) Será bem sucedido na sua tentativa para
restabelecer a ordem, a moralidade, e a verdade nas nossas finanças?”.
Desta
vez, o professor de Coimbra, que em 1926 tutelara a pasta das Finanças por
escassos 13 dias, instalou-se em Lisboa com o intuito de ficar. E surge o
ditador que moldou o país nas décadas seguintes, com mão de ferro, mas cujo
perfil foi perfeitamente construído, sobretudo pelo modernista António Ferro,
na imagem messiânica de salvador dum país que persistia na sua ruralidade, na
sua ética e no seu imperialismo caseiro.
Em 1932,
Salazar foi nomeado presidente do Conselho de Ministros e em 1933 foi
referendada uma Constituição, documento fundador do Estado Novo, regime que
acabou por se manter até novo pronunciamento militar, a 25 de abril de 1974.
***
Nos alvores
do Estado Novo
Salazar aceitou integrar a governação desde que lhe
garantissem a liberdade de ação e tomada de medidas, ou seja, a capacidade de
definir a política geral do país e a chamada supremacia (ditadura das
Finanças)
sobre as demais pastas. Como contrapartida, o doutor coimbrão não mexeria com
poderosos interesses instalados. E surgiu como o demiurgo e o salvador do país que
emergia a ruína, dando-lhe voz altissonante com a Exposição do Mundo Português, em 1940, 8.º centenário da Fundação
da nacionalidade e 3.º centenário da Restauração da Independência.
Um dos mais célebres discursos doutrinários do salazarismo –
“Não discutimos Deus e a virtude; não
discutimos a Família e a sua moral...” – foi proferido num feriado
ocasional, a 28 de maio de 1928. O Estado Novo durou quase meio século, mas relacionou-se
ambiguamente com o dia do seu alvor, ou por motivos economicistas ou porque o
28 de maio não celebrava a ascensão de Salazar. Nesse
ano, o 28 de maio não foi feriado, nem o seria nos 7 anos subsequentes. Não obstante,
Salazar discursou e enunciou algumas bases programáticas de defesa da ditadura:
“Se não fizermos a revolução de cima
para baixo, ela virá de baixo para cima, contra tudo o estabelecido”.
Mussolini,
o ditador italiano que tinha admiradores em apoiantes da ditadura portuguesa,
discursou na Câmara dos Deputados e prometeu manter-se no “poder mais dez ou quinze anos”, como referia “O Século” a 28 de maio de 1927. Para tanto garantiu:
“As
deportações de políticos, cujo número é muito inferior ao propalado pelos
inimigos no regime serão mantidas, pelo menos, até ao ano de 1932”.
Apesar
de o 28 de maio não ser habitualmente feriado (foi-o apenas em 1927, 1.º aniversário, e 1936, 10.º
aniversário), as
realizações aniversárias apresentavam a efeméride como o início duma nova era
de ressurgimento nacional que tinha cortado definitivamente com “a anarquia”.
Em
1936, o 10.º aniversário do 28 de Maio foi celebrado com pompa e circunstância
e constituiu um marco simbólico da verbalização doutrinária do salazarismo, do
Portugal temente a Deus, que não discute, nem questiona os líderes. Carmona
decretara o feriado ao abrigo das disposições constitucionais.
Estas
comemorações tiveram o seu momento áureo em Braga, cidade onde 10 anos antes
começara o pronunciamento militar. O enviado especial do DL ditou a notícia “pelo telefone” para a redação na capital,
dizendo que a cidade de Braga
“Está em festa (...) Por toda a parte
flutuam bandeiras e galhardetes e (...) na Praça da República, junto às
arcadas, veem-se dois grandes retratos do Presidente da República e do sr. dr.
Oliveira Salazar”.
Às 10,58
horas, o comboio presidencial chegou à estação. O Chefe de Estado, Óscar
Carmona, “entrou na cidade sob uma autêntica chuva de flores”. O Presidente do
Conselho, que viera de Lisboa com ele, seguia também no “automóvel aberto”.
Ambos foram obsequiados com as flores e a costumeira salva de 21 tiros. “O
cortejo desfilou numa verdadeira apoteose (...) os sinos das igrejas tocaram ‘A
Portuguesa’ e o entusiasmo popular aumentava de instante a instante”. Houve
parada militar, cortejo cívico, sacadas e janelas enfeitadas com “ricas colchas
de seda e de damasco”. Discursaram: o general Schiapa, o coronel Albino
Rodrigues, o capitão Lucínio Presa, o deputado Aberto Cruz. O general Carmona e
o Presidente do Conselho abraçaram-se demoradamente, enquanto a multidão os
vitoriava em frenesim. E, num discurso transmitido em direto pela Emissora
Nacional, um Salazar empolgado e seguro da mensagem que pretendia transmitir
aos portugueses que o veneravam ou temiam enunciou a mensagem sobre “as grandes
certezas da Revolução Nacional” com estas palavras que marcaram a doutrina
moral do regime e a putativa pacificação da Pátria:
“Às almas dilaceradas pela dúvida e
pelo negativismo, procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não
discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não
discutimos a Autoridade e o seu prestígio; não discutimos a Família e a sua
moral; não discutimos a glória do Trabalho e o seu dever.”.
As
comemorações passaram pelo Porto e encerraram em Lisboa, com a inauguração da
exposição documental “Dez anos de
Revolução Nacional”. E, em 1937, o SNI (Secretariado Nacional de Propaganda), dirigido pelo ativista António
Ferro, ora convertido ao conservadorismo e à tradição, financiou o 1.º filme de
António Lopes Ribeiro, “A Revolução de
Maio”, com vários registos filmados, nomeadamente o famoso que Salazar
proferira sobre as certezas do regime. A trama alertava para as manobras
oposicionistas, com António Martinez a encarnar o papel de César Valente,
comunista conspirador contra o regime. César era vigiado pela polícia, mas,
tendo conhecido Maria Clara, que mantém o nome e a voz na película, cedeu aos ideários
políticos, porque a paixão por Maria Clara, menina da ‘situação’, prevaleceu
sobre o marxismo.
E o regime
avançou apoiando a guerra civil de Espanha, transpondo a II Guerra Mundial numa
neutralidade colaborante, ganhando foros aparentes de democracia corporativa e
aguentando a guerra colonial – até que o 25 de abril o fez ruir, visando a
liberdade e a democracia.
2017.05.29 – Louro de
Carvalho
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