terça-feira, 30 de maio de 2017

“Fátima, História e Memória”

A trilogia enunciada em epígrafe foi o tema geral do colóquio comemorativo dos 100 anos das aparições de Fátima que se realizou em Lisboa e em Fátima, respetivamente a 26 e 27 de maio – iniciativa conjunta da Academia Portuguesa de História (APH) e do Santuário de Fátima (SF).
O pano de fundo que revela o escopo do colóquio, constante do desdobrável de promoção do evento, é do seguinte teor:
No ano em que se completa um século sobre as aparições de Fátima, os membros da Academia Portuguesa da História e demais historiadores olham para Fátima como um acontecimento poliédrico, suscetível de ser analisado sob diversas perspetivas que permitem perceber, por um lado, o lugar do fenómeno na História de Portugal e na História do Mundo contemporâneo e, por outro, as diversas abordagens epistemológicas que os investigadores lhe têm votado”.
Assim, durante  e dias a Mensagem de Fátima foi evocada em diversas comunicações como uma “mensagem de paz” por académicos provindos quer do meio clerical quer do mundo dos leigos.
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Dada a diversidade de temas em torno do tema geral, deixa-se a panorâmica geral do evento coordenado pela Presidente da Academia Portuguesa de História, Prof. Doutora Manuela Mendonça, e pelo Diretor do Serviço de Estudos e Difusão do Santuário de Fátima, Doutor Marco Daniel:
A Sessão de Abertura, em Lisboa, a 26, contou com as intervenções do Secretário de Estado da Cultura, Dr. Miguel Honrado, e do Reitor do Santuário de Fátima, Padre Doutor Carlos Cabecinhas.
O primeiro núcleo temático, “O Tempo e o Espaço de Fátima”, mereceu a intervenção, sob o título “Micro e macro-história do acontecimento Fátima’”, de Marco Daniel Duarte, APH e SESDI (Serviço de Estudos e Difusão do Santuário).
Fontes para o estudo de Fátima” foi o segundo núcleo temático que foi abordado na modalidade de painel com intervenções: de Dom Carlos Azevedo, APH e CPC (Conselho Pontifício para a Cultura), sobre “As fontes para a História de Fátima”; de Cristina Sobral, FLUL (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) sobre “As Memórias de Lúcia de Jesus”; e de Maria José Azevedo Santos, APH e FLUC (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), sobre “A escrita da Terceira Parte do Segredo de Fátima”. Seguiu-se o pertinente debate.
Depois do almoço, teve lugar o terceiro núcleo temático, “Fátima e a Primeira República”. António Ventura, APH e FLUL, abordou o tema “A questão religiosa ao tempo da Primeira República”, a que se seguiu o painel com intervenções: de Luís Filipe Torgal, CEIS20/UC (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX), sobre “O Republicanismo e Fátima”; e de José Poças das Neves, CEF (Centro de Estudos de Fátima), sobre “Ação do poder central e local em Fátima durante a segunda década do século XX”. Depois, veio o conveniente debate.
A Sessão de Boas-Vindas, em Fátima, a 27, foi liderada, por Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima.
Seguiu-se o desenvolvimento do quarto núcleo temático, “Fátima, o Estado Novo e o 25 de Abril”, com a intervenção de Adriano Moreira, APH, sob o título “Fátima e o tempo do Estado Novo”, a que se seguiu o painel temático com intervenções: de Sérgio Campos Matos, APH, FLUL, sobre “A questão religiosa ao tempo do Estado Novo”; de Paulo Fontes, CEHR/UCP (Centro de Estudos de História Religiosa / Universidade católica Portuguesa), sobre “Fátima, o catolicismo português e a Igreja Católica. Da Segunda Guerra Mundial ao fim da ‘Guerra Fria’”; e de Bruno Cardoso Reis, ICS/UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), sobre “Fátima, lugar sagrado nacional e global. Do Estado Novo ao 25 de Abril”. Seguiu-se o debate.
Após o almoço, coube o desenvolvimento do quinto núcleo temático, “Fátima e o Discurso Religioso Contemporâneo”, com as comunicações: de Maria Manuela Tavares Ribeiro, APH e FLUC, sob o título “Fátima e os discursos sobre a paz mundial”; e de Dom Manuel Clemente, cardeal patriarca de Lisboa, APH e UCP, sob o título “Fátima no contexto do catolicismo contemporâneo” – seguidas de debate.
A Sessão de Encerramento foi protagonizada pela Presidente da Academia Portuguesa de História e pelo Diretor do Serviço de Estudos e Difusão do Santuário de Fátima, tendo-se prolongado com a entrega da medalha comemorativa do Centenário das Aparições à Academia Portuguesa da História pelo Reitor do Santuário, e com a visita ao Santuário, nomeadamente a exposição temporária ‘As cores do Sol: a luz de Fátima no mundo contemporâneo’, patente ao público no Convivium de Santo Agostinho.
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Enquanto se aguarda a publicação dos trabalhos, ficam algumas considerações genéricas.
Dom António Marto sustenta que “Fátima é um acontecimento que se vai revelando ao longo da história” e “é um ponto incontornável para a história do século XX”.
O Bispo de Leiria-Fátima sublinhou a importância da investigação histórica para evitar “visões redutoras” sobre os acontecimentos de 1917 na Cova da Iria. Por isso, saudou o compromisso da Academia Portuguesa de História nesta organização conjunta com o Santuário, sublinhando que se trata de uma oportunidade “congregadora de diferentes escolas e visões” e que o colóquio possibilita “o cruzamento de olhares e o debate” sobre o fenómeno de Fátima, que, pela sua importância, gera “múltiplas leituras”. Para o prelado, as aparições são um facto incontornável na história da Igreja, de Portugal e do “século XX”, sendo vistas por alguns como a “mais política” de todas as aparições marianas. Por outro lado, Dom António Marto disse que a “significativa adesão” que o tema do colóquio suscitou mostra que “Fátima continua a estar na ordem do dia”.
Também Dom Carlos Azevedo apelou aos historiadores a que sujem as mãos na documentação de Fátima para apuramento da verdade e do rigor do fenómeno fatimita, visto que todos se enriquecem com o rigor da verdade.
O painel do tema “Fátima e o discurso religioso contemporâneo”, com as comunicações de Adriano Moreira e Manuel Clemente, é deveras importante e reveste-se de grande atualidade.
Adriano Moreira professor, académico e político, especialista em Relações Internacionais, apresentou o tema “Fátima e o tempo do Estado Novo”. Frisando que “a parcialidade e rigor da história não podem, todavia, deixar de aceitar valores religiosos”, o professor catedrático jubilado falou da “questão religiosa”, recordando que, durante o Estado Novo, o “receio crescente do avanço do sovietismo” levou ao reforço da “linha católica”.
O antigo Ministro falou da “influência determinante” da Igreja Católica na definição do Estado no Ocidente e dos valores “cristãos” nesta evolução política, em que a humanidade procura “uma nova ordem Internacional”. Neste sentido, assegurou que é importante compreender a progressiva importância de Fátima em relação com a situação internacional do século XX.
Por seu turno, Dom Manuel Clemente, especialista em História da Igreja, abordou o tema “Fátima no contexto do catolicismo contemporâneo”, advertindo que “as linhas que apresento aqui hoje são como uma tentativa de explicação que algo que nos foge, mas toca e perdura”.
Falou dos três pastorinhos, Francisco, Lúcia e Jacinta, da sua santidade, mas sobretudo da sua condição de “pessoas concretas de um país que era o seu”. E referiu que, entre o período de 1917-2017, se pode fazer um recorte temporal, desde “os testemunhos dos pastorinhos até ao que o Papa Francisco nos disse na sua recente visita a Fátima, o tema da paz qualifica a Mensagem de Fátima”.

Também o painel composto por Paulo Fontes, Bruno Reis e Sérgio Campos Matos, que abordaram temas relacionados com “Fátima, o Estado Novo e o 25 de abril”, se revelou de grande interesse. Paulo Fontes, diretor e investigador do Centro de Estudos de História Religiosa na UCP, falou sobre “Fátima, o catolicismo português e a Igreja Católica. Da Segunda Guerra Mundial ao fim da ‘Guerra Fria’”, referindo que “há uma necessidade de a história se debruçar sobre Fátima”, pois “Fátima é também um lugar da modernidade portuguesa” e sublinhando que “Fátima tornou-se um fenómeno de massas, e essa é uma das caraterísticas da sociedade moderna”. Além disso, o investigador acentuou que “a temática da paz afirmava-se, desde do início, como um eixo interpretativo da Mensagem de Fátima”. Com efeito, “no contexto da nova guerra que se desencadeia (II Guerra Mundial), os acontecimentos de Fátima ganham nova ressonância a nível mundial”.

E Bruno Cardoso Reis, mestre em história contemporânea, abordou o tema “Fátima, lugar sagrado nacional e global. Do Estado Novo ao pós-25 de abril”. Começando por referir a importância deste Colóquio “para o reconhecimento de Fátima na História de Portugal”, disse que, “em Fátima, temos um processo interessante e relevante para a história não só do catolicismo, mas também em termos globais”.
Também Sérgio Campos Matos, professor associado com agregação da FLUL, abordou o tema “A questão religiosa ao tempo do Estado Novo”, conjecturando que “podemos falar neste tempo numa questão interior com um certo sentimento de crise e uma perplexidade perante os desafios duma nova modernidade”. Na verdade, no Estado Novo a “relação entre o Estado e a Igreja não foi isenta de conflitos”. E, “se observarmos o comportamento religioso português no século XX, encontramos dois lados divididos em Portugal: há um grande contraste entre o norte e o sul”.
Por sua vez, Maria Manuela Ribeiro, professora catedrática na FLUC, apresentou uma comunicação sobre o tema “Fátima e os discursos sobre a paz mundial”. Segundo o que referiu, “em 1917, um ano difícil para todos os países, reforçam-se os desejos da paz, uma paz imediata”, tendo Fátima constituído “uma mensagem e um reforço dessa paz”.
E conseguiu-se o que o Diretor do Serviço de Estudos e Difusão do Santuário de Fátima afirmou à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima e à agência Ecclesia, a 23 de maio:
O colóquio trará abordagens diversificadas e de diversos quadrantes, provavelmente até com conclusões divergentes que merecem um debate científico em ordem a uma problematização de um acontecimento histórico que é complexo. As formações e as investigações que os diferentes autores que intervirão têm levado a cabo fazem prever que este colóquio seja um fórum muito frutífero para a historiografia de Fátima.”.
Em suma, pede-se para Fátima rigor histórico, apuramento da mensagem e ardor de Santuário.

2017.05.30 – Louro de Carvalho

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