quarta-feira, 31 de maio de 2017

O terrorismo está a tornar-se um mal crónico e um duro combate

O atentado terrorista desencadeado com um camião-cisterna armadilhado na manhã de hoje, 31 de maio, no bairro diplomático de Cabul, perto do Palácio Presidencial e junto das embaixadas da Alemanha, Turquia e Japão, fez 90 mortos e 463 feridos, como refere o centro de imprensa do Governo afegão e a própria ONU.
O mesmo centro de imprensa, já aludido, indica como fonte deste balanço, que aumenta os números veiculados por anteriores notícias do Ministério da Saúde Pública (80 mortos e 350 feridos), o Conselho Afegão de Ulemas, o principal órgão religioso do país, que inclui clérigos muçulmanos e académicos sobre Religião e Direito, e que, segundo a agência noticiosa norte-americana Associated Press, considera que “realizar tais ataques no mês sagrado do Ramadão é completamente contra a Humanidade”.
Testemunhas falam num carro armadilhado que estava estacionado junto da embaixada da Alemanha e que, ao explodir, destruiu janelas e portas num raio de centenas de quilómetros. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram uma grande coluna de fumo negro sobre o centro da cidade e uma série de carros destruídos.
O atentado, um dos piores dos últimos anos no Afeganistão, sendo mesmo o mais mortífero, ainda não foi reivindicado, tendo indicado um porta-voz dos talibãs, na rede social Twitter, que este grupo rebelde “não está envolvido no ataque de Cabul e condena-o firmemente”, nomeadamente no atinente à população civil.
Em comunicado difundido pelo seu porta-voz Zabihulla Mujaid, os talibãs asseguram que “os mujhaedines não têm nada com a explosão” e declaram que os elementos do grupo não estão autorizados a preparar ataques “sem objetivos”, como o que se verificou em Cabul, neste dia 31.
O mesmo comunicado salienta que “o Emirato Islâmico (denominação dos talibãs) condena os ataques levados a cabo contra civis e em que se verificam baixas civis sem um objetivo claro”.
Na verdade, na última década só um atentado suicida em Kandahar (a segunda cidade afegã), a 17 de fevereiro de 2008, que fez mais de 100 mortos e várias dezenas de feridos, ultrapassou o número de vítimas mortais do ataque deste dia 31 em Cabul, a capital afegã.
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O porta-voz da polícia de Cabul, Basir Mujahid, citado pela BBC, disse à EFE que um camião armadilhado explodiu numa estrada muito movimentada ao início da manhã e perto da embaixada da Alemanha. E acrescentou que “é difícil dizer qual era o alvo exato do atentado”, visto que, naquela zona, se situam várias embaixadas, edifícios do governo e o Palácio Presidencial. Segundo este elemento policial, as primeiras investigações indicam que o veículo foi carregado com explosivos detonados numa zona onde se verifica sempre uma grande concentração de tráfego. Porém, apesar de o atentado ter sido perpetrado perto da embaixada alemã, o seu objetivo ainda não é conhecido, pelo que toda a zona foi isolada e as investigações ainda decorrem. A explosão, que se ouviu em várias zonas da capital, ocorreu a poucos dias depois do início do Ramadão.
Por seu turno, Najib Danish, porta-voz do Ministério do Interior afegão, informou, na sua conta oficial de Twitter, que a explosão decorrente do ataque aconteceu no distrito policial 10, perto da praça de Zanbaq, na área diplomática da capital.  
Como resultado do ataque – disse o Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Sigmar Gabriel – a predita explosão, além de ter provocado danos materiais, feriu funcionários da embaixada alemã e matou um guarda afegão no exterior. Porém, todos os trabalhadores da embaixada estão já em segurança, pois o Ministério ativou um gabinete de crise para lidar com a situação naquela zona e o Ministro já enviou condolências à família do guarda morto.
Sigmar Gabriel disse que os pensamentos do Governo alemão “estão com as famílias e amigos das vítimas”, desejando “aos feridos uma recuperação rápida” e prometendo que o ataque não abalará a determinação alemã em “apoiar o regime afegão com a estabilização do seu país”.
Por sua vez, a Ministra dos Assuntos Europeus francesa, Marielle de Sarnez, declarou à agência Reuters e à rádio Europe 1 que o edifício da embaixada de França ficou danificado, mas não há para já registo de vítimas entre os funcionários.
E a chefe da diplomacia da Índia, no seu Twitter, relata que a embaixada da Índia não registou vítimas nem feridos. Sushma Swaraj escreve que “Graças a Deus, o pessoal da embaixada indiana saiu ileso da enorme explosão de Cabul”. No entanto, segundo embaixador Manpreet Vohra, o edifício sofreu “danos consideráveis”, com “janelas partidas e portas rebentadas”.
A BBC relata que 4 jornalistas seus ficaram feridos, na sequência do ataque que atingiu a carrinha em que seguiam. No comunicado de Twitter, lamenta ainda a morte do condutor da carrinha. Mohammed Nazir – de origem afegã – trabalhava para a estação há mais de 4 anos. E o correspondente da BBC em Cabul descreve cenas caóticas, com dezenas de pessoas transferidas para o hospital.
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O ataque ainda não foi reivindicado, mas a explosão aconteceu depois do anúncio, no final de abril, da “ofensiva de primavera” dos talibãs (que até vieram condenar o atentado), contra as forças estrangeiras no país. Neste momento, os Estados Unidos têm cerca de 8400 tropas (reforço de Trump) destacadas no Afeganistão, a par de outros 5000 soldados de vários países da NATO.
Um ataque recente dos talibãs contra um campo de treino do exército afegão em Mazar-e Sharif provocou a morte a pelo menos 135 soldados, levando o Ministro da Defesa e o chefe de gabinete das Forças Armadas a resignarem aos seus cargos. E, a par dos talibãs, também o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) tem estado ativo no Afeganistão, tendo reivindicado um atentado bombista no início deste mês de maio que teve como alvo uma coluna de veículos da NATO de passagem pela embaixada dos EUA, tendo morrido pelo menos 8 civis no ataque.
Recorde-se que a 23 de julho de 2016, um ataque suicida também em Cabul contra uma manifestação da minoria étnica hazara (de origem mongol e maioritariamente xiita), reivindicado pelo Estado Islâmico (de linha sunita), fez 80 mortos e 231 feridos.
Os dois últimos ataques bombistas de grandes proporções em Cabul, o último no princípio de maio, foram reivindicados pelo Estado Islâmico, mas os talibãs também têm levado a cabo uma série de ataques que provocaram muitos mortos entre a população civil. Assim, em março, um ataque seu contra um posto da polícia de Cabul fez 29 mortos e 122 feridos, a maior parte civis. E, em janeiro, um duplo atentado perto do Parlamento, reivindicado pelos talibãs, causou 30 mortos e 80 feridos.
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O Presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, condenou veementemente o atentado de Cabul que fez, neste dia 31, pelo menos 90 mortos segundo o último balanço provisório. Segundo as autoridades, o atentado, ainda não reivindicado, foi levado a cabo por um bombista suicida que fez explodir um carro armadilhado numa zona onde se situam várias representações diplomáticas da capital afegã. Uma nota emitida pelo gabinete do Chefe de Estado afegão refere que “os terroristas, mesmo no mês sagrado do Ramadão, no mês de Deus e de oração, não param a matança do nosso povo inocente”.
Também o Paquistão condenou “fortemente o atentado terrorista de Cabul”, acrescentando que a explosão causou a perda de vidas e provocou “muitos” feridos. A declaração do Paquistão refere que o ataque provocou danos em várias residências de diplomatas paquistaneses que sofreram ferimentos ligeiros.
Por seu turno, o Papa expressou suas condolências por este ataque terrorista. Com efeito, um comunicado enviado pelo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, afirma que, “após tomar conhecimento, com tristeza, do abominável ataque em Cabul e dos muitos mortos e feridos graves, o Papa Francisco manifesta as suas sentidas condolências a todos os que foram afetados por este brutal ato de violência”, confiando “as almas dos falecidos à misericórdia do Todo-Poderoso” e assegurando “ao povo do Afeganistão as suas contínuas orações pela paz”.
Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou veementemente este atentado bombista, que fez pelo menos 90 mortos e 463 feridos, e pediu intensificação dos esforços na luta contra o terrorismo. O porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, afirma em comunicado que “os ataques indiscriminados contra civis são graves violações dos direitos humanos e da lei humanitária internacional e nunca podem ser justificados”. Expressando repúdio pelo atentado, Guterres sublinhou a “necessidade de reforçar a luta contra o terrorismo e o extremismo violento” e de fazer os responsáveis responder perante a justiça.
Por sua vez, o Conselho de Segurança da ONU condenou igualmente o atentado, classificando-o como um ato “atroz e cobarde” e sublinhando que ocorreu durante a celebração do mês do Ramadão. Em nota enviada à imprensa, lê-se:
“Os membros do Conselho de Segurança reafirmam que o terrorismo em todas as suas formas e manifestações constitui uma das mais graves ameaças à paz e à segurança internacionais”.
O órgão executivo da ONU insistiu também na necessidade de levar diante da justiça os autores e organizadores do atentado, bem como os que o financiaram, e instou todos os Estados “a cooperarem ativamente com o Governo do Afeganistão e com todas as autoridades relevantes a este respeito”. E, por último, reiterou que “qualquer ato de terrorismo é criminoso e injustificável, independentemente do motivo ou do autor, lugar ou momento” em que ocorra.
Por causa do ataque, o Governo alemão anunciou a suspensão do programa de deportações de requerentes de asilo afegãos que viram os seus pedidos recusados. “Os funcionários [da embaixada] têm funções logísticas importantes na receção das pessoas deportadas”, justificou um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Porém, a política de deportações posta em curso pela chanceler Angela Merkel em dezembro não será terminada.
A Amnistia Internacional aproveitou para deixar um apelo a Berlim para que reconsidere a política de expulsões de volta ao Afeganistão de requerentes de asilo cujo pedido não foi atendido. “As deportações não são justificáveis perante estas condições de segurança”, segundo declarou aquela organização de defesa dos direitos humanos.
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Dada a multiplicidade de ataques desta ordem no Afeganistão e um pouco por todo o mundo – recordem-se os ataques recentes em Manchester, no Egito ou no Sudão do Sul, para lá de todos os numerosos e cruéis que se têm lamentado – parece que o terrorismo, revestido de novas cambiantes e refinada crueldade, se torna um mal crónico. Será que temos de aprender a viver com ele? E porque não tentar a eliminação ou a minoração das suas causas? É que, mesmo ante uma doença crónica, os pacientes não se limitam a conviver com ela: tentam minimizá-la pelo estilo de vida, pela adoção de comportamentos de vida saudáveis, pela medicação e pela esperança da eliminação da doença – sem perder a liberdade e o gosto de viver.
Assim se comportam as pessoas-pessoas: de pé face à doença, ao terrorismo e à morte!

2017.05.31 – Louro de Carvalho

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