Entre nós, debatem-se questões como a dicotomia entre a escola pública e
a escola privada, as vantagens e desvantagens do ensino individual e doméstico,
a escola inclusiva, as condições de trabalho do pessoal docente e não docente,
a qualidade das instalações escolares ou a sua falta, a flexibilização
curricular e organizacional, a autonomia milimetricamente controlada, o ensino
por competências ou por objetivos e conteúdos e as modalidades e instrumentos
de avaliação das aprendizagens. Tudo assuntos importantes e incontornáveis, mas
muito menores quando milhões de crianças e adolescentes ficam privados do
elementar direito à educação.
***
Calculava-se, o ano passado, que o número de crianças e adolescentes sem
direito à educação aumentou nos últimos anos e se cifrava nos 124 milhões, mais
2 milhões que 2011. E a Human Rights
Watch (HRW) criticava, no seu relatório, a ação
dos governos e avisava que mais menores corriam o risco de abandonar a escola. E,
de facto, os números aumentam
As
razões apontadas pelo relatório da HRW para o impedimento de acesso à
escolaridade têm a ver com as leis discriminatórias, as propinas elevadas, a
exploração do trabalho infantil ou a violência. Sob o título “O Défice Educacional: Falhas na Proteção e
Cumprimento do Direito à Educação nas Agendas Globais de Desenvolvimento”,
o relatório reconhecia, no entanto, alguns avanços proporcionados por políticas
internacionais e regionais, que levaram dezenas de milhões de crianças a entrar
no ensino básico e mais meninas a permanecer na escola até ao ensino
secundário. Não obstante, este progresso deixou para trás milhões de crianças e
jovens, de acordo com o que se pode ler no dito documento de 85 páginas. E Mais
crianças e adolescentes correm o risco de abandono da escola e muitos enfrentam
condições de aprendizagem inadequadas, como conclui o relatório da organização
de defesa dos direitos humanos, baseado em investigação realizada em mais de 40
países ao longo de duas décadas.
A
culpa deste “défice educacional” é dos governos, que têm a responsabilidade de
garantir que nenhuma criança ou jovem fica sem educação, e da falta de foco,
tanto na aplicação como no conteúdo, das agendas para o desenvolvimento sobre
as obrigações dos governos no âmbito dos direitos humanos. A este respeito, a
organização sediada em Londres acusava pela voz da investigadora Elin Martínez:
“É impensável que em 2016
milhões de crianças e adolescentes em todo o globo vejam negado o direito à
educação”.
Para
a investigadora sobre direitos das crianças na HRW,
“Uma fraca monitorização e
a falta de políticas contra a discriminação dão muitas vezes aos responsáveis
um poder ilimitado para decidir quem pode passar a porta da escola e quem fica
de fora”.
Apesar
de todos os 196 países membros da ONU terem subscrito tratados que os obrigam a
garantir educação a todas as crianças nos seus territórios, muitos países,
entre os quais a República do Congo e a África do Sul, cobram propinas que as
famílias não podem pagar. E os custos com a educação no ensino secundário
impedem milhões de adolescentes de terminar pelo menos 9 anos de escolaridade
em países como o Bangladesh, a Indonésia e o Nepal.
***
Segundo
a Unicef, a violência conexa com a escola afeta mais de 246 milhões de crianças.
Com efeito, os castigos corporais na escola (e a agressividade entre coleguinhas, como referem
alguns observatórios),
com impacto negativo na capacidade de aprendizagem das crianças, continuam
legais ou prática habitual em países como a Tanzânia, a África do Sul e muitos
estados norte-americanos. E há ainda fatores específicos que levam as raparigas
a desistir da escola, como o abuso sexual e a violência por parte de
professores e colegas, testes de virgindade abusivos, testes de gravidez
obrigatórios e regras que excluem as raparigas grávidas da escola.
Também
o casamento infantil, que resulta da falta de acesso a uma educação mínima (já não falo em educação sustentável ou
ao longo da vida),
contribui para a falta de acesso a educação de qualidade em países como
Bangladesh, Nepal, Tanzânia ou Zimbabué.
Cerca
de 34 milhões de meninas não frequentam o ensino secundário e a HRW estima que
24 milhões de meninas nunca venham a entrar na escola.
Algumas
populações são particularmente desfavorecidas, nomeadamente os 93 milhões de crianças
com menos de 14 anos que em 2011 a OMS (Organização Mundial de Saúde) estimava viverem com deficiência moderada ou severa.
Tem
aumentado ainda o número de crianças a viver em situações de crise humanitária
e de conflitos de longo prazo, longe de casa e da pátria que, por isso, se veem
impedidas de aceder à educação, já que as escolas se tornam inacessíveis e/ou
inseguras. Assim, cerca de 29 milhões de crianças estão afastadas da escola
devido a conflitos e deslocações, incluindo uma “geração perdida” de crianças
sírias, das quais 2,1 milhões não vão à escola na Síria e quase um milhão nos
países vizinhos, onde vivem como refugiados.
E
agora, neste ano de 2017, a Campanha Mundial pela Educação
recorda que há 263 milhões de menores sem ir à escola – um número mais
assustador que os anteriores.
A Campanha Mundial pela Educação, que se realizou ao
longo da última semana inteira de abril reconhece a existência ainda de 263
milhões de crianças e jovens sem acesso à educação, às quais se somam 758
milhões de adultos analfabetos, dois terços dos quais são mulheres.
Assim é de questionar como é que vão ser cumpridos os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adrede fixados numa cimeira da ONU, sem a efetivação do direito à
escolarização em todo o mundo. Com efeito, foram 196 os Estados que, em 2015, firmaram
os 17 objetivos desse plano de ação mundial que deve ser alcançado em 2030, com
o qual se pretende “garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade
e promover oportunidades de aprendizagem durante toda a vida para todos”. A
Campanha Mundial pela Educação, em que participaram 124 países, mobilizou-se
para exigir aos governos que tomem as medidas necessárias para cumprir o
exercício do direito à educação e à escolaridade.
***
Entretanto, são também de
denunciar alguns efeitos de uma educação ineficaz e até desviante. É, pois,
verdade que os adolescentes portugueses estão entre os mais pesados da Europa. Na
verdade, um relatório da OMS diz que 5% dos jovens
portugueses de 11, 13 e 15 anos são obesos e que, entre 2002 e 2014, o consumo
de fruta diminuiu 6,8% e o de vegetais aumentou 2%. E a Comunicação Social, ontem
e hoje, dá-nos conta do conteúdo desse relatório
Em 6 meses, é a segunda vez que Portugal recebe um
alerta internacional em matéria de alimentação e saúde infanto-juvenil. A luta
contra a obesidade entre os mais novos não produz resultados satisfatórios. Em
novembro de 2016, o relatório “Health at
a Glance: Europe 2016”, da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico),
avançava que mais de uma em cada quatro crianças portuguesas tinha excesso de
peso. Agora, o alerta é da OMS e
surge num documento que revela que 5% dos adolescentes de 11, 13 e 15 anos são
obesos – acusando uma subida da prevalência da obesidade de 0,3 pontos
percentuais desde 2002. Portugal está na lista dos “pesos pesados”. Piores só a
Grécia, com o valor mais alto de 6,5% adolescentes obesos, a Macedónia, a
Eslovénia e a Croácia, como consta do relatório “Adolescent obesity and related behaviours: trends and inequalities in
the WHO European Region, 2002-2014”, que analisa 27 países e regiões.
Em Portugal, aqueles 5% de adolescentes distribuem-se
de forma assimétrica entre rapazes e raparigas. Os níveis de obesidade dos
rapazes são mais elevados (6,9%) do que os das raparigas (3%). Quanto mais cedo as crianças
se deparam com estes problemas, mais se acumulam os efeitos prejudiciais para a
saúde e mais difícil se torna o seu combate. Em declarações ao Público, Margarida Gaspar de Matos,
coordenadora do estudo da OMS em Portugal e psicóloga da Faculdade de
Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, lembra que “a obesidade está
associada a problemas de saúde no futuro”, como a diabetes, problemas
cardiovasculares, respiratórios ou de sono e mentais.
No seu relatório de novembro, a OCDE mostrava-se
preocupada com a diabetes, sobretudo pelo impacto negativo da associação a
doenças cardíacas e oncológicas. Segundo os dados de então, 7% dos adultos a
viver nos 28 Estados-membros eram diabéticos. Portugal ultrapassava a média,
registando um valor de 9,3%, apenas superado pela França e pela Grécia. Países
como a Lituânia, Dinamarca, Letónia, Roménia Suécia e Áustria registavam
valores mais positivos, na ordem dos 5%.
***
Os maus hábitos alimentares, os estilos de vida sedentários
e a pouca atividade física são alguns dos fatores que explicam a prevalência da
obesidade. Em Portugal, 40,9% dos adolescentes comem fruta todos os dias, mas o
consumo está a diminuir, precisamente em 6,8%, entre 2002 e 2014. O melhor
exemplo surge na Bélgica (na comunidade francófona) que bate o recorde: 49,1% dos
adolescentes comem fruta todos os dias.
Segundo Margarida Matos, o relatório da OMS não explica a descida do
consumo de fruta. Mesmo assim, sustenta que, com a crise económica, comer fruta
ficou “mais caro do que comer um hambúrguer”; e que a descida do seu consumo seria
maior se não fosse a existência de alguns programas de distribuição de fruta
nas escolas.
Quanto aos vegetais, apenas 28% dos adolescentes
portugueses os consomem diariamente, mas desde 2002 a tendência foi para o
aumento do seu consumo na casa dos 2%. De novo, a Bélgica e ainda a Ucrânia
registam “bons” consumos acima dos 50%. No extremo oposto, os adolescentes
portugueses estão a consumir menos doces e bebidas refrigerantes: 7,6% comem
doces mais que uma vez por dia. Apesar das advertências para os efeitos
prejudiciais para a saúde do consumo excessivo de açúcar, é cada vez mais
frequente a venda de “gomas” e outras guloseimas em lojas e cafés a poucos
metros de distância dos portões das escolas.
A OMS analisou também a relação entre a obesidade e
as condições socioeconómicas e concluiu que a má alimentação dos adolescentes
está associada a dificuldades financeiras das famílias. Em Portugal, o
relatório encontra relação entre o peso e a carência económica apenas nos
rapazes de 11 anos, idade da maior prevalência de obesidade nos adolescentes. E, à margem deste relatório, o apoio
às famílias carenciadas nas escolas tem merecido a atenção da Secretária de
Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, que garantiu, no Parlamento,
que no próximo ano letivo haverá refeições nas férias escolares para os alunos
que necessitem.
A OMS mostra ainda a relação da obesidade com outros
fatores, como a alimentação e o exercício. E há más notícias nesta matéria:
tanto os hábitos alimentares, como a atividade física pioram com a idade apesar
de ser entre os rapazes de 11 anos que mais prevalece a obesidade, associada
ainda a fatores relacionados com o crescimento.
Também é dos 11 aos 15 anos que aumentam alguns
comportamentos sedentários, como ver televisão ou utilizar o computador mais de
duas horas por dia. O relatório mostra, no entanto, que, em Portugal, o consumo
destes meios tem vindo diminuir, o que para Margarida Matos significa apenas
uma mudança para outros dispositivos, como tablets e smartphones, e não
propriamente mais atividade física.
Também a prática de desporto não é algo a que os
adolescentes portugueses se apliquem com regularidade. Aos 13 anos, as
raparigas estão entre as mais inativas da Europa. Só 6% dedicam uma hora diária
à prática (moderada a intensa) duma atividade. Aos 15 anos, o valor desce para
5%, mas aos 11 anos os resultados são melhores: 16% das raparigas exercitam-se
uma hora por dia. Entre os
rapazes, aos 11 anos – a idade mais baixa avaliada – 26% fazem pelo menos uma
hora por dia de exercício físico (moderado a vigoroso); aos 13 anos, apenas 25% fazem
o mesmo; e aos 15, já só 18%. Sobre esta descida, a coordenadora do estudo da
OMS em Portugal salienta que é preciso encontrar novas formas de incentivar os
jovens à prática do exercício. A começar por combater certos estereótipos como
“retirar dos praticantes de atividade física a etiqueta de que são pouco
intelectuais”. Segundo ela, as poucas
condições nas escolas para que os jovens possam tomar banho, após as aulas de
Educação Física, bem como as políticas educativas do anterior Ministro da
Educação Nuno Crato, que desvalorizaram esta disciplina, poderão ajudar a
explicar o afastamento dos adolescentes portugueses da prática de exercício
físico.
***
Mas não vale a pena responsabilizar pura e
simplesmente o Ministro. Não sei se o erro está no capricho dos adolescentes,
na abdicação dos pais, na falta de vigilância da escola e, sobretudo, na
autoridade que não é reconhecida aos professores por alunos, autarcas, pais e
sociedade em geral (e houve governos que fizeram a sua parte
no ataque ao professor).
Talvez as autarquias, que pretendem um papel decisivo na educação, possam
desempenhar um papel fiscalizador na prestação das empresas fornecedoras de
refeições escolares e na instalação de estabelecimentos hoteleiros e similares,
quiosques e vendas ambulantes junto das escolas e máquinas de guloseimas e
refrigerantes no seu interior.
Dizer que se educa é fácil. Difícil é educar com
eficácia e de acordo com os valores da ética, da saúde e da cidadania.
2017.05.18 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário