sexta-feira, 19 de maio de 2017

Há 263 milhões de menores sem ir à escola

Entre nós, debatem-se questões como a dicotomia entre a escola pública e a escola privada, as vantagens e desvantagens do ensino individual e doméstico, a escola inclusiva, as condições de trabalho do pessoal docente e não docente, a qualidade das instalações escolares ou a sua falta, a flexibilização curricular e organizacional, a autonomia milimetricamente controlada, o ensino por competências ou por objetivos e conteúdos e as modalidades e instrumentos de avaliação das aprendizagens. Tudo assuntos importantes e incontornáveis, mas muito menores quando milhões de crianças e adolescentes ficam privados do elementar direito à educação.
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Calculava-se, o ano passado, que o número de crianças e adolescentes sem direito à educação aumentou nos últimos anos e se cifrava nos 124 milhões, mais 2 milhões que 2011. E a Human Rights Watch (HRW) criticava, no seu relatório, a ação dos governos e avisava que mais menores corriam o risco de abandonar a escola. E, de facto, os números aumentam
As razões apontadas pelo relatório da HRW para o impedimento de acesso à escolaridade têm a ver com as leis discriminatórias, as propinas elevadas, a exploração do trabalho infantil ou a violência. Sob o título “O Défice Educacional: Falhas na Proteção e Cumprimento do Direito à Educação nas Agendas Globais de Desenvolvimento”, o relatório reconhecia, no entanto, alguns avanços proporcionados por políticas internacionais e regionais, que levaram dezenas de milhões de crianças a entrar no ensino básico e mais meninas a permanecer na escola até ao ensino secundário. Não obstante, este progresso deixou para trás milhões de crianças e jovens, de acordo com o que se pode ler no dito documento de 85 páginas. E Mais crianças e adolescentes correm o risco de abandono da escola e muitos enfrentam condições de aprendizagem inadequadas, como conclui o relatório da organização de defesa dos direitos humanos, baseado em investigação realizada em mais de 40 países ao longo de duas décadas.
A culpa deste “défice educacional” é dos governos, que têm a responsabilidade de garantir que nenhuma criança ou jovem fica sem educação, e da falta de foco, tanto na aplicação como no conteúdo, das agendas para o desenvolvimento sobre as obrigações dos governos no âmbito dos direitos humanos. A este respeito, a organização sediada em Londres acusava pela voz da investigadora Elin Martínez:
“É impensável que em 2016 milhões de crianças e adolescentes em todo o globo vejam negado o direito à educação”.
Para a investigadora sobre direitos das crianças na HRW,
“Uma fraca monitorização e a falta de políticas contra a discriminação dão muitas vezes aos responsáveis um poder ilimitado para decidir quem pode passar a porta da escola e quem fica de fora”.
Apesar de todos os 196 países membros da ONU terem subscrito tratados que os obrigam a garantir educação a todas as crianças nos seus territórios, muitos países, entre os quais a República do Congo e a África do Sul, cobram propinas que as famílias não podem pagar. E os custos com a educação no ensino secundário impedem milhões de adolescentes de terminar pelo menos 9 anos de escolaridade em países como o Bangladesh, a Indonésia e o Nepal.
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Segundo a Unicef, a violência conexa com a escola afeta mais de 246 milhões de crianças. Com efeito, os castigos corporais na escola (e a agressividade entre coleguinhas, como referem alguns observatórios), com impacto negativo na capacidade de aprendizagem das crianças, continuam legais ou prática habitual em países como a Tanzânia, a África do Sul e muitos estados norte-americanos. E há ainda fatores específicos que levam as raparigas a desistir da escola, como o abuso sexual e a violência por parte de professores e colegas, testes de virgindade abusivos, testes de gravidez obrigatórios e regras que excluem as raparigas grávidas da escola.
Também o casamento infantil, que resulta da falta de acesso a uma educação mínima (já não falo em educação sustentável ou ao longo da vida), contribui para a falta de acesso a educação de qualidade em países como Bangladesh, Nepal, Tanzânia ou Zimbabué.
Cerca de 34 milhões de meninas não frequentam o ensino secundário e a HRW estima que 24 milhões de meninas nunca venham a entrar na escola.
Algumas populações são particularmente desfavorecidas, nomeadamente os 93 milhões de crianças com menos de 14 anos que em 2011 a OMS (Organização Mundial de Saúde) estimava viverem com deficiência moderada ou severa.
Tem aumentado ainda o número de crianças a viver em situações de crise humanitária e de conflitos de longo prazo, longe de casa e da pátria que, por isso, se veem impedidas de aceder à educação, já que as escolas se tornam inacessíveis e/ou inseguras. Assim, cerca de 29 milhões de crianças estão afastadas da escola devido a conflitos e deslocações, incluindo uma “geração perdida” de crianças sírias, das quais 2,1 milhões não vão à escola na Síria e quase um milhão nos países vizinhos, onde vivem como refugiados.
E agora, neste ano de 2017, a Campanha Mundial pela Educação recorda que há 263 milhões de menores sem ir à escola – um número mais assustador que os anteriores.
A Campanha Mundial pela Educação, que se realizou ao longo da última semana inteira de abril reconhece a existência ainda de 263 milhões de crianças e jovens sem acesso à educação, às quais se somam 758 milhões de adultos analfabetos, dois terços dos quais são mulheres. 
Assim é de questionar como é que vão ser cumpridos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adrede fixados numa cimeira da ONU, sem a efetivação do direito à escolarização em todo o mundo. Com efeito, foram 196 os Estados que, em 2015, firmaram os 17 objetivos desse plano de ação mundial que deve ser alcançado em 2030, com o qual se pretende “garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem durante toda a vida para todos”. A Campanha Mundial pela Educação, em que participaram 124 países, mobilizou-se para exigir aos governos que tomem as medidas necessárias para cumprir o exercício do direito à educação e à escolaridade.
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Entretanto, são também de denunciar alguns efeitos de uma educação ineficaz e até desviante. É, pois, verdade que os adolescentes portugueses estão entre os mais pesados da Europa. Na verdade, um relatório da OMS diz que 5% dos jovens portugueses de 11, 13 e 15 anos são obesos e que, entre 2002 e 2014, o consumo de fruta diminuiu 6,8% e o de vegetais aumentou 2%. E a Comunicação Social, ontem e hoje, dá-nos conta do conteúdo desse relatório
Em 6 meses, é a segunda vez que Portugal recebe um alerta internacional em matéria de alimentação e saúde infanto-juvenil. A luta contra a obesidade entre os mais novos não produz resultados satisfatórios. Em novembro de 2016, o relatório “Health at a Glance: Europe 2016”, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), avançava que mais de uma em cada quatro crianças portuguesas tinha excesso de peso. Agora, o alerta é da OMS e surge num documento que revela que 5% dos adolescentes de 11, 13 e 15 anos são obesos – acusando uma subida da prevalência da obesidade de 0,3 pontos percentuais desde 2002. Portugal está na lista dos “pesos pesados”. Piores só a Grécia, com o valor mais alto de 6,5% adolescentes obesos, a Macedónia, a Eslovénia e a Croácia, como consta do relatório “Adolescent obesity and related behaviours: trends and inequalities in the WHO European Region, 2002-2014”, que analisa 27 países e regiões. 
Em Portugal, aqueles 5% de adolescentes distribuem-se de forma assimétrica entre rapazes e raparigas. Os níveis de obesidade dos rapazes são mais elevados (6,9%) do que os das raparigas (3%). Quanto mais cedo as crianças se deparam com estes problemas, mais se acumulam os efeitos prejudiciais para a saúde e mais difícil se torna o seu combate. Em declarações ao Público, Margarida Gaspar de Matos, coordenadora do estudo da OMS em Portugal e psicóloga da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, lembra que “a obesidade está associada a problemas de saúde no futuro”, como a diabetes, problemas cardiovasculares, respiratórios ou de sono e mentais. 
No seu relatório de novembro, a OCDE mostrava-se preocupada com a diabetes, sobretudo pelo impacto negativo da associação a doenças cardíacas e oncológicas. Segundo os dados de então, 7% dos adultos a viver nos 28 Estados-membros eram diabéticos. Portugal ultrapassava a média, registando um valor de 9,3%, apenas superado pela França e pela Grécia. Países como a Lituânia, Dinamarca, Letónia, Roménia Suécia e Áustria registavam valores mais positivos, na ordem dos 5%. 
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Os maus hábitos alimentares, os estilos de vida sedentários e a pouca atividade física são alguns dos fatores que explicam a prevalência da obesidade. Em Portugal, 40,9% dos adolescentes comem fruta todos os dias, mas o consumo está a diminuir, precisamente em 6,8%, entre 2002 e 2014. O melhor exemplo surge na Bélgica (na comunidade francófona) que bate o recorde: 49,1% dos adolescentes comem fruta todos os dias.  Segundo Margarida Matos, o relatório da OMS não explica a descida do consumo de fruta. Mesmo assim, sustenta que, com a crise económica, comer fruta ficou “mais caro do que comer um hambúrguer”; e que a descida do seu consumo seria maior se não fosse a existência de alguns programas de distribuição de fruta nas escolas. 
Quanto aos vegetais, apenas 28% dos adolescentes portugueses os consomem diariamente, mas desde 2002 a tendência foi para o aumento do seu consumo na casa dos 2%. De novo, a Bélgica e ainda a Ucrânia registam “bons” consumos acima dos 50%. No extremo oposto, os adolescentes portugueses estão a consumir menos doces e bebidas refrigerantes: 7,6% comem doces mais que uma vez por dia. Apesar das advertências para os efeitos prejudiciais para a saúde do consumo excessivo de açúcar, é cada vez mais frequente a venda de “gomas” e outras guloseimas em lojas e cafés a poucos metros de distância dos portões das escolas. 
A OMS analisou também a relação entre a obesidade e as condições socioeconómicas e concluiu que a má alimentação dos adolescentes está associada a dificuldades financeiras das famílias. Em Portugal, o relatório encontra relação entre o peso e a carência económica apenas nos rapazes de 11 anos, idade da maior prevalência de obesidade nos adolescentes. E, à margem deste relatório, o apoio às famílias carenciadas nas escolas tem merecido a atenção da Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, que garantiu, no Parlamento, que no próximo ano letivo haverá refeições nas férias escolares para os alunos que necessitem. 
A OMS mostra ainda a relação da obesidade com outros fatores, como a alimentação e o exercício. E há más notícias nesta matéria: tanto os hábitos alimentares, como a atividade física pioram com a idade apesar de ser entre os rapazes de 11 anos que mais prevalece a obesidade, associada ainda a fatores relacionados com o crescimento. 
Também é dos 11 aos 15 anos que aumentam alguns comportamentos sedentários, como ver televisão ou utilizar o computador mais de duas horas por dia. O relatório mostra, no entanto, que, em Portugal, o consumo destes meios tem vindo diminuir, o que para Margarida Matos significa apenas uma mudança para outros dispositivos, como tablets e smartphones, e não propriamente mais atividade física. 
Também a prática de desporto não é algo a que os adolescentes portugueses se apliquem com regularidade. Aos 13 anos, as raparigas estão entre as mais inativas da Europa. Só 6% dedicam uma hora diária à prática (moderada a intensa) duma atividade. Aos 15 anos, o valor desce para 5%, mas aos 11 anos os resultados são melhores: 16% das raparigas exercitam-se uma hora por dia. Entre os rapazes, aos 11 anos – a idade mais baixa avaliada – 26% fazem pelo menos uma hora por dia de exercício físico (moderado a vigoroso); aos 13 anos, apenas 25% fazem o mesmo; e aos 15, já só 18%. Sobre esta descida, a coordenadora do estudo da OMS em Portugal salienta que é preciso encontrar novas formas de incentivar os jovens à prática do exercício. A começar por combater certos estereótipos como “retirar dos praticantes de atividade física a etiqueta de que são pouco intelectuais”. Segundo ela, as poucas condições nas escolas para que os jovens possam tomar banho, após as aulas de Educação Física, bem como as políticas educativas do anterior Ministro da Educação Nuno Crato, que desvalorizaram esta disciplina, poderão ajudar a explicar o afastamento dos adolescentes portugueses da prática de exercício físico.
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Mas não vale a pena responsabilizar pura e simplesmente o Ministro. Não sei se o erro está no capricho dos adolescentes, na abdicação dos pais, na falta de vigilância da escola e, sobretudo, na autoridade que não é reconhecida aos professores por alunos, autarcas, pais e sociedade em geral (e houve governos que fizeram a sua parte no ataque ao professor). Talvez as autarquias, que pretendem um papel decisivo na educação, possam desempenhar um papel fiscalizador na prestação das empresas fornecedoras de refeições escolares e na instalação de estabelecimentos hoteleiros e similares, quiosques e vendas ambulantes junto das escolas e máquinas de guloseimas e refrigerantes no seu interior.
Dizer que se educa é fácil. Difícil é educar com eficácia e de acordo com os valores da ética, da saúde e da cidadania.

2017.05.18 – Louro de Carvalho 

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