quarta-feira, 24 de maio de 2017

Papa Francisco recebeu em audiência privada Donald Trump

Na manhã de hoje, dia 24 de maio, pelas 8,30 horas de Roma, o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, foi recebido em audiência pelo Papa Francisco e, sucessivamente, encontrou-se (acompanhado da sua delegação, que incluía o Secretário de Estado, Rex W. Tillerson, e o Conselheiro de Segurança Nacional, H. R. McMaster) com o número dois do Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, que se fazia acompanhar do Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados (um tipo de ministro das Relações Exteriores). O encontro marca o primeiro contacto oficial entre Trump e o líder de quase 1,3 milhões de católicos, que provavelmente apaziguará as tensões, fiel à tradicional linha diplomática do Vaticano de receber e ouvir todas as partes.
Os colóquios no Vaticano ocorreram no contexto da primeira viagem oficial do Presidente norte-americano ao estrangeiro. Assim, Trump foi à Itália para participar numa cimeira do G7, os sete países mais industrializados do mundo, que se realizará nos dias 26 e 27 de maio em Taormina, na Sicília. Entretanto, após o encontro com o Papa e o Secretário de Estado do Vaticano, o Presidente dos Estados Unidos encontrou-se com o Presidente italiano, Sergio Matarella, no Quirinal, após o que teve um almoço de trabalho com o Primeiro-Ministro italiano, Paolo Gentiloni, antes de seguir para Bruxelas, onde participará numa reunião amanhã, dia 25 de maio, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), e donde regressará à Itália para tomar parte, na  cidade de Taormina, na Sicília, na dita cimeira do G7, a ter lugar nos dias 26 e 27 deste mês. 
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Tanto a Rádio Vaticano como a Sala de Imprensa da Santa Sé salientam a cordialidade dos colóquios, que evidenciam a satisfação pelas boas relações bilaterais existentes entre a Santa Sé e os Estados Unidos da América e pelo compromisso comum de cooperação em prol da vida e da liberdade religiosa, de consciência e de culto.
Por consequência, formularam-se votos por uma serena colaboração entre o Estado e a Igreja Católica nos Estados Unidos, comprometida no serviço das populações nos âmbitos da saúde, da educação e da assistência aos imigrantes. Naturalmente, os colóquios proporcionaram o intercâmbio de opiniões sobre alguns temas relativos à atualidade internacional e à promoção da paz no mundo através da negociação política e do diálogo inter-religioso, com referência particular à situação no Médio Oriente e à tutela das comunidades cristãs.
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Previa-se que o encontro se revestisse de uma certa delicadeza, já que pairavam no ar alguns fumos de tensão entre os dois líderes dos quais se conhecem posições muito diferentes sobre temas como migração e mudanças climáticas. Com efeito, o Presidente dos Estados Unidos e o primeiro Pontífice de origem latino-americana defendem modelos económicos e sociais opostos e colidiram em temas como a construção de um muro entre os Estados Unidos e o México para frear a migração e a necessidade de tomar medidas globais para obviar às mudanças climáticas.
O Papa, em 17 de fevereiro de 2016, no encontro com os jornalistas no voo de regresso do México a Roma, foi confrontado com uma afirmação de Phil Pulella, da “Reuters” sobre do candidato Donald Trump e a consequente pergunta:
“Hoje falou de forma muito eloquente sobre os problemas dos imigrantes. Entretanto, do outro lado da fronteira, está em marcha uma campanha eleitoral bastante dura; numa entrevista recente um dos candidatos à Casa Branca, o republicano Donald Trump, afirmou que o Papa é um homem político, chegando a dizer que talvez seja um peão, um instrumento do governo mexicano para a política de imigração. Declarou que, se for eleito, quer construir 2.500 km de muro ao longo da fronteira; quer deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, separando assim as famílias, etc. Então, queria perguntar-lhe, antes de mais nada, que pensa destas acusações contra si e se um católico norte-americano pode votar em tal pessoa.”.
E Francisco replicou:
“Bem, graças a Deus, que disse que sou político, porque Aristóteles define a pessoa humana como ‘animal politicum’. Pelo menos sou uma pessoa humana! Quanto a ser um peão, bem, talvez seja melhor nem comentar… deixo isso ao vosso juízo, ao juízo das pessoas. E, depois, uma pessoa que só pensa em fazer muros, onde quer que seja, e não em fazer pontes, não é cristã. Isto não está no Evangelho. Quanto àquilo que me perguntava sobre o conselho que daria de votar ou não votar, não me intrometo. Digo apenas: se diz estas coisas, este homem não é cristão. É preciso ver se ele disse estas coisas; por isso, lhe dou o benefício da dúvida.”.
Donald Trump, que acusara, como se viu, o Pontífice de ser um “homem político” e um instrumento do governo mexicano para a política migratória (o que foi contestado com ironia) reagiu dizendo que Francisco não tinha legitimidade para se pronunciar sobre a fé de alguém.  
Quando faltavam apenas cinco semanas para a cimeira na Sicília, a Casa Branca ainda não havia solicitado oficialmente a audiência papal, o que suscitou muitas especulações, pois os presidentes costumam solicitar ao Vaticano com vários meses de antecedência audiências com o Papa, que em geral as concede. Porém, a 19 de abril, o próprio Papa Francisco manifestou a disposição de receber Trump, embora tenha confessado que ainda não havia recebido nenhuma solicitação oficial.
E, a 13 de maio, no voo de regresso de Monte Real (Portugal) a Roma, pronunciou-se sobre Trump assegurando não fazer juízos sobre uma pessoa sem a escutar e que, no encontro previsto, cada um dirá o que pensa. E, em relação ao que esperava do encontro com um Chefe de Estado que pensa diferente de si, garantia não ter portas fechadas, mas, ao menos, com alguma abertura para cada um poder dizer o que pensa, para cada um entrar e falar sobre problemas comuns e andar para a frente, passo a passo. Ademais, reiterou que a paz é artesanal, se constrói no dia a dia, como a amizade, o conhecimento mútuo, a estima. Escuta-se e diz-se o que se pensa, mas sempre com respeito. E, sobre a hipótese de o Presidente vir a modificar as suas decisões, Francisco disse tratar-se de um cálculo político que se abstém de fazer e que também no plano religioso não é proselitista.
Historicamente, todos os presidentes do século XX dos Estados Unidos solicitaram encontros com o Pontífice durante suas viagens à Itália. Barack Obama reuniu-se por duas vezes com o Papa Francisco, uma no Vaticano em 2014 e outra durante a viagem do Pontífice aos Estados Unidos em 2015. E fora recebido no Vaticano por Bento XVI, em 2009.
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Pelos vistos, o encontro começou com um aperto de mão e um sorriso de ambos.
Atravessando uma cidade blindada desde a sua chegada, na noite do dia 23, Donald Trump deixou a Villa Taverna, residência do embaixador dos Estados Unidos onde estava alojada sua delegação, e chegou ao Pátio de São Dâmaso às 8,20 horas sob fortes medidas de segurança e uma comitiva presidencial de dezenas de automóveis. O Presidente entrou no Estado do Vaticano através da porta do Perugino, depois de seguir pela Via da Conciliação sob os olhos de centenas de passantes e fiéis que estavam a caminho da Praça São Pedro, para participar da audiência geral com o Santo Padre.
Trump vinha acompanhado da esposa, Melania, a filha mais velha, Ivanka, o genro, Jared Kushner, e uma delegação de cerca de 20 pessoas, 12 das quais estiveram com o Papa. 
A audiência particular, a portas fechadas, na biblioteca privada, começou às 8,33 horas e teve a duração de 27 minutos. Foi possível ouvir Trump referir que esta era uma ‘grande honra’.
Durante a audiência, a esposa e a filha do Presidente dos EUA visitaram a Capela Paulina e a Sala Regia, tendo aguardado depois em conversa com a delegação e representantes do Vaticano numa sala adjacente.
Em seguida, a comitiva foi chamada para o momento da troca de presentes e os habituais cumprimentos diante dos fotógrafos. Porém, antes da sessão fotográfica, o Papa Francisco cumprimentou com cordialidade Melania Trump, a quem perguntou “se já haviam comido uma pizza” e abençoou um terço que a esposa do Presidente tinha nas mãos. Também a filha, Ivanka, disse algumas palavras ao Papa, que a escutou em silêncio.
O Papa ofereceu a Donald Trump as edições em inglês da sua mensagem para o Dia Mundial da Paz 2017 – dedicada à não violência como estilo de vida –, assinada especialmente para o Presidente dos EUA; das exortações “A Alegria do Evangelho” (Evangelii Gaudium) e “A Alegria do Amor” (Amoris Laetitia), sobre a família; e da carta encíclica “Laudato sí”, documento sobre o cuidado da casa comum, que abrange a questão ecológica. E, como é tradição em audiências a Chefes de Estado, Francisco ofereceu também um medalhão do seu Pontificado com dois ramos de oliveira entrelaçados, símbolo da paz que se sobrepõe à guerra, explicando o seu significado.
Por seu turno, o líder norte-americano presenteou o Papa com uma coletânea dos 5 livros escritos por Martin Luther King e uma peça do monumento de granito que honra o ativista afro-americano em Washington e uma escultura de bronze. Um dos livros, “The Strength to Love” (A Força do Amor”, 1963), traz a assinatura do próprio Luther King.
Segundo uma nota da Casa Branca, a peça do monumento em granito é uma “homenagem à esperança, visão e inspiração do ativista para as gerações vindouras”. Com a peça e os livros, Trump também entregou uma cópia do discurso que o Papa ofereceu a uma sessão do Congresso dos EUA em setembro de 2015, na qual foi celebrado o legado de Luther King. E a escultura de bronze foi feita à mão por um artista estadunidense não identificado e representa “a esperança de um amanhã pacífico”, pois evoca dois valores universais: a unidade e a resistência.
Segundo a programação, o Presidente e toda a delegação visitaram a Capela Sistina e a Basílica de São Pedro. E, na sequência, a primeira-dama foi até o Hospital Pediátrico Bambino Gesù (Menino Jesus), propriedade da Santa Sé, perto do Vaticano. E a filha de Trump, Ivanka, seguiu com o marido para a Comunidade de Santo Egídio, no bairro de Trastevere, tendo abordado a questão do tráfico humano.
O Hospital Bambino Gesù, o 1.º hospital pediátrico da Itália, foi criado em 1869 pelos Duques Salviati. Em 1924, foi doado à Santa Sé, tornando-se, para todos os efeitos, um hospital pontifício, um hospital de excelência. Em 2104, foi enriquecido com novos laboratórios de pesquisa que se estendem por 5000 m2 e dotados de modernas tecnologias de investigação genética e celular. É o maior policlínico e centro de pesquisa pediátrica na Europa. Tem 4 polos de internamento e cura em Itália, sendo a sede principal no gianícolo, perto do Vaticano.
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É de esperar que, em razão da resistência interna e depois deste encontro marcado pela bonomia esclarecedora, o Presidente estadunidense ganhe a postura de mitigação das suas políticas em prol da concórdia e da paz. Prosit!

2017.05.24 – Louro de Carvalho

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