Na manhã de hoje, dia 24 de maio, pelas 8,30 horas de Roma, o
Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, foi recebido em
audiência pelo Papa Francisco e, sucessivamente, encontrou-se (acompanhado da sua delegação, que
incluía o Secretário de Estado, Rex W. Tillerson, e o Conselheiro de Segurança
Nacional, H. R. McMaster)
com o número dois do Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, que
se fazia acompanhar do Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as
Relações com os Estados (um tipo de ministro das Relações Exteriores). O
encontro marca o primeiro contacto oficial entre Trump e o líder de quase 1,3
milhões de católicos, que provavelmente apaziguará as tensões, fiel à
tradicional linha diplomática do Vaticano de receber e ouvir todas as partes.
Os colóquios no Vaticano ocorreram no contexto da
primeira viagem oficial do Presidente norte-americano ao estrangeiro. Assim,
Trump foi à Itália para participar numa cimeira do G7, os sete países mais industrializados
do mundo, que se realizará nos dias 26 e 27 de maio
em Taormina, na Sicília. Entretanto, após o encontro com o Papa e o Secretário
de Estado do Vaticano, o Presidente dos Estados Unidos encontrou-se com
o Presidente italiano, Sergio Matarella, no Quirinal, após o que teve um almoço
de trabalho com o Primeiro-Ministro italiano, Paolo Gentiloni, antes de seguir
para Bruxelas, onde participará numa reunião amanhã,
dia 25 de maio, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), e donde regressará à Itália para tomar
parte, na cidade de Taormina, na Sicília, na dita cimeira do G7, a ter
lugar nos dias 26 e 27 deste mês.
***
Tanto a Rádio Vaticano como a Sala de Imprensa da Santa Sé
salientam a cordialidade dos colóquios, que evidenciam a satisfação pelas boas
relações bilaterais existentes entre a Santa Sé e os Estados Unidos da América
e pelo compromisso comum de cooperação em prol da vida e da liberdade religiosa,
de consciência e de culto.
Por consequência, formularam-se votos por uma serena colaboração
entre o Estado e a Igreja Católica nos Estados Unidos, comprometida no serviço
das populações nos âmbitos da saúde, da educação e da assistência aos
imigrantes. Naturalmente, os colóquios proporcionaram o intercâmbio de opiniões
sobre alguns temas relativos à atualidade internacional e à promoção da paz no
mundo através da negociação política e do diálogo inter-religioso, com
referência particular à situação no Médio Oriente e à tutela das comunidades
cristãs.
***
Previa-se que o encontro se revestisse de uma certa
delicadeza, já que pairavam no ar alguns fumos de tensão entre os dois líderes
dos quais se conhecem posições muito diferentes sobre
temas como migração e mudanças climáticas. Com efeito, o Presidente dos Estados Unidos e o primeiro Pontífice de
origem latino-americana defendem modelos económicos e sociais opostos e
colidiram em temas como a construção de um muro entre os Estados Unidos e o
México para frear a migração e a necessidade de tomar medidas globais para
obviar às mudanças climáticas.
O
Papa, em 17 de fevereiro de 2016, no encontro com os jornalistas no voo de
regresso do México a Roma, foi confrontado com uma afirmação de Phil Pulella, da “Reuters”
sobre do candidato Donald Trump e a consequente pergunta:
“Hoje
falou de forma muito eloquente sobre os problemas dos imigrantes. Entretanto, do outro lado da fronteira, está em marcha uma
campanha eleitoral bastante dura; numa entrevista recente um dos candidatos à
Casa Branca, o republicano Donald Trump, afirmou que o Papa é um homem
político, chegando a dizer que talvez seja um peão, um instrumento do governo
mexicano para a política de imigração. Declarou que, se for eleito, quer
construir 2.500 km de muro ao longo da fronteira; quer deportar 11 milhões de
imigrantes ilegais, separando assim as famílias, etc. Então, queria
perguntar-lhe, antes de mais nada, que pensa destas acusações contra si e se um
católico norte-americano pode votar em tal pessoa.”.
E
Francisco replicou:
“Bem, graças a Deus, que
disse que sou político, porque Aristóteles define a pessoa humana como ‘animal
politicum’. Pelo menos sou uma pessoa humana! Quanto a ser um peão, bem,
talvez seja melhor nem comentar… deixo isso ao vosso juízo, ao juízo das
pessoas. E, depois, uma pessoa que só pensa em fazer muros, onde quer que seja,
e não em fazer pontes, não é cristã. Isto não está no Evangelho. Quanto àquilo
que me perguntava sobre o conselho que daria de votar ou não votar, não me
intrometo. Digo apenas: se diz estas coisas, este homem não é cristão. É
preciso ver se ele disse estas coisas; por isso, lhe dou o benefício da dúvida.”.
Donald
Trump, que acusara, como se viu, o Pontífice de ser um “homem político” e um instrumento
do governo mexicano para a política migratória (o que foi contestado com ironia) reagiu dizendo que Francisco
não tinha legitimidade para se pronunciar sobre a fé de alguém.
Quando
faltavam apenas cinco semanas para a cimeira na Sicília, a Casa Branca ainda
não havia solicitado oficialmente a audiência papal, o que suscitou muitas
especulações, pois os presidentes costumam solicitar ao Vaticano com vários
meses de antecedência audiências com o Papa, que em geral as concede. Porém, a
19 de abril, o próprio Papa Francisco manifestou a disposição de receber Trump,
embora tenha confessado que ainda não havia recebido nenhuma solicitação
oficial.
E, a 13 de
maio, no voo de regresso de Monte Real (Portugal) a Roma, pronunciou-se sobre
Trump assegurando não fazer juízos sobre uma
pessoa sem a escutar e que, no encontro previsto, cada um dirá o que pensa. E,
em relação ao que esperava do encontro com um Chefe de Estado que pensa
diferente de si, garantia não ter portas fechadas, mas, ao menos, com alguma
abertura para cada um poder dizer o que pensa, para cada um entrar e falar
sobre problemas comuns e andar para a frente, passo a passo. Ademais, reiterou
que a paz é artesanal, se constrói no dia a dia, como a amizade, o conhecimento
mútuo, a estima. Escuta-se e diz-se o que se pensa, mas sempre com respeito. E,
sobre a hipótese de o Presidente vir a modificar as suas decisões, Francisco
disse tratar-se de um cálculo político que se abstém de fazer e que também no
plano religioso não é proselitista.
Historicamente,
todos os presidentes do século XX dos Estados Unidos solicitaram encontros com
o Pontífice durante suas viagens à Itália. Barack Obama reuniu-se por duas
vezes com o Papa Francisco, uma no Vaticano em 2014 e outra durante a viagem do
Pontífice aos Estados Unidos em 2015. E fora recebido no Vaticano por Bento
XVI, em 2009.
***
Pelos vistos, o encontro começou com um aperto de mão e um sorriso de ambos.
Atravessando uma cidade blindada desde a sua chegada, na
noite do dia 23, Donald Trump deixou a Villa Taverna, residência do embaixador
dos Estados Unidos onde estava alojada sua delegação, e chegou ao Pátio de São Dâmaso às 8,20 horas
sob fortes medidas de
segurança e uma comitiva presidencial
de dezenas de automóveis. O Presidente entrou no Estado do
Vaticano através da porta do Perugino, depois de seguir pela Via da Conciliação
sob os olhos de centenas de passantes e fiéis que estavam a caminho da Praça
São Pedro, para participar da audiência geral com o Santo Padre.
Trump vinha acompanhado da esposa, Melania, a filha mais
velha, Ivanka, o genro, Jared Kushner, e uma delegação de cerca de 20 pessoas,
12 das quais estiveram com o Papa.
A audiência particular, a portas fechadas,
na biblioteca privada, começou às 8,33 horas e teve a duração de 27 minutos. Foi possível ouvir Trump referir que esta era uma ‘grande honra’.
Durante a audiência, a esposa e a filha do Presidente dos EUA
visitaram a Capela Paulina e a Sala Regia, tendo aguardado depois em conversa com
a delegação e representantes do Vaticano numa sala adjacente.
Em seguida, a comitiva foi chamada para o momento da troca de presentes e os habituais cumprimentos diante dos fotógrafos.
Porém, antes da sessão fotográfica, o Papa Francisco cumprimentou com
cordialidade Melania Trump, a quem perguntou “se já haviam comido uma pizza” e
abençoou um terço que a esposa do Presidente tinha nas mãos. Também a filha,
Ivanka, disse algumas palavras ao Papa, que a escutou em silêncio.
O Papa ofereceu a Donald Trump as edições em inglês da sua mensagem
para o Dia Mundial da Paz 2017 – dedicada
à não violência como estilo de vida –, assinada especialmente para o Presidente
dos EUA; das exortações “A Alegria do Evangelho” (Evangelii Gaudium) e “A Alegria do Amor” (Amoris Laetitia),
sobre a família; e da carta encíclica “Laudato
sí”, documento sobre o cuidado da casa comum, que abrange a questão
ecológica. E, como é tradição em audiências a Chefes de Estado, Francisco
ofereceu também um medalhão do seu
Pontificado com dois ramos de oliveira entrelaçados, símbolo da paz que se sobrepõe à guerra, explicando o seu
significado.
Por seu turno, o líder norte-americano presenteou o Papa com
uma coletânea dos 5 livros escritos por Martin Luther King e uma peça do
monumento de granito que honra o ativista afro-americano em Washington e uma
escultura de bronze. Um dos livros, “The
Strength to Love” (“A Força do Amor”, 1963), traz a assinatura do próprio
Luther King.
Segundo uma nota da Casa Branca, a peça do monumento em
granito é uma “homenagem
à esperança, visão e inspiração do ativista para as gerações vindouras”.
Com a peça e os livros, Trump também entregou uma cópia do discurso que o Papa
ofereceu a uma sessão do Congresso dos EUA em setembro de 2015, na qual foi
celebrado o legado de Luther King. E a escultura de bronze foi feita à mão por
um artista estadunidense não identificado e representa “a esperança de um
amanhã pacífico”, pois evoca dois valores universais: a unidade
e a resistência.
Segundo a programação, o Presidente e toda a delegação
visitaram a Capela Sistina e a Basílica de São Pedro. E, na sequência, a primeira-dama
foi até o Hospital Pediátrico Bambino Gesù (Menino Jesus), propriedade da Santa Sé, perto do Vaticano. E a filha de Trump,
Ivanka, seguiu com o marido para a Comunidade de Santo Egídio, no bairro de
Trastevere, tendo abordado a questão do tráfico humano.
O Hospital Bambino Gesù, o 1.º hospital pediátrico da Itália,
foi criado em 1869 pelos Duques Salviati. Em 1924, foi doado à Santa Sé,
tornando-se, para todos os efeitos, um hospital pontifício, um hospital de
excelência. Em 2104, foi enriquecido com novos laboratórios de pesquisa que se
estendem por 5000 m2 e dotados de modernas tecnologias de
investigação genética e celular. É o maior policlínico e centro de pesquisa pediátrica
na Europa. Tem 4 polos de internamento e cura em Itália, sendo a sede principal
no gianícolo, perto do Vaticano.
***
É de esperar que, em razão da resistência interna e depois
deste encontro marcado pela bonomia esclarecedora, o Presidente estadunidense ganhe
a postura de mitigação das suas políticas em prol da concórdia e da paz. Prosit!
2017.05.24
– Louro de Carvalho
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