Uma das grandes preocupações dos governos
em todo o mundo é a intensificação da migração para os grandes centros urbanos,
com especial destaque para os países em desenvolvimento, na Ásia e África,
obrigados a responder ao fenómeno com os parcos recursos de que dispõem.
Mesmo o
nosso Portugal, que chegou alegadamente a figurar no pelotão da frente na
integração na UE, de crise em crise cá vai registando o êxodo dos meios rurais.
Todos clamamos contra a desertificação do interior e não conseguimos anular ou
minorar as ditas assimetrias geografias e sociais. Tanto assim é que se torna
notícia o facto de alguém, sobretudo estrangeiro, procurar estabelecer-se numa
aldeia perdida algures ou num monte do Alentejo profundo.
Atenta ao
fenómeno, a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) vem promovendo encontros regulares com vista à troca
de experiências e à definição de estratégias para a transformação das cidades
com baixo nível de urbanização em cidades sustentáveis.
A este
respeito, o secretário-geral da UCCLA, em entrevista ao Jornal de Angola, do passado dia 5 de maio, sob a responsabilidade
de Natacha Roberto, fala da trajetória de Luanda na requalificação dos seus assentamentos
urbanos e, deambulando por outras paragens, sobretudo países constituídos por
territórios que estiveram sob administração portuguesa, estabelece comparações
entre modelos de gestão das cidades – linhas gerais de que, a seguir, se dá
conta.
***
A partir da verificação de que Angola viveu
um enorme conflito que redundou na grande concentração populacional nas
cidades, salienta que “as estatísticas apontam que 60% da população vive nas
cidades”. Todavia, as cidades debatem-se com problemas de enorme relevo para o
futuro, em que sobressaem “a mobilidade, o saneamento básico e a planificação
urbanística”. No entanto, prevê-se que “o futuro da humanidade” se jogará “nas
cidades”, estimando-se que, “daqui a 15 anos, 80% da população mundial vai
viver nas cidades”. Por isso, é necessário criar a “consciência de que as
cidades têm de ser dotadas de uma gestão e um poder local com financiamento
próprio para articular os grandes problemas”, não sendo este “um problema só
dos governos”. Assim, a primeira conclusão tirada pelo entrevistado é a de que
“Angola deve avançar para uma crescente democratização das autarquias”.
E sustenta a sua conclusão com exemplos de sucesso africanos, aduzindo
que o Estado moçambicano “encontrou uma
forma de autonomizar de forma gradual o poder autárquico”. E, como testemunho
desse avanço gradual, refere que algumas autarquias ainda são nomeadas pelo
Governo. Cabo Verde procedeu a eleições autárquicas imediatamente às gerais.
São Tomé e Príncipe seguiu o mesmo modelo. Mas as opções dependem dos
respetivos Estados. E exemplifica com o caso de Timor-Leste, que, “por razões
de guerra e embora com menos densidade populacional que Angola, ainda não
avançou para as eleições autárquicas”. São, pois, os Estados que “devem
encontrar soluções adequadas para melhorar as suas autonomias locais”.
No atinente ao papel decisivo da concertação social como espaço de
diálogo entre governantes e governados, Ramalho considera fundamental o papel das cidades naquilo que se chama “cidadania
autárquica”, em que a população faz a “pólis” (cidade) e é “elemento determinante no meio em que vive”. Nestes termos,
cabe a cada cidadão e a todos no seu conjunto a consciência e responsabilidade
na manutenção do sítio onde se reside e a exigência aos responsáveis autárquicos
de respostas para os problemas básicos como a mobilidade.
Um estudo
levado a cabo aquando da carência de transportes nos arredores de Lisboa
indicava que as pessoas perdiam 8 anos de vida dentro dos carros no percurso de
casa ao trabalho – situação que é hoje mais grave ainda em Luanda. Daqui
resulta que o trabalho se converte numa obrigação que gera a rejeição do que se
faz porque não dá prazer, mercê do “stress” gerado pelo longo percurso a
percorrer, quando o importante é que “os cidadãos atinjam um grau de felicidade
e de bem-estar desejado”. Ora, para tal, questões como as do fornecimento de
energia eléctrica devem constar na agenda de prioridades dos Estados para
desenvolver as cidades, em especial no respeitante à mobilidade dos cidadãos –
no que é fundamental a responsabilidade dos gestores das cidades, que “têm o
futuro dos cidadãos em suas mãos”.
***
Victor Ramalho considera o slogan “a
vida faz-se nos municípios” como a premonição de que a melhor garantia da qualidade de vida dos cidadãos passa pelo futuro das
cidades. E aponta estatísticas: a média de urbanidade em Angola é de 60%, na
América Latina é de 70% e daqui a 15 anos será de 80% no mundo. E a China integrará a lista de países
com grande nível de urbanidade e crescimento sustentável, já que tirou da
pobreza a maior parte da sua população.
Por outro lado, o entrevistado pensa que “uma política de proximidade na
gestão das cidades” constituirá a solução
para todos os problemas”, aduzindo como exemplo o orçamento participativo
enquanto uma das soluções adotadas por muitas cidades. Parte do orçamento é,
nestes casos, gerida em resposta às necessidades indicadas pelos cidadãos.
Em relação à crise económica e financeira de Angola em resultado do baixo
preço do petróleo no mercado internacional, sustenta que “o mundo está em mudança e o rumo é imprevisível”. É uma
crise que afetou quase todos os países do antigo ocidente. É certo que, depois
da mudança do mundo bipolar para o multipolar, muitos países cresceram
notavelmente”. Porém, em muitos casos, a crise refreou o ritmo de
desenvolvimento.
Sobre a alegação de que se torna, de momento, “mais difícil investir em
cidades inteligentes, até porque é caro”, manifesta as suas dúvidas. De
facto, “as dificuldades de resposta ao
investimento são enormes”. Não obstante, “se a diminuição da produção nacional
for resultante da crise e o país tem dificuldades em produzir o bastante para
satisfazer as necessidades”, é óbvio que “o Estado deve apostar mais na
diversificação da economia”. Deve, pois, procurar-se o equilíbrio na
diversificação e prestar a necessária atenção ao setor primário como “uma saída
para gerar riqueza”. Ora, “Angola tem riqueza bastante na agricultura, pescas e
agropecuária, capaz de resolver os problemas”, sendo duvidosa a “ideia de
muitos economistas que afirmavam que para desenvolver as economias os países
deviam apostar nos setores terciários”.
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Considerando a questão se o desenvolvimento urbano sustentável deve estar
adequado à realidade social e económica de cada país ou se existe um único
paradigma, Ramalho defende que “o conceito de
cidades sustentáveis procura conciliar o desenvolvimento económico com a
preservação do ambiente”, sendo deste modo que se “procura responder ao
bem-estar dos cidadãos”. Na planificação de qualquer país e em particular em
Angola, estes aspetos ambientais e de bem-estar devem ser avaliados com cuidado
“porque o importante é construir com sentido de autossustentabilidade” e “os
serviços e meios devem funcionar de forma eficaz”. Mais: reunindo Angola
condições únicas para “um desenvolvimento sustentável e harmonizado” e sendo a
riqueza no setor primário suficiente para desenvolver as cidades, deve criar condições
para que “as pessoas se sintam bem e felizes de regresso às suas terras”, dado
que, fruto da guerra, “a densidade populacional aumentou nas grandes cidades”.
Aqui parece ter esquecido a questão da desminagem do território…
Em resposta à asserção de que “os engenheiros e arquitetos angolanos
estão a elaborar um formulário de planeamento urbano” com base na experiência
de cidades inteligentes, “para garantir que todas as áreas tenham saneamento
básico e os sistemas de transporte urbano funcionem de forma eficiente, Ramalho assegura que hoje “as cidades têm este
formulário que assenta na projeção de um plano urbanístico coerente”. E alude a
uma cidade portuguesa com um projeto que inclui o acesso a meios como
bicicletas para os cidadãos se locomoverem dentro dela, para afirmar que “este
sistema já é usual em muitos países e tem propiciado bem-estar aos munícipes”. E entende que os cidadãos devem
participar na qualidade de vida dos locais onde habitam ajudando a suportar
alguns encargos públicos que incluem o saneamento básico.
Questionado sobre se o mundo está preparado para alcançar até 2030 a
cláusula da ADS (Agenda de Desenvolvimento
Sustentável) de “tornar as cidades e os assentamentos humanos mais inclusivos, seguros,
resistentes e sustentáveis”, o entrevistado responde:
“Os objetivos
do milénio antes do horizonte 2030 atendiam ao problema da pobreza numa
realidade abstrata. Acreditou-se que havia metas para superação da pobreza e
que todos os países tinham de dinamizar as suas ações para elevar a condição
dos seus cidadãos, mas infelizmente não foram alcançados. Hoje a realidade do
horizonte até 2030 centra-se nas cidades. Há 17 objetivos traçados pelos
Estados-membros, um dos quais se refere ao papel das cidades. Espero que os
poderes centrais percebam a importância de dar respostas aos desafios para o
desenvolvimento sustentável através da autonomia financeira a terceiros.”.
Num mundo que vive graves ondas de contrastes sociais, económicos e de
segurança pública, o entrevistado aponta “um caminho
longo a percorrer” e a necessidade de “mais vontade política”, acreditando que “o
país tem recursos suficientes para responder a estas questões”.
Sobre o trabalho de parceria com a agência da ONU para a habitação e a
requalificação dos musseques em vez da sua eliminação, Ramalho sustenta que “deve existir uma abordagem corretiva”, com as
intervenções do Estado, “que não permita que surjam novos musseques”.
Sobre o papel das novas tecnologias, o secretário-geral da UCCLA
pronuncia-se deste modo:
“Sem
evolução tecnológica não existem cidades inteligentes. A tecnologia é a solução
para muitos problemas. E os países têm que utilizá-la para resolverem os seus
problemas de tráfego e a mobilidade dos cidadãos. As novas tecnologias têm de
estar em primeiro lugar em qualquer Estado. Por exemplo, hoje podemos ter uma direção
de uma unidade fabril em Luanda e a fábrica estar sediada na China. […] Esta
medida traz múltiplas vantagens, como a redução dos custos de produção.”.
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Da UCCLA diz que é a precursora da
CPLP (Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa) e a 1.ª instituição
de parceria público-privada voltada para a cooperação para o desenvolvimento no
seio da lusofonia – uma associação intermunicipal de natureza internacional,
criada a 28 de junho de 1985. Mais disse:
“Tem sido
palco de frutuosas e intensas ações de intercâmbio e cooperação, assumindo a
missão de contribuir para o desenvolvimento e bem-estar das populações. […] Somos
uma comunidade grande e vamos ser maiores se as Nações Unidas alargarem as
zonas marítimas económicas exclusivas dos nossos países.”.
E, a
propósito da cimeira de abril em Luanda, que elegeu os órgãos sociais para o biénio 2017-2019, disse da UCCLA:
“Tem uma
grande responsabilidade na partilha de informações entre os países membros,
sobretudo no que se refere aos problemas de mobilidade. […] Adiantámos algumas
soluções, falámos de uma grande empresa internacional com experiência na
resolução de problemas ligados à mobilidade, a Siemens. Trouxemos também para o
encontro o exemplo da cidade de Almada, em Portugal, que utiliza o método de
superfícies, que facilita a mobilidade dos cidadãos, sem criar problemas adicionais.
***
Talvez tenhamos de rever posições em relação
à importância do setor terciário, não?!
2017.05.22 – Louro de Carvalho
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