Sara Oliveira
postou, a 4 de maio, no educare.pt, um texto de reflexão sobre o sistema
educativo com base em declarações ao JL
(Jornal de
Letras) do ex-Ministro da Educação Roberto Carneiro, que se mostra
simultaneamente otimista e preocupado com o estado atual da educação.
O ex-Ministro da Educação (com 9 filhos
e 14 netos) é professor associado da UCP (Universidade
Católica Portuguesa), consultor
de várias organizações internacionais como o Banco Mundial, a OCDE, a UNESCO, a
União Europeia. É Presidente da Escola Portuguesa de Macau, apoia o Governo de
Timor-Leste no quadro de implementação das Cartas
Educativas nos seus 13 distritos. Faz parte do conselho editorial do European Journal of Education e espera
terminar uma dezena de livros que estão formatados na sua cabeça há muitas
décadas.
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Recordo que a Roberto Carneiro coube
a execução da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na vigência do X Governo
Constitucional, governo minoritário liderado por Cavaco Silva. E o Ministro da
Educação do XI Governo Constitucional, um governo maioritário empossado em 17
de agosto de 1987 e também liderado por Cavaco Silva, provinha da área do
CDS/PP, o único partido que não deu o seu aval à dita LBSE (votou contra). Todavia, uma das suas primeiras declarações
públicas em resposta aos jornalistas foi que a Lei iria ser cumprida. Obviamente
que o Ministro afastou-se cada vez mais do quadrante político donde provinha e
passou a ser o obreiro da reforma do sistema.
Assim, criou a chamada Comissão
de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) cujo Grupo de Trabalho (GT), ao mesmo tempo que lançou um amplo debate nacional, preparou os
conteúdos atinentes a cada um dos diplomas de desenvolvimento da LBSE que
haviam de ser aprovados e publicados. E não foram poucos. Desses, podem
referir-se: o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro, que definiu os
princípios e os procedimentos da criação das escolas profissionais no âmbito do
ensino não superior; o Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, que
estabeleceu o regime jurídico da autonomia da escola (não aplicável à educação pré-escolar e ao 1.º CEB); o Decreto-lei n.º 286/89, de 29 de agosto, que estabeleceu os
princípios gerais da reestruturação curricular; o Decreto-lei n.º 139-A/90, de
28 de abril, que aprovou o estatuto da carreira dos educadores de infância e
dos professores dos ensinos básico e secundário (ECD); o Decreto-lei n.º 74/91, de 9 de fevereiro, que estabeleceu o quadro geral de organização e desenvolvimento da
educação de adultos nas suas vertentes de ensino recorrente e de educação
extraescolar; e o Decreto-lei n.º 172/91, de 10 de maio, que definiu o regime de autonomia, direção, administração e gestão
dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário
(cuja aplicação se circunscreveu a
um reduzido número de estabelecimentos);
e a respetiva legislação complementar.
Obviamente
que a experiência, as ambições pedagógicas e sociais e, sobretudo, as
constrições financeiras, motivaram profundas alterações legislativas, nem
sempre no melhor sentido. Por exemplo, da área-escola e formação complementar,
de Roberto Carneiro, passou-se às áreas curriculares não disciplinares (estudo acompanhado, área de projeto e formação cívica), do Ministério
inspirado por Ana Benavente, de que resta um pequeno espécime para as escolas
que o inscrevam no seu projeto curricular; a disciplina de desenvolvimento
pessoal e social, como alternativa à de Educação Moral e Religiosa Católica (ou de outras Confissões) – e para a qual se formaram professores – deu passos ténues
e nunca abrangeu as pluralidade das escolas, não sendo hoje sequer mencionada.
O ensino profissional entrou de chusma nas escolas secundárias perdendo a identidade
na mediocridade da massificação e conteúdos e na assimilação ao ensino dito
regular, com exceção da conversão das horas (de
60 minutos) em tempos letivos, resultando daqui um aumento significativo do
somatório de tempos letivos. O ECD metamorfoseou-se com a Ministra Rodrigues
num documento insuportável, embora mitigado pela Ministra Alçada. E os diplomas
da definição dos regimes jurídicos da autonomia e da direção, administração e gestão dos
estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário
tardaram a generalizar-se: só o Decreto-lei n.º 115-A/98, de 4 de maio é que
generalizou o novo modelo, mas o conselho de escola deu lugar à assembleia de
escola e o diretor passou a constituir uma alternativa, pouco selecionada, ao
diretor executivo – e um e outro passaram a ser eleitos por um colégio alargado
de eleitores (professores, pessoal não doente,
pais e alunos do secundário). Foi Rodrigues quem impôs o figurino único de diretor
escolhido, através de procedimento concursal, pelo conselho geral (sucedâneo da assembleia).
***
Voltando a Roberto Carneiro, o político e académico, que só foi ministro
durante um mandato (Já
lá vão 26 anos!) assegura que “um sistema educativo sem chama está
condenado à rotina”, que é, do meu ponto de vista, o grande inimigo da escola,
da educação, da pessoa e da sociedade. Em entrevista
ao JL, sustenta que a educação não pode viver fechada num
compartimento político e defende que a sociedade deve ser ouvida. Diz ele ao JL:
“Um sistema educativo sem anima, sem chama interior, está condenado ao
funcionamento rotineiro, sob ‘dictats’
ministeriais, e ao progressivo esmorecimento da sua força primeira – o
potencial da mola humana que arregimenta – que compete a todo e qualquer
responsável político acarinhar e fazer brotar no máximo para a tarefa inacabada
de propiciar o surgimento de um mundo novo a partir da instância social mais
decisiva a seguir à família: a escola”.
O seu professado otimismo estriba-se no facto de os
indicadores internacionais demonstrarem que as competências dos alunos
portugueses não são inferiores às dos seus pares internacionais, no percurso
educativo das últimas décadas, na reputação dos portugueses lá fora, nos
empregos que ocupam, nos lugares que conquistam, nos elogios que recebem e por sentir
que as políticas de longo prazo começam a ser olhadas como prioridades.
Não obstante, mostra-se preocupado com o atual estado
da educação no país, em razão do desânimo vivido nas escolas, sobretudo no que
afeta a classe docente, advertindo que “esse estado de alma é o fator mais
corrosivo de qualquer esforço de modernização ou de melhoria educacional”. Mas
também o preocupa o descontinuar do programa Novas Oportunidades, sem qualquer substituição válida no sistema,
bem como o discurso recorrente de que o investimento em educação já é
suficiente, pelos cálculos que tentam demonstrar que a rentabilidade nesta área
não será positiva com mais reforços financeiros.
E aquele que foi Secretário de Estado da Educação em
1980 e 1981 e Ministro da Educação de 1987 a 1991 está preocupado com a
sucessão de ministros que pensam apenas em levar por diante “projetos” ou
“vagas ideias”, sem escutar o que a sociedade quer e ambiciona. Neste aspeto,
afirma:
“Assisto, constrangido, ao
irresponsável aniquilamento de décadas de trabalho através de medidas
impensadas, esquecendo-se de que mais difícil e demorada é a reconstrução por
inteiro do que a fácil e instantânea demolição de um edifício”.
E lamenta:
“Instalou-se uma certa ideia de que
é inútil continuarmos a pugnar por um alargamento a 100% da escolaridade
secundária, com a consequente massificação do 1.º ciclo de estudos superiores
ou por um reforço de investimento na qualificação da população ativa e adulta”.
Por isso, Carneiro advoga para o país um pacto educativo. Mas,
porque o pacto não surge de um dia para o outro, é preciso, na sua perspetiva,
atender a vários fatores, a diferentes realidades, sendo fundamental perceber
que a educação não pode estar confinada a forças políticas e partidárias e que a
sociedade tem uma palavra a dizer nesta área. Além disso, é preciso
avaliar seriamente, através de entidades idóneas, nacionais e estrangeiras, as
políticas públicas antes de acabar com elas ou propor a sua modificação nas
escolas. E, para um pacto educativo, têm que debater-se exaustivamente os temas
para que a comunidade se consciencialize do bem público educacional e da
necessidade de definir estratégias de fundo. Contudo, o ex-Ministro vê neste
caminho muitas etapas e desafios. Antes de mais, importa não parar a
modernização do sistema educativo, estar na dianteira da Europa, não abrandar o
investimento em educação; depois, há que alterar, nas próximas duas décadas, o
atual paradigma educativo que, a seu ver, é ainda semelhante ao importado da
produção industrial do século XIX. A este respeito, explicita:
“Isto significa libertar a escola da
síndroma unificadora preferida pelos sistemas centralizados de perfil
napoleónico e de gestão burocrática, evoluindo para escolas autónomas,
restituídas às respetivas comunidades de pertença e dominadas pelo modelo da
abertura à vida e ao meio envolvente, marcadas pela inovação constante como
fator diferenciador e de mais-valia institucional”.
Por outro lado, assegura que é fundamental abrir as
portas às novas tecnologias, exemplificando com Singapura, Finlândia, Coreia do
Sul – países bem posicionados nos resultados do PISA, que aceitam naturalmente
a geração tecnológica em contexto educativo. E afirma:
“Tal leva à modificação radical dos
comportamentos docentes que passam a estar comprometidos com o ‘ajudar a
aprender’ muito mais do que com o ‘ensinar’ aulas repetitivas em que o aluno é
votado à passividade”.
Da Finlândia, destaca o facto de permitir às escolas
deixar o currículo de disciplinas e enveredar por aprendizagens multi e
transdisciplinares em torno de grandes temáticas da vida real.
E referindo que, na sua perspetiva, é uma tolice
querer deixar o nome associado a uma grande reforma, adverte:
“Na realidade, nem a megarreforma é
necessária hoje, nem o sistema educativo tolera mais mudanças ditadas do topo
por decreto governamental, nem as comunidades educativas – pais, professores,
autarcas, empresários, sindicatos, etc. – devem continuar a ser
paternalisticamente tratadas pelo poder central como se de destituídos ou
incapazes se tratassem”.
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Também é notícia que apenas 6
agrupamentos de escolas – por três anos – têm “luz verde” para testar medidas pedagógicas
a partir do próximo ano letivo, no âmbito da tão propalada flexibilização
curricular e tendo em conta as 10 competências-chave e os demais pressupostos
do “Perfil do Aluno para o Século XXI”.
Podem dividir turmas, fazer menos testes, redistribuir conteúdos das
disciplinas, acabar com os três períodos escolares.
O Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP), criado pela tutela, permite várias alterações
redistribuir os conteúdos das disciplinas por ciclos, dividir turmas, criar
áreas curriculares, ter dois e não três períodos no calendário escolar,
diminuir o número de testes, apostar numa avaliação contínua e qualitativa e
investir na inovação pedagógica. O objetivo maior é eliminar, de forma gradual,
as retenções e reprovações, dado que Portugal continua a ser um dos países da
OCDE com mais alunos que já chumbaram pelo menos uma vez antes dos 15
anos.
Pedro Cunha, Subdiretor da Direção-Geral da Educação
(DGE), entidade que coordena este projeto-piloto, em declarações ao Expresso, explica o que se pretende:
“As escolas podem optar por fazer a
sua gestão na distribuição dos tempos, dos programas e das metas, desde que
garantam que os alunos adquirem as competências previstas em cada final de
ciclo. Ou podem criar áreas curriculares próprias”.
Os agrupamentos escolares do Freixo, em Ponte de Lima,
do Cristelo, em Paredes, da Marinha Grande Poente, em Leiria, Fernando Casimiro
Pereira da Silva, em Rio Maior, de Vila Nova da Barquinha, em Santarém, e de
Boa Água, em Sesimbra – todos com mais de 7500 alunos – são as unidades orgânicas
selecionadas para testar as medidas pedagógicas e modelos de organização
escolar diferentes do que estão a ser aplicados neste momento. Terão liberdade
e autonomia, mas todos os passos terão de ser devidamente fundamentados e
caminhar no sentido da eliminação progressiva das retenções. E Pedro Cunha
avisa:
“Não se trata de decretar a transição
obrigatória dos alunos, nem de decretar a erradicação da retenção. Trata-se de
dar a estas escolas todas as opções de que precisem para agir preventivamente e
assim eliminar, de forma progressiva, a retenção e o abandono escolar,
garantindo que todos os alunos aprendem.”.
Este programa de autonomia reforçada leva os
agrupamentos selecionados a definir e propor os projetos que julguem mais
adequados para eliminar as retenções e estancar o abandono escolar. São escolas
com problemas distintos, localizadas em meios urbanos e rurais, com taxas de
insucesso diferentes. E os projetos que se revelarem eficazes poderão ser
replicados noutros estabelecimentos de ensino. E, porque as realidades não
são iguais e os agrupamentos podem propor vários caminhos e alternativas, Pedro
Cunha dá um exemplo de reorganização de conteúdos, uma das matérias que as escolas
escolhidas podem trabalhar:
“Atualmente, a Revolução Industrial é
tratada em várias disciplinas, em anos diferentes, em ciclos diferentes. Estas
escolas podem condensar o tema num determinado momento e colocar várias
disciplinas e trabalhá-lo de forma integrada, evitando repetições.”.
Mais: as alterações são extensíveis à constituição das
turmas, dado que a atual configuração tem debilidades. Por isso, o predito Subdiretor-Geral
diz:
“A unidade turma é algo
completamente burocrático. Nada nos diz que aquele grupo de alunos é o melhor
possível e que deve trabalhar junto ao longo de todo um ano letivo ou de um
ciclo. Se os alunos têm interesses e necessidades diferentes, pode ser útil
desconstruir essa organização e partir as turmas em vários grupos.”.
De modo similar pode suceder ao calendário escolar.
Cunha diz que é possível repensar a avaliação com base em 3 períodos escolares
– com 2 testes cada um e a classificação final. Podem os agrupamentos criar
mais momentos de avaliação formativa ao longo do ano e não tanto quantitativa.
***
Posto
isto, pergunto-me se é nisto que consiste o propalado regime de transição,
alegadamente imposto pela Presidência e a que o ME se terá acocorado – só seis
agrupamentos. Depois, interrogo-me sobre quanto tempo demorará a generalização
do regime de flexibilização curricular. Recordo que a generalização do
Decreto-lei n.º 192/91, de 10 de maio, nunca foi levada a cabo. E mantém-se a
preocupação do ME em manter o ‘dictat’
diário a acompanhar a dita autonomia, censurado por Carneiro (É
o medo da autonomia que tira poder à tutela e que dá muito trabalho à escola!). Além disso, é legítimo questionar
se e quem impôs às escolas dois testes por período. Não terá sido, antes, a
pressão dos encarregados de educação e da sociedade? Recordo que, em tempos, se
lia nas informações sobre avaliação, no site do ME, que não era obrigatória a
avaliação através de testes, cabendo à escola determinar como proceder na
avaliação. Mas todos gostam da quantificação escrita… Naturalmente que a
avaliação deve aferir e melhorar as aprendizagens, não devendo as aprendizagens
ser desenvolvidas em função da avaliação. Deve pôr-se a tónica na ajuda a aprender
e não adestrar para o teste!
Quanto
ao exemplo apresentado pelo referido Subdiretor-Geral, dá-me a impressão de que
esquece o caráter cíclico e ampliante da aprendizagem – o que leva a alguma repetição
em conformidade com os contextos. Nada na educação é só a preto e branco!
2017.05.06 – Louro de Carvalho
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