Marcelo Rebelo de Sousa lançou o repto a 4 de abril de 2016 na sessão
comemorativa dos 75 anos da Liga Portuguesa contra o Cancro, na Fundação
Calouste Gulbenkian, em Lisboa – ideia que sustentara na semana anterior, em visita ao Hospital de Vila Franca de Xira, ao falar
num “consenso nacional” no setor da saúde. Porém,
ainda hoje o pacto ainda não está formalizado. Dizia,
então, o Presidente que o Ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes pode ser
um importante protagonista num “verdadeiro pacto da saúde” em Portugal, que já
existe informalmente, sendo construído no dia a dia por muitas instituições. E
acrescentava:
“Tenho para mim que é um pacto que já existe, não
formalizado, para o qual a Fundação Calouste Gulbenkian já deu um
importantíssimo contributo. E a aceitação de princípios fundamentais nos mais
variados quadrantes da vida nacional é uma abertura de caminho para um pacto
que, antes de ser formalizado, já existe.”.
A este respeito, Miguel
Guimarães, Bastonário da
Ordem dos Médicos (OM) diz que o pacto na saúde depende dos
políticos e não das Ordens, que já pediram mais financiamento. E Jorge Simões,
coordenador do último diagnóstico da Saúde no país, diz que o pacto já existe.
É o SNS (Serviço Nacional de Saúde). Porém, alguns entendem que o sistema de saúde vai além do SNS.
***
Um ano volvido sobre o desafio
presidencial, ainda não há pacto à vista, mas o assunto não está
esquecido, tendo o líder da OM revelado ao semanário SOL que se encontrou, no passado dia 28 de abril, com o Presidente
em dois eventos em Coimbra e que o assunto surgira em conversa.
Por outro lado, Barómetro sobre Saúde, do referido semanário SOL, revela que 70% dos portugueses
estão a favor do pacto e que a sua necessidade é consensual.
Já na tarde do dia 4 de março
deste ano, as oito ordens profissionais de Saúde – Ordem Biólogos, Ordem dos
Enfermeiros, Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Médicos, Ordem dos Médicos
Dentistas, Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Nutricionistas e Ordem dos
Psicólogos – estiveram reunidas e voltaram a apelar a um reforço do orçamento
do SNS.
No encontro, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa,
participou o Ministro da Saúde, o Presidente da República e os representantes
dos partidos políticos. E o tema em debate foi “O futuro do financiamento da Saúde
em Portugal”. A sessão de
abertura contou com a participação do ministro da Saúde e a sessão de
encerramento com o Presidente da República.
O encontro
dividiu-se em dois painéis. O primeiro, dedicado à “Programação do investimento público – que experiências?”, com a
participação de Fernando de Melo Gomes, Pedro Ferreira e José Carlos Lopes
Martins, foi moderado pela jornalista da SIC Dulce Salzedas. O segundo, sobre “Lei de programação na saúde em Portugal –
que futuro?”, contou com a participação dos representantes dos grupos
parlamentares na Assembleia da República (PSD, PS, BE, CDS-PP, PCP, PEV e PAN) e com a moderação do ex-bastonário da OM, José Manuel
Silva.
O evento foi
organizado pelas oito ordens profissionais da área da saúde, acima
discriminadas, que deixaram o seu contributo através de vários vídeos emitidos
no arranque da conferência.
Por exemplo,
a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) centrou as
suas propostas nas seguintes ideias: o sistema de Saúde português vai para além
do SNS; a população tem necessidades que não comportam visões redutoras do
Estado; é fundamental nos termos da Constituição e da Lei de Bases da Saúde a
complementaridade com o setor privado e o social; o nosso SNS desde sempre
excluiu no essencial o acesso a cuidados básicos de saúde oral e à medicina
dentária; é imperativo assegurar a acessibilidade da população à medicina
dentária; e é necessário proceder ao ajustamento da formação e qualificação dos
médicos dentistas. E Orlando Monteiro da Silva, bastonário da OMD, aproveitou o
debate para, entre outras medidas, reforçar junto do poder político a
necessidade de proporcionar a toda a população o acesso a serviços de medicina
dentária nos cuidados de saúde primários e nos hospitais do SNS.
***
Também o
Conselho Estratégico Nacional da Saúde da Confederação Empresarial de Portugal
(CIP), que representa as empresas do setor privado na saúde, prestadores e
fornecedores, apelou a uma lei de meios para o setor que garanta dotação
orçamental previsível para o SNS. Por sua vez, Miguel Guimarães, Bastonário da
OM, que sustenta que “o pacto está
dependente dos políticos e não das ordens”, como acima foi mencionado, adiantou
ao SOL que, ainda assim, o
trabalho concertado das ordens é para continuar. E disse:
“Vamos
reforçar os apelos, mas também que o essencial é ter-se um pacto para a saúde
que seja bom para os cidadãos, que assegure as suas necessidades de saúde, e
não um documento que se limite a distribuir aquilo que os políticos entendem
que pode caber à saúde”.
Ainda que o apelo ao pacto possa
ter esmorecido, a ideia está presente na opinião pública. O estudo de opinião
realizado, no mês passado, pela Consulmark2 revela que 71% dos portugueses
concordam com um pacto nacional para o SNS, com medidas a aplicar
independentemente do partido ou coligação que estiver a governar. Entre os
inquiridos, apenas 7% estão contra a iniciativa e 22% não sabem ou não
respondem.
A avaliação dos utentes melhorou
de março para abril. A pontuação global do SNS regressou para os 15,1 valores (numa
escala de 0 a 20),
depois duma ligeira quebra em março. Quase metade dos utentes (48%) inquiridos recomendaria o SNS,
contra 33% em março. E 73% dizem-se satisfeitos ou muito satisfeitos com os
serviços públicos de saúde. A percentagem dos inquiridos que revela que os
tempos de espera foram mais rápidos do que antecipavam subiu de 19%, em março,
para 23% em abril. Mesmo assim, os dados revelam que, no geral e apesar dos dados
de abril, há mais inquiridos que dizem que recomendariam consultas no privado
do que aqueles que têm a postura promotora do serviço público. E há também
menos inquiridos a exibir uma postura crítica face aos serviços de saúde
particulares do que em relação ao Estado.
Uma das perguntas do inquérito,
feito a 409 pessoas – uma amostra representativa dos residentes em Portugal com
mais de 15 anos – é como é que aplicariam 100 euros caso fossem responsáveis
pela pasta da Saúde no país. Ao longo das últimas três vagas deste estudo de
opinião, o investimento em pessoal foi sempre o que reuniu o maior consenso,
mas tem vindo a crescer a ideia de que também é preciso reforçar os meios de
diagnóstico e medicamentos.
***
Embora os partidos ainda não tenham
tomado qualquer iniciativa legislativa em torno de um pacto para a saúde, há já
duas propostas na área do financiamento: A CIP defende uma programação
financeira semelhante à que existe na Defesa Nacional, com alocação de impostos
ao financiamento do SNS; e as ordens profissionais da saúde pedem um reforço do
orçamento do SNS em 1,2 mil milhões de euros, para que o país se aproxime da
percentagem média do PIB aplicado nesta área pelos outros países da OCDE.
Na verdade, a despesa pública em
saúde em percentagem do PIB diminuiu em Portugal nos últimos anos, assim como a
sua fatia na despesa global do Estado. Em 2014, a saúde representava 11,4% da
despesa pública, quando a média da OCDE é de 15%. E os dados compilados no
relatório Health System Review (HIT) – um diagnóstico do SNS comissariado pelo
Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde – apresentado no passado
dia 27 de abril, em Lisboa, relevam o facto de, nos últimos anos, as famílias
portuguesas estarem a suportar cada vez mais encargos em saúde, enquanto a
parte do Estado diminuiu e é já das mais baixas da UE. Os portugueses pagam
diretamente 27,6% das despesas nacionais em saúde, enquanto o erário público
assume 64,2% dos encargos. Em média na Europa as famílias contribuem com 13% em
pagamentos diretos e o Estado entra com 76%.
O relatório conclui que existe
consenso político, alargado a todos os partidos, de que o sistema de saúde se
baseia no SNS, universal geral e tendencialmente gratuito. E “também é consensual a decisão sobre a expansão e melhoria dos cuidados primários e de cuidados continuados integrados”. De facto, “as diferenças e as disputas
políticas não se centram no desenho geral do sistema de saúde, mas sim na forma
como resolver os seus principais problemas”.
Jorge Simões, ex-Presidente da ERSE
(Entidade
Reguladora da Saúde)
e coordenador do estudo no Instituto de Higiene Medicina Tropical da
Universidade de Lisboa, defendeu que o reclamado pacto já existe: é o próprio SNS.
Assim, não vê necessidade de mais documentos, mas do reforço de orçamento
acompanhado de estratégia que torne o sistema menos hospitalicêntrico e mais
eficiente. E Francisco Ramos, ex-secretário de Estado da Saúde socialista e Presidente
do IPO de Lisboa, diz que existe “pacto
implícito”, constatado nas políticas dos principais partidos – todos
defendem o SNS. Para ele, o maior desafio é “perceber como reorganizar os
hospitais que mantêm o mesmo modelo de funcionamento há 50 anos” e pensa, quanto
ao financiamento, não ser viável um aumento imediato de 1,2 mil milhões de
euros, como reivindicam as Ordens.
Por seu
turno, Constantino
Sakellarides, ex-Diretor-Geral da Saúde e consultor do Ministro Adalberto
Fernandes, centrando a sua análise do momento atual na incógnita
europeia, que impõe demasiados constrangimentos ao país, diz que “ultrapassados os anos da troika, o
financiamento vai tornar a crescer umas décimas acima da riqueza nacional, como
acontecia até aqui”. Segundo o perito, é imprescindível a solução
a esse nível. E, quanto ao
pacto, só admite que seja possível se vier a centrar-se em algo concreto, como
o financiamento ou, noutras áreas como a pobreza infantil, e não no sistema
como um todo. Com efeito, “a
dificuldade dos pactos – diz – é
que os pactuantes têm de ser
estáveis ao longo do tempo e os
partidos políticos têm várias
faces”. E exemplifica: se em tempos, o PS foi apologista das parcerias
público-privadas na saúde, neste executivo a palavra de ordem tornou-se
internalizar a resposta.
Pelos vistos, ao que apurou o SOL, a tutela tem promovido encontros
entre parceiros em torno dum compromisso nacional, mas algumas nuvens vêm
ensombrando o diálogo, como os atrasos nos pagamentos. Por exemplo, as dívidas a
fornecedores têm aumentado. No 1.º trimestre, os pagamentos em atraso nos
hospitais subiram 157 milhões. Nesta fase, apesar da vontade do Presidente da
República, não há um plano abrangente a ganhar forma. O dossiê poderá ser
retomado depois das eleições autárquicas.
***
Porquê esperar pelas autárquicas?
Será que as Ordens são candidatas às autárquicas? E os partidos não têm quadros
suficientes para definirem políticas públicas setoriais a tempo e fora de
tempo? Não é a saúde uma prioridade? Não é urgente minimizar os negócios com a
saúde?
2017.05.01
– Louro de Carvalho
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