No próximo dia 12 de maio, o Papa depositará a III Rosa de Ouro aos pés
da imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, logo após a oração na Capelinha das Aparições, em sinal do seu reconhecimento pelo espírito de
lealdade para com a Santa Sé, o que situa o santuário mariano no topo da lista
de locais de culto com mais ornamentos preciosos do género, fora de Roma.
A Comunicação Social começou a fazer a ressonância desta notícia depois
que passou a ser vista e ouvida a videomensagem que Sua Santidade enviou aos
portugueses ontem, 10 de maio.
Também eu ouvi o vídeo e li o texto. Porém, não percebi se a expressão
“a minha rosa de ouro” iria além do que em gramática do português se designa por modificador apositivo do grupo do nome (antigamente chamava-se
“aposto” ou “continuado”) “o meu bouquet de
flores” – o que poderia não passar de um segmento discursivo metafórico, aliás
bem significativo. Com efeito, o desejo espiritual e pastoral do Papa está bem
expresso e vincado neste segmento:
“Preciso que estejam
comigo, preciso da vossa união, física ou espiritual. O importante é que seja
de coração, para o meu bouquet de
flores, a minha rosa de ouro, formando nós um só coração e uma só alma.
Entregar-vos-ei a todos a Nossa Senhora, pedindo-lhe para segredar a cada um: o
meu imaculado coração será o teu refúgio, é o caminho que te conduzirá até Deus.”.
Não há dúvida de que a melhor oferta que Francisco pretende oferecer à
Mãe de Deus e Mãe dos discípulos de Jesus é o rosário dos filhos que, formando “um só coração e uma só alma”, constituam
a verdadeira comunidade em que todos são “assíduos ao ensino dos Apóstolos, à
união fraterna, à fração do pão e às orações” (cf At 2,42.46; 4,32-37).
A dúvida desfez-se com a informação dada pelo próprio Vaticano, já depois da intervenção do
próprio Papa na videomensagem. E ficou a saber-se que o presente mencionado no
“Missal para a Viagem Apostólica a Fátima”
(editado a 8 de maio) – “Il Santo Padre venera l’
immagine della Madonna e presenta un dono in omaggio alla Santissima Vergine” –
é a III Rosa de Ouro. Assim, o Santuário de Fátima hoje, dia 11, informa com
toda a certeza:
“O Papa Francisco vai oferecer a terceira Rosa de Ouro ao
Santuário de Fátima, num gesto à chegada à Capelinha das Aparições a 12 de
maio, primeira paragem da sua Peregrinação à Cova da Iria, para celebrar o
Centenário das Aparições e canonizar os beatos Francisco e Jacinta Marto. A
oferta da Rosa de Ouro vai ser feita logo depois da oração que o Papa
vai rezar à sua chegada à Capelinha das Aparições.”.
Na videomensagem, Francisco começa por se dirigir ao “querido povo
português”, dizendo da sua felicidade com a expectativa do encontro na “casa da
mãe” e pedindo desculpa por não estar mais tempo em Portugal, para visitar
outros pontos do país. A este propósito, confidencia:
“Bem sei que me queríeis também nas vossas casas e comunidades, nas
vossas aldeias e cidades. O convite chegou-me. Escusado será dizer que gostaria
de o aceitar, mas não me é possível. Desde já agradeço a compreensão com que as
diversas autoridades acolheram a minha decisão de circunscrever a visita aos
momentos e atos próprios da peregrinação no Santuário de Fátima, marcando
encontro com todos, aos pés da Virgem Mãe.”.
E não deixa
de vincar o lema da sua peregrinação – “Com
Maria, na esperança e na paz” –, para acentuar a sua índole de “um programa de
conversão”, pronunciando um memorável ato de agradecimento, de humildade e
propósito evangélico:
“Agradeço a vós as
orações e sacrifícios que diariamente ofereceis por mim e de que muito preciso,
pois sou um pecador entre pecadores.
Um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros. A
oração ilumina os meus olhos, para saber olhar os outros como Deus os vê, para
amar os outros como ele os ama. Em seu nome, venho até vós na alegria de
partilhar o Evangelho da esperança e da paz.”.
***
O templo que foi agraciado com mais rosas de ouro (cinco) é a Basílica de
São Pedro, em Roma, seguida da Arquibasílica de São João de Latrão (quatro), a catedral do
Papa enquanto Bispo de Roma, também na capital italiana. Com esta oferta de Francisco,
o Santuário de Fátima passa a ter três destas peças.
A tradição
desta distinção está documentada desde o pontificado de Leão IX (1049-1054),
mais precisamente em 1049, mas acredita-se remontar aos finais do século VI ou
princípios do século VII. A bênção
das Rosas de Ouro decorre, habitualmente, no Domingo da Alegria, o
IV domingo da Quaresma.
A
Rosa de Ouro é uma das distinções mais importantes concedidas a santuários,
igrejas, personalidades e instituições católicas – em reconhecimento e recompensa por assinalados
serviços prestados à
Igreja ou ao bem da sociedade –, tendo já sido recebida pelo Santuário de
Fátima em duas ocasiões: primeiro, a 21 de novembro de 1964, no fim da III Sessão
do Concílio Vaticano II, concedida pelo Papa Paulo VI, benzida pelo
próprio Papa no dia 28 de março, IV domingo da Quaresma do ano seguinte (1965) e entregue, a 13 de maio de
1965, pelo cardeal Fernando Cento, legado pontifício; e, depois a 12 de maio de
2010, entregue pessoalmente pelo Papa Bento XVI, que na altura designou o gesto
como uma “homenagem de gratidão” a Nossa Senhora de Fátima.
Na cerimónia
de bênção da Primeira Rosa de Ouro atribuída ao Santuário de Fátima, Paulo VI
recordou a sua simbologia, que, no seu “significado místico, representam a
alegria da dupla Jerusalém – Igreja Triunfante e Igreja Militante – e a
belíssima Flor de Jericó – a Virgem Imaculada – que é também a vossa Padroeira e é a alegria e a coroa
de todos os Santos”. Disse o Papa Montini:
“[A Rosa de Ouro] é o testemunho do Nosso paternal afeto que mantemos pela
nobre Nação Portuguesa; é penhor da Nossa devoção que temos ao insigne
Santuário, onde foi levantado à Mãe de Deus um Seu altar”.
E, esclarecendo
que a rosa é o símbolo da
penitência, recordou a mensagem da Senhora aos Pastorinhos, nas
Aparições de maio a outubro de 1917, que constitui responsabilidade especial
para os portugueses:
“Vindo a Virgem a Fátima para recordar ao mundo a mensagem evangélica da
penitência e da oração, então por ele tão esquecida, deveis ser vós, amados
filhos, a dar o exemplo no cumprimento desta mensagem”.
Em relação à
segunda Rosa de Ouro, é de recordar que Bento XVI a entregou a 12 de maio de 2010, sendo esta a primeira vez em que um Papa teve este gesto
pessoal em território português. Ajoelhado diante da imagem de Nossa
Senhora, na Capelinha das Aparições, o agora Papa emérito, em oração à Virgem,
entregou a Rosa de Ouro “como homenagem
de gratidão” pelas maravilhas que, por Ela, Deus tem realizado no
coração dos peregrinos, e disse: “Estou
certo de que os Pastorinhos de Fátima, os Beatos Francisco e Jacinta e a Serva
de Deus Lúcia de Jesus nos acompanham nesta hora de prece e de júbilo”.
***
Também o Santuário de Nossa Senhora do Sameiro,
em Braga, recebeu, a 8 de dezembro de 2004, a Rosa de Ouro, atribuída por João
Paulo II, por ocasião do centenário da coroação da imagem de Nossa Senhora, e
entregue pelo cardeal Eugénio Sales, legado do Papa.
O Papa Francisco
irá ainda oferecer uma imagem de São Francisco de Assis à Base Aérea de Monte
Real, bem como um mosaico evocativo do centenário das aparições ao Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um quadro da Última Ceia à Casa de Nossa
Senhora do Carmo, um cálice e uma casula ao bispo de Leiria-Fátima e um cálice
à Nunciatura Apostólica.
***
Todavia, o
Papa, pela canonização dos irmãos Marto, oferece duas rosas de Ouro a Portugal.
É,
pois, de relevar a apresentação das imagens dos dois novos santos, que mostram
claramente o coração de ouro destes dois irmãozinhos (os
mais jovens santos não mártires da Igreja
Católica),
segundo o texto da Postulação, de 8 de maio.
Como
é usual na tradição eclesiástica, na celebração em que se procede à canonização
de novas figuras que passarão a integrar o catálogo dos santos, é exposta à
veneração dos fiéis o retrato oficial dos novos santos. Assim, a Postulação da
Causa dos Pastorinhos confiou à pintora Sílvia Patrício o encargo de proceder à
representação figurativa de São Francisco Marto e Santa Jacinta Marto. Mais do
que a simples fotografia, os retratos apresentam uma formulação plástica que
mostra a psicologia dos dois irmãos, a forma peculiar como estes se relacionavam
com Deus e as expressões peculiares da sua santidade. É natural que não se
quisesse que os retratos se afastassem da efígie que o Povo de Deus reconhece
como identificadora dos pastorinhos. Por isso, tomaram-se com ponto de partida
as fotografias que no ano 2000 foram colocadas na fachada da Basílica de Nossa
Senhora do Rosário, aquando da beatificação de Francisco e Jacinta – fotografias
tiradas em Aljustrel, dias antes de 13 de outubro de 1917. Porém, as suas vestes,
que as fotografias fixaram a preto e branco, ganharam cor a partir duma pesquisa
de sabor etnográfico que a pintora levou a cabo.
Os
atributos específicos destes novos santos são: o terço, que envergam na mão; e
a candeia, tomada a partir duma candeia histórica que pertencera à família dos
videntes, ao tempo das aparições. Este objeto foi assumido por João Paulo II no
dia da beatificação, ao referir-se a estas figuras santas da Igreja como
“candeias que Deus acendeu”. Cada uma delas é portadora duma “luz especial”,
sincronizada com a ligação que os dois videntes tinham com os astros luminosos
(Jacinta
gostava mais da “candeia” de Nossa Senhora, a Lua; Francisco mostrava especial
predileção pela “candeia” de Nosso Senhor, o Sol). Na auréola, o elemento plástico usado da tradição
iconográfica da Igreja para significar a ideia de santidade, a pintora incluiu,
qual peça multíplice de ourivesaria, vários símbolos que atestam a relação destas
santas figuras humanas com a sua história de vida e representam alguns dos seus
traços de santidade. A auréola de São Francisco tem inscritas a silhueta do
Anjo de Fátima, que se faz portador da Eucaristia; a sarça-ardente, símbolo
bíblico da adoração a Deus; e as espécies eucarísticas, que evocam a especial
ligação de Francisco a “Jesus escondido”. A auréola de Santa Jacinta mostra a
figura do Papa e a figura da Virgem Maria, representada com o seu Coração
Imaculado, símbolo que é tomado no cimo do trabalho de “filigrana”, a exprimir
o coração generoso de Jacinta na sua entrega. No atinente à expressão do olhar
dos dois santos, procede-se de forma diversa, fazendo eco da psicologia de cada
um: “Jacinta olha de frente para o observador, em atitude de interpelação;
Francisco ergue os olhos ao alto, apontando para uma atitude eminentemente
contemplativa”.
O
pano de fundo dos quadros é uma cor plana entrecortada de cruzes luminosas da
cor da auréola, relevando a frase eclesial de leitura dos sábios que brilham
como esplendor no firmamento.
A
disposição dos santos na fachada da Basílica, de modo diferente de 1917, coloca
primeiro Jacinta Marto, como primeira anunciadora dos acontecimentos de Fátima.
As
pinturas foram adaptadas ao campo visual das telas a expor na fachada da
Basílica. E a designer Inês do Carmo,
que as concebeu, realizou uma pagela a distribuir na canonização.
2017.05.11 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário