sexta-feira, 19 de maio de 2017

As regras orçamentais europeias têm de ser mudadas

Quem o diz é Olivier Blanchard, ex-economista do FMI e seu ex-diretor para Portugal.
Algumas políticas defendidas por ele chocam com os limites europeus para défice, dívida e banca, mas o perito sustenta que Portugal deve tentar as mudar as regras. Desta mudança deve resultar menor esforço orçamental, mais défice, se permitir os investimentos corretos e limpar a banca, e a aprendizagem a viver com uma dívida alta para não matar a retoma económica. Tais asserções constituem a síntese possível da receita indicada hoje em Lisboa Blanchard ante uma plateia de economistas, gestores e alguns (Eduardo Catroga, Campos e Cunha e Braga de Macedo) antigos ministros das Finanças que se reuniu na conferência “Portugal from here to where?”.
O economista “reolhou” com atenção a nossa economia dez anos depois de ter apontado as fragilidades que se agravaram com a crise financeira e a crise do euro. Destacando a retoma que se vive em Portugal, sustenta que é preciso fazer mais para a fortalecer e indica o que pensa ser o melhor caminho para lá chegar, embora saiba dos constrangimentos da política europeia e das restrições do enquadramento regulatório na banca. E essa foi precisamente a matéria constante duma das perguntas colocadas pela assistência:
“Se as políticas que melhor servem a retoma da economia portuguesa chocam com alguns limites europeus para as contas públicas e para a banca, deve ser a União Europeia a definir a política económica nacional?”.
Portugal deve trabalhar para conseguir a mudança das regras que não funcionam para a sua economia, ainda que nalguns aspetos pontuais possa optar por não cumprir – o que é problema de todos os membros da UE. Mas urge promover a discussão a nível político para mudar.
O ponto de partida é Portugal saber que tem de viver “com dívida alta”. E, considerando que mais 1% de consolidação orçamental representa menos 1% de crescimento, o que não permite reduzir significativamente a dívida, diz que o “tradeoff” é muito pouco satisfatório. Todavia, Portugal não descura a necessidade de fazer alguma consolidação orçamental, para acalmar os mercados e os credores, mas a prioridade não deve “ser uma forte consolidação orçamental porque isso irá matar a economia”. Recusando a adoção de medidas desesperadas, como a reestruturação da dívida, realça a impossibilidade de resolver o problema do endividamento com baixa inflação, que seria o resultado de maior consolidação orçamental mais dura. E a opção por alguma expansão orçamental, embora com margem limitada, deve ser exigida à Europa.
Assim se poderia partir para o investimento de qualidade e resolver os problemas do crédito malparado na banca, devendo esta ser uma alta prioridade na lista de políticas.
E sobre a banca deixou alguns dados relevantes: cerca de 33% das empresas zombies (que não são viáveis) conseguiram um novo empréstimo em 2014; no final do ano 2016, o crédito malparado atingia 17,2% do total, o que representa um stock de 42 mil milhões de euros; só 45% deste crédito em risco está coberto por provisões, o que deixa fora mais de 20 mil milhões de euros de empréstimos problemáticos; e as empresas representam 80% do crédito malparado.
Porém, para prevenir que a herança de crédito mau não volta, defende a mudança no modelo de governo interno e controlo e gestão de risco na banca, pois, apesar de parte do problema se dever à crise económica, a ausência de mudanças na gestão é a razão de o problema não ter sido resolvido. E a mudança de acionistas nos principais bancos faz crer que o modelo e a estratégia de gestão sejam diferentes. E exemplifica com o fundo americano que está em vias de comprar o Novo Banco, a Lone Star, cujo modelo será muito diferente do antigo dono do BES.
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Sendo assim, Portugal não deve acelerar a redução do défice, sob pena de agravar os problemas e sem grandes ganhos. O défice até poderá subir, se for para fazer as reformas estruturais necessárias, limpar o crédito malparado e recapitalizar a banca. Uma forçada consolidação orçamental traria poucos resultados à redução da dívida pública, como até a podia aumentar em termos reais. Reduzir o rácio da dívida face ao PIB será “um processo muito lento” e, para que aconteça, “a prioridade deve ser aumentar o crescimento, cíclico e potencial”.
Há 10 anos, Blanchard, que veio a tornar-se no economista chefe do FMI entre 2009 e 2015 (coincidindo com o resgate a Portugal), analisou a economia portuguesa e vaticinou que sem grandes mudanças, havia poucas razões para otimismos, pois a economia portuguesa teria um longo e doloroso processo de ajustamento. Dez anos depois, duas crises, um resgate e um longo e doloroso ajustamento, o mesmo economista reanalisa a economia portuguesa e, apesar de o diagnóstico não ser muito diferente, sugere agora abordagem oposta à seguida nos últimos anos, inclusive a sugerida pelo FMI da qual próprio Blanchard foi parte fundamental.
De facto, Portugal cresce muito abaixo do seu potencial e, em termos reais, muito pouco. Precisa de crescer muito mais para a dívida pública descer e o desemprego baixar mais depressa.
E os autores do estudo “Como dar força à retoma portuguesa” (um deles é Blanchard) defendem que o orçamento não pode ser contracionista. Com efeito, apertar mais o cinto faz com que a economia praticamente estagne e o impacto na descida da dívida seja muito limitado, nulo ou contraproducente. De facto, dada a baixa previsão de crescimento na ausência de consolidação orçamental, menos 1% de crescimento devido a mais consolidação orçamental significa um crescimento perto de zero, em troca duma redução muito pequena no rácio da dívida face ao PIB. E, se o baixo crescimento levar a menos inflação, esta pequena redução no volume da dívida pode até ser ofuscada por um aumento no valor real da dívida.
No entanto, o predito estudo concorda com a necessidade da consolidação orçamental feita durante o resgate (era preciso mais dinheiro, mas a troika não o tinha e Sócrates quis minimizar o empréstimo) – embora os autores incluam uma nota de rodapé a clarificar que não pretendem discutir se a dimensão aplicada no resgate se justificava –, mas assentam que agora a situação não justifica maiores esforços. E explicam:
“Há situações em que a consolidação orçamental é necessária apesar do custo para o crescimento, nomeadamente quando os investidores começam a duvidar da sustentabilidade da dívida; foi esta a motivação por detrás da forte consolidação de 2009 em diante. No entanto, as circunstâncias são diferentes atualmente e não justificam uma consolidação orçamental mais acelerada.”.
Apesar de o Governo continuar a apertar o cinto (o plano no Programa de Estabilidade dá orçamento seja contracionista, em contra ciclo, para conseguir um excedente em 2021), Olivier sustenta que a economia, para acelerar, precisa de mais investimento, público e privado. Ora, para tal suceder, os bancos têm de ser mais capazes de financiar as empresas, pelo que é preciso limpar os seus balanços dos empréstimos de má qualidade e reforçar o seu capital, mesmo que não através de fundos privados ou até d fundos europeus. E dizem:
“Achamos que a melhor ferramenta à disposição é limpar o crédito malparado do balanço dos bancos, recapitalizá-los adequadamente e, em alguns casos, mudar o seu modelo de governação. (…) Apesar de a melhor opção ser que os fundos para recapitalizar os bancos fossem ou do setor privado ou da União Europeia, acreditamos que há um caso forte para financiar [estas recapitalizações] através de dívida pública doméstica.”.
A criação duma solução nacional para acelerar a eliminação de empréstimos problemáticos tem sido defendida pelo Banco de Portugal e pelo Governo, mas o destaque destes ativos para um veículo, que hoje geram perdas para os bancos, iria criar necessidades adicionais de capital, não se percebendo quem proveria ao financiamento, pois não chega o investimento privado e o investimento público, além de limitado, enfrenta grandes restrições nas regras europeias.
Por outro lado, a par dum esforço financeiro adicional no setor, os economistas propõem mudanças no modelo de governo dos bancos para que os problemas do passado, como a concessão de crédito a empresas zombies, não se repitam.
Olivier Blanchard e Pedro Portugal também sugerem que o saudável aumento do défice possa servir para aumento do investimento público, como eventuais compensações a alguns setores como contrapartida à aceitação de reformas politicamente pouco apelativas, sendo “desejável e justificável” que o investimento público aumente, já que desceu de 5% do PIB nos anos 90 para 1,5% no ano passado.
Porém, há que advertir que injetar dinheiros públicos nos bancos não é em si a solução. De acordo com o mencionado economista francês, o que os economistas defendem é que a limpeza do balanço dos bancos se faça para libertar financiamento a empresas viáveis, que atualmente está preso em empresas ‘zombie’. Os bancos devem precisar de aumentar o seu capital porque estes créditos estão avaliados de forma generosa, mas a maior parte dos bancos deve conseguir aumentar o seu capital com recurso a fundos privados – dos acionistas ou pela emissão de ações.
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Também o mercado laboral consta obviamente do elenco das reformas estruturais propostas pelos autores do mencionado estudo. Blanchard e Portugal sublinham que a necessidade de maior flexibilidade nas regras laborais é “um mantra repetido pelas organizações internacionais” e distinguem duas dimensões do problema. Recuperando o conceito da flexissegurança, que fez furor em Portugal na década passada, defendem um modelo que combine flexibilidade para o empregador com a segurança do trabalhador, com enfoque na formação e requalificação.
O estudo evidencia a dualidade do emprego: entre os trabalhadores efetivos, que têm toda a proteção e formação; e os trabalhadores precários. Foram estes que pagaram o preço do ajustamento que as empresas fizeram no emprego durante a crise. E, como são temporários, não recebem a formação que lhes possibilite a saída do ciclo vicioso em que muitos estão.
Ora, as reformas devem orientar-se para a redução da assimetria entre estes dois grupos de trabalhadores, o que passa por simplificar a proteção laboral, tornando os seus custos mais previsíveis, e pela alteração do modelo de formação profissional de acordo com as necessidades das empresas, como consta do programa do Presidente de França, Emmanuel Macron.
Segundo Blanchard, não faz sentido agora, por questões políticas e pelos ganhos conseguidos de competitividade devido ao crescimento das exportações, fazer reformas profundas no mercado de trabalho, mas é necessário reduzir o fosso existente na proteção no emprego entre os trabalhadores do quadro com maior antiguidade e a grande quantidade de pessoas sem qualquer proteção, precários, de forma a incentivar também as empresas a apostar nestes trabalhadores.
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Tornou-se generoso e lúcido o economista que foi do demoníaco FMI? Estará arrependido ou foi António Costa que o mudou?

2017.05.19 – Louro de Carvalho

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