Quem o diz é Olivier Blanchard, ex-economista do FMI e seu ex-diretor
para Portugal.
Algumas políticas defendidas por ele chocam com os limites europeus para
défice, dívida e banca, mas o perito sustenta que Portugal deve tentar as mudar
as regras. Desta mudança deve resultar menor esforço orçamental, mais défice,
se permitir os investimentos corretos e limpar a banca, e a aprendizagem a
viver com uma dívida alta para não matar a retoma económica. Tais asserções
constituem a síntese possível da receita indicada hoje em Lisboa Blanchard ante
uma plateia de economistas, gestores e alguns (Eduardo Catroga,
Campos e Cunha e Braga de Macedo) antigos ministros das Finanças que se reuniu na conferência “Portugal from here to where?”.
O economista “reolhou” com atenção a nossa economia dez anos depois de ter
apontado as fragilidades que se agravaram com a crise financeira e a crise do
euro. Destacando a retoma que se vive em Portugal, sustenta que é preciso fazer
mais para a fortalecer e indica o que pensa ser o melhor caminho para lá
chegar, embora saiba dos constrangimentos da política europeia e das restrições
do enquadramento regulatório na banca. E essa foi precisamente a matéria
constante duma das perguntas colocadas pela assistência:
“Se as políticas que melhor servem a retoma da
economia portuguesa chocam com alguns limites europeus para as contas públicas
e para a banca, deve ser a União Europeia a definir a política económica
nacional?”.
Portugal deve trabalhar para conseguir a mudança das regras que não
funcionam para a sua economia, ainda que nalguns aspetos pontuais possa optar
por não cumprir – o que é problema de todos os membros da UE. Mas urge promover
a discussão a nível político para mudar.
O ponto de partida é Portugal saber que tem de viver “com
dívida alta”. E, considerando que mais 1% de consolidação orçamental representa
menos 1% de crescimento, o que não permite reduzir significativamente a dívida,
diz que o “tradeoff” é muito pouco satisfatório. Todavia, Portugal não descura
a necessidade de fazer alguma consolidação orçamental, para acalmar os mercados
e os credores, mas a prioridade não deve “ser uma forte consolidação orçamental
porque isso irá matar a economia”. Recusando a adoção de medidas desesperadas,
como a reestruturação da dívida, realça a impossibilidade de resolver o
problema do endividamento com baixa inflação, que seria o resultado de maior
consolidação orçamental mais dura. E a opção por alguma expansão orçamental,
embora com margem limitada, deve ser exigida à Europa.
Assim se poderia partir para o investimento de qualidade e resolver os
problemas do crédito malparado na banca, devendo esta ser uma alta prioridade
na lista de políticas.
E sobre a banca deixou alguns dados relevantes: cerca de 33% das empresas
zombies (que não são viáveis) conseguiram um novo empréstimo em 2014; no final do ano 2016, o crédito
malparado atingia 17,2% do total, o que representa um stock de 42 mil milhões de euros; só 45% deste crédito em risco
está coberto por provisões, o que deixa fora mais de 20 mil milhões de euros de
empréstimos problemáticos; e as empresas representam 80% do crédito malparado.
Porém, para prevenir que a herança de crédito mau não volta, defende
a mudança no modelo de governo interno e controlo e gestão de risco na banca, pois,
apesar de parte do problema se dever à crise económica, a ausência de mudanças
na gestão é a razão de o problema não ter sido resolvido. E a mudança de acionistas
nos principais bancos faz crer que o modelo e a estratégia de gestão sejam
diferentes. E exemplifica com o fundo americano que está em vias de comprar o
Novo Banco, a Lone Star, cujo modelo será muito diferente do antigo dono do BES.
***
Sendo assim,
Portugal não deve acelerar a redução do défice, sob pena de agravar os problemas
e sem grandes ganhos. O défice até poderá subir, se for para fazer as reformas estruturais
necessárias, limpar o crédito malparado e recapitalizar a banca. Uma forçada consolidação
orçamental traria poucos resultados à redução da dívida pública, como até a
podia aumentar em termos reais. Reduzir o rácio da dívida face ao PIB será “um
processo muito lento” e, para que aconteça, “a prioridade deve ser aumentar o
crescimento, cíclico e potencial”.
Há 10 anos, Blanchard,
que veio a tornar-se no economista chefe do FMI entre 2009 e 2015 (coincidindo
com o resgate a Portugal), analisou a
economia portuguesa e vaticinou que sem grandes mudanças, havia poucas razões
para otimismos, pois a economia portuguesa teria um longo e doloroso processo
de ajustamento. Dez anos depois, duas crises, um resgate e um longo e doloroso
ajustamento, o mesmo economista reanalisa a economia portuguesa e, apesar de o
diagnóstico não ser muito diferente, sugere agora abordagem oposta à seguida nos
últimos anos, inclusive a sugerida pelo FMI da qual próprio Blanchard foi parte
fundamental.
De facto,
Portugal cresce muito abaixo do seu potencial e, em termos reais, muito pouco.
Precisa de crescer muito mais para a dívida pública descer e o desemprego
baixar mais depressa.
E os autores
do estudo “Como dar força à retoma
portuguesa” (um deles é Blanchard) defendem que o orçamento não pode ser contracionista. Com efeito, apertar
mais o cinto faz com que a economia praticamente estagne e o impacto na descida
da dívida seja muito limitado, nulo ou contraproducente. De facto, dada a baixa
previsão de crescimento na ausência de consolidação orçamental, menos 1% de
crescimento devido a mais consolidação orçamental significa um crescimento
perto de zero, em troca duma redução muito pequena no rácio da dívida face ao
PIB. E, se o baixo crescimento levar a menos inflação, esta pequena redução no
volume da dívida pode até ser ofuscada por um aumento no valor real da dívida.
No entanto,
o predito estudo concorda com a necessidade da consolidação orçamental feita
durante o resgate (era preciso mais dinheiro, mas a troika não o tinha e Sócrates
quis minimizar o empréstimo) – embora os
autores incluam uma nota de rodapé a clarificar que não pretendem discutir se a
dimensão aplicada no resgate se justificava –, mas assentam que agora a
situação não justifica maiores esforços. E explicam:
“Há situações em que a consolidação orçamental é necessária apesar do custo
para o crescimento, nomeadamente quando os investidores começam a duvidar da
sustentabilidade da dívida; foi esta a motivação por detrás da forte
consolidação de 2009 em diante. No entanto, as circunstâncias são diferentes
atualmente e não justificam uma consolidação orçamental mais acelerada.”.
Apesar de o
Governo continuar a apertar o cinto (o plano no Programa de Estabilidade
dá orçamento seja contracionista, em contra ciclo, para conseguir um excedente
em 2021), Olivier sustenta que a economia, para
acelerar, precisa de mais investimento, público e privado. Ora, para tal suceder,
os bancos têm de ser mais capazes de financiar as empresas, pelo que é preciso
limpar os seus balanços dos empréstimos de má qualidade e reforçar o seu
capital, mesmo que não através de fundos privados ou até d fundos europeus. E dizem:
“Achamos que a melhor ferramenta à disposição é limpar o crédito malparado
do balanço dos bancos, recapitalizá-los adequadamente e, em alguns casos, mudar
o seu modelo de governação. (…) Apesar de a melhor opção ser que os fundos para
recapitalizar os bancos fossem ou do setor privado ou da União Europeia,
acreditamos que há um caso forte para financiar [estas recapitalizações]
através de dívida pública doméstica.”.
A criação duma
solução nacional para acelerar a eliminação de empréstimos problemáticos tem
sido defendida pelo Banco de Portugal e pelo Governo, mas o destaque destes
ativos para um veículo, que hoje geram perdas para os bancos, iria criar
necessidades adicionais de capital, não se percebendo quem proveria ao financiamento,
pois não chega o investimento privado e o investimento público, além de
limitado, enfrenta grandes restrições nas regras europeias.
Por outro
lado, a par dum esforço financeiro adicional no setor, os economistas propõem
mudanças no modelo de governo dos bancos para que os problemas do passado, como
a concessão de crédito a empresas zombies, não se repitam.
Olivier
Blanchard e Pedro Portugal também sugerem que o saudável aumento do défice
possa servir para aumento do investimento público, como eventuais compensações
a alguns setores como contrapartida à aceitação de reformas politicamente pouco
apelativas, sendo “desejável e justificável” que o investimento público
aumente, já que desceu de 5% do PIB nos anos 90 para 1,5% no ano passado.
Porém, há que
advertir que injetar dinheiros públicos nos bancos não é em si a solução. De
acordo com o mencionado economista francês, o que os economistas defendem é que
a limpeza do balanço dos bancos se faça para libertar financiamento a empresas
viáveis, que atualmente está preso em empresas ‘zombie’. Os bancos devem
precisar de aumentar o seu capital porque estes créditos estão avaliados de
forma generosa, mas a maior parte dos bancos deve conseguir aumentar o seu
capital com recurso a fundos privados – dos acionistas ou pela emissão de
ações.
***
Também o
mercado laboral consta obviamente do elenco das reformas estruturais propostas
pelos autores do mencionado estudo. Blanchard e Portugal sublinham que a
necessidade de maior flexibilidade nas regras laborais é “um mantra repetido
pelas organizações internacionais” e distinguem duas dimensões do problema. Recuperando
o conceito da flexissegurança, que fez furor em Portugal na década passada,
defendem um modelo que combine flexibilidade para o empregador com a segurança
do trabalhador, com enfoque na formação e requalificação.
O estudo
evidencia a dualidade do emprego: entre os trabalhadores efetivos, que têm toda
a proteção e formação; e os trabalhadores precários. Foram estes que pagaram o
preço do ajustamento que as empresas fizeram no emprego durante a crise. E,
como são temporários, não recebem a formação que lhes possibilite a saída do
ciclo vicioso em que muitos estão.
Ora, as
reformas devem orientar-se para a redução da assimetria entre estes dois grupos
de trabalhadores, o que passa por simplificar a proteção laboral, tornando os
seus custos mais previsíveis, e pela alteração do modelo de formação
profissional de acordo com as necessidades das empresas, como consta do programa
do Presidente de França, Emmanuel Macron.
Segundo
Blanchard, não faz sentido agora, por questões políticas e pelos ganhos
conseguidos de competitividade devido ao crescimento das exportações, fazer
reformas profundas no mercado de trabalho, mas é necessário reduzir o fosso
existente na proteção no emprego entre os trabalhadores do quadro com maior
antiguidade e a grande quantidade de pessoas sem qualquer proteção, precários,
de forma a incentivar também as empresas a apostar nestes trabalhadores.
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Tornou-se
generoso e lúcido o economista que foi do demoníaco FMI? Estará arrependido ou foi
António Costa que o mudou?
2017.05.19 – Louro de Carvalho
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