domingo, 28 de maio de 2017

Nove mulheres estão a mudar a face de África

África, o grande continente onde terá começado a existir a vida humana, pelo menos na forma e no perfil do homo erectus, é ainda um território por desvendar e, sobretudo, por desenvolver na totalidade da sua geografia, das suas necessidades e das suas potencialidades. A par de zonas de franco progresso, ainda muitas zonas são pasto do tribalismo, do curandeirismo e de fenómenos ancestrais que desdizem da civilização em que se destaca a mutilação genital feminina. E ainda são campeãs neste continente a fome e a pobreza.
Também já fiz recentemente referência à posição do Secretário-Geral da UCCLA sobre a necessidade de se retomar a valorização do setor primário como fonte de riqueza a explorar em Angola, bem como o investimento em produções diversificadas – perspetiva a encarar, do meu ponto de vista, em outros países, porém, lançando mão da tecnologia e da mecanização para que o trabalho agrícola e agropecuário não seja tão estafante e ineficaz como quando resultava apenas do suor humano.
Vem agora a edição de 25 de maio da revista on lineDelas”, que visualizei um pouco por acaso, com uma pertinente referência a Jay Naidoo. Com efeito, este antigo Ministro das Comunicações do executivo de Nelson Mandela disse, no início deste ano de 2017, que a capacitação das mulheres, aliada a uma aposta na agricultura, permitirá acabar com a fome e a pobreza em África. Dizia este político então à agência Lusa:
“Sabemos que as mulheres, quando têm dinheiro, investem na educação e na saúde dos filhos. Sabemos que investir nas mulheres e na agricultura cria milhões de empregos para o nosso povo em África e resolve a pobreza, além de melhorar a qualidade de vida das pessoas”.
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Evidentemente que o ataque à fome e à pobreza passa pelo combate em muitas outras frentes para lá da agricultura e que estão na base do desenvolvimento integral humano sustentável, nomeadamente a luta pelos direitos humanos e, em especial, pelos direitos das mulheres – que não podem continuar a ser ostracizadas, exploradas, escravizadas, comercializadas ou entregues a trabalhos aviltantes.
A mencionada edição da revista “Delas” apresenta um painel de nove mulheres que “refletem as palavras de Jay Naidoo, ainda que o seu trabalho se distribua por outras áreas, que não a agricultura”. Na verdade, aquelas mulheres mostram – na ciência, na tecnologia, nas empresas, nas comunidades rurais, na ONU, na África e também fora do continente africano (mesmo em Portugal) – que o futuro do seu vasto território e a luta pelos direitos humanos e das mulheres passam significativamente pelo trabalho que têm vindo a desenvolver. Assim:
Abimbola Alale, diretora da Nigerian Communication Satellite Limited, é a mulher que pretende dar visibilidade à Nigéria no mapa da exploração espacial. É, pelo menos, deste modo que a BBC define a diretora da empresa de satélites daquele país, a Nigerian Communication Satellite Limited, sendo esta a única mulher a assumir semelhante cargo numa empresa deste tipo em África, na Europa e no Médio Oriente. E não se pode dizer que descure a vida familiar. Visto que tem 10 filhos, dos quais nove foram adotados por ela.
Amina Mohammed, Secretária-Geral adjunta da ONU, braço direito de António Guterres, era Ministra do Ambiente da Nigéria e, nas Nações Unidas, tinha desempenhado a função de assessora especial de Ban Ki-moon (anterior Secretário-Geral da ONU) para o Desenvolvimento Sustentável. Nesta posição, teve um papel fundamental para a promoção da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Antes de entrar na ONU, integrou sucessivamente três governações na Nigéria. Nesse período, trabalhou no reforço do setor público e do desenvolvimento sustentável, coordenando intervenções para a redução da pobreza.
Delphine Traoré Maïdou, CEO da Allianz Global em África. Segundo a mencionada revista, a responsável pela Allianz Global Corporate & Specialty, em África, foi distinguida, em 2017, como CEO do Ano, nos prémios Africa Economy Builders Awards. Natural do Burkina Faso, exerce o cargo de diretora-geral do gigante das seguradoras, desde 2012, em Joanesburgo, na África do Sul. E disse à BBC que deseja ver mais pessoas como ela – mulher e negra – nos lugares de topo das empresas.
Fadumo Dayib, ativista e especialista em saúde pública, foi a primeira mulher a concorrer à presidência da Somália, em 2016. Porém, por considerar “o processo corrupto, violento e desrespeitoso do estado de direito”, retirou a candidatura. Nascida no Quénia e filha de pais Somalis, deportados de volta para a Somália, Fadumo teve que fugir de novo, desta vez para a Finlândia. Até aos 14 anos de idade, não tinha podido aceder à educação escolar. Porém, atualmente, possui vários graus académicos em saúde pública internacional, incluindo um da Universidade de Harvard, e encontra-se a fazer o doutoramento em áreas que abrangem questões relacionadas com as mulheres, a paz e a segurança. É uma das oradoras da 5.ª edição das Conferências do Estoril, que se realizam de 29 a 31 de maio, no Estoril.
Diga-se, à margem, que as Conferências do Estoril se tornaram num local de encontro de grandes pensadores, de personalidades de renome, um espaço de ecumenismo, onde as mais diversas geografias e ideologias discutem as prementes temáticas da Globalização. Neste Local Global a discussão não é exclusiva do social ou do económico: a discussão é Global e Glocal, Globalizadora e Glocalizadora (vd. http://www.conferenciasdoestoril.org/pt).
Fatumata Djau Baldé, Presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, é, na Guiné-Bissau, uma das mais ativas defensoras da luta contra a mutilação genital feminina (MGF). Trata-se de uma prática execrável que afeta cerca de 45% das mulheres guineenses e se estende às comunidades emigrantes, que, muitas vezes, aproveitam as férias escolares das meninas para as levar às aldeias da Guiné onde a MGF ainda não foi erradicada. Por isso, em 2016, a ex-Ministra dos Negócios Estrangeiros da Guiné Bissau coordenou uma campanha com os aeroportos portugueses e o de Bissau, de sensibilização e ajuda às autoridades aeroportuárias na identificação destes casos.
Naadiya Moosajee, engenheira civil sul-africana, faz gala da ostentação da palavra ‘hope’ (esperança, em português). A palavra foi selecionada para assinalar o Dia de Luta Contra a Sida, mas a engenheira tem outra esperança: aumentar o número de mulheres nas áreas da engenharia. Para isso cofundou a WomEng, organização sem fins lucrativos com o objetivo de ajudar a formar a nova geração de engenheiras, em África, através de programas educativos e práticos. A WomEng já está presente na África do Sul e no Quénia, mas Naadiya Moosajee quer que ela chegue a todo o continente africano e a outros pontos do globo.
Pili Hus sein, empresária/mineira, é a primeira mulher mineira da Tanzânia, mas essa realidade só foi conhecida muito recentemente. Trabalhou nas minas fazendo-se passar por homem (faz lembrar Joana d’ Arc na milícia francesa) e chegou a fazer 10 a 12 horas por dia e nunca ficando atrás dos seus companheiros, como faz questão de dizer, por exemplo quando afirma à BBC que “era muito forte e conseguia produzir o que era esperado de um homem”. O disfarce foi descoberto porque a acusaram de ter violado outra mulher e, consequentemente, para provar a sua inocência, revelou a sua identidade. Não obstante, não desistiu das minas. Com o dinheiro das pedras preciosas que encontrou criou a sua própria empresa de mineração, com 70 funcionários. O sucesso financeiro permitiu-lhe ainda garantir a educação de filhos, netos e sobrinhos.
Roselyn Silva, estilista, nasceu em São Tomé e Príncipe, mas vive em Portugal desde os quatro anos. Em 2013, lançou a sua própria marca e a sua primeira coleção, uma mistura de cores e padrões africanos, com um corte moderno, a que deu o nome de Rose Collection. Um ano depois, para obviar ao aumento de encomendas, participou no programa de televisão da SIC para empreendedores, “Shark Tank”. Conseguiu o apoio de dois investidores e atualmente é apontada por muitos como o rosto da moda africana em Portugal, mas não é só entre nós que as suas peças fazem sucesso: já foram apresentadas em Inglaterra, Macau e São Tomé e Príncipe.
Theresa Kachindamoto, chefe regional do distrito de Dedza, no Malawi, apresenta uma história verdadeiramente inspiradora. Conseguiu mudar a vida de várias raparigas e crianças ao impedir o casamento de menores na comunidade que supervisiona. Farta de ver meninas de 12 anos com filhos ao colo, como disse ao canal ‘Al Jazeera’, conseguiu que 50 subchefes da sua região assinassem um acordo para proibir o casamento infantil e, nos últimos três anos, anulou mais de 850 matrimónios forçados. Mas não ficou por aqui: fez com que as raparigas fossem à escola e tem lutado para abolir rituais de iniciação sexual de crianças.
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Apresentei as susoditas personalidades por ordem alfabética, o que não significa uma qualquer valorização hierárquica das personalidades nem dos seus projetos. Todos são importantes, sendo que partem das circunstâncias vividas pelas suas protagonistas e pretendem abranger o maior número possível de pessoas e espaços geográficos.
Não há dúvidas de que os temas abraçados são pertinentes e possíveis de realização positiva e transformadora.
Em todo caso, colocaria à cabeça o reforço do setor público e do desenvolvimento sustentável, urgido a coordenação de intervenções para a redução da pobreza. Torna-se claro que a pobreza é multifacetada e muitas vezes radica na mentalidade que gera e sustenta a miséria perfurando a dignidade humana. Por isso, torna-se urgente o combate mobilizador e solidário à MGF, prepotentemente promovido para controlo, ou melhor, limitação do prazer feminino e assim provocar a futura sujeição à tutela marital; impedir o casamento forçado e precoce, sobretudo de crianças; evitar a promoção da iniciação sexual de crianças; e criar as condições políticas, sociais, psicológicas e pedagógicas para que não sucedam as gravidezes adolescentes e pré-adolescentes. Obviamente que todas as práticas tradicionais nefastas à saúde da mulher e da criança têm de ser abandonadas.
Dotar as mulheres de formação superior em saúde pública e em saúde pública internacional, além de colocar a mulher em pé de igualdade na ciência, saúde, profissão e política, traz um toque feminino benfazejo ao topo desta área da atividade humana.
As mulheres têm de ser mobilizadas para a intervenção política e para os debates em torno das questões relacionadas com a mulher, mas também com as conexas com a paz e a segurança.
Mas não pode descurar-se ou secundarizar-se o cumprimento do dever de fazer aceder todas as crianças à educação escolar básica – um direito fundamental que lhes assiste – e obviamente catapultar as mulheres aos níveis académicos mais elevados. É evidente que assim as mulheres cedo chegarão o topo do mundo empresarial, se especializarão nas várias áreas da engenharia, da arquitetura ou da atividade mineira e contribuirão para a mecanização das atividades agrárias e extrativas, como terão êxito no estilismo e na moda, na aeronavegação ou na exploração espacial. Criarão centenas ou milhares de postos de trabalho e contribuirão para a paz familiar e para educação de filhos, netos e sobrinhos. E, sobretudo, haverá mais igualdade e equilíbrio na relação, investigação, produção e fruição.

2017.05.28 – Louro de Carvalho 

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