África, o
grande continente onde terá começado a existir a vida humana, pelo menos na
forma e no perfil do homo erectus, é ainda
um território por desvendar e, sobretudo, por desenvolver na totalidade da sua
geografia, das suas necessidades e das suas potencialidades. A par de zonas de
franco progresso, ainda muitas zonas são pasto do tribalismo, do curandeirismo
e de fenómenos ancestrais que desdizem da civilização em que se destaca a
mutilação genital feminina. E ainda são campeãs neste continente a fome e a pobreza.
Também já fiz
recentemente referência à posição do Secretário-Geral da UCCLA sobre a
necessidade de se retomar a valorização do setor primário como fonte de riqueza
a explorar em Angola, bem como o investimento em produções diversificadas –
perspetiva a encarar, do meu ponto de vista, em outros países, porém, lançando mão
da tecnologia e da mecanização para que o trabalho agrícola e agropecuário não
seja tão estafante e ineficaz como quando resultava apenas do suor humano.
Vem agora a edição
de 25 de maio da revista on line “Delas”, que visualizei um pouco por
acaso, com uma pertinente referência a Jay Naidoo. Com efeito, este antigo Ministro
das Comunicações do executivo de Nelson Mandela disse, no início deste ano de
2017, que a capacitação das mulheres,
aliada a uma aposta na agricultura,
permitirá acabar com a fome e a pobreza em África. Dizia este político então à
agência Lusa:
“Sabemos que as mulheres, quando têm
dinheiro, investem na educação e na saúde dos filhos. Sabemos que investir nas
mulheres e na agricultura cria milhões de empregos para o nosso povo em África
e resolve a pobreza, além de melhorar a qualidade de vida das pessoas”.
***
Evidentemente
que o ataque à fome e à pobreza passa pelo combate em muitas outras frentes
para lá da agricultura e que estão na base do desenvolvimento integral humano sustentável,
nomeadamente a luta pelos direitos humanos e, em especial, pelos direitos das
mulheres – que não podem continuar a ser ostracizadas, exploradas,
escravizadas, comercializadas ou entregues a trabalhos aviltantes.
A mencionada
edição da revista “Delas” apresenta
um painel de nove mulheres que “refletem as palavras de
Jay Naidoo, ainda que o seu trabalho se distribua por outras áreas, que não a
agricultura”. Na verdade, aquelas mulheres mostram – na ciência, na tecnologia, nas empresas, nas comunidades rurais, na ONU, na África e também fora do
continente africano (mesmo
em Portugal) – que o
futuro do seu vasto território e a luta pelos direitos humanos e das mulheres passam significativamente
pelo trabalho que têm vindo a desenvolver. Assim:
–
Abimbola
Alale, diretora da Nigerian Communication
Satellite Limited, é a mulher que pretende dar visibilidade à Nigéria no
mapa da exploração espacial. É, pelo menos, deste modo que a BBC define a diretora
da empresa de satélites daquele país, a Nigerian
Communication Satellite Limited, sendo esta a única mulher a assumir
semelhante cargo numa empresa deste tipo em África, na Europa e no Médio
Oriente. E não se pode dizer que descure a vida familiar. Visto que tem 10
filhos, dos quais nove foram adotados por ela.
–
Amina
Mohammed, Secretária-Geral adjunta da ONU, braço direito de António
Guterres, era Ministra do Ambiente da Nigéria e, nas Nações Unidas, tinha
desempenhado a função de assessora especial de Ban Ki-moon (anterior
Secretário-Geral da ONU)
para o Desenvolvimento Sustentável. Nesta posição, teve um papel fundamental
para a promoção da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Antes de entrar
na ONU, integrou sucessivamente três governações na Nigéria. Nesse período,
trabalhou no reforço do setor público e do desenvolvimento sustentável,
coordenando intervenções para a redução da pobreza.
–
Delphine
Traoré Maïdou, CEO da Allianz
Global em África. Segundo a mencionada revista, a responsável pela Allianz Global Corporate & Specialty,
em África, foi distinguida, em 2017, como CEO do Ano, nos prémios Africa Economy Builders Awards. Natural
do Burkina Faso, exerce o cargo de diretora-geral do gigante das seguradoras,
desde 2012, em Joanesburgo, na África do Sul. E disse à BBC que deseja ver mais
pessoas como ela – mulher e negra – nos lugares de topo das empresas.
–
Fadumo
Dayib, ativista e especialista em saúde pública, foi a primeira mulher
a concorrer à presidência da Somália, em 2016. Porém, por considerar “o processo
corrupto, violento e desrespeitoso do estado de direito”, retirou a candidatura.
Nascida no Quénia e filha de pais Somalis, deportados de volta para a Somália,
Fadumo teve que fugir de novo, desta vez para a Finlândia. Até aos 14 anos de
idade, não tinha podido aceder à educação escolar. Porém, atualmente, possui
vários graus académicos em saúde pública internacional, incluindo um da
Universidade de Harvard, e encontra-se a fazer o doutoramento em áreas que
abrangem questões relacionadas com as mulheres, a paz e a segurança. É uma das
oradoras da 5.ª edição das Conferências do Estoril, que se realizam de 29 a 31
de maio, no Estoril.
Diga-se, à
margem, que as Conferências do Estoril
se tornaram num local de encontro de grandes pensadores, de personalidades
de renome, um espaço de ecumenismo, onde as mais diversas geografias e
ideologias discutem as prementes temáticas da Globalização. Neste Local Global a discussão não é
exclusiva do social ou do económico: a discussão é Global e Glocal, Globalizadora e Glocalizadora (vd. http://www.conferenciasdoestoril.org/pt).
–
Fatumata
Djau Baldé, Presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas
Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, é, na Guiné-Bissau, uma
das mais ativas defensoras da luta contra a mutilação genital feminina (MGF). Trata-se de uma prática execrável
que afeta cerca de 45% das mulheres guineenses e se estende às comunidades
emigrantes, que, muitas vezes, aproveitam as férias escolares das meninas para
as levar às aldeias da Guiné onde a MGF ainda não foi erradicada. Por isso, em
2016, a ex-Ministra dos Negócios Estrangeiros da Guiné Bissau coordenou uma
campanha com os aeroportos portugueses e o de Bissau, de sensibilização e ajuda
às autoridades aeroportuárias na identificação destes casos.
–
Naadiya
Moosajee, engenheira civil sul-africana, faz gala da ostentação da palavra
‘hope’ (esperança,
em português). A
palavra foi selecionada para assinalar o Dia
de Luta Contra a Sida, mas a engenheira tem outra esperança: aumentar o
número de mulheres nas áreas da engenharia. Para isso cofundou a WomEng, organização sem fins lucrativos com
o objetivo de ajudar a formar a nova geração de engenheiras, em África, através
de programas educativos e práticos. A WomEng
já está presente na África do Sul e no Quénia, mas Naadiya Moosajee quer que
ela chegue a todo o continente africano e a outros pontos do globo.
–
Pili
Hus sein, empresária/mineira, é a primeira mulher mineira da Tanzânia,
mas essa realidade só foi conhecida muito recentemente. Trabalhou nas minas
fazendo-se passar por homem (faz lembrar Joana d’ Arc na milícia
francesa) e chegou a
fazer 10 a 12 horas por dia e nunca ficando atrás dos seus companheiros, como
faz questão de dizer, por exemplo quando afirma à BBC que “era muito forte e conseguia produzir o que era esperado de um homem”.
O disfarce foi descoberto porque a acusaram de ter violado outra mulher e,
consequentemente, para provar a sua inocência, revelou a sua identidade. Não obstante,
não desistiu das minas. Com o dinheiro das pedras preciosas que encontrou criou
a sua própria empresa de mineração, com 70 funcionários. O sucesso financeiro
permitiu-lhe ainda garantir a educação de filhos, netos e sobrinhos.
–
Roselyn
Silva, estilista, nasceu em São Tomé e Príncipe, mas vive em Portugal
desde os quatro anos. Em 2013, lançou a sua própria marca e a sua primeira
coleção, uma mistura de cores e padrões africanos, com um corte moderno, a que
deu o nome de Rose Collection. Um ano
depois, para obviar ao aumento de encomendas, participou no programa de televisão
da SIC para empreendedores, “Shark Tank”.
Conseguiu o apoio de dois investidores e atualmente é apontada por muitos como
o rosto da moda africana em Portugal, mas não é só entre nós que as suas peças
fazem sucesso: já foram apresentadas em Inglaterra, Macau e São Tomé e
Príncipe.
–
Theresa
Kachindamoto, chefe regional do distrito de Dedza, no Malawi, apresenta
uma história verdadeiramente inspiradora. Conseguiu mudar a vida de várias
raparigas e crianças ao impedir o casamento de menores na comunidade que
supervisiona. Farta de ver meninas de 12 anos com filhos ao colo, como disse ao
canal ‘Al Jazeera’, conseguiu que 50
subchefes da sua região assinassem um acordo para proibir o casamento infantil
e, nos últimos três anos, anulou mais de 850 matrimónios forçados. Mas não
ficou por aqui: fez com que as raparigas fossem à escola e tem lutado para
abolir rituais de iniciação sexual de crianças.
***
Apresentei
as susoditas personalidades por ordem alfabética, o que não significa uma
qualquer valorização hierárquica das personalidades nem dos seus projetos. Todos
são importantes, sendo que partem das circunstâncias vividas pelas suas protagonistas
e pretendem abranger o maior número possível de pessoas e espaços geográficos.
Não
há dúvidas de que os temas abraçados são pertinentes e possíveis de realização
positiva e transformadora.
Em
todo caso, colocaria à cabeça o reforço do setor público e do desenvolvimento
sustentável, urgido a coordenação de intervenções para a redução da pobreza. Torna-se
claro que a pobreza é multifacetada e muitas vezes radica na mentalidade que
gera e sustenta a miséria perfurando a dignidade humana. Por isso, torna-se urgente
o combate mobilizador e solidário à MGF, prepotentemente promovido para
controlo, ou melhor, limitação do prazer feminino e assim provocar a futura sujeição
à tutela marital; impedir o casamento forçado e precoce, sobretudo de crianças;
evitar a promoção da iniciação sexual de crianças; e criar as condições políticas,
sociais, psicológicas e pedagógicas para que não sucedam as gravidezes
adolescentes e pré-adolescentes. Obviamente que todas as práticas tradicionais nefastas
à saúde da mulher e da criança têm de ser abandonadas.
Dotar
as mulheres de formação superior em saúde pública e em saúde pública internacional,
além de colocar a mulher em pé de igualdade na ciência, saúde, profissão e
política, traz um toque feminino benfazejo ao topo desta área da atividade humana.
As
mulheres têm de ser mobilizadas para a intervenção política e para os debates em
torno das questões relacionadas com a mulher, mas também com as conexas com a
paz e a segurança.
Mas
não pode descurar-se ou secundarizar-se o cumprimento do dever de fazer aceder todas
as crianças à educação escolar básica – um direito fundamental que lhes assiste
– e obviamente catapultar as mulheres aos níveis académicos mais elevados. É evidente
que assim as mulheres cedo chegarão o topo do mundo empresarial, se especializarão
nas várias áreas da engenharia, da arquitetura ou da atividade mineira e
contribuirão para a mecanização das atividades agrárias e extrativas, como
terão êxito no estilismo e na moda, na aeronavegação ou na exploração espacial.
Criarão centenas ou milhares de postos de trabalho e contribuirão para a paz familiar
e para educação de filhos, netos e sobrinhos. E, sobretudo, haverá mais igualdade
e equilíbrio na relação, investigação, produção e fruição.
2017.05.28 – Louro de Carvalho
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