Depois do êxito eclesial, popular e logístico da visita do Papa e da
canonização de dois dos três videntes de Fátima na primeira peregrinação
aniversária centenária, os portugueses foram brindados com o prémio da canção
no eurofestival – obra em 13 de maio, não do 13 de maio.
Foi, de
facto, uma noite de emoções e suspense. O intérprete que representou Portugal
no festival da eurovisão, Salvador Sobral, conseguiu o primeiro lugar no
concurso europeu com a música “Amar pelos
Dois”, da autoria da sua irmã Luísa Sobral.
Em 62 anos de
Festival Eurovisão da Canção e no quadro das 49 participações
portuguesas (o nosso é um dos países com mais participações), foi a
primeira vez que
Portugal ficou em primeiro lugar, o que não passou despercebido aos olhos da
imprensa internacional. Um pouco por todo o mundo, Salvador ganhou um lugar de
destaque em diversos jornais, salientando-se a BBC, El Mundo, Le Figaro, e The New York Times. E a sua vitória foi motivo de alegria
para muitos dos músicos portugueses que já viveram na pele as emoções do
Festival.
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Salvador, o Sobral da onda certa para chegar ao
eurofestival e marcar a diferença, para ser, ao mesmo tempo, mais um e distinto
de todos, sabia que isto é para quem quer, para quem pode e para quem tem sorte.
Por isso, pegou no melhor que tem – o que falta aos outros – e juntou esse
ingrediente ao caldo necessário para o efeito: estar à vontade, não vacilar. Salvador
não vacilou. Como se ninguém estivesse à sua frente, chegou, viu e venceu: cantou
enquanto pensava “eu cá rio-me perante os
nervos”. Depois, deixou o palco, esperou com paciência e serenidade o
veredicto e ganhou. Somou 758 pontos, à frente dos 615 da Bulgária.
É caso para
pensar em termos sentenciosos como fizeram alguns observadores em tom
humorístico: “Se queres uma coisa bem feita, fá-la tu; ou então, passa-a ao teu irmão”. Luísa sentenciou, Salvador realizou, Portugal
ganhou a Eurovisão e a RTP organizá-la-á em 2018.
Porém, Luísa Sobral, a
compositora estava
ansiosa, nos bastidores ou entre a multidão, a ver e a ouvir o irmão na canção
que ela compôs. “Amar pelos Dois” foi um título escolhido com tiques de jackpot. Com efeito, só a um é permitido cantar, mas o intérprete
pôde dizer Urbi et Orbi que ela
também esteve sempre em palco. E iria lá estar como adiante se verá.
A canção de
Luísa ganhou emoção que baste num tipo de balada de piano-bar com bom respiro. Boa
melodia, bom ritmo, boa harmonia, boa conjugação de graves e agudos e bom
transporte de verso para verso ou de frase musical para frase musical – tudo
resultou e deu para conquistar audiências e deixar o ouvinte suspenso e envolvido.
Luísa, a
senhora da canção, podia ter assumido a propriedade e a utilização da obra, mas
preferiu apostar no irmão, menos ansioso e mais desenvolto, embora condicionado
pela saúde.
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O prémio, em
forma de microfone, foi entregue pela vencedora da edição anterior, a ucraniana
Jamala. E, num pequeno discurso após a entrega, Salvador pediu que a música
deixasse de ser sobre “fogo-de-artifício” e que passasse a ser sobre
sentimentos, explicando em tom crítico:
“Vivemos num mundo de música descartável, de
música fast-food, sem qualquer conteúdo. Penso que esta pode ser uma vitória
para a música e para as pessoas que fazem música que realmente significa alguma
coisa.”.
E, antes de
interpretar, uma última vez, “Amar pelos
Dois”, o intérprete solicitou a presença de Luísa em palco, dizendo “acho que a deviam ouvir”. E o público
ouviu. Fez-se silêncio em Kiev e, de telemóveis em punho, os presentes
deixaram-se encantar de novo pelo tema que sagrou, pela primeira vez, Portugal
como vencedor deste certame europeu.
A Eurovisão
construiu, ao longo destes 62 anos, a imagem que ainda hoje persiste. O
festival apresenta invariavelmente um espetáculo soberbo de cores e adereços:
lantejoulas, camisas berrantes e coreografias inacreditáveis, música para dar
um pé de dança ou um pop de ficar no
ouvido. E este é o segredo do sucesso do eurofestival que, todos os anos, é
visualizado por milhares de milhares de pessoas em todos os pontos da Europa (e não só).
Nestes
termos, o que se passou, a 13 de maio, em Kiev (recebeu a 62.ª edição da Eurovisão) não destoou do que se passou nas
edições anteriores. A grande e única surpresa foi mesmo a vitória de Salvador
Sobral, apesar dos propalados favoritismos, com uma composição que, segundo os
usuais estereótipos, não teria lugar num festival como o da Eurovisão.
Já o segundo
lugar, menos surpreendente, calhou a Kristian Kostov, da Bulgária, que interpretou “Beautiful Mess” e caiu bem a uma boa
parte dos europeus. Mas não bastou para conquistar o microfone de cristal (ficou a 143 pontos de Salvador). O terceiro lugar foi para os Sunstroke
Project, da
Moldávia, que animaram a noite depois duma atuação medíocre das holandesas
OG3NE (com a canção “Lights and Shadows” dedicada
à mãe), interpretando “Hey Mamma”. Os moldavos, com smokings pretos, um trio de noivas a
acompanhar e uma coreografia ousada, fizeram da sua prestação eurovisiva uma
despedida de solteiro, em que o saxofonista Sergey Stepanov foi a alma da
festa.
A intérprete belga Blanche, que
já brilhara na semifinal do passado dia 9, posicionou-se em quarto lugar com “City Lights”, uma das melhores canções
que passaram pelo festival Eurovisão, tendo conquistado a empatia de Salvador e
Luísa Sobral. Foi a falta de presença em palco ou a falta de expressão que a
prejudicou a ponto de o entusiasmo dos fãs se ter desvanecido, muito embora a
melodia entre muito bem no ouvido.
Se é verdade
que “os últimos são os primeiros e os primeiros são os últimos”, aqui os primeiros
foram mesmo os últimos. Assim, o israelita IMRI (cujo nome é Imri Ziv) foi o primeiro a atuar em palco. Com
um visual simples de mais para a Eurovisão, acompanhado de dois bailarinos, interpretou
um tema dançável, mas com pouca originalidade. Apesar de já não ser estreante na
Eurovisão (participou nas
edições anteriores de 2015 e 2016 como backing singer), evidenciou fragilidades durante a
interpretação do tema “I Feel Alive”.
Apesar de ter entrado em primeiro lugar, IMRI foi dos piores classificados:
ficou em 23.º lugar, com 39 pontos. Mas pior sorte teve a Ucrânia, que, por ter
ficado em primeiro lugar em 2016, teve a honra organizar a edição de 2017, e a
Alemanha. O ucraniano O.Torvald, conseguiu 36 pontos com “Time”; e a alemã Levina
fez apenas 6 pontos, com “Perfect Life”.
Em último, ficou a Espanha, com Manel Navarro a cantar “Do It For Your Lover”, acompanhado por uma banda, vindo a obter apenas
5 pontos.
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O Festival Eurovisão da Canção regressa para o ano e será realizado
em Portugal, em conformidade com a regra segundo a qual o país
vencedor será o anfitrião da edição seguinte. Não se consegue prever ainda como
decorrerá essa 63.ª edição do festival, mas o certo é que “Portugal já fez
história”. Porém, Salvador Sobral recusa o estatuto de herói e diz que apenas pretende
continuar a “fazer a minha música e ser feliz a tocar”. Não obstante, há que o
dizer com clareza. Salvador e a irmã criaram um facto inédito para Portugal:
ganhar o eurofestival era coisa impensável dentro do estilo festivaleiro a que estávamos
habituados e dada a complexidade de interesses e de perspetivas no concerto dos
países participantes. Houve trabalho, arte, alma, dedicação e sorte. Se a
Seleção Nacional de Futebol merece o título coletivo de herói por haver
conseguido o título de campeão europeu, também os manos Sobral o merecem por
similar proeza. Venha daí a condecoração presidencial!
Na sua
primeira conferência de imprensa à chegada a Lisboa, o vencedor do Festival da
Eurovisão disse esperar que a vitória ajude a cultura portuguesa, já que o
turismo vai de certeza ajudar. E é de salientar a nota humorística em que pede
desculpa à RTP pelo que vai ter de gastar para organizar o próximo Festival em
2018.
Já a sua
irmã Luísa, compositora da canção vencedora, afirmou que sempre fez sentido
cantar em português, já que, “o que é importante nisto tudo é sentir o que se
está a dizer”, recordando que alguns intérpretes de outros países cantavam em
inglês sem sequer saberem o idioma (a britaniomania). E os dois irmãos revelaram que o prémio grande vai
para “casa dos nossos pais” e o “pequenino para a RTP” e agradeceram todo o
apoio recebido da televisão pública.
Além do
eurofestival, “Amar pelos dois” valeu
a Luísa o prémio de composição e a Salvador o de intérprete, atribuídos pelos
comentadores e pelos compositores das outras delegações. Salvador recebeu já os
parabéns da parte do Presidente da República e do Primeiro-Ministro. E, ao deixar
o aeroporto, foi completamente apanhado de surpresa pela receção de duas a três
mil pessoas que o esperavam e aplaudiram em delírio, gritando “Portugal!”.
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É certo que
a logística do eurofestival traz custos, mas não são despiciendas as vantagens para
a economia e para o orgulho nacional. Além disso, os custos hão de ser infinitamente
inferiores aos provocados pelos descalabros da Banca, como já adiantam as más-línguas.
O espelho
dos custos e das vantagens pode ver-se em Kiev,
que espera gerar receitas na ordem dos 20 milhões de euros com o aumento do
turismo. Com efeito, após a vitória em 2016, coube à Ucrânia organizar a 62.ª
edição do certame, para o que contou com um recorde de 43 países em competição,
numa extensa lista que inclui participantes como a Austrália.
Além
das polémicas habituais, desta vez centradas no abandono da competição pela
Rússia, na sequência de a Ucrânia ter proibido a entrada da intérprete russa no
país, o festival ficou marcado pelo avultado investimento com que a cidade
organizadora teve de arcar.
Números
não oficiais apontam para que a capital ucraniana tenha investido cerca de 30
milhões de euros na organização. Em contrapartida, a cidade espera gerar
receitas na ordem dos 20 milhões de euros com o aumento do turismo. O valor está
na média dos últimos anos. Em conjunto, as últimas cinco cidades organizadoras
gastaram cerca de 166 milhões de euros. A cidade mais gastadora foi Baku, a
capital do Azerbaijão, que despendeu mais de 56 milhões de euros em 2012, por
ter construído um recinto novo propositadamente para o festival. Mas o evento
criou 529 postos de trabalho e rendeu 8,2 milhões de euros em turismo à cidade.
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A
grande questão que se deve colocar é se vale a pena ou não para a alma nacional
apostar nesta organização da forma mais eficiente, como um contributo
psicossocial par ao país sair da depressão em que ainda jaz. Mal haja a
economia que se reduza ao deve/haver das perdas e dos lucros em termos
meramente numéricos! Não haverá mesmo mais vida para lá do orçamento?
2017.05.14 – Louro de Carvalho
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