quarta-feira, 3 de maio de 2017

O terço do centenário que é emoldurado pelos céus de Fátima!

Foi ontem, dia 2, apresentada e informalmente inaugurada, em Fátima, uma obra que assinalará, em termos figurativos, o núcleo central das celebrações centenárias – de maio a outubro. Trata-se do terço gigante da autoria da artista plástica Joana Vasconcelos, que vai iluminar-se, pela primeira vez, no próximo dia 12, quando o Papa Francisco chegar ao Recinto de Oração do Santuário para, com os milhares de peregrinos ali presentes, se preparar para rezar o terço. Será então a grande e oficial inauguração. Está suspenso a 26 metros de altura, pesa 540 quilogramas e é feito em resina de polietileno, luzes LED, filtros de cor, aço e fontes de alimentação. E a cruz que remata a escultura tem a proporção traçada segundo o desenho do Homem de Vitrúvio, de Leonardo da Vinci – Jesus Cristo é o homem novo que está no centro do universo.
A obra, encomendada pela Reitoria do Santuário de Fátima, chama-se “Suspensão” e o terço é feito de contas brancas, evocando a essência da mensagem de Fátima: o terço que a Virgem Maria pediu aos pastorinhos que rezassem para se atingir a paz no mundo. E é uma produção que se enquadra no âmbito do processo criativo da artista, que assenta na apropriação, descontextualização e subversão de objetos pré-existentes e realidades do quotidiano.
Anote-se que Joana Vasconcelos expõe regularmente desde meados da década de 1990, tendo o reconhecimento internacional do seu trabalho aumentado com a participação na 51.ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia, em 2005.
E para a artista, ligada a Fátima como peregrina desde 2002, a obra tem uma dupla função: procura refletir “a relação entre o céu, a terra e a luz”; e pretende fazer passar “uma mensagem de paz, de tolerância e de amor para o mundo”. E a artista entende que “esta mensagem de paz é muito importante neste momento e é muito importante que haja símbolos que ajudem a que essa mensagem seja passada”. Por outro lado, com a obra, a artista diz querer perspetivar o fenómeno de Fátima para o futuro, abrindo-lhe “novas portas de interpretação”.
Segundo o Padre Carlos Cabecinhas, Reitor do Santuário de Fátima, a partir da noite do próximo 13 de maio, o terço iluminar-se-á em cada dia, às 21,30 horas, a hora em que os peregrinos se reúnem na Capelinha para a recitação da oração do terço. Diz o sacerdote responsável pela vida e obras do Santuário que este ícone “passa a ser um sinal que nos acompanhará e que acompanhará a ritualidade deste lugar a partir do dia 12 de maio e até ao fim deste conjunto de grandes peregrinações em outubro”.
Apesar de instado pela Rádio Renascença, o Santuário não divulga o valor da obra, remetendo para “momento oportuno” a divulgação das despesas relativas ao centenário das aparições.
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O terço gigante, encomendado e confecionado no âmbito das comemorações do Centenário das Aparições, fica à entrada da Basílica da Santíssima Trindade. E Joana Vasconcelos, na conferência de imprensa em que foi apresentada a obra, admitiu que o convite do Santuário para executar a peça foi “muito especial” e vem “numa linha de pensamento e numa linha de obras” que tem vindo a desenvolver nos últimos 20 anos, entre as quais está a peça que fez em 2002, “www.fatimashop”. Sobre a obra de há 15 anos, desde a qual mudou a sua visão sobre Fátima e toda a sua “vida a partir daí teve uma outra perspetiva”, declarou a artista:
“Vim de peregrinação de Lisboa até Fátima para poder aprender e para poder observar o fenómeno de Fátima. Então vim com um ciclomotor até Fátima e fiz daí uma peça que é um altar e que é também um vídeo dessa minha peregrinação, onde testemunhei toda a experiência de vida de uma peregrinação, das pessoas, o porquê”.
Sobre a obra ora colocada no lugar e apresentada à Comunicação Social, a autora sustentou:
“É muito importante que haja símbolos que ajudam a que a mensagem de paz seja passada. A ‘Suspensão’ tem a ver com esta relação entre o céu e a terra e a luz que de alguma maneira nos ilumina o nosso caminho”.
E o Reitor do Santuário referiu que aquando do lançamento do desafio para a realização duma obra que marcasse o centenário tinha a noção “da enorme dificuldade que representava”, pois “criar uma obra de arte à escala deste enorme recinto era um desafio fora do comum”. Todavia, “este desafio foi felizmente aceite”. O sacerdote deu os parabéns a Joana Vasconcelos, dizendo que “criou uma peça extremamente fotogénica” que “consegue dominar este enorme recinto de oração” – sendo isto que o Santuário pretendia: “marcar o Centenário das Aparições com uma obra de arte que fosse significativa, que fosse profundamente enraizada na mensagem de Fátima”, como é o caso da “Suspensão”, pois representa um terço. E acrescentou:
“É, por isso, para nós, um elemento particularmente significativo e importante, porque passará a integrar a ritualidade deste lugar”.
Concluindo, referiu:
“Todos percebemos o enorme impacto que esta peça tem no conjunto edificado deste Santuário, o que pretendemos é que precisamente esta celebração do Centenário seja marcada festivamente e que possa estar também marcada por uma obra de arte desta natureza, que nos ajuda a perceber aquilo que é o fundamental deste lugar”.
E a autora desta obra de arte disse ainda:
“É com muito gosto que estou aqui alguns anos depois, para poder fazer parte deste Centenário, para fazer parte deste momento tão importante para Portugal e para os portugueses e para poder colaborar nesta mensagem de paz”.
Por seu turno, Marco Daniel Duarte, diretor do Museu do Santuário de Fátima, disse que o terço, feito com resina de polietileno, LED, filtros de cor, aço e fontes de alimentação (com dimensões de 2 600x1 050x75 cm, instalado no alto do Recinto de Oração), revela o que é a mensagem de Fátima no seu essencial. Adiantou que “o terço é o símbolo maior da Mensagem da Cova da Iria, pois, segundo o testemunho dos videntes, a Virgem trazia nas mãos “um terço de contas brancas”; e explicitou que “a oração do rosário foi pedida pela Virgem como oração quotidiana” para alcançar a paz para o mundo e que o terço “é o objeto comum a todos os peregrinos de Fátima, independentemente da sua condição e proveniência social, cultural e geográfica”.
E, a propósito do nome “Suspensão” atribuído a esta peça, Marco Daniel diz:
Não está só relacionado com o facto de estar suspensa no ar, mas também, pois está suspensa entre o Céu e Terra e lança um desafio que é o mesmo deixado aqui há 100 anos pela Mãe de Deus, isto é, se aceitarmos esse desafio, o lugar suspenso que fica suspenso até o podermos agarrar, podemos alcançar a paz no mundo”.
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O “Homem Vitruviano” sobre cujo desenho foi taçada a proporção da cruz que remata o terço gigante é obra de 1490, baseada numa obra mais antiga sobre arquitetura do famoso Vitrúvio e que refere as proporções divinas perfeitas. Assim, este homem seria o ideal humano, tendo toda a obra proporções baseadas no número ‘phi’ (1,618) que os gregos difundiram.
Para a filosofia, esta figura, além de mostrar as proporções perfeitas, está repleta de símbolos. Com efeito, a figura presente na obra está dentro dum círculo e dum quadrado, na relação com a numerologia sagrada: o círculo é símbolo da divindade e o quadrado é símbolo da manifestação na matéria a partir da divindade. A figura humana está totalmente integrada nestas figuras geométricas, demonstrando a relação do homem com o universo, o macrocosmos – aqui como o universo e o microcosmos como o homem totalmente integrados. A figura, na posição de braços abertos longitudinais ao corpo forma a cruz latina – símbolo da verticalização do homem em busca do sagrado com um trabalho na matéria (horizontal). Deste modo, o “Homem Vitruviano” é um pentagrama, um símbolo estelar de cinco pontas a representar o homem e a sua relação com os quatro elementos (terra, água, ar e fogo) que, por sua vez, têm relação com os quatro corpos da personalidade e a cabeça como o elemento racional da Tríade que traz o poder de discernimento adquirido pela obtenção de conhecimento.
Carlos Fiolhais (in SOL, de 2010.11.19) anota o facto de podermos encontrar o homem de Vitrúvio numa das faces de uma moeda de euro – cunhada em Itália, pois o autor da imagem foi o artista e inventor italiano Leonardo da Vinci, que o Governo do seu país quis assim homenagear.
O génio de Leonardo (para muitos, o maior génio da história) chegou até nós através das criações artísticas e das criações tecnológicas, condensa-se na representação que fez de um homem nu (segundo alguns, um autorretrato) inscrito simultaneamente dentro da circunferência e do quadrado. O homem toca graciosamente na circunferência ou no quadrado conforme está com as pernas e os braços em V ou com as pernas unidas e os braços na horizontal. O centro da circunferência e o do quadrado não coincidem: o primeiro está no umbigo, perto do centro de gravidade do corpo; e o segundo está no sexo.
A representação, cujo original se pode ver na galeria da academia em Veneza, terá sido inspirada no filósofo grego Protágoras de Abdera, que disse, no século V a C, que “o homem é a medida de todas coisas”. Mas Leonardo foi influenciado pela obra do arquiteto e engenheiro romano Marcus Vitruvius Pollio, que escreveu, no século I a C, dez livros de arquitetura, pois glosa esse autor na sua escrita para ser lida ao espelho, no manuscrito que contém o desenho (daí o nome de ‘homem de Vitrúvio’). O objetivo comum era a busca das proporções perfeitas.
O simbolismo é a integração do homem no mundo, mundo que está escrito em linguagem matemática. Por isso, os fatos da NASA usados pelos astronautas para atividades fora do vaivém ou da estação espacial internacional mostram este símbolo. E o logótipo de agência de exploração interestelar no filme “Contacto”, baseado no romance do astrofísico Carl Sagan, é o homem de Vitrúvio estilizado. E, com boas proporções indiciam saúde, vários institutos médicos ou relacionados com a medicina tenham adotaram, em todo o mundo, o desenho de Leonardo como a sua imagem de marca. Na verdade, Da Vinci conseguiu, melhor do que ninguém, com o homem de Vitrúvio, congraçar a ciência e a arte.
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Por mais que alguns critiquem o terço gigante ou a artista plástica, devo confessar que um santuário especial, um centenário especial e uma mensagem especial bem merecem um ícone especial que, tal como o pórtico jubilar enquanto ícone do Ano Jubilar fatimita qual porta santa a incitar à conversão, o terço marca céus e terra para a Igreja orante pela paz a inspirar a metanoia pessoal e comunitária para um efetivo e afetivo amor a Deus e ao próximo.
Depois, o terço como oração predominantemente mariana, rematado pela cruz, mostra o encaminhamento que a Mãe faz dos filhos para o FILHO (e do FILHO para os filhos), que pretende a penetração de todos e de cada um no mistério de comunhão da Santíssima Trindade – desígnio que se realiza pela escuta da Palavra, pela oração e celebração dos sacramentos, com relevo para a Eucaristia, e pela vivência da fraternidade na justiça e na caridade pessoal e estrutural.
Quanto ao “Homem Vitruviano”, penso que será efetivamente a medida de todas as coisas quando se deixar compreender a abraçar pelo Verbo Incarnado – Jesus o verdadeiro Homem-Deus – Aquele que é capaz de entender e fazer o enigma do homem que habita este mundo (cf GS 22). E a Senhora da Mensagem, na sua atenção e perspicácia, constitui um auxílio precioso.

2017.05.03 – Louro de Carvalho

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