sexta-feira, 26 de maio de 2017

A propósito do direito de autor

Como se pode ler no site da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), o direito de autor “é um direito do homem e um direito fundamental, consagrado na Constituição da República Portuguesa, que protege as obras ou criações intelectuais”. Mais se esclarece que “é um ramo do Direito Civil que se rege, essencialmente, pelas disposições do Código do Direito de autor e dos Direitos Conexos (CDADC) [aprovado] pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 45/85, de 17 de setembro, 114/91, de 3 de setembro, pelos Decretos-Leis n.os 332/97 e 334/97, ambos de 27 de novembro, e pelas n.os Leis 50/2004, de 24 de agosto, 24/2006, de 30 de junho e 16/2008, de 1 de abril”. Além disso, é referido que “a proteção conferida pelo direito de autor é reconhecida em todos os países da União Europeia, nos países subscritores da Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas e nos países do Tratado OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual)”.
Na verdade, o art.º 42.º da CRP (Constituição da República Portuguesa), dedicado à liberdade de criação cultural, estabelece:
1. É livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.”.
Por seu turno, o art.º 1.º do CDADC estabelece:
“1. Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores. 
2. As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código. 
3. Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.”.
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Como é de inferir, o direito de autor diz respeito à “criação intelectual, artística e científica”; e abrange a “invenção produção e divulgação”, mas não incluindo, per se, “as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas”. Porém, a proteção da obra e dos direitos de autoria é independente da sua “divulgação, publicação, utilização ou exploração”. E, se dúvidas houvesse, viria o art.º 2.º do CDADC determinar a abrangência do objeto do código. Num primeiro ponto, estabelece:
“As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objetivo, compreendem nomeadamente:
a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos; 
b) Conferências, lições, alocuções e sermões; 
c) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação; 
d) Obras coreográficas e pantomimas, cuja expressão se fixa por escrito ou por qualquer outra forma; 
e) Composições musicais, com ou sem palavras; 
f) Obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas; 
g) Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitetura; 
h) Obras fotográficas ou produzidas por quaisquer processos análogos aos da fotografia; 
i) Obras de artes aplicadas, desenhos ou modelos industriais e obras de design que constituam criação artística, independentemente da proteção relativa à propriedade industrial; 
j) Ilustrações e cartas geográficas; 
l) Projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitetura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências; 
m) Lemas ou divisas, ainda que de caráter publicitário, se se revestirem de originalidade; 
n) Paródias e outras composições literárias ou musicais, ainda que inspiradas num tema ou motivo de outra obra.”.
E, num segundo ponto, clarifica a natureza das sucessivas edições da obra:
As sucessivas edições de uma obra, ainda que corrigidas, aumentadas, refundidas ou com mudança de título ou de formato, não são obras distintas da obra original, nem o são as reproduções de obra de arte, embora com diversas dimensões”.
Nestes termos, ninguém pode chamar “sua” uma obra ou parte dela que seja feita por outrem, a não ser na parte ou no aspeto que seja mesmo da sua autoria, independentemente da sua subnatureza e feição ou da fase em que se encontre. E é por isso que as fichas técnicas de obras literárias, científicas e artísticas são rigorosas no detalhe, atribuindo o quê e a quem. Todavia, é lícito referir que algo cuja autoria não é conhecida possa atribuir-se a autor anónimo ou autor desconhecido, indicando, se possível, o seu horizonte temporal ou geográfico e cessando o anonimato ou desconhecimento de autor logo que o seu nome surja de forma comprovada.
Obviamente que o transgressor sujeita-se às sanções previstas no respetivo Código. E nada tenho a opor a este ordenamento jurídico.
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Não obstante, parece inconveniente alguém arrogar-se a autoria de lei ou decreto-lei e instrumentos similares, só porque estes normativos habitualmente partem de material de trabalho fornecido por pessoas singulares ou pessoas coletivas e, no caso das leis, elas têm de resultar de proposta do Governo, de projeto de um grupo de deputados ou de uma petição de cidadãos. Porém, a autoria formal é do Governo, no caso de decreto-lei ou de decreto-regulamentar, decreto simples, carecendo de promulgação da parte do Presidente (e, na maior parte dos casos de referenda primoministerial) e a autoria formal da lei é da Assembleia da República e carece de promulgação e de referenda. Também é do Governo através do respetivo subscritor a portaria, o despacho normativo ou o despacho simples, muito embora o texto inicial seja posto à disposição dos parceiros para debate antes do texto definitivo e da respetiva publicação.
Assim também não é curial vir a ribalta um indivíduo clamar que fez o discurso do Presidente, dum governante, do Bispo, do Papa ou de quem quer que seja. Que o diga, se o entender, o próprio titular de cargo público que encomendou o discurso.
Por motivos semelhantes se deve repartir o mérito duma pronúncia pública de Papa, governante ou Chefe de Estado ao respetivo estado-maior que tantas vezes trabalha incansavelmente para que a entidade a cujo serviço se encontra desempenhe cabalmente o seu múnus. E tanto João XIII como o Papa Francisco facilmente desmontam a autoria material de certos documentos.
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Todavia, aquilo que mais me choca – na linha do princípio “summum ius, summa iniuria” – é a advertência aposta em certas publicações de índole religiosa e católica cujo conteúdo devia ser divulgado Urbi et Orbi: “é proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste documento por qualquer meio”. Obviamente que não ponho em causa o direito autoral e a proteção da obra. Todavia, mais do que a reserva e a proteção da obra, o autor cristão deveria privilegiar a “salus animarum” (salvação das almas) enquanto “lex suprema Ecclesiae” (lei suprema da Igreja). Já os romanos, na sua reconhecida sabedoria prática, aceitavam e sustentavam o princípio “Salus Reipublicae lex suprema esto” (seja lei suprema a salvação da Pátria).
Quanto a mim, prefiro a liberalidade daqueles que declaram: “é permitida a reprodução desta obra ou de alguma das suas partes, desde que seja referida a proveniência e a autoria”. Não deixa de manifestar o zelo pelo direito de autor no caso da omissão da sua referência e da apropriação indevida, mas respeita o escopo da utilidade da mensagem doutrinal.
De resto, é de criticar o preço excessivo do material teológico, doutrinal e catequético. É óbvio que o mercado é desnaturado na sua soberania e nas suas leis, mas a Igreja talvez tenha obrigação de constituir um fundo para a publicação de determinadas obras e colocá-las a preço mais acessível, bem como tirar partido da sua habilidade para concitar o conveniente mecenatismo. É claro que nem tudo pode ser distribuído grátis, mas o “insulto” às bolsas pobres ou a condenação à falta de formação do que têm menos recursos não pode constituir-se como uma inevitabilidade.
No entanto, há aspetos positivos a salientar. No passado dia 15, num encontro com amigos, dizia eu que a Igreja em Portugal deveria publicar uma brochura com todas as intervenções do Papa Francisco a propósito da sua peregrinação a Fátima, bem como a saudação do Bispo de Leiria-Fátima. Mais tarde, entrei no site da Conferência Episcopal e vi o semanário on lineEcclesia” a publicar com algum atraso, mas com data de 13 de maio, as intervenções de Francisco (com exceção da saudação aos doentes) e a saudação do Bispo Dom António Marto. Porém, vinha a anotação: “Edição disponível em papel com o dobro das páginas – pedidos para ‘secretariado@ecclesia.pt’ tel. 218 855 472 (morada e comprovativo de transferência: 2€ + portes)”. Depois, vim a saber que esta edição extraordinária do semanário “Ecclesia” em papel contém todas as intervenções de Francisco – videomensagem emitida dias antes da partida para Fátima, oração de saudação a Maria na Capelinha das Aparições, saudação aos peregrinos antes da recitação do terço e da procissão das velas, homilia da missa do dia 13, saudação aos doentes, síntese das declarações do Papa aos jornalistas no voo de regresso a Roma e a sua intervenção antes da recitação do “Regina Coeli” no dia 14, na Praça de São Pedro – bem como as diversas saudações ao Papa da parte dos Bispos.
Acresce dizer que o site da Santa Sé publica regularmente em diversas línguas, entre as quais o português, embora com predominância para a língua italiana, as principais intervenções do Sumo Pontífice e os documentos pontifícios e alguns dos diferentes dicastérios. E também algumas dioceses, como a do Porto e a de Lamego, procedem de forma semelhante em relação aos respetivos prelados e demais instâncias diocesanas. Também a agência “Ecclesia” diariamente e no seu semanário emite notícias, artigos de opinião, artigos de memória, entrevistas e depoimentos (estes, sobretudo dos bispos das diversas dioceses).
Nem tudo vai mal, mas há que aumentar e aperfeiçoar, de forma a revitalizar a ação da Igreja em Portugal em sintonia com o Concílio Vaticano II e as indicações do Papa Francisco.

2017.05.26 – Louro de Carvalho

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