quinta-feira, 4 de maio de 2017

CGD remenda buracos decorrentes do encerramento de balcões

Provavelmente também eu seria capaz de revitalizar um banco nas condições que os eminentes gestores o vêm a fazer: encerrar agências, despedir pessoal (eufemisticamente dispensar colaboradores), aumentar custos de serviços ao cliente e ver tolerado o resultado em prejuízos…
O que se se passa com a reestruturação da banca portuguesa faz-me lembrar o discurso que um zeloso capitão do exército proferiu no banquete de missa nova de um sacerdote. Ao dizer que o neossacerdote ultrapassou as muitas dificuldades que surgiram, exclamou virando por lapso o sentido da frase sentenciosa: “Mas Deus escreve torto, torto… torto por linhas direitas!...”. E eu não me contive sem replicar do lugar onde estava a ouvir: “Isso também eu faço!”.
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O processo de reestruturação
Todos sabemos que a CGD (Caixa Geral de Depósitos) está em processo de reestruturação. E isso exige a recapitalização e pensava-se que exigiria a supressão de balcões e dispensa de pessoal.
A recapitalização foi acordada com a UE e não é considerada ajuda do Estado; o número de balcões a encerrar previsto em cerca de 180 até ao ano de 2020, fica-se para já em 61; e, quanto à dispensa de pessoal, o Secretário de Estado que tutela a CGD garante que não haverá despedimentos. E explicou a dispensa de colaboradores com as reformas por idade e tempo de serviço, pedidos de reforma antecipada e rescisão por mútuo acordo.
Lá entram os contribuintes. Pensões de reforma dos trabalhadores da CGD são pagas pela CGA (Caixa Geral de Aposentações), que não tem novos contribuintes. E rescisões por mútuo acordo também entram na carteira dos contribuintes: se for a CGA a pagar, vem fundamentalmente da contribuição dos trabalhadores públicos e do Orçamento do Estado; se for a CGD, menos lucros e, por conseguinte, menos dividendos recebe o acionista Estado ou menor margem tem para reinvestimento. Entretanto, o aludido Secretário de Estado garante que até 2020 serão admitidos 110 colaboradores por ano, não para substituir os dispensados, mas para o desempenho de competências que a CGD vai passar a ter.
Quanto ao encerramento de agências, entendia-se como baia a não ultrapassar e que a CGD garantiria a manutenção de pelo menos uma agência em cada concelho. Sucede, porém, que o município que assiste ao encerramento da agência da CGD na sede do concelho é o de Almeida. Pelo que a população não se conforma e tem vindo a empreender ações públicas de protesto.
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As respostas às questões levantadas pelos deputados
Face a uma vaga de questões e pedidos de esclarecimento apresentados por deputados de todos os grupos parlamentares sobre a decisão da CGD de encerrar 61 agências por todo o país, o Ministério das Finanças (MF) fez chegar à Assembleia da República as respostas a todos os grupos parlamentares. Embora todas digam o mesmo, cada solicitação partidária foi respondida.
O encerramento de agências da CGD tem motivado protestos um pouco por todo o país, com as populações das regiões afetadas a verem-se mais uma vez na linha da frente dos cortes exigidos pelas autoridades – europeias ou portuguesas. E, apesar de o plano delineado para o banco público cumprir a promessa de manter a sua presença em todos os municípios, o fecho de balcões afeta todo o país, de norte a sul, não esquecendo as regiões autónomas. Por isso, o MF explica o porquê dos encerramentos e as alternativas em estudo – isto além do “banco-navette” que o grupo vai lançar, sendo que todas as alternativas podem vir a ser uma opção real.
A grande justificação para o encerramento prende-se com o argumento economicista:
“Para que a CGD possa cumprir a sua missão de forma sustentável, tem de estar assegurada a viabilidade económica da operação bancária, afastando-se cabalmente qualquer cenário que implique necessidades de capitalização futura”.
Por outro lado, para afastar a necessidade de capitalização futura, foi desenhado um “Plano Estratégico” de modo que a CGD beneficie de “medidas de incremento de eficiência”. As medidas a implementar de acordo com este plano “terão sempre subjacente a preocupação com a compatibilização das prioridades essenciais de prestação de serviços de qualidade às populações e a garantia de viabilidade económica”. E, nos termos do plano, há que rever o modelo comercial da CGD e redimensionar a sua rede, ajustando a sua presença ao “potencial económico e de desenvolvimento de cada localidade”. Para isto, a CGD analisa “atentamente” a rentabilidade de cada unidade de negócio, a dispersão geográfica e o “potencial ou atratividade da respetiva zona de influência”. E o banco, em esclarecimento enviado às redações, referiu que será tida em conta a rede viária ou a facilidade de acesso e as distâncias a outras agências suas.
Porém, nada é referido quanto a matérias relacionadas com serviço público. Antes, fala-se em modernização tecnológica. E, enquanto é exigido à CGD o corte em colaboradores e balcões por razões de eficiência, o banco público depara-se com o desafio de modernização, “no sentido de ir ao encontro de novas formas de operar no setor bancário que acompanhem a tendência de digitalização da economia” – desafio que não passará ao lado da CGD e será determinante para a revisão do seu modelo comercial.
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Sobre as soluções alternativas ao encerramento de balcões
Quanto às preditas opções alternativas, diz-se que, embora a decisão caiba ao presidente da CGD, o MF mantém-se a par das medidas que vão sendo analisadas pela administração para “compensar” os clientes que perderem acesso às suas agências bancárias. Segundo a tutela, os cortes nos balcões serão acompanhados “de medidas adicionais para garantir a continuidade e acessibilidade dos serviços aos clientes abrangidos”. E, à cabeça de tais medidas, vem a repetição de ideias anteriores, como a da “adequação da estrutura de recursos humanos, com realocação de todos os trabalhadores e do parque de caixas automáticas”.
Também, em nota enviada às redações, a CGD assegura que “todos os colaboradores” visados pelo encerramento “serão recolocados em outras agências”, prometendo que “muitos deles irão melhorar a qualidade de serviço ao cliente nas agências integradoras”. E a rede multibanco será reforçada “nas zonas não urbanas” e com áreas de self-banking.
Além disso, diz o MF estar em estudo a existência de uma CGD a tempo parcial nalgumas localidades, através da “presença temporária de colaboradores, a tempo parcial”, nas zonas que ficarem sem agência – algo ao que o banco referira, apontando que existirão ações de apoio em 17 localidades com a deslocação ou permanência da equipa comercial, além do “banco-navette”.
Nestas ações de apoio, estarão envolvidos “promotores comerciais” para prestação de apoio adicional a munícipes e “apoio adicional à utilização de meios digitais”.
Quanto ao modo de informação ao cliente de agência a encerrar, a CGD avançou com o contacto por carta subscrita pelo gerente da agência para onde será transferida a sua conta.
Além disso, a informação de encerramento e de dados sobre as agências alternativas mais próximas será também fixada na porta das agências que encerram, podendo, contudo, o cliente da CGD escolher qual a agência para onde quer transferir as suas contas.
Apesar de tudo, o MF assegura aos partidos que a CGD continuará “um banco público estável e acessível aos cidadãos e às empresas”.
Por seu turno, Paulo Macedo, Presidente Executivo do banco público informou a comissão parlamentar de orçamento e finanças de que a CGD pediu autorização ao Banco de Portugal para um serviço móvel de balcões, com carrinhas que vão prestar serviços bancários a zonas rurais e com populações envelhecidas. E mostrou mesmo uma foto do que poderá ser a carrinha com que a CGD irá prestar serviços em zonas mais rurais, nomeadamente, naquelas em que o fecho previsto de agências do banco deixe sem acesso a serviços populações mais idosas e sem facilidade em usar serviços bancários pela Internet ou mesmo por telefone.  
Contudo, o gestor disse que o banco ainda está a ponderar como poderá prestar este serviço móvel, dado que, se a carrinha tiver uma caixa multibanco, deverá ter acompanhamento de uma empresa de segurança devido ao transporte de dinheiro e outros valores. No entanto, não deixou de referir que este tipo de serviço já existe no Reino Unido e com “sucesso”.
Estas declarações de Paulo Macedo foram prestadas depois de o deputado do PCP Paulo Sá o ter interpelado sobre o caso de Almeida, onde centenas de pessoas se vêm juntando para contestar o fecho da agência da CGD na sede do concelho, pertencente ao distrito da Guarda. Com efeito, com o fecho do balcão de Almeida, os habitantes terão de se deslocar a Vilar Formoso, que dista cerca de 15 quilómetros da sede de concelho.
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Em relação ao caso de Almeida
O administrador da CGD José João Guilherme assegura que o banco público continua na disponibilidade para instalar uma área automática na sede da Câmara Municipal de Almeida, com o apoio temporário de trabalhadores do banco, depois de, no passado dia 2, ter recusado receber o Presidente do Município. E diz estar acordada com Almeida a “deslocação diária”, por 3 a 6 meses, “de colaboradores da CGD para esclarecer dúvidas; apoiar os clientes na utilização do parque de máquinas; apoiar os clientes na adesão a produtos de movimentação e de contacto com o banco, nomeadamente cartões de débito e ‘homebanking’ (‘Caixadirecta’)”.  Refere, a este respeito, o administrador em carta ao Presidente da Câmara:
“Não obstante e apesar de sermos totalmente alheios a eventuais interesses políticos e/ou eleitorais, […] manifestamos o nosso maior interesse em manter os serviços bancários na localidade de Almeida em concorrência com a Caixa Agrícola (CCMA), nos moldes acordados com as partes”.
Assim, a CGD mantém a disponibilidade de avançar com a instalação duma área automática na Câmara Municipal ou noutro local a acordar, uma possibilidade que já tinha sido proposta ao Presidente do Município a 18 de abril. O administrador diz que esta solução (uma caixa multibanco da CGD, que permite a utilização de cadernetas) “seria complementada com o apoio temporário dos trabalhadores da CGD “em determinados dias e horário previamente estabelecido – com o objetivo de esclarecer dúvidas e apoiar na utilização dos serviços de ‘self-banking’ e atendimento telefónico à distância”. Além disso, admite a manutenção temporária “da área automática da Agência de Almeida” (nas atuais instalações da CGD) e acrescenta que a solução do ‘Banco Móvel’ (uma carrinha) está “em desenvolvimento”.
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O desconhecimento dos autarcas sobre os acordos com as freguesias
As juntas de freguesia afetadas pelo encerramento de balcões da CGD dizem desconhecer a alternativa avançada pelo Governo, que falou no Parlamento em acordos já firmados com as freguesias atingidas, para que estas cedam instalações para prestar serviços bancários que eram feitos nas agências do banco. Na verdade, os 10 presidentes de Junta ouvidos pelo DN e que viram o encerramento dos balcões da CGD foram unânimes na resposta: “Ninguém falou connosco”. Aliás, queixam-se de não terem sido contactados nem para isso, nem para nada. A maior parte soube do encerramento da agência da sua freguesia pelos jornais.
Foi o Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, quem afirmou que “existem freguesias onde já houve acordo entre as freguesias e a própria Caixa para que nas instalações dessas freguesias sejam prestados os serviços”. Pelos vistos, o DN pediu a lista dessas freguesias ao MF, que remeteu a resposta para a CGD, que relegou a questão para momento “oportuno”.
Também o Ministro das Finanças garantiu no Parlamento que “existe um contacto muito próximo da administração da Caixa com os municípios e esperaria que dessa interação pudessem sair decisões que permitam que a missão pública da Caixa se possa fazer sentir”. Porém, os autarcas cujos municípios foram atingidos dizem que ninguém falou com eles, que souberam pela comunicação social.
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O exposto permite levantar as questões: Quem fala verdade?” e “Quem é que está com problemas em comunicar?”. Era proverbial a dificuldade de comunicação da parte do XIX Governo e do XX – governos que Paulo Macedo integrou. É supina a incapacidade de os bancos informarem os clientes com clareza. Todos falam na letra miudinha dos textos dos contratos, na venda de papel comercial e na confusão entre depósitos a prazo e subscrição de fundos de investimento – a que acresce o encerramento intempestivo e súbito de balcões. Recentemente o BCP (não é a 1.ª vez que faz disto) encerrou a sua agência de Quiaios subitamente e sem comunicar atempadamente a decisão a todos os clientes. Daí os óbvios protestos de que a comunicação social dá conta. Quanto ao desconhecimento dos autarcas, creio que alguns serão sinceros, mas outros sabiam o que se estava a passar. Ainda me lembro de ver alguns a serem ouvidos previamente em decisões governamentais (ex: encerramento de escolas, SAP, maternidades…) e virem para a rua em manifestações com as suas populações!
Porém, a CGD é o banco público que, além da missão comercial, devia ter o escopo do apoio aos pequenos clientes singulares e às pequenas empresas – a que outros bancos prestam pouca atenção dada a sua insignificância como clientes.
E a visita de funcionários às aldeias traz à memória os tempos dos agentes de prospeção bancária, alguns dos quais bem conheci. A contração de serviços bancários com agentes locais lembra o tempo dos correspondentes de banco, que acumulavam com outras atividades, ou a perspicácia dos CTT, que tudo faz para sair de aldeias e vilas, desde que juntas de freguesia ou comerciantes, sobre quem recai a responsabilidade pessoal e logística, aceitem os encargos. As carrinhas (“banco-navette”) lembram os tempos da Biblioteca Ambulante da Gulbenkian ou as recentes ambulâncias, quais maternidades ambulantes do ex-Ministro da Saúde Correia de Campos. Afinal, nada se inventa! A política e o negócio parecem-se com a Natureza, na qual, segundo Antoine Lavoisier, “nada se cria, nada se perde: tudo se transforma”.

2017.05.04 – Louro de Carvalho 

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