Provavelmente
também eu seria capaz de revitalizar um banco nas condições que os eminentes
gestores o vêm a fazer: encerrar agências, despedir pessoal (eufemisticamente
dispensar colaboradores),
aumentar custos de serviços ao cliente e ver tolerado o resultado em prejuízos…
O
que se se passa com a reestruturação da banca portuguesa faz-me lembrar o
discurso que um zeloso capitão do exército proferiu no banquete de missa nova
de um sacerdote. Ao dizer que o neossacerdote ultrapassou as muitas
dificuldades que surgiram, exclamou virando por lapso o sentido da frase
sentenciosa: “Mas Deus escreve torto,
torto… torto por linhas direitas!...”. E eu não me contive sem replicar do
lugar onde estava a ouvir: “Isso também
eu faço!”.
***
O
processo de reestruturação
Todos
sabemos que a CGD (Caixa Geral de Depósitos) está em processo de
reestruturação. E isso exige a recapitalização e pensava-se que exigiria a
supressão de balcões e dispensa de pessoal.
A
recapitalização foi acordada com a UE e não é considerada ajuda do Estado; o
número de balcões a encerrar previsto em cerca de 180 até ao ano de 2020,
fica-se para já em 61; e, quanto à dispensa de pessoal, o Secretário de Estado
que tutela a CGD garante que não haverá despedimentos. E explicou a dispensa de
colaboradores com as reformas por idade e tempo de serviço, pedidos de reforma
antecipada e rescisão por mútuo acordo.
Lá
entram os contribuintes. Pensões de reforma dos trabalhadores da CGD são pagas
pela CGA (Caixa Geral de Aposentações), que não tem novos
contribuintes. E rescisões por mútuo acordo também entram na carteira dos
contribuintes: se for a CGA a pagar, vem fundamentalmente da contribuição dos
trabalhadores públicos e do Orçamento do Estado; se for a CGD, menos lucros e,
por conseguinte, menos dividendos recebe o acionista Estado ou menor margem tem
para reinvestimento. Entretanto, o aludido Secretário de Estado garante que até
2020 serão admitidos 110 colaboradores por ano, não para substituir os
dispensados, mas para o desempenho de competências que a CGD vai passar a ter.
Quanto
ao encerramento de agências, entendia-se como baia a não ultrapassar e que a
CGD garantiria a manutenção de pelo menos uma agência em cada concelho. Sucede,
porém, que o município que assiste ao encerramento da agência da CGD na sede do
concelho é o de Almeida. Pelo que a população não se conforma e tem vindo a
empreender ações públicas de protesto.
***
As
respostas às questões levantadas pelos deputados
Face
a uma vaga de questões e pedidos de esclarecimento apresentados por deputados
de todos os grupos parlamentares sobre a decisão da CGD de encerrar 61 agências
por todo o país, o Ministério das Finanças (MF) fez chegar à Assembleia da
República as respostas a todos os grupos parlamentares. Embora todas digam o
mesmo, cada solicitação partidária foi respondida.
O
encerramento de agências da CGD tem motivado protestos um pouco por todo o
país, com as populações das regiões afetadas a verem-se mais uma vez na linha
da frente dos cortes exigidos pelas autoridades – europeias ou portuguesas. E,
apesar de o plano delineado para o banco público cumprir a promessa de manter a
sua presença em todos os municípios, o fecho de balcões afeta todo o país, de
norte a sul, não esquecendo as regiões autónomas. Por isso, o MF explica o
porquê dos encerramentos e as alternativas em estudo – isto além do “banco-navette”
que o grupo vai lançar, sendo que todas as alternativas podem vir a ser uma
opção real.
A
grande justificação para o encerramento prende-se com o argumento economicista:
“Para
que a CGD possa cumprir a sua missão de forma sustentável, tem de estar
assegurada a viabilidade económica da operação bancária, afastando-se
cabalmente qualquer cenário que implique necessidades de capitalização futura”.
Por
outro lado, para afastar a necessidade de capitalização futura, foi desenhado
um “Plano Estratégico” de modo que a CGD beneficie de “medidas de incremento de
eficiência”. As medidas a implementar de acordo com este plano “terão sempre subjacente a preocupação com a
compatibilização das prioridades essenciais de prestação de serviços de
qualidade às populações e a garantia de viabilidade económica”. E, nos
termos do plano, há que rever o modelo comercial da CGD e redimensionar a sua
rede, ajustando a sua presença ao “potencial económico e de desenvolvimento de
cada localidade”. Para isto, a CGD analisa “atentamente” a rentabilidade de
cada unidade de negócio, a dispersão geográfica e o “potencial ou atratividade
da respetiva zona de influência”. E o banco, em esclarecimento enviado às
redações, referiu que será tida em conta a rede viária ou a facilidade de
acesso e as distâncias a outras agências suas.
Porém,
nada é referido quanto a matérias relacionadas com serviço público. Antes,
fala-se em modernização tecnológica. E, enquanto é exigido à CGD o corte em
colaboradores e balcões por razões de eficiência, o banco público depara-se com
o desafio de modernização, “no sentido de ir ao encontro de novas formas de
operar no setor bancário que acompanhem a tendência de digitalização da economia”
– desafio que não passará ao lado da CGD e será determinante para a revisão do seu
modelo comercial.
***
Sobre
as soluções alternativas ao encerramento de balcões
Quanto
às preditas opções alternativas, diz-se que, embora a decisão caiba ao
presidente da CGD, o MF mantém-se a par das medidas que vão sendo analisadas
pela administração para “compensar” os clientes que perderem acesso às suas
agências bancárias. Segundo a tutela, os cortes nos balcões serão acompanhados
“de medidas adicionais para garantir a continuidade e acessibilidade dos
serviços aos clientes abrangidos”. E, à cabeça de tais medidas, vem a repetição
de ideias anteriores, como a da “adequação da estrutura de recursos humanos, com
realocação de todos os trabalhadores e do parque de caixas automáticas”.
Também,
em nota enviada às redações, a CGD assegura que “todos os colaboradores”
visados pelo encerramento “serão recolocados em outras agências”, prometendo que
“muitos deles irão melhorar a qualidade de serviço ao cliente nas agências
integradoras”. E a rede multibanco será reforçada “nas zonas não urbanas” e com
áreas de self-banking.
Além
disso, diz o MF estar em estudo a existência de uma CGD a tempo parcial nalgumas
localidades, através da “presença temporária de colaboradores, a tempo
parcial”, nas zonas que ficarem sem agência – algo ao que o banco referira,
apontando que existirão ações de apoio em 17 localidades com a deslocação ou
permanência da equipa comercial, além do “banco-navette”.
Nestas
ações de apoio, estarão envolvidos “promotores comerciais” para prestação de
apoio adicional a munícipes e “apoio adicional à utilização de meios digitais”.
Quanto
ao modo de informação ao cliente de agência a encerrar, a CGD avançou com o
contacto por carta subscrita pelo gerente da agência para onde será transferida
a sua conta.
Além
disso, a informação de encerramento e de dados sobre as agências alternativas
mais próximas será também fixada na porta das agências que encerram, podendo,
contudo, o cliente da CGD escolher qual a agência para onde quer transferir as
suas contas.
Apesar
de tudo, o MF assegura aos partidos que a CGD continuará “um banco público
estável e acessível aos cidadãos e às empresas”.
Por
seu turno, Paulo Macedo, Presidente Executivo do banco público informou a
comissão parlamentar de orçamento e finanças de que a CGD pediu autorização ao
Banco de Portugal para um serviço móvel de balcões, com carrinhas que vão prestar
serviços bancários a zonas rurais e com populações envelhecidas. E mostrou
mesmo uma foto do que poderá ser a carrinha com que a CGD irá prestar serviços
em zonas mais rurais, nomeadamente, naquelas em que o fecho previsto de
agências do banco deixe sem acesso a serviços populações mais idosas e sem
facilidade em usar serviços bancários pela Internet ou mesmo por telefone.
Contudo,
o gestor disse que o banco ainda está a ponderar como poderá prestar este
serviço móvel, dado que, se a carrinha tiver uma caixa multibanco, deverá ter
acompanhamento de uma empresa de segurança devido ao transporte de dinheiro e
outros valores. No entanto, não deixou de referir que este tipo de serviço já
existe no Reino Unido e com “sucesso”.
Estas
declarações de Paulo Macedo foram prestadas depois de o deputado do PCP Paulo
Sá o ter interpelado sobre o caso de Almeida, onde centenas de pessoas se vêm
juntando para contestar o fecho da agência da CGD na sede do concelho, pertencente
ao distrito da Guarda. Com efeito, com o fecho do balcão de Almeida, os
habitantes terão de se deslocar a Vilar Formoso, que dista cerca de 15
quilómetros da sede de concelho.
***
Em
relação ao caso de Almeida
O
administrador da CGD José João Guilherme assegura que o banco público continua
na disponibilidade para instalar uma área automática na sede da Câmara
Municipal de Almeida, com o apoio temporário de trabalhadores do banco, depois
de, no passado dia 2, ter recusado receber o Presidente do Município. E diz
estar acordada com Almeida a “deslocação diária”, por 3 a 6 meses, “de colaboradores
da CGD para esclarecer dúvidas; apoiar os clientes na utilização do parque de
máquinas; apoiar os clientes na adesão a produtos de movimentação e de contacto
com o banco, nomeadamente cartões de débito e ‘homebanking’ (‘Caixadirecta’)”. Refere, a este respeito, o administrador em
carta ao Presidente da Câmara:
“Não
obstante e apesar de sermos totalmente alheios a eventuais interesses políticos
e/ou eleitorais, […] manifestamos o nosso maior interesse em manter os serviços
bancários na localidade de Almeida em concorrência com a Caixa Agrícola (CCMA),
nos moldes acordados com as partes”.
Assim,
a CGD mantém a disponibilidade de avançar com a instalação duma área automática
na Câmara Municipal ou noutro local a acordar, uma possibilidade que já tinha sido
proposta ao Presidente do Município a 18 de abril. O administrador diz que esta
solução (uma
caixa multibanco da CGD, que permite a utilização de cadernetas) “seria complementada com o
apoio temporário dos trabalhadores da CGD “em determinados dias e horário
previamente estabelecido – com o objetivo de esclarecer dúvidas e apoiar na
utilização dos serviços de ‘self-banking’ e atendimento telefónico à
distância”. Além disso, admite a manutenção temporária “da área automática da
Agência de Almeida” (nas atuais instalações da CGD) e acrescenta que a solução do
‘Banco Móvel’ (uma carrinha)
está “em desenvolvimento”.
***
O
desconhecimento dos autarcas sobre os acordos com as freguesias
As juntas de
freguesia afetadas pelo encerramento de balcões da CGD dizem desconhecer a
alternativa avançada pelo Governo, que falou no Parlamento em acordos já firmados
com as freguesias atingidas, para que estas cedam instalações para prestar
serviços bancários que eram feitos nas agências do banco. Na verdade, os 10
presidentes de Junta ouvidos pelo DN
e que viram o encerramento dos balcões da CGD foram unânimes na resposta: “Ninguém falou connosco”. Aliás,
queixam-se de não terem sido contactados nem para isso, nem para nada. A maior
parte soube do encerramento da agência da sua freguesia pelos jornais.
Foi o Secretário
de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, quem afirmou que “existem
freguesias onde já houve acordo entre as freguesias e a própria Caixa para que
nas instalações dessas freguesias sejam prestados os serviços”. Pelos vistos, o
DN pediu a lista dessas freguesias ao
MF, que remeteu a resposta para a CGD, que relegou a questão para momento
“oportuno”.
Também o
Ministro das Finanças garantiu no Parlamento que “existe um contacto muito
próximo da administração da Caixa com os municípios e esperaria que dessa
interação pudessem sair decisões que permitam que a missão pública da Caixa se
possa fazer sentir”. Porém, os autarcas cujos municípios foram atingidos dizem que
ninguém falou com eles, que souberam pela comunicação social.
***
O exposto
permite levantar as questões: Quem fala
verdade?” e “Quem é que está com
problemas em comunicar?”. Era proverbial a dificuldade de comunicação da
parte do XIX Governo e do XX – governos que Paulo Macedo integrou. É supina a
incapacidade de os bancos informarem os clientes com clareza. Todos falam na
letra miudinha dos textos dos contratos, na venda de papel comercial e na
confusão entre depósitos a prazo e subscrição de fundos de investimento – a que
acresce o encerramento intempestivo e súbito de balcões. Recentemente o BCP (não é a 1.ª
vez que faz disto) encerrou a
sua agência de Quiaios subitamente e sem comunicar atempadamente a decisão a
todos os clientes. Daí os óbvios protestos de que a comunicação social dá
conta. Quanto ao desconhecimento dos autarcas, creio que alguns serão sinceros,
mas outros sabiam o que se estava a passar. Ainda me lembro de ver alguns a
serem ouvidos previamente em decisões governamentais (ex:
encerramento de escolas, SAP, maternidades…) e virem para a rua em manifestações com as suas populações!
Porém, a CGD
é o banco público que, além da missão comercial, devia ter o escopo do apoio
aos pequenos clientes singulares e às pequenas empresas – a que outros bancos
prestam pouca atenção dada a sua insignificância como clientes.
E a visita
de funcionários às aldeias traz à memória os tempos dos agentes de prospeção
bancária, alguns dos quais bem conheci. A contração de serviços bancários com
agentes locais lembra o tempo dos correspondentes de banco, que acumulavam com
outras atividades, ou a perspicácia dos CTT, que tudo faz para sair de aldeias
e vilas, desde que juntas de freguesia ou comerciantes, sobre quem recai a
responsabilidade pessoal e logística, aceitem os encargos. As carrinhas (“banco-navette”) lembram os tempos da Biblioteca Ambulante da
Gulbenkian ou as recentes ambulâncias, quais maternidades ambulantes do ex-Ministro
da Saúde Correia de Campos. Afinal, nada se inventa! A política e o negócio
parecem-se com a Natureza, na qual, segundo Antoine Lavoisier, “nada se cria,
nada se perde: tudo se transforma”.
2017.05.04 – Louro de Carvalho
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