quarta-feira, 10 de maio de 2017

Em Fátima, “Francisco, o maior coração do mundo”

Não se podem definir limites à criatividade, quer seja para assinalar o centenário de Fátima, quer seja para assinalar a peregrinação do Papa Francisco ao Santuário da Cova da Iria.
Na verdade, depois do Pórtico simbólico que marca a mística do Ano Jubilar Mariano e do terço gigante de Joana Vasconcelos, para emoldurar escultórica e luzidamente o conjunto das principais celebrações centenárias, a cidade de Fátima acaba de receber um coração gigante de homenagem ao Papa Francisco e “às pessoas boas como ele”.
Trata-se de uma escultura da autoria de Fernando Crespo, escultor residente em Coimbra, que delineou um coração gigante chamado Francisco, em vermelho e com uma cruz de cada um dos lados. De facto, a obra figurativa de cerca de 12 metros de altura e 12 de largura, intitulada “Francisco, o maior coração do mundo”, tem dois segmentos, que juntos representam um coração e é nominalmente dedicada ao Papa, que visita Fátima como peregrino, na próxima sexta-feira e sábado (12 e 13 de maio), para a celebração do Centenário das Aparições e para a canonização dos pastorinhos Jacinta Marto e Francisco Marto, dois dos videntes das Aparições do Anjo da paz e de Nossa Senhora.
Assente numa base de betão de “88 toneladas”, a escultura pretende ser “uma homenagem a um homem simples” e de uma “humanidade que é tocante”, como sublinhou o escultor durante a sessão de apresentação (no largo junto ao Posto de Turismo de Fátima), que pretendeu que a peça fosse singela e bonita e longe de ser “beata”, mas que, através de materiais inertes como o aço, pudesse “deixar um recado muito mais afetivo” a quem a observe e contemple.
A estrutura em aço conta com uma figura humana, em bronze, de cada um dos dois lados, que pode, segundo o artista, ser “um peregrino ou qualquer um de nós” e que caminha no coração em direção à “terra”. E Crespo assegurou que pretendeu representar “o lado efémero da vida”.
Os dois lados do coração representam “as várias dicotomias da vida humana”; e a predita figura humana instalada em cada um dos lados a descer até ao fundo é, na perspetiva e na tentativa do autor, uma figuração andrógina a fim de poder representar todas as pessoas.
Nas placas vermelhas figura também a cruz, “símbolo da Igreja Católica”, de onde desponta uma “ramificação que pode ser uma árvore ou veias”, simbolizando “a difusão de determinados princípios e de determinados valores”, como explicou o escultor. Tanto a figuração da árvore com a das veias remete para o campo semântico da vida.
A escolha da cruz envolta em ramos de árvore como ícone tem a ver com a simbologia deste signo e instrumento de salvação no âmbito da fé católica e com a expressão local da missão de evangelizar. Não sendo uma obra beata, a cruz empresta à escultura o traço de união das pessoas que visitam Fátima. O autor confessa que, “se fosse num país muçulmano, colocaria outro símbolo” e refere que “a arte urbana tem de dizer alguma coisa às pessoas”.
O monumento, que fica instalado atrás da Basílica da Santíssima Trindade, é uma oferta da Câmara Municipal de Ourém à cidade por ocasião da visita do Papa Francisco ao Santuário de Fátima, constituindo um dos contributos simbólicos do município para as celebrações centenárias. Todavia, questionado pela agência Lusa, Fernando Crespo afirmou que pagou “o custo da obra” e que “não houve mecenas”, apesar de ter sido referido em várias reuniões da Câmara de Ourém que a escultura tinha sido custeada a partir de mecenato. E o escultor escusou-se a revelar qual o valor total dos custos da escultura, cuja instalação em Fátima foi suportada pela Câmara de Ourém.
Pretendendo que o coração gigante se torne “em mais um dos ícones da cidade de Fátima”, o artista escultor revela que já tinha a ideia de executar uma obra com este formato, pois “o coração representa a nossa humanidade mais orgânica, a capacidade de amar que nós temos”. E Fernando Crespo queria com este desenho “unir pessoas”. Uma das primeiras ideias que teve foi a de fazer uma série de esculturas, para instalar uma em cada país da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), mas a ideia nunca avançou.
O autor aproveitou então o convite da Câmara Municipal de Ourém para concretizar de certo modo um dos seus emblemáticos sonhos e apresentou a proposta, tendo o município ficado responsável pela instalação do momento.
Apesar de não ter sido revelado o seu exato custo, estima-se que o custo da peça tenha rondado os 500 mil euros.
A diocese de Leiria-Fátima aprovou a instalação da obra e a inauguração, realizada pelas 12 horas de hoje, dia 10, contou com a presença de representantes do Santuário de Fátima e da diocese de Leiria-Fátima.
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Também Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, disse da sua justiça para classificar o coração gigante como “uma obra monumental que fica aqui como memorial de um acontecimento de alcance histórico-mundial, que é o Centenário das Aparições”. Nesta peça artística, o prelado vê representado “o coração de uma mãe, que é o maior”, mas também o coração “grande dos filhos pequeninos, muito acolhedor, sem muros”, que depois os adultos, por vezes, constroem.
Vê outrossim na escultura “o coração do papa Francisco”, um “coração grande” de uma pessoa que procura “deitar por terra os muros” que foram levantados e que, ao mesmo tempo, incita à criação de “pontes, de abraços, de afetos e de entendimentos”.
Por seu turno, o Presidente da Câmara Municipal, Paulo Fonseca, lembrou que a peça é o resultado de uma conversa com o escultor há bastante tempo, mas que o município não tinha condições económicas para a financiar. Por isso, chegou-se a acordo e o município ficou com a tutela, suportando os custos de implementação da obra, e Fernando Crespo os direitos de autor.
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Embora a arquitetura exterior originária do Santuário de Fátima não seja modelar e o ordenamento do território do burgo que hoje tem o estatuto de cidade seja tudo menos ordenamento, vale a pena atentar no esforço despendido ao longo dos anos para que o Santuário ganhe funcionalidade em relação ao espírito multiforme da Mensagem – mariano, cristológico e trinitário – valorizando as suas diversas componentes: penitência e oração, sacrifício e reparação, adoração e contemplação, valorização da infância e dos que apresentam fragilidades. Depois, releva o cuidado dos espaços e serviços de modo que os peregrinos se sintam acolhidos, se sintam em comunhão na multidão, tenham acesso ao lugar memorialista das aparições e se ponham em contacto com o silêncio e a inspiração de Maria. E é pertinente a organização do serviço, que tanto privilegia a Capelinha das Aparições como as celebrações nas duas basílicas – a de Nossa Senhora do Rosário e a da Santíssima Trindade – ou a simplicidade solene do Altar emoldurado pelo Recinto de Oração.
Por outro lado, deve considerar-se a existência de espaços que favorecem a cultura e a formação das pessoas e, em especial dos agentes da pastoral, complementados pela oferta acolhedora e formativa de muitos institutos religiosos ali instalados. E não podemos esquecer a multiplicidade de elementos escultóricos, tanto os de feição mais tradicional como os de feição mais arrojada que visam o embelezamento, a memória e a vivência da fé.       
Porém, o itinerário típico das grandes peregrinações é edificante, quer do lado do acompanhamento da piedade popular como do incremento à vivência litúrgica. Com efeito, recitar o terço na Capelinha das Aparições, rumar em procissão caminhando com a Mãe ao encontro de Cristo para a Celebração Eucarística ou no Altar do Recinto de Oração ou na Basílica da Santíssima Trindade e, depois, continuar com a vigília de oração e procissão eucarística ou, no dia, com a bênção dos doentes e a procissão do Adeus são componentes de um itinerário peregrino que alia a alma popular com o sentido do arejado culto público.
Razão tinha Bento XVI quando confessava a Dom António Marto que não havia nada na Igreja Católica como Fátima. De facto, quando visitei o Santuário de Lourdes, não vi a mesma coerência entre os espaços ou entre os serviços, mas admito que tenha mudado. Era edificante o silêncio junto à Gruta, tal como a caótica dispersão e o ruído excessivo na esplanada. Achei uma ternura o percurso da via-sacra dos doentes, mas as celebrações na “Prairie” não mobilizavam o grosso dos peregrinos. E os atos religiosos – litúrgicos ou da piedade popular valiam por si, mas sem a concatenação que se vêm em Fátima.
E creio que, apesar das críticas demolidoras que algumas almas já desferiram contra a obra de Joana Vasconcelos, apraz-me olhar para o terço monumental de contas brancas que se suspende à frente da Basílica da Santíssima Trindade para se mostrar aos peregrinos como ícone mariano emblemático do Centenário e iluminar as grandes celebrações centenárias. Nem toda a arte tem de corresponder aos parâmetros do convencionalismo das escolas nem estas detêm o monopólio da criatividade e da estética. Também a arte ingénua e do desperdício tem lugar junto do Santuário, desde que se faça Bíblia dos Simples.
E o Coração do Papa, se for recebido como ícone da Cidade de Deus que se torna cidade dos homens, revelará o amor do Coração da Mãe e/ou do Coração do Filho que está presente como refúgio de todos e todas que sentem o acossamento das vicissitudes da vida e pretendem neste asilo de acolhimento desfiar o rosário dos seus dramas, para que os superem, ou depositar o tesouro das suas esperanças, para que elas se robusteçam.
Talvez seja conveniente que as pessoas e os povos comecem a interessar-se, pela via da metanoia, para a concretização do triunfo do Coração Imaculado, que outra coisa não é que a realização mariana do desígnio de Cristo: “Eu venci o mundo” (Jo 16,33).

2017.05.10 – Louro de Carvalho

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