O Papa
Francisco esteve em Portugal quase 24 horas, onde pronunciou ao todo em público
apenas 2351 palavras, sem contar as orações da
Missa e a fórmula da bênção papal na Capelinha das Aparições, mas incluindo a
oração que pronunciou aquando da sua primeira visita à Capelinha à chegada ao
Santuário. Esta oração que já constava do missal preparado, no Vaticano, para
esta viagem de peregrinação a Fátima, integra a oração jubilar. E tanto a parte
oracional típica do Pontífice como a oração jubilar (a assembleia proferiu esta parte em
conjunto com o Papa) era
entrecortada pela antífona aclamatória em latim: Ave
o clemens, ave o pia! /Salve Regina Rosarii Fatimæ. /Ave o clemens, ave o pia!
/Ave o dulcis Virgo Maria. (Avé, ó clemente, Avé ó piedosa, Salve,
Rainha do Rosário de Fátima, Avé, ó clemente, Avé ó piedosa! Avé, ó doce Virgem
Maria.).
***
A saudação e consagração a Maria no serviço evangélico
A
Rainha Universal, a Virgem Peregrina é saudada como “Senhora do Coração
Imaculado” e refúgio e caminho que nos conduz até Deus. A “Mãe de
Misericórdia”, a vida e doçura, que a todos mostrou “os desígnios de
misericórdia do nosso Deus”, é a “Senhora da veste branca” e tem “veste de luz”
que irradia.
Ela
vê, no mais íntimo do seu coração, “as alegrias do ser humano” que peregrina e
“as dores da família humana”, mas também nos adorna “do fulgor de todas as
joias” da sua coroa para nos fazer peregrinos como ela foi. E com o seu “sorriso virginal” vem robustecer
a alegria da Igreja”, com o seu olhar de doçura fortalece a esperança dos
filhos e com as suas mãos orantes une a todos numa só família, a família humana.
Por
seu turno, Francisco, o bispo vestido de branco e peregrino da Luz e da Paz,
agradece ao Pai que, “em todo o tempo e lugar, atua na história humana” e,
louvando a Cristo, nossa Paz, pede “a concórdia entre todos os povos”. E, como
peregrino da Esperança, quer ser “profeta e mensageiro” do serviço evangélico
da caridade, “para a todos lavar os pés, na mesma mesa que nos une”. E, na sua
veste branca, lembra à Mãe da candura “todos os que, vestidos da alvura
batismal, querem viver em Deus e rezam os mistérios de Cristo para
alcançar a paz”.
O
Papa deseja que sigamos o exemplo de Francisco e Jacinta e “de todos os que se
entregam à mensagem do Evangelho”, porfiando que percorreremos
“Todas as rotas, seremos peregrinos de todos os
caminhos, derrubaremos todos os
muros e venceremos todas as fronteiras, saindo
em direção a todas as periferias, aí
revelando a justiça e a paz de Deus”.
E, partindo da brancura da veste de Maria
e apresentando-se vestido de branco, garante a semelhança da Igreja com Maria,
porque mergulhada no sangue de Cristo, hoje como ontem:
“Seremos, na alegria do Evangelho,
a Igreja vestida de branco, da
alvura branqueada no sangue do Cordeiro derramado
ainda em todas as guerras que destroem o mundo em que vivemos. E assim seremos, como Tu, imagem da
coluna luminosa que alumia os
caminhos do mundo, a todos
mostrando que Deus existe, que
Deus está, que Deus habita no
meio do seu povo, ontem, hoje e
por toda a eternidade.”.
E a Mãe do Senhor, “bendita
entre todas as mulheres”, é “a imagem da Igreja vestida da luz pascal”, a honra
do nosso povo, o triunfo sobre o assalto do mal, profecia do misericordioso Amor
do Pai, “Mestra do Anúncio da Boa-Nova do Filho, sinal do Fogo ardente do
Espírito Santo” a quem nos consagramos e que nos ensina, “neste vale de
alegrias e dores, as verdades eternas que o Pai revela aos pequeninos,
mostrando-nos a força do seu manto protetor no seu No teu Imaculado Coração,
qual refúgio dos pecadores e caminho que conduz até Deus.
***
Contra a miopia do olhar, seguir o exemplo da Mãe e dos
Pastorinhos
Na
homilia da missa da peregrinação centenária, o Papa garantiu a todos: “Temos Mãe!”. E a Mãe de que fala é a
mulher revestida de sol que surge no céu e que estava para ser mãe, de que fala
o vidente de Patmos (cf Ap 12,1-2); é aquela que Jesus entrega ao discípulo no alto da cruz (cf Jo 19,26-27); é a “Senhora tão
bonita” a que se referiam os pastorinhos quando iam a caminho de casa a 13 de
maio de 1917 e de quem Jacinta, não se contendo, dizia à mãe em casa à
noite:
“Hoje vi Nossa Senhora”.
O
Bispo vestido de branco diz que, pela esteira que seguiram os olhos dos
videntes de Fátima, “se alongou o olhar de muitos, mas… estes não A viram”. E
foi perentório ao advertir:
“A Virgem Mãe não veio
aqui, para que A víssemos; para isso teremos a eternidade inteira, naturalmente
se formos para o Céu”.
E
diz-nos que Maria, “antevendo e advertindo-nos para o risco do Inferno aonde
leva a vida – tantas vezes proposta e imposta – sem Deus e profanando Deus nas
suas criaturas”, nos lembra “a Luz de Deus que nos habita e cobre”, pois “o
filho foi levado para junto de Deus” (Ap 12,5). E, contra os que se fixam apenas no inferno, o Papa sublinha
que “os três privilegiados ficavam dentro da Luz de Deus que irradiava de Nossa
Senhora” e acentua que, “no crer e sentir de muitos peregrinos”, Fátima “é sobretudo este manto de Luz que nos
cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra quando nos refugiamos sob a
proteção da Virgem Mãe para Lhe pedir, como ensina a Salve Rainha: mostrai-nos Jesus”.
Por
isso, Francisco sugere que agarrados a Maria como filhos, “vivamos da esperança
que assenta em Jesus”, pois “aqueles que recebem com abundância a graça e o dom
da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo” (Rm 5,17). E, querendo que a esperança seja a alavanca da nossa vida a
sustentar-nos sempre, “até ao último respiro”, explicita:
“Quando Jesus subiu ao Céu, levou
para junto do Pai celeste a humanidade – a nossa humanidade – que tinha
assumido no seio da Virgem Mãe, e nunca mais a largará. Como uma âncora,
fundeemos a nossa esperança nessa humanidade colocada nos Céus à direita do Pai
(cf Ef 2,6)”.
E,
apelando ao agradecimento, à adoração permanentes e ao apreço por Jesus
escondido no sacrário, a exemplo dos novos santos, hoje canonizados, rumo à
missão, ensina:
“Com esta esperança, nos congregamos aqui para agradecer as bênçãos sem
conta que o Céu concedeu nestes cem anos, passados sob o referido manto de Luz
que Nossa Senhora, a partir deste esperançoso Portugal, estendeu sobre os
quatro cantos da Terra. Como exemplo, temos diante dos olhos São Francisco
Marto e Santa Jacinta, a quem a Virgem Maria introduziu no mar imenso da Luz de
Deus e aí os levou a adorá-Lo. Daqui lhes vinha a força para superar
contrariedades e sofrimentos. A presença divina tornou-se constante nas suas
vidas, como se manifesta claramente na súplica instante pelos pecadores e no
desejo permanente de estar junto a ‘Jesus Escondido’ no Sacrário.”.
E,
para urgir o duplo compromisso com a oração comunitária e, consequentemente com
os pobres e deserdados, chama a atenção para a parte das Memorias de Lúcia (III, n. 6) em que esta dá a palavra à Jacinta que beneficiara duma
visão:
“Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a
chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa Igreja, diante
do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com ele?”.
Tocado
por este duplo fragmento de visão, o Papa agradece a solidariedade dos
peregrinos para consigo e reconhece que “não
podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e confiar-lhe os seus filhos e
filhas”, pois sabe que, “sob o seu
manto, não se perdem” e que “dos seus
braços, virá a esperança e a paz de que necessitam” e que roga para todos
os irmãos “no Batismo e em humanidade”,
sobretudo “os doentes e pessoas com
deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados”.
E acentua que Deus nos criou “como uma esperança para os outros, uma
esperança real e realizável segundo o estado de vida de cada um”; e
que, ao “exigir” o cumprimento dos nossos deveres de estado, o Céu desencadeia
uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração
e agrava a miopia do olhar”.
Por
isso, pede que “não queiramos ser uma esperança abortada”, pois “a vida só pode
sobreviver graças à generosidade de outra vida. E, citando do Evangelho de
João, “Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se
morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24), assegura que o Senhor assim o disse e assim o fez, já que Ele
sempre nos precede. Assim:
“Quando passamos através dalguma
cruz, Ele já passou antes. Assim, não subimos à cruz para encontrar Jesus; mas
foi Ele que Se humilhou e desceu até à cruz para nos encontrar a nós e, em nós,
vencer as trevas do mal e trazer-nos para a Luz.”.
E
apela a que
“Sob a proteção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de
Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto
jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre,
fiel, pobre de meios e rica no amor”.
***
Os doentes não são meros recetores da solidariedade
caritativa
Aos
doentes presentes (física ou espiritualmente) para receber a bênção eucarística o Papa
dirigiu palavras luminosas, reconfortantes e esperançosas.
Recordou
que, se passamos por alguma cruz”, Jesus “já passou antes”. Com efeito, “na sua
Paixão, tomou sobre Si todos os nossos sofrimentos”. Sabendo o significado do
sofrimento, Jesus “compreende-nos, consola-nos e dá-nos força”, como fez a
Francisco e a Jacinta e “aos Santos de todos os tempos e lugares”. E, enquanto
Pedro estava na prisão, toda a Igreja rezava por ele e o Senhor consolou-o. Na
verdade, este “é o mistério da Igreja: a Igreja pede ao Senhor para consolar os
atribulados como vós e Ele consola-vos, mesmo às escondidas”.
Depois,
refletiu com os peregrinos:
“Diante dos nossos olhos, temos
Jesus escondido mas presente na Eucaristia, como temos Jesus escondido mas
presente nas chagas dos nossos irmãos e irmãs doentes e atribulados. No altar,
adoramos a Carne de Jesus; neles encontramos as chagas de Jesus. O cristão
adora Jesus, o cristão procura Jesus, o cristão sabe reconhecer as chagas de
Jesus.”.
E
deixou a todos o desafio lançado pela Virgem Mãe, há 100 anos, aos pastorinhos:
“Quereis oferecer-vos a Deus?”,
assegurando que a resposta decidida, “Sim,
queremos!” nos possibilita compreender e imitar as suas vidas, vividas “com
tudo o que elas tiveram de alegria e de sofrimento, em atitude de oferta ao
Senhor”.
Porém,
aos doentes, cujo sofrimento é útil no grémio da Paixão de Cristo e da Igreja,
pediu:
“Vivei a vossa vida como um dom e
dizei a Nossa Senhora, como os Pastorinhos, que vos quereis oferecer a Deus de
todo o coração. Não vos considereis apenas recetores de solidariedade
caritativa, mas senti-vos inseridos a pleno título na vida e missão da Igreja.”.
E,
garantindo que a “presença deles, silenciosa mas mais eloquente do que muitas
palavras”, a sua oração, a oferta diária dos seus sofrimentos em união com
os de Jesus crucificado pela salvação do mundo, a aceitação paciente e até
feliz da sua condição são recurso espiritual, património para cada comunidade cristã”, pediu que não tenham “vergonha
de ser um tesouro precioso da Igreja”
e que a Jesus que ia passar junto deles no Santíssimo Sacramento a “mostrar a
sua proximidade e o seu amor” confiassem as dores, sofrimentos e cansaço,
contando com a oração da Igreja que de todo o lado se eleva ao Céu por eles e
com eles, pois Deus é Pai e nunca os esquecerá.
***
A Saudação aos peregrinos. Que Maria escolhemos?
O
Papa começou por agradecer o acolhimento e a associação à sua peregrinação
vivida na esperança e na paz, garantindo que a todos tinha no coração, pois o
Senhor lhos confiou.
Por
isso, a todos o Pontífice abraça e confia a Jesus “principalmente os que mais
precisarem”, como a Senhora nos ensinou a rezar (Aparição de julho de 1917) e roga à “Mãe doce e solícita
de todos os necessitados que lhes obtenha a bênção do Senhor. E, citando,
segmentos da 1.ª leitura da solenidade de Santa Maria Mãe de Deus – “O Senhor te
abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça! O
Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz” (Nm 6,24-26) – deseja “que sobre cada
um dos deserdados e infelizes a quem roubaram o presente,
dos excluídos e abandonados a quem negam
o futuro, dos órfãos e injustiçados a quem não se permite ter
um passado, desça a bênção de Deus encarnada em Jesus Cristo”.
Tendo-se
esta bênção cumprido na Virgem Maria, pois nenhuma outra criatura viu brilhar
sobre si a face de Deus como Ela, que deu rosto humano ao Filho do Pai, podemos
nós contemplá-Lo nos momentos gozosos, luminosos, dolorosos e gloriosos da sua vida,
que repassamos ao recitar o Rosário. Na verdade, “se queremos ser cristãos,
devemos ser marianos”, reconhecendo a relação essencial, vital e providencial
que une a Senhora a Jesus e que nos abre o caminho que leva a Ele. Assim, ao
rezarmos o terço, o Evangelho retoma o seu caminho na vida de cada um, das
famílias, dos povos e do mundo.
Depois,
questionou que Maria os peregrinos escolhem. E elege, entre as várias escolhas
dicotómicas, as mais evangélicas: não a Senhora inatingível, mas a Mestra de vida espiritual, a primeira seguidora
de Cristo; não a “Santinha” com quem se negoceiam favores, mas a Bendita por ter acreditado (cf Lc 1,42.45) sempre e em toda a circunstância na
palavra divina; não a portadora do braço justiceiro de Deus pronto a castigar
ou uma Maria melhor do que Jesus Cristo, visto como Juiz impiedoso e mais
misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós, mas a Virgem Maria do Evangelho venerada pela Igreja orante e Mãe e
pregoeira da Misericórdia.
Classifica
de “grande injustiça” que se faz “a Deus e à sua graça”, ao pensar-se que “os
pecados são punidos pelo seu julgamento”, sem antepor que “são perdoados pela
sua misericórdia”. Com efeito, “devemos antepor a misericórdia ao julgamento” e
saber que “o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”,
embora a misericórdia de Deus não negue a justiça, pois “Jesus tomou sobre Si
as consequências do nosso pecado juntamente com a justa pena”; “não negou o
pecado, mas pagou por nós na Cruz”. Ora, porque “na fé que nos une à Cruz de
Cristo, ficamos livres dos nossos pecados”, temos de abandonar qualquer medo e
temor, que não se coadunam em “quem é
amado” (cf 1Jo 4,18). E, citando a sua primeira exortação
apostólica, diz:
“Sempre que olhamos para
Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do carinho.
Nela vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos mas dos
fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentirem importantes
(…). Esta dinâmica de justiça e de ternura, de contemplação e de caminho ao
encontro dos outros é aquilo que faz d’Ela um modelo eclesial para a evangelização”
(EG. 288).
E,
chamados, com Maria, a “ser sinal e sacramento da misericórdia de Deus que
perdoa sempre, perdoa tudo” e “tomados pela mão da Virgem
Mãe e sob o seu olhar, podemos cantar, com alegria, as misericórdias do Senhor”,
dizendo-Lhe o louvor, contrição e esperança com Maria:
“A minha alma canta para
Vós, Senhor! A misericórdia, que usastes para com todos os vossos santos e com
todo o vosso povo fiel, também chegou a mim. Pelo orgulho do meu coração, vivi
distraído atrás das minhas ambições e interesses, mas não ocupei nenhum trono,
Senhor! A única possibilidade de exaltação que tenho é que a vossa Mãe me pegue
ao colo, me cubra com o seu manto e me ponha junto do vosso Coração.”.
***
E
assim decorreu uma das mais breves jornadas peregrinantes de Francisco – terna,
popular e evangélica, mas também “política”, por almejar o bem comum, sobretudo
o dos deserdados.
2017.05.13 – Louro de
Carvalho
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