A notícia referente ao enunciado
em epígrafe foi hoje, dia 4 de agosto, destacada em serviço noticioso da Rádio
Renascença (RR)
e de algumas estações de televisão (nomeadamente a RTP) e baseia-se em texto publicado
no Mensageiro de Bragança sob o
título na forma interrogativa “Epidemia
incapacita professores transmontanos?” (vd
n.º de 31 de julho, on line).
O mencionado jornal refere
que só no distrito de Bragança mais de 360 professores foram destacados no
quadro da mobilidade por doença (só um agrupamento de escolas do distrito tem já mais de 120 professores
destacados por tal motivo) para o próximo ano
letivo, causando o aumento destes pedidos indignação entre professores de
Quadro de Zona Pedagógica (QZP) e mesmo entre diretores de agrupamentos, o que parece estar a
ocorrer um pouco por todo o país.
Além do próprio distrito, está em evidência o
Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, em Bragança, pelo grande número de casos.
São 121 o que terá levado a que vários horários de primeiro ciclo já não fossem
colocados no concurso de mobilidade interna. O diretor, confessando que lhe falta
“espaço para pôr tantos professores”, assegura:
“Isto só acontece num país irreal. Penso que o procedimento
deveria ser alterado e não permitir que se escolhesse diretamente o agrupamento
para onde se quer ir”.
Então os docentes (a não ser os “amigos”) escolheriam o quê?
É certo que isto acontece em todos os anos letivos
desde, pelo menos, 1990/91. A diferença é que, este ano, estes professores
chegaram mais cedo às escolas, ainda antes de as vagas serem postas a concurso
de mobilidade e com a indicação, por parte do MEC (Ministério da Educação e Ciência), de atribuir componente
letiva, de acordo com o n.º 9 do Despacho n.º 4773/2015, de 8 de maio, que
determina:
“É atribuída componente letiva quando o destacamento tenha por
fundamento a situação de doença do cônjuge ou da pessoa que com aquele viva em
condições análogas às dos cônjuges, dos ascendentes ou dos descendentes, ou
sempre que a situação da sua própria doença o permita”.
Remetendo para o n.º 8, salvaguarda-se que tais
docentes não podem retirar lugares aos professores de quadro de agrupamento ou
de escola não agrupada (deixando de fora os docentes de QZP).
A este propósito, o diretor
do Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros entende que a situação causa
constrangimentos também às escolas e admite que possa haver aproveitamento da
situação, adiantando que “pelo que conhecemos das pessoas, sabemos que há situações
muito duvidosas”.
O periódico bragançano alega que, sobre a matéria,
colocou algumas questões ao MEC, mas sem resposta, tendo acontecido o mesmo com
a OM (Ordem
dos Médicos)
e o SPN (Sindicato
dos Professores do Norte) e o SPZN (Sindicato dos Professores da Zona Norte).
Um dos médicos do Centro de Saúde da Sé, em
Bragança, revela que já recusou alguns pedidos de atestado médico e pede alguma
cautela aos colegas. Porém, admitindo que as dificuldades de mobilidade possam
estar na origem de tantos pedidos, afirmou:
“Somos um distrito encostado ao interior e que tem variadíssimas
dificuldades, nomeadamente de deslocação. Tenho até conhecimento de alguns
professores que fazem 180 km diários. E eu admito que recorram a esse subterfúgio
do atestado da mobilidade para que possam estar mais perto de casa e mais perto
da família. Mas eu acho que esse atestado foi feito exclusivamente para apoio a
familiares diretos. E como tal todos os médicos devem ter atenção a esses casos
e não passar atestados como o fazem para a carta de condução ou similares.
Deverá haver o mínimo de rigor na passagem desses atestados para evitar que
mais uma vez o distrito ande nas bocas do mundo pela alta percentagem de
atestados passados.”.
Em Coimbra, os professores de QZP já se começaram
a juntar e puseram a circular uma petição contra esta situação, exigindo a intervenção
de juntas médicas. Em Bragança, apesar de ter havido algumas reuniões, o
movimento de contestação é mais tímido. No entanto, vários professores de
Bragança já se juntaram e enviaram cartas a dar conhecimento da situação ao
Ministro da Educação e Ciência e ao Primeiro-Ministro e ponderam recorrer aos
tribunais.
***
Ora, já a 27 de julho, as edições
on line e impressas de vários periódicos
se referiam ao caso, salientando a preocupação de vários professores e o lançamento
de suspeitas por causa da antecipação da colocação dos professores destacados
por doença, sua ou de familiares a seu cuidado. Com efeito, estes docentes, que
costumavam ser colocados em agosto ou em setembro, chegaram este ano às escolas
em junho, havendo quem fale de “situações muito duvidosas”. Mais: a imprensa
explicitava que estava em causa o facto de
estes docentes, destacados por razões de saúde, estarem a ocupar horários que
não serão, deste modo, colocados a concurso – situação que indigna muitos docentes
e levanta muitas desconfianças.
O jornal reporta particularmente casos de
reclamações em Coimbra e em Bragança e frisa que há professores a exigirem ao MEC que sujeite a Juntas Médicas os
professores cujo destacamento por doença foi aprovado.
Ao invés do que sucedia em anos anteriores, este ano,
o processo foi antecipado,
colocando estes docentes numa situação diferente, o que leva professores dos
quadros das escolas (ou agrupamentos) envolvidas
a temerem uma deslocação para outros estabelecimentos, caso não tenham turmas a
quem lecionar. O caso, segundo
alguns intervenientes, agrava particularmente os destacamentos nas zonas
urbanas, já que, estando em causa pedidos de mobilidade motivados por
doença, é nas maiores cidades que existem as infraestruturas hospitalares que
podem prestar os cuidados necessários. E eu penso que os docentes não assistem
os familiares nos hospitais!
Porém, ao contrário do que refere o Mensageiro de Bragança, perante as
suspeitas levantadas, o secretário-geral da FENPROF (Federação Nacional
de Professores), declarou
que, “se há situações fraudulentas que se denunciem, mas assumindo-as e concretizando-as”,
adiantando que “não posso aceitar que se lance um manto de suspeição sobre
todos quantos já sofrem pela doença”.
Por seu turno, um dirigente da FNE (Federação
Nacional de Educação) considerou
que “é muito perigoso levantar suspeitas sem provas quando está em causa um
direito importantíssimo, o da proteção na doença”. E eu concordo com esta
posição sindical.
Por sua vez, Carlos
Silvestre, do SEPLEU, entende que as direções das escolas agirão erradamente se
atribuírem, já, componente letiva aos docentes destacados, pois, segundo a sua
interpretação, só o deveriam fazer depois de os horários irem a concurso de
mobilidade interna. Não, penso eu, se já estão colocados, devem ter componente
letiva, sendo possível.
Do lado do MEC, garante-se que “todas as situações que
configurem desconformidades serão averiguadas nos termos da lei”; e o
bastonário da Ordem dos Médicos assegurou que se farão as investigações necessárias
desde que o MEC o solicite e aponte os casos de irregularidade.
***
Embora ache complicado o que se está a passar
este ano, pergunto-me onde reside o absoluto ineditismo, se é verdade que já no
ano passado houve denúncias entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Inspeção-Geral de
Educação (IGEC), tendo esta chegado a
investigar alguns processos burocráticos no Agrupamento de Escolas Emídio Garcia
e tendo fontes ligadas a este processo apontado os atestados médicos como a
fonte do problema, havendo mesmo a suspeita de que uma médica, espanhola, a dar
consultas em Bragança, terá passado mais de uma centena. Depois, como é que os diretores
de escola podem estar a pedir declarações sob compromisso de honra aos
professores em como não podem assumir turma, de forma a não lhes ser atribuída
componente letiva? E como é que ninguém ligado ao setor levantou a voz aquando da
publicação do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que dá nova redação ao DL n.º 132/2012, de 27 de Junho, que estabelece as normas dos concursos e colocação
de professores, bem como o Despacho
n.º 4773/2015, de 8 de Maio, que regulamenta o artigo 68.º do ECD (estatuto da carreira docente), que prevê o destacamento de
docentes (vd DL n.º
41/2012, de 21 de fevereiro).
O referido DL n.º 132/2012, de 27 de junho, mesmo na sua
atual redação não contempla esta modalidade especial de mobilidade. No entanto,
o mencionado despacho, na linha de despachos anteriores e em obediência ao
artigo 68º do ECD, determina, no seu n.º 1:
“Os
docentes de carreira dos estabelecimentos de ensino da rede pública de Portugal
Continental e das Regiões Autónomas podem requerer mobilidade por motivo de
doença ao abrigo da alínea a) do artigo 68.º do ECD, aprovado pelo Decreto-Lei
139-A/90, de 28 de abril, na sua redação atual, para agrupamento de
escolas ou escola não agrupada situado em concelho diverso daquele em que se
encontram providos ou colocados, desde que sejam portadores de doença
incapacitante nos termos do despacho conjunto A-179/89-XI, de 12 de setembro,
publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 22 de setembro de
1989, ou tenham a seu cargo cônjuge, pessoa com quem vivam em união de facto,
ascendente ou descendente a cargo nas mesmas condições, e a deslocação se
mostre necessária para assegurar a prestação dos cuidados médicos de que
carecem.”.
Depois, o n.º
3 do mesmo despacho estipula:
“A formalização do pedido de
mobilidade por doença é efetuada exclusivamente através de formulário
eletrónico, a disponibilizar pela Direção-Geral da Administração Escolar, e
deve ser instruída com os seguintes documentos a importar informaticamente:
a) Relatório médico, em modelo da
Direção-Geral da Administração Escolar, que ateste e comprove a situação de
doença nos termos do despacho conjunto A-179/89-XI, de 12 de setembro, e a
necessidade de deslocação para outro concelho nos termos do ponto 1 do presente
despacho;
b) Documento comprovativo da relação
familiar ou da qualidade de parceiro na união de facto;
c) Declaração emitida pela junta de
freguesia que ateste a relação de dependência exclusiva do ascendente que
coabite com o docente;
d) Declaração emitida pelos serviços
da Autoridade Tributária que ateste que o docente e ascendente residem no mesmo
domicílio fiscal.”.
Em face do
estipulado no despacho, só me pergunto como é que o alarme da situação se pode
atribuir exclusivamente aos atestados médicos e aos médicos e não igualmente a outros
instrumentos e entidades (vd
alíneas b, c e d). E como é que os diretores podem
solicitar declaração sob compromisso de honra a docentes para os dispensarem de
componente letiva?
Mais: se o
n.º 4 do despacho estabelece que o incumprimento “tem como consequência a
exclusão do procedimento de mobilidade por doença”, porque, em vez de tanta
parra para tão pouca uva, não se investiga seriamente os casos suspeitos, até porque
o n.º 5 determina:
Sem prejuízo do disposto nos números
anteriores, podem os docentes em mobilidade por doença, ou os familiares que
motivaram o seu pedido de destacamento, nos termos do ponto 1, ser submetidos a
junta médica para comprovação das declarações prestadas ou ser feita
verificação local pelas autoridades competentes para comprovação da situação de
doença declarada, durante o ano escolar de 2015/2016.”?
E o n.º 6 do
despacho prevê:
A não
comprovação pela junta médica das declarações prestadas pelos docentes
determina a exclusão do procedimento da mobilidade por doença e a sua
comunicação à Inspeção-Geral de Educação e Ciência, para os devidos efeitos.
***
Entendendo
que o n.º 8 do despacho deva ser alterado de modo a acautelar a situação dos
docentes QZP que foram colocados em QZ por força do concurso interno e dos professores
que foram obrigados a concorrer a destacamento por ausência de componente
letiva (DACL), devo, no entanto, declarar a
pertinência da obrigação, por parte do Estado, de prover às verdadeiras necessidades
de saúde do professor e/ou de seus familiares.
Também
se deve esclarecer que as colocações dos professores dos quadros de escola ou de
agrupamento, por força do concurso interno, já ocorreram há muito tempo; e os
DACL deixam lugar vazio para o ano letivo seguinte na sua escola/agrupamento de
origem. Por outro lado, o concurso externo é anual.
Finalmente,
quero deixar uma dupla questão:
Como
se admiram os gestores da educação com o número excessivo de doentes num país
em crise global profunda? Como se admiram os dirigentes com o facto de os professores
acusarem cada vez mais distúrbios de saúde, se alguns dirigentes políticos e
diretores locais (não tenho razão de queixa, devo dizê-lo) criam situações aberrantes de desconforto
e desequilíbrio na saúde aos docentes e, sobretudo, não os apoiam em situação de
conflito? Sempre os pais, sempre os meninos, sempre o facilitismo, sempre os
exames!
Depois,
a culpa é do sistema, não?!
2015.08.04 – Louro
de Carvalho
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