terça-feira, 4 de agosto de 2015

Professores destacados por motivo de doença (DCE) ou epidemia?

A notícia referente ao enunciado em epígrafe foi hoje, dia 4 de agosto, destacada em serviço noticioso da Rádio Renascença (RR) e de algumas estações de televisão (nomeadamente a RTP) e baseia-se em texto publicado no Mensageiro de Bragança sob o título na forma interrogativa “Epidemia incapacita professores transmontanos?” (vd n.º de 31 de julho, on line).
O mencionado jornal refere que só no distrito de Bragança mais de 360 professores foram destacados no quadro da mobilidade por doença (só um agrupamento de escolas do distrito tem já mais de 120 professores destacados por tal motivo) para o próximo ano letivo, causando o aumento destes pedidos indignação entre professores de Quadro de Zona Pedagógica (QZP) e mesmo entre diretores de agrupamentos, o que parece estar a ocorrer um pouco por todo o país.
Além do próprio distrito, está em evidência o Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, em Bragança, pelo grande número de casos. São 121 o que terá levado a que vários horários de primeiro ciclo já não fossem colocados no concurso de mobilidade interna. O diretor, confessando que lhe falta “espaço para pôr tantos professores”, assegura:
“Isto só acontece num país irreal. Penso que o procedimento deveria ser alterado e não permitir que se escolhesse diretamente o agrupamento para onde se quer ir”.
Então os docentes (a não ser os “amigos”) escolheriam o quê?
É certo que isto acontece em todos os anos letivos desde, pelo menos, 1990/91. A diferença é que, este ano, estes professores chegaram mais cedo às escolas, ainda antes de as vagas serem postas a concurso de mobilidade e com a indicação, por parte do MEC (Ministério da Educação e Ciência), de atribuir componente letiva, de acordo com o n.º 9 do Despacho n.º 4773/2015, de 8 de maio, que determina:
“É atribuída componente letiva quando o destacamento tenha por fundamento a situação de doença do cônjuge ou da pessoa que com aquele viva em condições análogas às dos cônjuges, dos ascendentes ou dos descendentes, ou sempre que a situação da sua própria doença o permita”.
Remetendo para o n.º 8, salvaguarda-se que tais docentes não podem retirar lugares aos professores de quadro de agrupamento ou de escola não agrupada (deixando de fora os docentes de QZP).
A este propósito, o diretor do Agrupamento de Escolas de Macedo de Cavaleiros entende que a situação causa constrangimentos também às escolas e admite que possa haver aproveitamento da situação, adiantando que “pelo que conhecemos das pessoas, sabemos que há situações muito duvidosas”.
O periódico bragançano alega que, sobre a matéria, colocou algumas questões ao MEC, mas sem resposta, tendo acontecido o mesmo com a OM (Ordem dos Médicos) e o SPN (Sindicato dos Professores do Norte) e o SPZN (Sindicato dos Professores da Zona Norte).
Um dos médicos do Centro de Saúde da Sé, em Bragança, revela que já recusou alguns pedidos de atestado médico e pede alguma cautela aos colegas. Porém, admitindo que as dificuldades de mobilidade possam estar na origem de tantos pedidos, afirmou:
“Somos um distrito encostado ao interior e que tem variadíssimas dificuldades, nomeadamente de deslocação. Tenho até conhecimento de alguns professores que fazem 180 km diários. E eu admito que recorram a esse subterfúgio do atestado da mobilidade para que possam estar mais perto de casa e mais perto da família. Mas eu acho que esse atestado foi feito exclusivamente para apoio a familiares diretos. E como tal todos os médicos devem ter atenção a esses casos e não passar atestados como o fazem para a carta de condução ou similares. Deverá haver o mínimo de rigor na passagem desses atestados para evitar que mais uma vez o distrito ande nas bocas do mundo pela alta percentagem de atestados passados.”.
Em Coimbra, os professores de QZP já se começaram a juntar e puseram a circular uma petição contra esta situação, exigindo a intervenção de juntas médicas. Em Bragança, apesar de ter havido algumas reuniões, o movimento de contestação é mais tímido. No entanto, vários professores de Bragança já se juntaram e enviaram cartas a dar conhecimento da situação ao Ministro da Educação e Ciência e ao Primeiro-Ministro e ponderam recorrer aos tribunais.
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Ora, já a 27 de julho, as edições on line e impressas de vários periódicos se referiam ao caso, salientando a preocupação de vários professores e o lançamento de suspeitas por causa da antecipação da colocação dos professores destacados por doença, sua ou de familiares a seu cuidado. Com efeito, estes docentes, que costumavam ser colocados em agosto ou em setembro, chegaram este ano às escolas em junho, havendo quem fale de “situações muito duvidosas”. Mais: a imprensa explicitava que estava em causa o facto de estes docentes, destacados por razões de saúde, estarem a ocupar horários que não serão, deste modo, colocados a concurso – situação que indigna muitos docentes e levanta muitas desconfianças.
O jornal reporta particularmente casos de reclamações em Coimbra e em Bragança e frisa que há professores a exigirem ao MEC que sujeite a Juntas Médicas os professores cujo destacamento por doença foi aprovado.
Ao invés do que sucedia em anos anteriores, este ano, o processo foi antecipado, colocando estes docentes numa situação diferente, o que leva professores dos quadros das escolas (ou agrupamentos) envolvidas a temerem uma deslocação para outros estabelecimentos, caso não tenham turmas a quem lecionar. O caso, segundo alguns intervenientes, agrava particularmente os destacamentos nas zonas urbanas, já que, estando em causa pedidos de mobilidade motivados por doença, é nas maiores cidades que existem as infraestruturas hospitalares que podem prestar os cuidados necessários. E eu penso que os docentes não assistem os familiares nos hospitais!
Porém, ao contrário do que refere o Mensageiro de Bragança, perante as suspeitas levantadas, o secretário-geral da FENPROF (Federação Nacional de Professores), declarou que, “se há situações fraudulentas que se denunciem, mas assumindo-as e concretizando-as”, adiantando que “não posso aceitar que se lance um manto de suspeição sobre todos quantos já sofrem pela doença”.
Por seu turno, um dirigente da FNE (Federação Nacional de Educação) considerou que “é muito perigoso levantar suspeitas sem provas quando está em causa um direito importantíssimo, o da proteção na doença”. E eu concordo com esta posição sindical.
Por sua vez, Carlos Silvestre, do SEPLEU, entende que as direções das escolas agirão erradamente se atribuírem, já, componente letiva aos docentes destacados, pois, segundo a sua interpretação, só o deveriam fazer depois de os horários irem a concurso de mobilidade interna. Não, penso eu, se já estão colocados, devem ter componente letiva, sendo possível.
Do lado do MEC, garante-se que “todas as situações que configurem desconformidades serão averiguadas nos termos da lei”; e o bastonário da Ordem dos Médicos assegurou que se farão as investigações necessárias desde que o MEC o solicite e aponte os casos de irregularidade.
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Embora ache complicado o que se está a passar este ano, pergunto-me onde reside o absoluto ineditismo, se é verdade que já no ano passado houve denúncias entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Inspeção-Geral de Educação (IGEC), tendo esta chegado a investigar alguns processos burocráticos no Agrupamento de Escolas Emídio Garcia e tendo fontes ligadas a este processo apontado os atestados médicos como a fonte do problema, havendo mesmo a suspeita de que uma médica, espanhola, a dar consultas em Bragança, terá passado mais de uma centena. Depois, como é que os diretores de escola podem estar a pedir declarações sob compromisso de honra aos professores em como não podem assumir turma, de forma a não lhes ser atribuída componente letiva? E como é que ninguém ligado ao setor levantou a voz aquando da publicação do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que dá nova redação ao DL n.º 132/2012, de 27 de Junho, que estabelece as normas dos concursos e colocação de professores, bem como o Despacho n.º 4773/2015, de 8 de Maio, que regulamenta o artigo 68.º do ECD (estatuto da carreira docente), que prevê o destacamento de docentes (vd DL n.º 41/2012, de 21 de fevereiro).
O referido DL n.º 132/2012, de 27 de junho, mesmo na sua atual redação não contempla esta modalidade especial de mobilidade. No entanto, o mencionado despacho, na linha de despachos anteriores e em obediência ao artigo 68º do ECD, determina, no seu n.º 1:
“Os docentes de carreira dos estabelecimentos de ensino da rede pública de Portugal Continental e das Regiões Autónomas podem requerer mobilidade por motivo de doença ao abrigo da alínea a) do artigo 68.º do ECD, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de abril, na sua redação atual, para agrupamento de escolas ou escola não agrupada situado em concelho diverso daquele em que se encontram providos ou colocados, desde que sejam portadores de doença incapacitante nos termos do despacho conjunto A-179/89-XI, de 12 de setembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 22 de setembro de 1989, ou tenham a seu cargo cônjuge, pessoa com quem vivam em união de facto, ascendente ou descendente a cargo nas mesmas condições, e a deslocação se mostre necessária para assegurar a prestação dos cuidados médicos de que carecem.”.
Depois, o n.º 3 do mesmo despacho estipula:
“A formalização do pedido de mobilidade por doença é efetuada exclusivamente através de formulário eletrónico, a disponibilizar pela Direção-Geral da Administração Escolar, e deve ser instruída com os seguintes documentos a importar informaticamente:
a) Relatório médico, em modelo da Direção-Geral da Administração Escolar, que ateste e comprove a situação de doença nos termos do despacho conjunto A-179/89-XI, de 12 de setembro, e a necessidade de deslocação para outro concelho nos termos do ponto 1 do presente despacho;
b) Documento comprovativo da relação familiar ou da qualidade de parceiro na união de facto;
c) Declaração emitida pela junta de freguesia que ateste a relação de dependência exclusiva do ascendente que coabite com o docente;
d) Declaração emitida pelos serviços da Autoridade Tributária que ateste que o docente e ascendente residem no mesmo domicílio fiscal.”.
Em face do estipulado no despacho, só me pergunto como é que o alarme da situação se pode atribuir exclusivamente aos atestados médicos e aos médicos e não igualmente a outros instrumentos e entidades (vd alíneas b, c e d). E como é que os diretores podem solicitar declaração sob compromisso de honra a docentes para os dispensarem de componente letiva?
Mais: se o n.º 4 do despacho estabelece que o incumprimento “tem como consequência a exclusão do procedimento de mobilidade por doença”, porque, em vez de tanta parra para tão pouca uva, não se investiga seriamente os casos suspeitos, até porque o n.º 5 determina:
Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, podem os docentes em mobilidade por doença, ou os familiares que motivaram o seu pedido de destacamento, nos termos do ponto 1, ser submetidos a junta médica para comprovação das declarações prestadas ou ser feita verificação local pelas autoridades competentes para comprovação da situação de doença declarada, durante o ano escolar de 2015/2016.”?
E o n.º 6 do despacho prevê:
A não comprovação pela junta médica das declarações prestadas pelos docentes determina a exclusão do procedimento da mobilidade por doença e a sua comunicação à Inspeção-Geral de Educação e Ciência, para os devidos efeitos.
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Entendendo que o n.º 8 do despacho deva ser alterado de modo a acautelar a situação dos docentes QZP que foram colocados em QZ por força do concurso interno e dos professores que foram obrigados a concorrer a destacamento por ausência de componente letiva (DACL), devo, no entanto, declarar a pertinência da obrigação, por parte do Estado, de prover às verdadeiras necessidades de saúde do professor e/ou de seus familiares.
Também se deve esclarecer que as colocações dos professores dos quadros de escola ou de agrupamento, por força do concurso interno, já ocorreram há muito tempo; e os DACL deixam lugar vazio para o ano letivo seguinte na sua escola/agrupamento de origem. Por outro lado, o concurso externo é anual.
Finalmente, quero deixar uma dupla questão:
Como se admiram os gestores da educação com o número excessivo de doentes num país em crise global profunda? Como se admiram os dirigentes com o facto de os professores acusarem cada vez mais distúrbios de saúde, se alguns dirigentes políticos e diretores locais (não tenho razão de queixa, devo dizê-lo) criam situações aberrantes de desconforto e desequilíbrio na saúde aos docentes e, sobretudo, não os apoiam em situação de conflito? Sempre os pais, sempre os meninos, sempre o facilitismo, sempre os exames!
Depois, a culpa é do sistema, não?!

2015.08.04 – Louro de Carvalho

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