O passado dia 22 de julho
constituiu uma verdadeira maratona parlamentar, pois, os deputados do povo,
enclausurados no hemiciclo da Assembleia da República – a Casa da Democracia – durante
cinco horas, percorreram o guião de 80 páginas de pendências e procederam à
votação de todos os diplomas dele constantes.
Já me referi aos diplomas
mais significativos do Parlamento que encheram esta maratona, ao escrever a
peça “Cavaco Silva não teve de ir de jipe para férias”. Agora, torna-se pertinente
questionar o que ficou por fazer após o encerramento da sessão legislativa de
2014/2015, que marca o términus da XII legislatura do regime constitucional,
tendo em conta que ela decorreu sob a supervisão da troika, mesmo depois de esta
se ter formalmente afastado do país, já que tanto a Comissão Europeia como o
FMI continuam a produzir juízos avaliativos que têm em vista condicionar a governança
do país independentemente de qual for a força partidária que ganhe as próximas eleições
legislativas de outubro.
A esse respeito, segundo o
que refere a revista Visão, de 5 de
agosto, pela pena de Isabel Nery, Nuno Magalhães, deputado do CDS e líder do
grupo parlamentar do partido, concluiu com visível orgulho político: “Limpámos tudo”!
Não obstante, a azáfama das
últimas semanas em São Bento, antes do encerramento da sessão legislativa e da
legislatura, desagradou à oposição, que se queixava da enorme sobrecarga legislativa,
o que – penso eu – traduz a ideia de que algumas das matérias (muitas das quais bem polémicas e melindrosas) não terão sido objeto da ponderação
suficiente. Será que tal facto vai pesar na decisão presidencial ou será que o
Presidente vai dizer como referia o registo caricatural que apresentava Costa
Gomes, após o desfile legislativo do V Governo Provisório, a garantir que “pronto, não assino mais nada”?
Porém, nem tamanha correria impediu que alguns assuntos ficassem pelo caminho, não
integrando o guião das 80 páginas.
Os debates, aprovações e reprovações regressam – em versão diminuta – a 9
de setembro, data da primeira reunião da comissão permanente da Assembleia da
República. Porém, os debates em pleno só regressarão quando forem proclamados
os resultados oficiais das eleições, que estão marcadas para 4 de outubro.
***
A maioria não conseguiu levar à votação parlamentar vários diplomas, entre
os quais figuram os seguintes:
. A lei que previa a redução dos prazos eleitorais e que abarcava normas
sobre o voto dos emigrantes, a qual caiu por terra mercê da falta de
entendimento suficiente entre os partidos da maioria e o PS.
. A revisão da tabela de suplementos na Administração Pública, que ficou
adiada por alegada insuficiência de tempo para sentar, nos termos da lei, o
Governo e os sindicatos à mesa das negociações antes das eleições legislativas.
. A Taxa Tobin ou imposto sobre as
transações financeiras, como as ações, que ficou protelada para 2016 por
implicar negociações com outros países;
. E a reapreciação da lei sobre o enriquecimento injustificado, que foi aprovada
unicamente pelos votos da maioria, mas que não passou no crivo do Tribunal
Constitucional, que declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da maior
parte das suas normas mais relevantes.
***
Por seu turno, os partidos da oposição têm uma lista de inconseguimentos
bem diferente. Relevam-se, a seguir, os mais significativos:
. O líder parlamentar do principal partido da oposição contraria o cenário definido
de missão cumprida, ao serviço da troika e além da troika, escolhido pelos
partidos da maioria que suporta o Governo. Eduardo Ferro Rodrigues confessa que
“ficou tudo por fazer”, especificando: “especialmente o que propusemos para
minimizar os custos sociais das medidas de austeridade, que foram criando
verdadeiras atrocidades”. Segundo as suas contas, o PS apresentou em média uma iniciativa
legislativa a cada dois dias, para tentar minimizar os efeitos da crise, mas a
coligação PSD-CDS chutou sempre para a frente. E exemplificou com as suas propostas
alternativas às mexidas nos impostos, propostas contrárias ao aumento do IVA na
restauração, aos despejos de pessoas endividadas, à retirada das proteções
sociais mais baixas e propostas de combate à pobreza. Porém, tudo foi rejeitado
pela maioria.
No atinente aos prazos eleitorais, o líder da bancada do PS está convicto de
que faltou vontade política, uma vez que as propostas da maioria quanto ao voto
dos emigrantes obnubilavam a transparência do processo.
. Por sua vez, João Oliveira, deputado o PCP,
destaca o tema da renegociação da dívida, aduzindo que a dívida “pesou para trás e vai pesar para o futuro
– e por muitos anos” – e, ao mesmo tempo, refere o problema do desemprego. Recorda
que a primeira proposta de
renegociação da dívida surgiu, da parte do seu partido, logo em 2011, implicando
a redução dos montantes, a baixa dos juros e o alargamento dos prazos. Assegura
que o tema “continua em cima da mesa”, mas a esbarrar com a recusa, por parte
do Governo, de “renegociação da dívida portuguesa e grega”, apesar de isso
permitir a libertação de “recursos financeiros” para a recuperação da economia.
Assim, o deputado entende que o problema do desemprego poderia ser contornado
com a afetação de mais recursos financeiros, entre outros.
. Também a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana
Aiveca, se pronunciou sobre a matéria. Todavia, mais do que elencar o que ficou por fazer, a
representante do BE sublinha “o que ficou por desfazer”, apontando o dedo às medidas
que impuseram cortes e foram além do programa de resgate, exemplificando com as
exigências da reposição do abono de família e do complemento social de idosos, da
reposição do horário de 35 horas e do pagamento por trabalho suplementar, em
áreas como a saúde ou a recolha de lixo.
Salientando o facto de mais de metade dos desempregados viver
sem qualquer proteção e a existência em Portugal de mais de “dois milhões de
pobres”, Mariana Aiveca antecipa uma campanha eleitoral marcada por “políticas
de desvalorização do trabalho e empobrecimento por redução de apoios sociais”. E
justifica a sua antevisão com o facto de todos os cortes terem sido passados como transitórios e agora a ministra das
Finanças dizer que os cofres estão cheios e, apesar disso, nada ter sido
reposto.
Porém esta parlamentar do BE não se inibe de enunciar a sua maior frustração com
a última temporada parlamentar: “o chumbo das medidas contra o trabalho escravo”.
Convicta de que havia consenso sobre a necessidade de responsabilizar a cadeia
de contratação – porque quem contrata desaparece e quem teve os trabalhadores
ao seu serviço não é responsabilizado por nada – ouvidos os partidos com
assento parlamentar e inúmeras entidades, a deputada promoveu a apresentação de
um projeto-lei que configurava “uma precisão do código de trabalho”. No entanto,
discutido no último dia das votações, o projeto acabou por não obter aprovação,
mantendo-se a inexistência “de mecanismos legais de responsabilização” pelo
trabalho escravo.
. E Heloísa Apolónia, deputada do PEV, além da falta de “revisão do sistema
fiscal que tributa a banca, de modo a deixar de gozar de tantos benefícios”, alerta
para uma das medidas mais reivindicadas por vários setores: o regresso da taxa
de IVA da restauração à taxa intermédia de 13 por cento, aduzindo que a manutenção
desta medida de austeridade “provocou desemprego e falências, que podiam ter
sido evitados”.
Entende que ficou por fazer a tomada de "políticas para redinamizar a
economia” e que ficaram por cumprir, as promessas de que “as medidas de
austeridade eram transitórias e todos os portugueses teriam médico de família”.
E como o pior, aponta a falha na revisão dos planos de ordenamento do
território, que não chegaram a ser trabalhados.
***
Entretanto,
segundo a edição on line do Expresso de hoje, 6 de agosto, o FMI não
é parco na formulação de condicionamentos a Portugal, sob a forma de avisos, pedidos,
admissões de hipóteses, alertas e desejos. Assim:
.
Avisa que está em risco a meta do défice de 2015, pelo que pede mais
austeridade;
.
Pede ao futuro Governo – seja ele qual for, tenha a composição que tiver – que recupere
o ímpeto reformista, procedendo às reformas estruturais que estão por fazer;
.
Admite que as eventuais perdas com a venda do Novo Banco agravem o défice de
2014;
.
Alerta o Governo no sentido de poder ser necessário “adiar ou cancelar a
extinção da sobretaxa de IRS”;
.
Quer que o País mantenha almofada financeira ampla.
Por
seu turno, a UTAO, vistos os resultados da execução orçamental do primeiro
semestre e verificando que as receitas fiscais diminuíram mais de 600 milhões de
euros em relação ao previsto, põe em dúvida a capacidade de restituição
prometida de parte da sobretaxa de IRS ou que dispare o défice. E o PS assegura
que o FMI “não crê na propaganda eleitoral da coligação.
A
isto, o Primeiro-Ministro reage reafirmando as suas promessas de governação.
E
Poiares Maduro, mais assertivamente, declara: “Nada de novo”. Assegurando que o
Executivo de Passos Coelho não muda uma vírgula no que toca ao objetivo de
Portugal ter um défice abaixo de 3% este ano, o ministro diz com todo o
formalismo e certeza: “O Governo reafirma claramente que não são necessárias
medidas adicionais”.
Em
quem vamos acreditar? Vamos ter, de futuro, melhores resultados sociais,
melhores condições eleitorais e democráticas, sacrifícios e riqueza mais repartidos,
mais trabalho para todos, mais saúde, mais educação, melhor segurança social?
2015.08.06 –
Louro de Carvalho
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