quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O que fica por fazer após o encerramento da XII legislatura?

O passado dia 22 de julho constituiu uma verdadeira maratona parlamentar, pois, os deputados do povo, enclausurados no hemiciclo da Assembleia da República – a Casa da Democracia – durante cinco horas, percorreram o guião de 80 páginas de pendências e procederam à votação de todos os diplomas dele constantes.
Já me referi aos diplomas mais significativos do Parlamento que encheram esta maratona, ao escrever a peça “Cavaco Silva não teve de ir de jipe para férias”. Agora, torna-se pertinente questionar o que ficou por fazer após o encerramento da sessão legislativa de 2014/2015, que marca o términus da XII legislatura do regime constitucional, tendo em conta que ela decorreu sob a supervisão da troika, mesmo depois de esta se ter formalmente afastado do país, já que tanto a Comissão Europeia como o FMI continuam a produzir juízos avaliativos que têm em vista condicionar a governança do país independentemente de qual for a força partidária que ganhe as próximas eleições legislativas de outubro.
A esse respeito, segundo o que refere a revista Visão, de 5 de agosto, pela pena de Isabel Nery, Nuno Magalhães, deputado do CDS e líder do grupo parlamentar do partido, concluiu com visível orgulho político: “Limpámos tudo”!
Não obstante, a azáfama das últimas semanas em São Bento, antes do encerramento da sessão legislativa e da legislatura, desagradou à oposição, que se queixava da enorme sobrecarga legislativa, o que – penso eu – traduz a ideia de que algumas das matérias (muitas das quais bem polémicas e melindrosas) não terão sido objeto da ponderação suficiente. Será que tal facto vai pesar na decisão presidencial ou será que o Presidente vai dizer como referia o registo caricatural que apresentava Costa Gomes, após o desfile legislativo do V Governo Provisório, a garantir que “pronto, não assino mais nada”?
Porém, nem tamanha correria impediu que alguns assuntos ficassem pelo caminho, não integrando o guião das 80 páginas.
Os debates, aprovações e reprovações regressam – em versão diminuta – a 9 de setembro, data da primeira reunião da comissão permanente da Assembleia da República. Porém, os debates em pleno só regressarão quando forem proclamados os resultados oficiais das eleições, que estão marcadas para 4 de outubro.
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A maioria não conseguiu levar à votação parlamentar vários diplomas, entre os quais figuram os seguintes:
. A lei que previa a redução dos prazos eleitorais e que abarcava normas sobre o voto dos emigrantes, a qual caiu por terra mercê da falta de entendimento suficiente entre os partidos da maioria e o PS.
. A revisão da tabela de suplementos na Administração Pública, que ficou adiada por alegada insuficiência de tempo para sentar, nos termos da lei, o Governo e os sindicatos à mesa das negociações antes das eleições legislativas.
 . A Taxa Tobin ou imposto sobre as transações financeiras, como as ações, que ficou protelada para 2016 por implicar negociações com outros países;
. E a reapreciação da lei sobre o enriquecimento injustificado, que foi aprovada unicamente pelos votos da maioria, mas que não passou no crivo do Tribunal Constitucional, que declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da maior parte das suas normas mais relevantes.
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Por seu turno, os partidos da oposição têm uma lista de inconseguimentos bem diferente. Relevam-se, a seguir, os mais significativos:
. O líder parlamentar do principal partido da oposição contraria o cenário definido de missão cumprida, ao serviço da troika e além da troika, escolhido pelos partidos da maioria que suporta o Governo. Eduardo Ferro Rodrigues confessa que “ficou tudo por fazer”, especificando: “especialmente o que propusemos para minimizar os custos sociais das medidas de austeridade, que foram criando verdadeiras atrocidades”. Segundo as suas contas, o PS apresentou em média uma iniciativa legislativa a cada dois dias, para tentar minimizar os efeitos da crise, mas a coligação PSD-CDS chutou sempre para a frente. E exemplificou com as suas propostas alternativas às mexidas nos impostos, propostas contrárias ao aumento do IVA na restauração, aos despejos de pessoas endividadas, à retirada das proteções sociais mais baixas e propostas de combate à pobreza. Porém, tudo foi rejeitado pela maioria.
No atinente aos prazos eleitorais, o líder da bancada do PS está convicto de que faltou vontade política, uma vez que as propostas da maioria quanto ao voto dos emigrantes obnubilavam a transparência do processo.
. Por sua vez, João Oliveira, deputado o PCP, destaca o tema da renegociação da dívida, aduzindo que a dívida “pesou para trás e vai pesar para o futuro – e por muitos anos” – e, ao mesmo tempo, refere o problema do desemprego. Recorda que a primeira proposta de renegociação da dívida surgiu, da parte do seu partido, logo em 2011, implicando a redução dos montantes, a baixa dos juros e o alargamento dos prazos. Assegura que o tema “continua em cima da mesa”, mas a esbarrar com a recusa, por parte do Governo, de “renegociação da dívida portuguesa e grega”, apesar de isso permitir a libertação de “recursos financeiros” para a recuperação da economia. Assim, o deputado entende que o problema do desemprego poderia ser contornado com a afetação de mais recursos financeiros, entre outros.
. Também a deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Aiveca, se pronunciou sobre a matéria. Todavia, mais do que elencar o que ficou por fazer, a representante do BE sublinha “o que ficou por desfazer”, apontando o dedo às medidas que impuseram cortes e foram além do programa de resgate, exemplificando com as exigências da reposição do abono de família e do complemento social de idosos, da reposição do horário de 35 horas e do pagamento por trabalho suplementar, em áreas como a saúde ou a recolha de lixo.
Salientando o facto de mais de metade dos desempregados viver sem qualquer proteção e a existência em Portugal de mais de “dois milhões de pobres”, Mariana Aiveca antecipa uma campanha eleitoral marcada por “políticas de desvalorização do trabalho e empobrecimento por redução de apoios sociais”. E justifica a sua antevisão com o facto de todos os cortes terem sido passados como transitórios e agora a ministra das Finanças dizer que os cofres estão cheios e, apesar disso, nada ter sido reposto.
Porém esta parlamentar do BE não se inibe de enunciar a sua maior frustração com a última temporada parlamentar: “o chumbo das medidas contra o trabalho escravo”. Convicta de que havia consenso sobre a necessidade de responsabilizar a cadeia de contratação – porque quem contrata desaparece e quem teve os trabalhadores ao seu serviço não é responsabilizado por nada – ouvidos os partidos com assento parlamentar e inúmeras entidades, a deputada promoveu a apresentação de um projeto-lei que configurava “uma precisão do código de trabalho”. No entanto, discutido no último dia das votações, o projeto acabou por não obter aprovação, mantendo-se a inexistência “de mecanismos legais de responsabilização” pelo trabalho escravo.
. E Heloísa Apolónia, deputada do PEV, além da falta de “revisão do sistema fiscal que tributa a banca, de modo a deixar de gozar de tantos benefícios”, alerta para uma das medidas mais reivindicadas por vários setores: o regresso da taxa de IVA da restauração à taxa intermédia de 13 por cento, aduzindo que a manutenção desta medida de austeridade “provocou desemprego e falências, que podiam ter sido evitados”.
Entende que ficou por fazer a tomada de "políticas para redinamizar a economia” e que ficaram por cumprir, as promessas de que “as medidas de austeridade eram transitórias e todos os portugueses teriam médico de família”. E como o pior, aponta a falha na revisão dos planos de ordenamento do território, que não chegaram a ser trabalhados.
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Entretanto, segundo a edição on line do Expresso de hoje, 6 de agosto, o FMI não é parco na formulação de condicionamentos a Portugal, sob a forma de avisos, pedidos, admissões de hipóteses, alertas e desejos. Assim:
. Avisa que está em risco a meta do défice de 2015, pelo que pede mais austeridade;
. Pede ao futuro Governo – seja ele qual for, tenha a composição que tiver – que recupere o ímpeto reformista, procedendo às reformas estruturais que estão por fazer;
. Admite que as eventuais perdas com a venda do Novo Banco agravem o défice de 2014;
. Alerta o Governo no sentido de poder ser necessário “adiar ou cancelar a extinção da sobretaxa de IRS”;
. Quer que o País mantenha almofada financeira ampla.
Por seu turno, a UTAO, vistos os resultados da execução orçamental do primeiro semestre e verificando que as receitas fiscais diminuíram mais de 600 milhões de euros em relação ao previsto, põe em dúvida a capacidade de restituição prometida de parte da sobretaxa de IRS ou que dispare o défice. E o PS assegura que o FMI “não crê na propaganda eleitoral da coligação.
A isto, o Primeiro-Ministro reage reafirmando as suas promessas de governação.
E Poiares Maduro, mais assertivamente, declara: “Nada de novo”. Assegurando que o Executivo de Passos Coelho não muda uma vírgula no que toca ao objetivo de Portugal ter um défice abaixo de 3% este ano, o ministro diz com todo o formalismo e certeza: “O Governo reafirma claramente que não são necessárias medidas adicionais”.
Em quem vamos acreditar? Vamos ter, de futuro, melhores resultados sociais, melhores condições eleitorais e democráticas, sacrifícios e riqueza mais repartidos, mais trabalho para todos, mais saúde, mais educação, melhor segurança social?  

2015.08.06 – Louro de Carvalho

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