segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Que estatuto o dos deputados!

Não, não se vai dissertar sobre as diversas normas do articulado do estatuto dos “defensores da nação”, mas apenas sobre o atinente à assiduidade e matérias relacionadas com ela.
Uma nova aplicação regista a assiduidade de todos os deputados da Assembleia da República, vertendo para a opinião pública a informação de que os dois mais faltosos são do PSD e do PS. Grandes partidos até nas faltas!
É essa a informação que consta de O Ponto do Parlamento, aplicação web que regista a assiduidade de todos os deputados da Assembleia da República.
O Ponto do Parlamento é uma ferramenta desenvolvida pela WaveWeb, que acredita que “facilitar o escrutínio público da assiduidade dos deputados pode contribuir para aproximar os cidadãos dos seus representantes”.
Segundo esta ferramenta prática, que reúne a informação disponibilizada pelo site oficial da Assembleia da República e que a apresenta de forma mais simplificada, o deputado do PSD com mais faltas tem 131 faltas justificadas por motivos considerados normais e 15 por estar em missão parlamentar e que o do PS tem uma falta injustificada, 65 justificadas por motivos considerados normais e 80 por estar em missão parlamentar. No total, cada um deles faltou a 146 das 451 reuniões parlamentares que se realizaram.
Um deputado do CDS bate o record de faltas injustificadas; e um do PSD bate o record de faltas por estar em missão parlamentar, com 96 ausências de reuniões plenárias.
A informação pode ser ainda organizada por partidos e por legislatura. De acordo com o site, o PSD, com 108 deputados, tem 3040 faltas registadas, 27 das quais injustificadas. O PS, com 74 deputados tem 2575 faltas, também com 27 injustificadas. Na atual legislatura foram dadas 6696 faltas.
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Já em 2006, saltou à vista o caso escandaloso das faltas de mais de uma centena de representantes da nação a uma sessão plenária da Assembleia da República, originando a não aprovação de alguns diplomas legislativos por falta de quorum, no momento da votação.
Ora, situações destas, longe de se considerarem fenómenos de lana caprina, merecem a atenção de quem estiver disponível para refletir criticamente, quer pelos factos considerados em si quer pelas posições subsequentes.
O estatuto dos deputados (1) prevê o regime de faltas, com penalização pecuniária e com a perda de mandato, no caso de o número daquelas ultrapassar injustificadamente o previsto estatutariamente (art.os 8.º e 23.º). Por outro lado, para situações de incompatibilidade política ou profissional, estão de pé as figuras de renúncia (art.º 7.º), de suspensão de mandato (art. os 4.º e 20.º) e de substituição temporária de mandato por motivo relevante (art.º 5.º).
A nova redação do art.º 8.º (em 2007) especifica melhor os motivos de justificação:
Considera-se motivo justificado a doença, o casamento, a maternidade e a paternidade, o luto, força maior, missão ou trabalho parlamentar e o trabalho político ou do partido a que o Deputado pertence, bem como a participação em atividades parlamentares, nos termos do Regimento (n.º 2). Também, em casos excecionais, as dificuldades de transporte podem ser consideradas como justificação de faltas (n.º 4).
Por isso, não é lícito faltar injustificadamente e, muito menos, assinar o registo de presença e abandonar a sessão em momentos cruciais, como os de votação, seja em sessão plenária, seja em sede de comissão especializada. É o respeito pela consciência que está em causa, assim como o apreço pela ética republicana e a responsabilidade perante o eleitorado que democraticamente, apesar de todos os defeitos democráticos, confiou o múnus legislativo aos seus apreciáveis e apreciandos deputados. Por outro lado, é de exigir aos deputados uma articulação maior entre as diversas tarefas e atividades de modo que as faltas justificadas às sessões plenárias sejam reduzidas a um mínimo residual e nunca incidam sobre diplomas fundamentais, devendo, para o efeito, explorar-se todas as possibilidades oferecidas pelo regimento.
Também não se percebe como é que o regimento admite o “acordo de cavalheiros” segundo o qual não é obrigatória a contagem aritmética de votos em cada bancada parlamentar, mas apenas a votação genérica de cada formação partidária com o registo das respetivas exceções – a não ser em caso de aprovação de uma lei orgânica ou lei de relevância maior e em caso de pedido de reexame da votação para dissipação de dúvidas.
Assim, parece que bastariam meia dúzia de deputados em vez dos 230, quando o país deve estar representado com suficiência na casa da democracia.
Mas o que, a seguir, veio à liça em tempos não é menos grave. Esperar pelo termo do mandato para receber o julgamento popular, como sugeriam alguns, sabe a pura demagogia; criar um conselho ético com funções judicativas feria a índole democrática deste órgão de soberania; colocar a hipótese de o Presidente da República vergastar os deputados soaria a ditadura presidencial; excluir o Chefe de Estado de um eventual reparo crítico seria içar a bandeira da imunidade e da separação dos poderes no mastro do mais deslavado e coletivo absolutismo da pretendida genuína casa da democracia. Mais do que a separação dos poderes, deve salientar-se a sua interdependência e o escrutínio recíproco, de modo que funcionem no sistema de genuínos contrapesos.
Também as afirmações peregrinas de que o trabalho do deputado não é subordinado ou de que o deputado não tem com o Parlamento uma relação laboral podem constituir uma afronta objetiva a todos aqueles que trabalham e se veem na obrigação de justificar atempadamente todas as suas faltas e, em nome da crise, recebem salários nada análogos aos dos detentores de cargos políticos e se sentem lesados nos seus direitos atinentes aos regimes fiscal e de segurança social.
De resto, o Parlamento é regido, politicamente, pela mesa e pela conferência de líderes, e, administrativa e financeiramente, pelo conselho de administração – de acordo com o Estatuto, o Regimento, a Lei e a Constituição.
Pouco importa dissertar sobre o regime de trabalho dos deputados, mas interessa urgir o cumprimento da Constituição, das leis, do estatuto e do regimento, apreciar criticamente o seu desempenho e exigir o seu contributo credível para a excelência da atividade política.
Mais do que saber se os poderes ficam prejudicados pela tomada de posição crítica, é salutar que se crie entre eles o veio sustentável da solidariedade, para que a coesão nacional se não desmorone e se restabeleça a confiança dos agentes políticos, sociais, económicos e culturais.
(1)   Lei n.º 7/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 24/95, de 18 de agosto, n.º 55/98, de 18 de agosto,   n.º 8/99, de 10 de fevereiro,   n.º 45/99, de 16 de junho, n.º 3/2001, de 23 de fevereiro, n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, n.º 43/2007, de 24 de agosto, e n.º 16/2009, de 1 de abril.
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A talho de foice penso ser pertinente que coloque na mesa da discussão de lei a redução do número dos deputados à Assembleia da República para o número mínimo constitucional de 180, pelo facto de os 230 existentes serem em número desproporcionado em relação ao volume dos eleitores. Mas não acho positivo que se lhes queira limitar os mandatos nem que se lhes imponha o regime de exclusividade. Tudo isso parece muito sadio, mas os efeitos poderão ser perversos. Será de desprezar o contributo tribunício e legislativo de crânios indisponíveis, porque o seu tempo regulamentar já passou ou porque estão empenhados profissionalmente numa atividade profissional de relevo para a sociedade, para o país ou para si próprios? Será salutar profissionalizar politicamente os cidadãos que estejam disponíveis para isso e contar só com esses, com o risco de nos ficarmos na mediocridade política e reféns dos aparelhos partidários?
Os disponíveis para a profissionalização política (desejavelmente poucos) que sejam pagos pelos partidos respetivos. De resto, os deputados em exclusividade de funções, que tenham o vencimento (pago pelos serviços da AR) resultante da profissão de origem, a aferir pela média da declaração de IRS dos últimos três anos, tendo como limite máximo o vencimento do Presidente da República, e complementado por subsídio de deslocação ou residência (só em caso de efetiva situação justificativa) e senhas por efetiva presença, com montante a decidir em plenário no início de cada sessão legislativa, que não ultrapasse mensalmente 25% do vencimento base; os deputados que não tenham optado pela exclusividade de funções, que sejam abonados de senhas de efetiva presença, com montante a decidir em plenário no início de cada sessão legislativa, que não ultrapasse mensalmente 35% do vencimento base do Presidente da República. Para todos, os convenientes subsídios de transporte e ajudas de custo, quando as circunstâncias realmente o determinarem, como o estabelecido para os ministros e secretários de Estado.
E é sobretudo necessário que se faça cessar o negócio entre o Governo ou o Parlamento e as estruturas privadas (como sociedades de advogados, de economistas, de engenheiros, etc.) para a elaboração dos textos legislativos. Que se reforcem, antes, as assessorias técnicas dos diferentes grupos parlamentares e dos gabinetes ministeriais, contra a promiscuidade negocial e política.
O art.º 12.º do estatuto já define os meios colocados à disposição de cada deputado para o eficaz exercício das suas funções. Se os meios se afiguram insuficientes, aumentem-se.
E, sim, à política o que é da política e tudo o que é da política! – auscultando previamente, como é da lei, as corporações interessadas (ordens, associações, sindicatos…).

2015.08.17 – Louro de Carvalho

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