Não,
não se vai dissertar sobre as diversas normas do articulado do estatuto dos “defensores
da nação”, mas apenas sobre o atinente à assiduidade e matérias relacionadas com
ela.
Uma nova aplicação regista a assiduidade de todos os deputados da
Assembleia da República, vertendo para a opinião pública a informação de que os
dois mais faltosos são do PSD e do PS. Grandes partidos até nas faltas!
É essa a informação que consta
de O
Ponto do Parlamento, aplicação
web que regista a assiduidade de todos os deputados da Assembleia da
República.
O Ponto do Parlamento é uma ferramenta desenvolvida pela WaveWeb,
que acredita que “facilitar o escrutínio público da assiduidade dos deputados
pode contribuir para aproximar os cidadãos dos seus representantes”.
Segundo esta ferramenta prática, que
reúne a informação disponibilizada pelo site
oficial da Assembleia da República e
que a apresenta de forma mais simplificada, o deputado do PSD com mais faltas
tem 131 faltas justificadas por motivos considerados normais e 15 por estar em
missão parlamentar e que o do PS tem uma falta injustificada, 65 justificadas por
motivos considerados normais e 80 por estar em missão parlamentar. No total,
cada um deles faltou a 146 das 451 reuniões parlamentares que se realizaram.
Um deputado do CDS bate o record de faltas injustificadas; e um do
PSD bate o record de faltas por estar
em missão parlamentar, com 96 ausências de reuniões plenárias.
A informação pode ser ainda
organizada por partidos e por legislatura. De acordo com o site, o PSD, com 108 deputados, tem 3040 faltas registadas, 27 das
quais injustificadas. O PS, com 74 deputados tem 2575 faltas, também com 27
injustificadas. Na atual legislatura foram dadas 6696 faltas.
***
Já em 2006, saltou à vista o caso escandaloso das
faltas de mais de uma centena de representantes da nação a uma sessão plenária
da Assembleia da República, originando a não aprovação de alguns diplomas
legislativos por falta de quorum, no momento da
votação.
Ora, situações destas, longe de se considerarem
fenómenos de lana caprina, merecem a atenção de quem estiver
disponível para refletir criticamente, quer pelos factos considerados em si
quer pelas posições subsequentes.
O estatuto dos deputados (1) prevê o regime de faltas,
com penalização pecuniária e com a perda de mandato, no caso de o número
daquelas ultrapassar injustificadamente o previsto estatutariamente (art.os
8.º e 23.º). Por outro lado, para situações de
incompatibilidade política ou profissional, estão de pé as figuras de renúncia
(art.º 7.º), de suspensão de mandato (art. os
4.º e 20.º) e de substituição temporária de
mandato por motivo relevante (art.º 5.º).
A nova redação do art.º 8.º (em 2007) especifica
melhor os motivos de justificação:
Considera-se
motivo justificado a doença, o casamento, a maternidade e a paternidade, o
luto, força maior, missão ou trabalho parlamentar e o trabalho político ou do
partido a que o Deputado pertence, bem como a participação em atividades
parlamentares, nos termos do Regimento (n.º 2). Também, em casos excecionais,
as dificuldades de transporte podem ser consideradas como justificação de
faltas (n.º 4).
Por isso, não é lícito faltar injustificadamente e,
muito menos, assinar o registo de presença e abandonar a sessão em momentos
cruciais, como os de votação, seja em sessão plenária, seja em sede de comissão
especializada. É o respeito pela consciência que está em causa, assim como o
apreço pela ética republicana e a responsabilidade perante o eleitorado que
democraticamente, apesar de todos os defeitos democráticos, confiou o múnus
legislativo aos seus apreciáveis e apreciandos deputados. Por outro lado, é de
exigir aos deputados uma articulação maior entre as diversas tarefas e
atividades de modo que as faltas justificadas às sessões plenárias sejam
reduzidas a um mínimo residual e nunca incidam sobre diplomas fundamentais,
devendo, para o efeito, explorar-se todas as possibilidades oferecidas pelo regimento.
Também não se percebe como é que o regimento admite o “acordo
de cavalheiros” segundo o qual não é obrigatória a contagem aritmética de votos
em cada bancada parlamentar, mas apenas a votação genérica de cada formação
partidária com o registo das respetivas exceções – a não ser em caso de
aprovação de uma lei orgânica ou lei de relevância maior e em caso de pedido de
reexame da votação para dissipação de dúvidas.
Assim, parece que bastariam meia dúzia de deputados em
vez dos 230, quando o país deve estar representado com suficiência na casa da
democracia.
Mas o que, a seguir, veio à liça em tempos não é menos
grave. Esperar pelo termo do mandato para receber o julgamento popular, como
sugeriam alguns, sabe a pura demagogia; criar um conselho ético com funções
judicativas feria a índole democrática deste órgão de soberania; colocar a
hipótese de o Presidente da República vergastar os deputados soaria a ditadura
presidencial; excluir o Chefe de Estado de um eventual reparo crítico seria
içar a bandeira da imunidade e da separação dos poderes no mastro do mais
deslavado e coletivo absolutismo da pretendida genuína casa da democracia. Mais
do que a separação dos poderes, deve salientar-se a sua interdependência e o escrutínio
recíproco, de modo que funcionem no sistema de genuínos contrapesos.
Também as afirmações peregrinas de que o trabalho do
deputado não é subordinado ou de que o deputado não tem com o Parlamento uma
relação laboral podem constituir uma afronta objetiva a todos aqueles que
trabalham e se veem na obrigação de justificar atempadamente todas as suas
faltas e, em nome da crise, recebem salários nada análogos aos dos detentores
de cargos políticos e se sentem lesados nos seus direitos atinentes aos regimes
fiscal e de segurança social.
De resto, o Parlamento é regido, politicamente, pela
mesa e pela conferência de líderes, e, administrativa e financeiramente, pelo
conselho de administração – de acordo com o Estatuto, o Regimento, a Lei e a
Constituição.
Pouco importa dissertar sobre o regime de trabalho dos
deputados, mas interessa urgir o cumprimento da Constituição, das leis, do
estatuto e do regimento, apreciar criticamente o seu desempenho e exigir o seu
contributo credível para a excelência da atividade política.
Mais do que saber se os poderes ficam prejudicados
pela tomada de posição crítica, é salutar que se crie entre eles o veio
sustentável da solidariedade, para que a coesão nacional se não desmorone e se
restabeleça a confiança dos agentes políticos, sociais, económicos e culturais.
(1)
Lei n.º 7/93,
de 1 de março, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 24/95, de 18 de agosto,
n.º 55/98, de 18 de agosto, n.º 8/99, de 10 de fevereiro, n.º
45/99, de 16 de junho, n.º 3/2001, de 23 de fevereiro, n.º 52-A/2005, de 10 de outubro,
n.º 43/2007, de 24 de agosto, e n.º 16/2009, de 1 de abril.
***
A
talho de foice penso ser pertinente que coloque na mesa da discussão de lei a redução do número
dos deputados à Assembleia da República para o número mínimo constitucional de 180,
pelo facto de os 230 existentes serem em número desproporcionado em relação ao
volume dos eleitores. Mas não acho positivo que se lhes queira limitar os
mandatos nem que se lhes imponha o regime de exclusividade. Tudo isso parece
muito sadio, mas os efeitos poderão ser perversos. Será de desprezar o
contributo tribunício e legislativo de crânios indisponíveis, porque o seu
tempo regulamentar já passou ou porque estão empenhados profissionalmente numa atividade
profissional de relevo para a sociedade, para o país ou para si próprios? Será
salutar profissionalizar politicamente os cidadãos que estejam disponíveis para
isso e contar só com esses, com o risco de nos ficarmos na mediocridade
política e reféns dos aparelhos partidários?
Os disponíveis para a
profissionalização política (desejavelmente poucos) que sejam pagos pelos
partidos respetivos. De resto, os deputados em exclusividade de funções, que
tenham o vencimento (pago pelos serviços da AR) resultante da profissão de
origem, a aferir pela média da declaração de IRS dos últimos três anos, tendo
como limite máximo o vencimento do Presidente da República, e complementado por
subsídio de deslocação ou residência (só em caso
de efetiva situação justificativa) e senhas por efetiva presença, com montante a decidir em plenário no
início de cada sessão legislativa, que não ultrapasse mensalmente 25% do
vencimento base; os deputados que não tenham optado pela exclusividade de
funções, que sejam abonados de senhas de efetiva presença, com montante a
decidir em plenário no início de cada sessão legislativa, que não ultrapasse
mensalmente 35% do vencimento base do Presidente da República. Para todos, os
convenientes subsídios de transporte e ajudas de custo, quando as
circunstâncias realmente o determinarem, como o estabelecido para os ministros
e secretários de Estado.
E é sobretudo necessário que
se faça cessar o negócio entre o Governo ou o Parlamento e as estruturas privadas
(como sociedades de advogados, de economistas, de engenheiros, etc.) para a elaboração dos
textos legislativos. Que se reforcem, antes, as assessorias técnicas dos
diferentes grupos parlamentares e dos gabinetes ministeriais, contra a
promiscuidade negocial e política.
O art.º 12.º do estatuto já define
os meios colocados à disposição de cada deputado para o eficaz exercício das suas
funções. Se os meios se afiguram insuficientes, aumentem-se.
E, sim, à política o que é
da política e tudo o que é da política! – auscultando previamente, como é da
lei, as corporações interessadas (ordens, associações, sindicatos…).
2015.08.17 –
Louro de Carvalho
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