– Mensagem –
BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER QUI DEDIT NOBIS SIGNUM
A epígrafe latina é de si premonitória. De
raiz bíblica a evocar o sinal messiânico que Deus ofereceu ao povo escolhido,
encima o desígnio que o poeta de Lisboa entende aplicar-se ao povo luso.
Portugal vem sinalizado com a marca de uma missão divina a cumprir, depois de
tudo o que a História consigna como feito pelos portugueses. O poeta de Mensagem é o criador de um Portugal
mítico, espiritualizante.
Mensagem, que se desenvolve através d e 44 poemetos,
estrutura-se em três partes, encimada cada uma delas por um título em português
e uma máxima latina. Faz-se a seguir referência a alguns poemetos, com o
respetivo comentário:
I Parte (19+1 poemetos): Brasão – BELLUM SINE BELLO
Os campos (2) – Primeiro: O dos castelos: a
Europa
O poema descreve o mapa da Europa na
metáfora e imagem da mulher reclinada (deitada de bruços). Pode comparar-se com o correspondente
trecho de “Os Lusíadas”, mais longo. O campo dos castelos representa a
materialidade (ver “O das Quinas” – Os Deuses vendem
quando dão), enquanto o campo
das quinas simboliza a espiritualidade em Portugal, o sonho. Atentando no
poemeto “a Europa”:
- “Olhos gregos, lembrando” – evoca a
herança cultural da Europa que Pessoa faz remontar à Grécia Antiga. E o “olhar
sphíngico e fatal” é o olhar enigmático (imperscrutável), mas de predestinação. A ortografia
original permite verificar a métrica, que seria alterada pela grafia
“esfíngico” em vez de “sphyngico”, se fossem pronunciadas todas as sílabas
gramaticais da palavra. Ao que parece, Fernando Pessoa favorecia a ortografia
clássica por razões de estilo e de elitismo (Rejeitou a ortografia
de 1911 como rejeitaria as de 1945 e de 1990). “O Ocidente, futuro do passado” aponta o Mar, onde
a Europa se lançou, através de Portugal, na Idade das Descobertas, com a qual
traçou o seu próprio futuro (o atual e, pensa Pessoa, também o futuro
a haver).
Trata-se de um poema “geográfico”, mero
comparatório do mapa físico da Europa com a efígie de uma pessoa. “A Europa
jaz, posta nos cotovelos: De oriente a ocidente jaz, fitando, /E toldam-lhe
românticos cabelos /Olhos gregos, lembrando”. Hoje, pobres Grécia e Portugal!
Nada de extraordinário até aqui. Os
fiordes escandinavos realmente parecem uma cabeleira vasta. “O cotovelo
esquerdo é recuado; /O direito é em ângulo disposto. /Aquele diz Itália onde é
pousado; /Este diz Inglaterra onde, afastado, /A mão sustenta, em que se apoia
o rosto”. Ainda sem maior interesse. Dir-se-ia, e aí precisamente mora o perigo,
um poema bobo. Conferindo no mapa da Europa, é assim mesmo: os acidentes Itália
e Inglaterra seriam os cotovelos duma jovem. “Fita, com olhar sphyngico e
fatal, /Ocidente, futuro do passado”. Aqui, a coisa já começa a “complicar”.
Anunciam-se borrascas e temporais: “Fita, com olhar sphyngico e fatal, /O
Ocidente, futuro do passado”. Mas, finalmente, mas “O rosto com que fita é
Portugal”.
Contemple-se o Infante a preparar as
navegações daquela nesga minúscula, simplório enclave geográfico no mapa de
Espanha... Quanta glória em sete (sete, misticamente
sete. Dizem que Mensagem é uma mensagem misticamente cifrada, parece que é!), palavras apenas para tamanha
grandiosidade. Os lusos, Os Lusíadas, a própria Ode Marítima, esta do Campos pessoano,
contidos nesta frase perfeita: O rosto
com que fita é Portugal! Disse-a Pessoa. O rosto, de quem, o rosto? Do mapa
anteriormente descrito, o rosto da Europa, símbolo então de toda a civilização
ocidental, o rosto da Humanidade, o rosto de Deus? Quem, afinal, fita o mundo?!
Agora percebemos que na estrofe anterior
– o olhar sphyngico – era terreno preparatório (como o Batista, às
margens do Jordão, batizando o Cristo) para o grande final, o rosto que fita, onde fitar não é simplesmente
sinónimo de olhar. Portugal, no extremo (ou no início!) do mapa e no extremo do verso, FUNDA o
mundo e domina-o! E na ponta da lança dos guerreiros, o missal dos frades
enlouquecidos, a esmagar os deuses das novas terras, em nome do Cristo! Quem
olha, afinal? A Cruz de Malta?!
Os castelos (7+1) – Primeiro: Ulisses
“O mito é o nada que é tudo”. Este
axioma exprime a ideia que Fernando Pessoa tinha dos mitos como potenciais
motores psicossociológicos. Mesmo se falso (isto é, mesmo que não
seja nada) um mito tem o
potencial de provocar comportamentos sociais e, portanto, facilitar a evolução
de uma nação segundo determinados vetores. “O mesmo sol que abre os
céus...etc.” é provável referência aos deuses solares (ou mitos afins) que todos os dias era suposto renascerem à alvorada, depois de terem
“morrido” no poente anterior.
“Este que aqui aportou” constitui
explícita referência a Ulisses, herói lendário da Odisseia e fundador mítico de
Lisboa, onde teria aportado numa das suas navegações (“Lisboa” derivará de Olisippo e Ulixbona – em cuja raiz alguns creem ver o
nome de Ulisses ou Odisseus).
“Foi por não ser existindo”: porque não
era, foi existindo; foi-se insinuando na nossa realidade.
“A fecundá-la decorre”: a lenda tem uma interação
positiva e vivificante com a realidade. “A vida, metade de nada, morre”: a vida
por si só nada vale porque logo desaparece (mas o mito persiste!). Nenhum país vive sem os seus mitos e
os seus heróis.
Os castelos (7+1) – Sexto: D. Dinis
No século XIII, a Europa estava
desflorestada após séculos de exploração selvagem das florestas primevas. D.
Dinis levou a cabo um vasto plano de reflorestação através do plantio de matas
reais de pinheiros bravos. A madeira foi depois utilizada na construção das
caravelas e naus das Descobertas, o que é tema deste belo oitavo poemeto de Mensagem. Porém, o Rei Lavrador aliou à
cultura campesina a cultura do espírito, que deu o Mar, a Universidade e o
Português como língua de Estado.
“Cantar de Amigo”: poema medieval, cantado
pelos trovadores, em que aparecem os sentimentos da coita amorosa na boca da
donzela, que suspira pelo namorado (amigo) ausente na guerra ou no mar. D. Dinis
escreveu vários destes cantares. Mas este é o da Terra que anseia pelo Mar
amigo. “Silêncio múrmuro” – silêncio murmurante. “Arroio” – riacho; “marulho” –
som do mar. Sinais – sons, imagens (ondulação, pinhais,
searas) – de império do
futuro; trigo de prosperidade e abundância; terra sedenta de mar; homem sedento
de infinito.
As quinas (5) – Quinta: D. Sebastião rei
de Portugal
“Areal”: o campo de Alcácer Quibir. “Ficou
meu ser que houve, não o que há”: ficou o meu corpo, não a minha alma que vive
eterna. “Sem a loucura que é o homem mais do que a besta sadia”: sem o sonho (impossível, neste caso) o homem é apenas um animal vivente, mas sem ideal, sem ambições. “Cadáver
adiado que procria”: vivo e a reproduzir-se (sem outra finalidade
do que, como nos animais, a propagação da espécie) mas inexoravelmente destinado à morte.
Atente-se na aliteração-colisão em “c” e
“p” e na assonância em “a”, a representar quase onomatopaicamente a dificuldade
da gaguez ou o paroxismo da loucura.
A Coroa (1): Nun´ Álvares Pereira
Segundo lendas de origem irlandesa, a
espada Excalibur foi dada ao Rei
Artur pela Dama do Lago. Era mágica e tornava-o quase invencível. De acordo com
uma tradição guerreira muito antiga, era costume dar o nome a uma arma notável
pela sua beleza ou outras qualidades. Excalibur,
cujo nome tem origem céltica e quer dizer “relâmpago duro”, era espada que não
podia ser quebrada.
“S. Portugal em ser”: personificação do
que há de místico em Portugal (ou do melhor e mais puro em Portugal). “Ergue a luz da tua espada para a
estrada se ver!” – Inspira-nos para que encontremos o caminho (da grandeza de Portugal). Notem-se a apóstrofe, a interrogativa retórica e a frase imperativa –
discurso de exaltação.
Mais significativa que a força da espada
e o seu poder dilacerante é a sua luz, que aponta a estrada e orienta na
caminhada, e o seu poder mágico e taumatúrgico.
Enfim, aqui tem pleno sentido a máxima Bellum sine bello, que encima a I Parte.
Com instrumentos de guerra constrói-se o povo e o mundo que não professa a
guerra, mas a paz, a prosperidade, a cultura do encontro.
II Parte (12 poemetos): Mar Português – POSSESSIO MARIS
O Infante
Um poemeto em apóstrofe. “Foste
desvendando a espuma e a orla branca foi de ilha em continente...”. A espuma
das ondas que acabam nas praias ou rebentam contra os rochedos marca as costas
com uma orla branca. A frase é uma forma poética de dizer que as costas foram
sendo descobertas, primeiro, as ilhas e, depois, os continentes, “até ao fim do
mundo”. (Note-se a perífrase e gradação “ilha em continente).
“Quem te sagrou criou-te português” –
porque, segundo Pessoa, Deus fadou Portugal para um magno destino e o Infante foi,
por assim dizer, parte do “puzzle”.
“Do mar e nós, em ti nos deu sinal”. Através
de ti revelou-nos que o nosso destino era o Mar. “Cumpriu-se o Mar e o Império
se desfez...falta cumprir-se Portugal”. Cumpriu-se o destinado: o Mar foi
desvendado; o Império Português (isto é, o controlo das
rotas oceânicas e a hegemonia no Índico) desfez-se. Pessoa pensa que Portugal está destinado à grandeza futura, e
isso ainda não se cumpriu! Ele há de gritar mais tarde: “É a hora!”.
Horizonte
“Teus medos tinham coral, e praias e
arvoredos”. O medo do desconhecido é o temor infundado do que se imagina como
real. O poeta exemplifica dizendo que o medo ancestral do mar era sem fundamento:
pois, não havia monstros ou turbilhões que afundassem os navios; quando
ultrapassámos o medo só encontrámos praias e arvoredos, flores e aves...
“Mistério” – termo muito utilizado por
Pessoa na aceção de desconhecido, indescoberto. “Sul sidéreo” – Sul sideral,
isto é, sul celeste. Aqui refere-se à constelação Cruzeiro do Sul que indica a direção
do polo austral. “Iniciação”: cerimónia pela qual se começa a explicar a alguém
os mistérios de alguma religião ou doutrina. O termo está frequentemente
associado aos ritos das sociedades ditas secretas. Aqui a iniciação refere-se
ao esclarecimento geográfico.
“Resplendia sobre as naus da iniciação”.
Brilhava (resplandecia) sobre as naus que demandavam o desconhecido para o desvendar.
A linha do horizonte deixou de separar e
ocultar; passou a desvendar e a unir.
Mar Português
Este é o poemeto principal da II Parte
de Mensagem (porque a ela deu o nome) e o breve poemeto mais conhecido da língua portuguesa. É incomparável em
simplicidade e beleza e na sucessão de grandes frases: “Ó mar salgado, quanto
do teu sal são lágrimas de Portugal!”, “Tudo vale a pena se a alma não é
pequena”, “Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor” e “Deus
ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.
“Quem quer passar além do Bojador...”. O
Cabo Bojador, na costa africana, era o limite do mar navegável porque,
dizia-se, os ventos e as correntes impossibilitariam o regresso de quem o
dobrasse. Quando Gil Eanes navegou para além do Bojador e voltou, foi
ultrapassada uma barreira psicológica capital. Neste poemeto, o Bojador
simboliza todos os desafios que houve que vencer no esforço das Descobertas,
independentemente do custo humano: mães que choraram, filhos que rezaram em
vão, noivas que ficaram por casar. Ouça-se a aliteração em “t” e a assonância
nasal em “ã” em tantas e tantos a sugerir o toque a finados de sinos. Mas o mar
foi nosso.
Atente-se na conceção providencialista
da História: Deus deu tanto o perigo como o espelho do céu; deu o sal às
lágrimas humanas à água do mar; deu os medos, os choros e as vontades!
O Mostrengo
Este é um dos poemetos mais conhecidos
de Mensagem. Aquando das suas duas primeiras
publicações chamava-se “O Morcego” e referia “o morcego que está no fim do
mar...”, mas o ser simbólico foi dignificado pela transformação em mostrengo na
revisão anterior à edição de Mensagem
em livro. O poemeto simboliza, claro está, o medo do desconhecido (o “mostrengo”) que os navegadores portugueses tiveram que enfrentar e vencer.
A causa próxima dessa coragem é, segundo
o poeta, as ordens do rei D. João II. Existe uma razão para isso: quando Gil
Eanes voltou de uma tentativa falhada de dobrar o Cabo Bojador, o Infante
mandou-o voltar para tentar novamente e o navegador venceu o temor para não
desagradar ao seu bondoso patrono. Mas com D. João II o trato era diferente
porque ele era o tipo de homem que não admitia que aqueles em quem confiara
falhassem. Assim, os comandantes preferiam enfrentar os dragões do mar (mesmo que rodopiassem e rugissem três vezes) à fúria do seu senhor e, por isso, o poema encerra
também uma ironia: a natureza da “vontade” que ata o homem do leme à rota é que
o temor do seu rei é maior do que o terror do mar ignoto!
Prece
A quase totalidade dos poemetos de Mensagem trata, até este ponto, da
glorificação do esforço da Raça que cumpriu o destino que a levou a iniciar a
grande Idade da Exploração Marítima e atingiu o apogeu no século XVI. O poemeto
anterior a este faz a ponte entre o eclipse de Portugal, com o desaparecimento
do rei D. Sebastião, e o tempo em que Pessoa escreve. O presente poemeto
conclui este ciclo de Mensagem
fechando-o com uma invocação do poeta à intervenção divina.
“Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi...etc.”: passou o tempo da nossa grandeza; tantos obstáculos vencemos
que hoje perdemos a valia. “A mão do vento pode erguê-la ainda” – tal como o
fogo quase extinto pode ser reavivado por um sopro, a Alma Portuguesa pode
ainda levantar-se. “E outra vez conquistemos a Distância, do mar ou
outra, mas que seja nossa!” (uma bela frase) – sejamos de novo grandes entre as
Nações!
Note-se a articulação entre o discurso
eufórico e as notas de pessimismo, crítica e desânimo, visíveis de forma quase
arrasadora no último poemeto.
A “possessio maris” (a encimar a II Parte de Mensagem), que dantes
os portugueses conseguiram na materialidade, deverá ser agora uma realidade
mais eficaz, porque espiritual, parusíaca.
III Parte (13 poemetos): O Encoberto – PAX IN EXCELSIS
Os Símbolos (5) – Segundo: O Quinto Império
“Triste de quem...” – a mesma noção já
encontrada em “O das Quinas” de que ser feliz é uma infelicidade, porque se
vive maquinalmente e não para o sonho ou para os cometimentos.
“A lição da raiz – ter por vida a
sepultura” – na própria essência material do homem está, desde a sua origem, a
inevitabilidade da morte.
“Passados os quatro tempos do ser que
sonhou” – é referência ao rei assírio Nabucodonosor que, segundo a Bíblia,
sonhou com uma estátua de “quatro” metais que o profeta Daniel interpretou como
a premonição de “quatro” grandes impérios sucessivos, dos quais o seu era
cronologicamente o primeiro.
“Que no atro da erma noite começou” –
que começou nas trevas da noite deserta.
“Grécia, Roma, Cristandade, Europa” – os
quatro impérios que Pessoa pensava ajustarem-se ao sonho do rei assírio – “Vão
para onde vai toda a idade”, isto é: envelhecem e morrem; desaparecem.
“Quem vem viver a verdade?”. O Quinto
Império sonhado por pessoa é uma abstração de Luz (ou Verdade, ou Cultura – todos os termos são, nesta aceção, equivalentes). A frase deve ser lida “Quem vem viver
o Quinto Império?”. “Quem vem viver a verdade que morreu Dom Sebastião?”. Completa,
a frase torna-se uma interrogação meramente retórica, a menos que se tome “que”
na acepção de “porque” ou “para a qual”. Nesse caso, a frase torna-se “Quem
viver a verdade (do Quinto Império) para a qual D. Sebastião morreu”.
Os avisos (3) – Terceiro: (sem nome)
Neste Terceiro Aviso, único poemeto de Mensagem que não tem nome, Pessoa fala
como sucessor do Bandarra e do Padre António Vieira: também ele anuncia a boa
nova, o advento do Rei que conduzirá Portugal ao Quinto Império. Anuncia-o, não
como profeta ungido (que só o Bandarra teria sido, já que Vieira
derivou as suas conclusões das trovas do antecessor e das Sagradas Escrituras), mas como Homem de Razão que sabe e
que espera (e desespera, como acentua). A ter nome, o poema chamar-se-ia
“Fernando Pessoa” e, por isso, o não tem!
“Senhor” é O Encoberto, também chamado “Rei”… “Dias vácuos” – dias monótonos,
vazios.
“O Cristo de a quem morreu o falso Deus”
é o meu Cristo. Pessoa não cria no Deus da Igreja Católica, nem na divindade do
seu Cristo que com Ele se confunde (o “falso Deus”).
“A Nova Terra e os Novos Céus” é o
Quinto Império (referência à expressão usada na 2.ª
Epístola de S. Pedro para designar o Terceiro Mundo). “Sonho das eras português” é o sonho
secular dos portugueses. “Tornar-me mais que o sopro incerto de um grande
anseio que Deus fez”.
Quando Pessoa se refere a Deus,
refere-se ao Criador (em que acreditava) e Arquiteto do Destino. Aqui, ele
diz-nos que, com o advento do Encoberto (o novo D. Sebastião, o
espiritual, o não morto), que esperava para os seus dias, ele tornar-se-ia mais do que a voz quase
inaudível que exprimia um sonho nacional, o desígnio, a missão.
Os tempos (5) – Quinto: Nevoeiro
Neste poemeto, o último de Mensagem, Pessoa transmite uma imagem
desencantada da realidade do Portugal dos seus dias... mas para concluir que
essa situação é, afinal, o nevoeiro de que falam as profecias e que marcará o
regresso de D. Sebastião: “Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da
terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
O poemeto aponta claramente para um bem
atual clima de degradação da pátria, de melancolia e tristeza, enfatizado pelo
recurso a palavras e expressões que revelam negatividade (“Nem rei nem lei”;
“Brilho sem luz”, etc.), em suma, um ambiente de crise a vários níveis:
político (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra”); moral (“Ninguém
sabe que coisa quer, /(...) nem o que é mal, nem o que é bem”); de
identidade (“ninguém conhece que alma tem”). A situação de Portugal era,
portanto, como hoje, de incerteza e indefinição. Ontem, tal como hoje: “Ó
Portugal, hoje és nevoeiro...”.
Veja-se o verso parentético: (Que ânsia distante perto chora?). Fica subjacente importância
contraditória da ânsia – distante e perto – mas necessária: chora, clama,
deseja, revolta-se.
Assim sendo, as circunstâncias exigem um
golpe de asa, um esforço conjunto de resgate da situação disfórica que se vive.
É preciso dar a volta a isto e já! “É a
Hora!”.
***
“Fogo-fátuo” – chama azulada, em geral
breve, resultante da combustão espontânea da mistura de metano e ar em
determinadas proporções. O metano (gás dos pântanos) é naturalmente produzido pela
decomposição da matéria orgânica, vegetal ou animal. A combustão produz calor,
mas como é muito breve a chama pode parecer fria.
A conclusão de que o nevoeiro que se
esperava não é, afinal, literal (físico), mas antes simbólico (social e político) permite-lhe acabar o Poema com uma “volta” final ao gritar: “É a Hora!” – frase de decisão,
determinação, apelo e esperança.
É de notar que o que urge fazer é a paz não
só na Terra, mas também nas alturas (Pax in Excelsis da epígrafe desta III Parte), que ultrapassa a dimensão do cântico
angélico: Gloria in excelsis Deo et
in terra pax hominibus. Glória a
Deus, paz aos homens. A partir de agora, os homens estão guindados aos céus.
Por isso, a paz lá terá lugar também!
Valete, Fratres!
Saliente-se o remate em latim: “valete”
– adeus (mas, passai bem, tende saúde); “fratres” – irmãos (cá estamos empenhados no mesmo projeto, embarcados no mesmo barco). A regeneração da pátria e a
perspectivação do novo Império é tarefa colectiva de todos os predestinados.
2015.08.22 – Louro de Carvalho
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