O segundo concílio do
Vaticano, usualmente referido como o Concílio Vaticano II, constitui um ponto
de viragem na perspetivação da Igreja Católica e um marco de referência para o
mundo inteiro, quer pela relevância cada vez mais reconhecida à Igreja como consciência
crítica de um mundo em mudança, quer pela força da palavra, quer ainda pela
ação em prol das pessoas e dos povos, mormente junto daqueles que não têm vez e
voz.
É certo que, por
vezes, alguns setores eclesiásticos têm-se sentido mais confortáveis numa
relação de promiscuidade com os poderes políticos, nem que seja para garantia
da liberdade de expressão, do culto e da ação. Não, é porém, essa a posição e a
orientação da Igreja pós-conciliar, embora nem tudo na Igreja, como noutras
realidades, as coisas não sejam a “preto e branco”. E, sobretudo, não pode com
base neste argumento, toldar-se toda a ação benfazeja das pessoas e grupos
eclesiais no acompanhamento dos homens em crise ou nas chamadas terras de
missão e países subdesenvolvidos.
Integra o ser da
Igreja fazer comunhão, construir comunidade, estabelecer comunicação; e a sua
missão consiste no anúncio da Pessoa e Ação de Jesus Cristo – que passou pelo
mundo a fazer o bem – criando as condições para que a sua mensagem seja
acolhida ou recebida, mesmo que o seja com hostilidade ou indiferença. Por isso,
ela tem por timbre a promoção das condições de vida para que todo o ser humano e
o seu ambiente se desenvolvam. E uma das vertentes da promoção das condições de
vida é a educação, tanto como a saúde, que a Igreja tem como seu direito e sua obrigação
e a que tenta imprimir a sua marca, a da inspiração evangélica, embora com os
contributos de outras escolas filosóficas, científicas, pedagógicas e
artísticas.
Não obstante,
sobretudo depois do momento conciliar, ela reconhece os esforços envidados por
outras entidades, reconhece o papel do Estado em matéria educativa, que não
pode despregar-se do papel da família, e quer ter uma palavra a dizer sobre a
educação servida pelos outros.
***
A reflexão plasmada no
texto ora em desenvolvimento tem em vista a educação em geral e não propriamente
a educação específica que a Igreja ministra ou patrocina (universidades pontifícias, universidades católicas, seminários, institutos,
academias, ateneus, colégios, etc.).
Convém sublinhar que a
doutrina conciliar não seria possível de formular se não tivesse surgido um
Papa João XXIII, que pretendia trazer uma lufada de ar fresco a uma Igreja demasiado
instalada nas categorias mentais da Tradição (nem sempre entendida
no sua correta aceção, mas confundida com tradições, algumas delas bem recentes), ou um Papa Paulo VI, que, face à
fragilidade da sua pessoa, preferiu confiar no Espírito que renova todas as
coisas e promover alguma aprendizagem com o mundo dos homens. É certo que
alguns dos bispos participantes na aula conciliar, em sintonia com a autoridade
científica de uma plêiade de insignes teólogos, conseguiram a elaboração de 16
documentos que ficam para a História da Igreja como pontos importantes de
formulação da fé em termos de aggiornamiento
e de caminhos de conceção e ação pastorais.
Também o Concílio foi precedido
de uns movimentos de longa maturação e largo alcance, que influenciaram convenientemente
os documentos conciliares. Estão nesta linha, além de outros, o movimento bíblico,
o movimento litúrgico, o movimento ecuménico, os institutos seculares e a ação
católica.
No atinente à educação
e na aceção ora selecionada, há que salientar a Declaração sobre a Educação
Cristã, em latim, Gravissimum Educationis
(GE); a Constituição
Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, em latim, Gaudium et Spes (GS); e o Decreto sobre a
Formação Sacerdotal, em latim, Optatam Totius
(OT).
***
Sobre a relevância da educação e da capacitação pessoal, profissional e
social
É cada vez maior a
importância da educação na vida do homem e a sua influência no progresso
social. Com efeito, a tarefa educativa das crianças, dos adolescentes e dos
jovens como a formação continuada dos adultos (a educação permanente ou a educação
ao longo da vida) torna-se uma ação não só menos fácil como mais urgente e delicada. As
pessoas, conscientes da dignidade que lhes é inerente, em conjugação com a
ideia progressivamente mais apurada do dever, anseiam por tomar parte na vida
da comunidade, mormente nas suas componentes económica, social e política.
Também os avanços do progresso técnico e da investigação científica, bem como
os novos meios de comunicação social, dão aos homens a oportunidade de, gozando
de mais tempo livre, conseguirem mais fácil incorporação da cultura intelectual
e moral e de mutuamente se aperfeiçoarem, mercê dos vínculos de união mais
estreitos quer no grupo quer mesmo com os povos. (cf GE, proémio).
O epifenómeno da educação e ensino
Por isso, em toda a
parte se fazem esforços para promover cada vez mais a educação e o ensino;
declaram-se e registam-se em documentos públicos os direitos fundamentais dos
homens e, em particular, dos filhos e dos pais, relativos à educação; com o
aumento crescente do número de alunos e das exigências da qualidade de vida,
multiplicam-se as escolas e fundam-se outros centros de educação e de
instrução; cultivam-se, com novas experiências, os métodos e técnicas de
educação e de instrução; tomam-se grandes iniciativas para que tais métodos e
técnicas estejam ao alcance de todos os homens, embora muitas crianças e jovens
ainda não possuam a formação mais elementar e tantos careçam de educação
adequada, na qual se cultivem simultaneamente a verdade, a filantropia e mesmo
a caridade (Cf GE, proémio).
A educação como direito universal em consonância com o fim do homem
Todos os homens, de
qualquer estirpe, condição e idade, têm, em razão da dignidade de pessoa humana
que os exorna, o direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio
fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo
tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a
verdadeira unidade e paz na terra. Porém, “a verdadeira educação pretende a
formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem
das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades tomará
parte, uma vez chegado à idade adulta”.
Como é que, se não for
com base na educação, se pode formar o homem, construir comunidade e
estabelecer o perfil do cidadão da cidade dos homens e, consequentemente, da
cidade de Deus?
Balizamento da ação educativa
Assim, torna-se
necessário que, tendo em conta os progressos da Psicologia, da Pedagogia e da Didática,
as crianças e os adolescentes sejam ajudados em ordem ao desenvolvimento
harmónico das qualidades físicas, morais e intelectuais, e à aquisição gradual
dum sentido mais perfeito da responsabilidade na própria vida, retamente
cultivada com esforço contínuo e levada por diante na verdadeira liberdade,
vencendo os obstáculos com magnanimidade e constância. Devem outrossim ser
formados numa educação sexual positiva e prudente, à medida que vão crescendo (cf GE, 1).
Elementos constitutivos da educação e formação bem ordenadas
Por meio de uma
formação bem ordenada, os estudantes devem: sentir em si cultivada a devida
maturidade humana, comprovada principalmente por uma certa estabilidade de
ânimo, pela capacidade de tomar decisões ponderadas e por um juízo reto e
equânime sobre os homens e os acontecimentos; dominar o próprio temperamento,
para se formarem na fortaleza de espírito e aprenderem a estimar aquelas
qualidades que são tidas em maior conta pelos homens, como a preocupação
constante com a justiça, a fidelidade às promessas, a urbanidade no trato e o
comedimento no falar e no agir; e criar em si a estrutura da autodisciplina,
crescente conforme as idades, de modo a que, no quadro da crescente autonomia,
aprendam a dirigir-se gradualmente a si mesmos, se habituem a usar sabiamente
da liberdade, a tomar iniciativas e assumir responsabilidades e a colaborar com
os companheiros e com os outros intervenientes na vida da escola ou da
sociedade (cf OT, 11).
Devem os alunos preparar-se
de tal modo para uma ativa participação na vida social, que, munidos dos
necessários e oportunos meios, sejam capazes de inserir-se ativamente nos
diversos agrupamentos da comunidade humana, se abram ao diálogo com os outros e
se esforcem de boa vontade por cooperar diligentemente no bem comum (cf GE, 1). É, pois, imperioso atender-se cuidadosamente à educação cívica e
política, hoje tão necessária à população e sobretudo aos jovens, para que
todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política (cf GS, 75).
***
É a educação vista nos
seus fundamentos, nas suas finalidades e objetivos, nos seus elementos constitutivos
primordiais; é a democratização da educação e o estilo dialogal como sua marca;
é a afirmação da sua utilidade social e política.
Enfim, sem a educação,
como se pode ser cidadão de corpo inteiro ou plasmar-se o perfil do homem de Deus?
2015.08.26 – Louro de Carvalho
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