O
caderno do “Emprego” do Expresso, de
1 de agosto, publicou um texto de Cátia Mateus subordinado ao título “E se for
você a entrevistar o chefe?” e um caixilho com “5 perguntas que vai querer
fazer”, referindo-se obviamente à entrevista de recrutamento e seleção para a
provisão num posto de trabalho.
Citando
Don Goodman, assegura que, sendo a entrevista “o momento decisivo em que o
empregador avalia o candidato”, será “também a oportunidade que o candidato tem
de avaliar o seu futuro chefe e o seu modelo de liderança”, podendo constituir
suficiente informação que leve o candidato ao emprego a não querer trabalhar “sob
a lupa daquele líder”.
O
especialista vai a ponto de sugerir que o candidato faça perguntas, na
entrevista ao seu interlocutor ou fora dela a trabalhadores juniores e
seniores, atinentes, entre outros aspetos, ao ambiente de trabalho, cultura e
clima e da empresa, relações interpessoais, antiguidade e perfil do líder e
estilo de liderança.
Entre
as questões que o candidato é aconselhado a colocar ao seu entrevistador
enquanto líder da organização ou chefe da equipa onde vai trabalhar, ficam
registadas cinco: 1- Como descreve a
cultura corporativa da empresa (para a eficácia do
trabalho, é conveniente de futuro não entrar em choque com a respetiva cultura organizacional); 2- Qual é o seu estilo de gestão (um líder fraco não
motiva nem valoriza o trabalho dos colaboradores; e o líder demasiado
controlador limita o trabalho dos colaboradores e cria um péssimo ambiente); 3- O que procura em quem contrata para a sua equipa (é
importante perceber quais as qualidades que se esperam de quem ocupe a vaga que
está em jogo); 4- O que espera do candidato que preencha esta
vaga (conhecer os objetivos do posto de trabalho e ter a
perceção global da empresa facilita a dinâmica do trabalho e gerará o bem-estar); e 5- Há quanto tempo trabalha na empresa (saber da
antiguidade empresarial do líder, bem como de um colaborador júnior e de um
colaborador sénior, é fulcral para aferir a cultura da empresa e o ambiente de
trabalho).
***
Tudo
isto seria plausível se se verificassem algumas condições, que estão longe de
na prática se concretizarem. Em primeiro lugar, o entrevistador deveria ser um
dos gestores da empresa e/ou o chefe do setor a que pertence a vaga a ocupar.
Em segundo lugar, sendo o entrevistador, como acontece em muitíssimos casos, um
perito de empresa supostamente vocacionada para o recrutamento e seleção de
recursos humanos, deveria este perito ter conhecimento da cultura da empresa
donde provém a vaga de emprego e do perfil e estilo de lideranças, bem como a
competência delegada para responder de forma cordata e eficaz às questões
levantadas pelo candidato. Depois, a empresa não deveria considerar intrusas,
irritantes ou indiscretas as perguntas feitas pelo candidato, devendo mesmo
franquear as portas do conhecimento e do diálogo aos potenciais empregados ou
colaboradores.
Ora,
o que se passa é que estes peritos de recrutamento e seleção de recursos humanos (RH) são contratados para obviar à incapacidade científica da empresa que lança a
oferta pública de emprego, mas também – consciente ou inconscientemente – para
dificultar ao máximo o contacto extemporâneo com a empresa, não suceda que se
crie algum anticorpo por antecipação. Acresce que habitualmente são muitos os
candidatos a um único lugar vago.
Ao
invés, colocar aquelas questões está ao alcance do colaborador independente
que, não precisando de emprego, negoceia as condições ambienciais e económicas
de um contrato de prestação de serviços. Os outros, à partida, não podem pensar,
sem grave risco de inconveniência, nestas hipóteses de questionamento.
***
Entretanto,
há que preparar a candidatura a emprego. Tal preparação passa pela qualificação
escolar e profissional, o que nem sempre se tem em conta no tempo de escola
e/ou de formação profissional. Depois, importa elaborar o currículo pessoal, académico
e profissional, destacando o específico, o que sobressairá no meio dos demais,
e adaptá-lo à especificidade de cada candidatura. Sigo livremente no essencial algumas das indicações
de Universia Portugal.
Porque forma a primeira impressão para o
potencial empregador, o currículo torna-se uma
peça muito importante. Escrever o currículo não é atividade
fácil. Um simples erro pode tirar o candidato do processo de seleção. Por isso, a sua elaboração
deve evitar os seguintes erros:
. Esquecimento
do destaque dos pontos fortes, já que o empregador quer saber como poderá beneficiar da
admissão do titular deste currículo, o que é que o recomenda sobre outrem.
. Prestação de
informações irrelevantes ou incorretas, pois o currículo não é o estendal de
qualidades, muito menos de conteúdos não rigorosos e exatos. Inexatidões e
inutilidades têm de ser evitadas, sob pena de mais tarde se sofrerem
consequências no caso de admissão indesejável.
. Afirmações
subjetivas, visto que o currículo, embora pessoal, não se organiza em função do
autor mas do destinatário.
. Linguagem
rebuscada, dado que o recrutador não quer dispor de dicionário enquanto faz a
sua leitura, pelo que, se o documento for complicado, é possível que o ponha de
lado.
. Inclusão de mentiras,
porque compagina o maior erro que se pode cometer, até porque mais tarde ou
mais cedo elas serão descobertas, o que acarretará sanção por falsas
declarações.
***
Depois, vem a preparação da entrevista,
antecipando possíveis questões. A título de exemplo, enunciam-se dez (e
pistas de resposta),
ressalvando que as palavras podem não ser exatamente as mesmas, como a ordem
por que são formuladas:
Fale sobre si. Pode ser esta uma solicitação que lhe façam, devendo ocupar uns 2 ou 3
minutos sobre aspetos da vida pessoal relacionáveis com este emprego em
concreto, não porém, sobre curiosidades que não interessam ao caso.
Quais são os seus pontos fortes? Pretende-se conhecer a existência das qualificações constantes na
descrição da vaga, bem como outros pontos relevantes para este emprego.
Quais são as suas fraquezas? Devem ser enunciadas fraquezas que não prejudiquem o emprego, como por exemplo, “dizem que sou organizado/a demais”.
Porque quer trabalhar connosco? É óbvio que toda a pessoa e/ou organização aprecia um elogio e não
propriamente o toque salarial ou o desespero pela não consecução de emprego.
Porque deixou o último emprego? Não vale aduzir problemas antigos com a empresa ou serviço anterior, mas
a mudança para um lugar, por exemplo, mais vantajoso ou de melhor imagem.
Conte o que sabe sobre esta empresa. Isto implica que o candidato deve colher previamente informações da
empresa a que se candidata, deixando má impressão a sua total ignorância.
De que é que se orgulha mais? Há que relacionar
a resposta com o trabalho a que se candidata, por exemplo, algo que desenvolveu
no passado e que pode ser útil a esta empresa.
Fale de um obstáculo que teve e de como conseguiu
superá-lo. Saber resolver problemas é uma
qualidade importante em qualquer emprego, pelo que é conveniente pensar em algo
que mostre que sabe lidar com a pressão e comunicar bem com os colegas.
O que espera estar a fazer daqui a 5 anos? Não será contratado/a se planeia ficar na empresa apenas por um ano para depois a
trocar por concorrente que pague melhor. Diga que se vê a trabalhar arduamente
nela e que está ansioso/a com a perspetiva de futuro ali.
Quais são as suas expectativas de salário? Descubra
previamente quanto é que alguém da sua área e com a sua idade ganha no setor a que
se candidata. Depois, alvitre um teto salarial, a partir do qual possa
negociar, relevando que este ensejo significa muito mais que o dinheiro.
E, sobretudo, não se cometa nenhum dos seguintes erros:
. Medo de
dizer não. Por exemplo, se de momento se tem dificuldade em mudar de
residência, não há por que dizer que “sim”. A honestidade e a justificação
razoável do “não” acima de tudo.
. Hipervalorizar-se
sobre os demais. O que importa é mostrar a marca pessoal e os valores
diferenciadores. Em vez de desfiar o rosário de virtudes e negar defeitos, o
recomendável é identificar as áreas de especialidade e falar delas, não
iludindo o entrevistador, ou criando-lhe expectativas desproporcionadas.
. Ser arrogante. O
normal é que a empresa tenha processos longos de seleção, pelo que não será apenas
na primeira entrevista que o candidato falará com o chefe ou diretor de
Recursos Humanos. Ser arrogante com esta pessoa trará prejuízo para o candidato.
. Obsessão pelo salário.
Há muitos/as que, na primeira entrevista, tentam falar exclusivamente de
salário. Isso faz com que sejam mal vistos/as pelos recrutadores. Embora se trate
de algo vital, a ser abordado, não se pode reduzir a entrevista a uma conversa
de caráter transacional.
. Tratamento do recrutador por igual ou inferior. O recrutador não é amigo do recrutando. Por isso, mesmo
que se vá a uma entrevista em que o cargo oferecido é mais alto, não se pode
cometer a insensatez de tratar o recrutador como amigo, como inferior ou como psicólogo.
***
Finalmente, recordam-se algumas das limitações que enformam
as entrevistas de emprego, que nem entrevistados nem entrevistadores têm sempre
na devida conta:
. Há coisas que não são mensuráveis ou avaliáveis por entrevista.
Assim, habilidades técnicas e inteligência são medidas de forma mais eficaz
através de provas ou testes.
. Não resulta totalmente partir do passado para prever o
futuro. Com efeito, a entrevista trata do que foi feito no passado. Porém, o
que e como foi feito não antecipa nem antevê o futuro.
. Quanto a perguntas e competências, nem
sempre as questões e os cenários são criados de forma independente, não havendo
nada que garanta que a entrevista ponha à prova todas as caraterísticas – boas
ou más – do candidato à vaga.
. No atinente à inconsistência
das questões, porque não há um “script” de questões para os entrevistadores, estas não são as
mesmas para cada candidato, ficando difícil de compará-los.
. Como, normalmente, as questões nas entrevistas não são separadas
por importância, as perguntas cruciais acabam por ter o mesmo peso que as menos
pertinentes.
. Não há usualmente uma pontuação
direta, pelo que os recrutadores, baseando-se na entrevista, não fazem uma folha
onde apontem uma pontuação e comparem os candidatos.
. Porque os recrutadores normalmente baseiam
as entrevistas no momento, não param para pensar o que seria uma resposta má,
regular e boa a cada questão. Por consequência, diferentes candidatos podem dar
as mesmas respostas e serem avaliados de modo diferente.
. O fundamento da entrevista é baseado
na premissa de que os candidatos serão verdadeiros durante a conversa, o que é
improvável, porque podem estar nervosos antes, durante e depois da avaliação.
Por isso, os recrutadores basearão as escolhas nos erros e não nos aspetos
positivos.
. Normalmente, os entrevistadores veem na resposta o que querem
ouvir. Isso facilita: é só dizer o que eles querem ouvir (às vezes, os entrevistados omitem
informações e mentem).
. Diversos fatores subjetivos influenciam as decisões do
recrutador. Estão no caso: a linguagem corporal, o sotaque, a altura, a forma
de cumprimentar, a roupa e alguns outros estereótipos, como fatores
demográficos (raça,
sexo, idade, nacionalidade).
. A subjetividade da própria entrevista é também um fator
marcante. A pessoa que tenha passado por várias entrevistas estará mais à
vontade, bem como a que que tenha procurado dicas de emprego na Internet. Ora,
isso não significa que a pessoa esteja mais preparada para o cargo; apenas o estará
para a entrevista.
. As questões específicas que os recrutadores colocam podem tornar-se
genéricas e fáceis de responder graças à Internet.
. O recurso a entrevistas comportamentais é ineficaz.
Muitas baseiam-se em situações passadas. Ora, isso não significa que as coisas
aconteceram exatamente da forma como o entrevistado as descreveu. É claro que
ele, na sua descrição, tentará beneficiar-se. Geralmente, estas avaliações
orais devem avaliar as qualidades do candidato e o que ele tem para contar, o
que ele fez de diferente. Não se focam em como resolveu determinado problema.
. O entrevistador, em geral, foca o passado e esquece-se de que
o candidato trabalhará no presente/futuro. Será importante que o recrutador
tenha visão do futuro e o projete, por exemplo, com uma questão do género: que irá fazer para que a empresa cresça
ainda mais?
. É difícil conjugar
presente e
futuro. Obviamente, a empresa contrata pelo que o candidato é, mas esquece-se
de avaliar se ele será capaz de crescer e dar conta das atividades quando o
presente virar a futuro.
. Também é
preciso ter em conta que o entrevistado é diferente do entrevistador. Fatores como a
idade, sexo e experiência influenciam na empatia mútua. É má a tendência que
leva os entrevistadores a agir como psicólogos diante do candidato e a fazer
juízos erróneos.
. Também alguns entrevistadores se deixam
condicionar por preconceitos/estereótipos e tomam decisões não profissionais.
. Os entrevistadores, em geral, não são
treinados, porque é convicção de que tal não é necessário. Além disso, os profissionais
de RH geralmente não têm uma formação específica.
. Muitos profissionais de RH criam fatores subjetivos para
dispensar um candidato, o que tira a oportunidade a profissionais qualificados.
. Depois de muitas entrevistas, os recrutadores ficam cansados,
ficando diminuídos os seus poderes de julgamento.
. Quanto menos estruturada for a entrevista, menos
credibilidade terá. O facto de ela ser feita da mesma forma em quase todos os
países prejudica a escolha, já que as culturas locais variam.
. Também o volume e ritmo de entrevistas podem condicionar a
escolha. O recrutador que tenha realizado 5 entrevistas avaliará de modo diferente
do que outro que tenha feito intervalos.
. O período de tempo dedicado ao candidato também pode ser um
indicador da eficácia da decisão. O mundo empresarial não gosta de que o
recrutador tenha conversa muito longa com o candidato. Assim, o entrevistador
tem de tomar decisões baseadas nas primeiras impressões.
. A ordem de entrevistas também influencia. Assim, o primeiro na fila de
entrevistas tem menor hipótese de ser contratado que o último.
. O próprio lugar pode influir positiva ou negativamente na
performance do candidato. Assim, entrevistas de almoço ou por skype produzem
resultados diferentes.
***
Por tudo isto se vê quão aflitiva é a situação de quem
procura um emprego, a complexidade que envolve o trabalho dos recrutadores e
selecionadores de RH, a precariedade das escolhas e das soluções, sobretudo quando
a crises apertam! E era necessária maior dedicação e aplicação na tarefa de
recrutamento e seleção.
2015.08.03
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário