segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Participação nos debates pré-eleitorais

A Comunicação Social tem dado especial relevo à questão se o Dr. Paulo Portas, líder do CDS, tem ou não tem razão em pretender integrar o painel de debates que a lei prevê para o tempo da pré-campanha eleitoral em que o país imergiu após a publicação do decreto presidencial que marcou as eleições para o próximo dia 4 de outubro. A esta pretensão se juntou, por idêntica via reclamativa, a deputada Heloísa Apolónia, pelo PEV.
Ambos argumentam com o princípio da Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e com o facto de os partidos que representam terem, ao tempo da marcação das eleições, representação no órgão a que dizem respeito as próximas eleições, neste caso, a Assembleia da República.
Numa das últimas edições do programa televisivo “Eixo do Mal”, da SIC Notícias, Daniel Oliveira, argumentando com a lógica das coisas, opinava que não, dado que o CDS, para este ato eleitoral, integra uma coligação (PAF – Portugal à Frente), cabendo a sua representação ao Dr. Passos Coelho. E adiantava que, se, por exemplo, a deputada Heloísa Apolónia evidenciasse pretensão semelhante, a situação seria por ele apreciada nos mesmos termos. Mais: o comentador julgava este raciocínio tão linear que se admirava pelo facto de as estações televisivas se darem ao desplante de alimentar a polémica.
O certo é que a deputada Heloísa Apolónia, pelo PEV, também manifestou a sua pretensão de intervir nos debates televisivos, mesmo esbarrando com o argumento de que desde há muitos anos o seu PEV não se tem apresentado ao sufrágio, mas integrando uma coligação, a CDU.
Ontem, dia 9 de agosto, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, questionado sobre a matéria no seu programa da TVI com Judite de Sousa, dizia que Paulo Portas tinha razão, uma vez que a lei, embora aprovada somente com os votos da maioria parlamentar, garante a todas as candidaturas a “representatividade política e social”. Por outro lado, o critério de aferição da “representatividade política e social” estabelecido na lei é a verificação de a candidatura em causa “ter obtido representação nas últimas eleições, relativas ao órgão a que se candidata”. Mais alvitrava a hipótese de, no caso de as televisões não lhe darem lugar no debate, por falta de entendimento dos partidos, poderiam oferecer-lhe a oportunidade de uma entrevista de compensação, embora o professor-comentador confessasse que não sabia como é que isso se tornaria possível na prática.
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Obviamente que não me cabe pronunciar pessoalmente sobre a bondade da lei em vigor nem pretendo contestar a competência académica do professor-comentador. Todavia, parece-me que o eminente professor de Direito terá lido apressadamente o texto legislativo em vigor. Depois, quando uma excelsa figura da mesma área partidária clamava que a lei até há pouco em vigor era a mais obsoleta do nosso quadro jurídico, comparável à lei da reforma agrária, revogada há tantos anos, talvez o professor devesse ter lido o diploma com mais um pouco de tempo.
Ora, o artigo 6.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, que revogou o Decreto-lei n.º 85-D/75, de 26 de fevereiro, estabelece, quanto à “igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas”:
“Durante o período de campanha eleitoral, os órgãos de comunicação social devem observar equilíbrio, representatividade e equidade no tratamento das notícias, reportagens de factos ou acontecimentos de valor informativo relativos às diversas candidaturas, tendo em conta a sua relevância editorial e de acordo com as possibilidades efetivas de cobertura de cada órgão”.
Se outra disposição não houvesse, teríamos de concluir que muitas mais candidaturas estariam com razão de queixa quanto aos debates, pois a maior parte fica de fora da obrigação que impende sobre os órgãos de comunicação social em relação ao agendamento dos debates.
Porém, concorde-se ou não com o teor da lei, o seu acatamento é obrigatório. Por outro lado, o legislador pretendeu estabelecer normas de cobertura jornalística para o período eleitoral (vd art.º 1.º/1). Não obstante, no período eleitoral, distingue dois outros períodos: o período de pré-campanha eleitoral e o período de campanha eleitoral propriamente dito (vd art.º 3.º/1).  
O mencionado artigo 6.º (igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas) reporta-se apenas ao período estrito da campanha: o que se encontra fixado na lei eleitoral e na lei do referendo (vd art.º 3.º/3).
Para os debates entre candidaturas (e só para os debates), o artigo 7.º estabelece:
1 – No período eleitoral os debates entre candidaturas promovidos pelos órgãos de comunicação social obedecem ao princípio da liberdade editorial e de autonomia de programação, devendo ter em conta a representatividade política e social das candidaturas concorrentes.
2 – A representatividade política e social das candidaturas é aferida tendo em conta a candidatura ter obtido representação nas últimas eleições, relativas ao órgão a que se candidata.
3 – O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de os órgãos de comunicação social incluírem, no exercício da sua liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover.
É verdade que tanto o PEV como o CDS têm, por força dos resultados do último ato eleitoral, assento parlamentar no momento em que se marcam as eleições legislativas. Embora persista a diferença ente a situação do PEV (que se apresentou ao eleitorado já coligado, integrando a CDU) e a do CDS (que se apresentou ao eleitorado em candidatura autónoma; a coligação surgiu depois das eleições), a lei não tem em conta distinções como esta. Sendo assim, não se deve distinguir o que o legislador não quis distinguir, pelo que, se um pretendente tiver razão, o outro também a terá. E o enunciado contrário também será verdadeiro.
Porém, no artigo 7.º acima transcrito, utiliza-se o termo “candidatura” e não “líder”, “representante”, “partido” ou “coligação”. Sendo assim, há que ter em conta o que dispõe a lei eleitoral para a Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de maio, na sua atual redação). É o que se pode ver no n.º 1 do artigo 21.º, que estabelece que “as candidaturas são apresentadas pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, desde que registados até ao início do prazo de apresentação de candidaturas e as listas podem integrar cidadãos não inscritos nos respetivos partidos”. (Sublinhei).
Segundo o que se encontra determinado pelo legislador, os partidos apresentam candidaturas isoladamente ou em coligação, devendo notar-se que a conjunção “ou” tem um sentido disjuntivo ou alternativo e não um sentido copulativo ou aditivo. Por outro lado, as coligações de partidos, para efeitos de apresentação de candidatura, devem observar procedimentos análogos ao dos partidos, como preceitua o n.º 1 do artigo 22.º:   
As coligações de partidos para fins eleitorais devem ser anotadas pelo Tribunal Constitucional, e comunicadas até à apresentação efetiva das candidaturas em documento assinado conjuntamente pelos órgão competentes dos respetivos partidos a esse Tribunal, com indicação das suas denominações, siglas e símbolos, bem como anunciadas dentro do mesmo prazo em dois dos jornais diários mais lidos.
Por outro lado, de acordo com o n.º 3 do artigo 11.º da Lei dos Partidos políticos (Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio), “uma coligação não constitui entidade distinta da dos partidos políticos que a integram”.
Assim, não parece possível coexistir para o mesmo ato eleitoral, em simultâneo, candidatura da CDU e do PEV ou da PAF e do CDS. Se, por absurdo, se pensasse que a palavra “candidatura” se devesse entender no sentido unipessoal ou uninominal, como o corpo da Lei n.º 14/79, de 16 de maio, deixa entender no atinente a rejeição de candidaturas pelo tribunal de comarca respetivo e a substituição das mesmas pelo mandatário (vd art.os 28.º e 29.º), então todos os 230 deputados teriam direito a participar nos debates organizados.  
Nestes termos, nem Paulo Portas nem Heloísa Apolónia têm legitimidade para reivindicar a sua participação nos debates organizados ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, o que poderia ser contornado se Passos Coelho e Jerónimo de Sousa delegassem os lugares nos debates. De resto, uma estrutura colegial não deve ter presidência bicéfala (Não parece que coordenação bicéfala do BE tivesse resultado. E, para a sua coordenação hexaédrica pudesse resultar, o BE procedeu á designação de um porta-voz).
A título de curiosidade, quero referir que participei em tempos num determinado órgão colegial. Quando se colocou o tema da eleição do presidente do órgão, queriam a todo o custo que a presidência do órgão e das sessões fosse confiada a duas senhoras. Objetei que não. E, perante a renitência, perguntei quem teria o voto de qualidade em caso de empate. Responderam candidamente: As duas! Fiquei esclarecido da teimosia, pelo que, sendo assim, o empate poderia persistir… votei contra, no que fui seguido pela maioria.
Não obstante, como a lei da cobertura jornalística do período eleitoral, ora em vigor, releva, acima de tudo, como princípios orientadores a “liberdade editorial” e a “autonomia de programação nos termos gerais” (vd art.º 4.º) – constituindo-se numa espécie de exceção o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, as duas personalidades indicadas, como outras, a juízo dos órgãos de comunicação social em concreto, podem ser convidadas para entrevistas e debates, desde que tal se justifique em termos jornalísticos. Isto, porque o n.º 3 do art.º 7.º estabelece que “o disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de os órgãos de comunicação social incluírem, no exercício da sua liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover.
Ou seja, direito a integrar os debates não o têm, mas podem ser convidados para eles, ou para entrevistas, pelos órgãos de comunicação social, se o merecerem, isto é, se se portarem bem.
Se querem diferente, esperem pela revisão da lei que é obrigatória daqui a um ano (vd art.º 13.º)!
E esta, hein?!
2015.08.10 – Louro de Carvalho

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