A
Comunicação Social tem dado especial relevo à questão se o Dr. Paulo Portas,
líder do CDS, tem ou não tem razão em pretender integrar o painel de debates
que a lei prevê para o tempo da pré-campanha eleitoral em que o país imergiu
após a publicação do decreto presidencial que marcou as eleições para o próximo
dia 4 de outubro. A esta pretensão se juntou, por idêntica via reclamativa, a
deputada Heloísa Apolónia, pelo PEV.
Ambos
argumentam com o princípio da Igualdade
de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e com o facto de
os partidos que representam terem, ao tempo da marcação das eleições, representação
no órgão a que dizem respeito as próximas eleições, neste caso, a Assembleia da
República.
Numa
das últimas edições do programa televisivo “Eixo do Mal”, da SIC Notícias,
Daniel Oliveira, argumentando com a lógica das coisas, opinava que não, dado
que o CDS, para este ato eleitoral, integra uma coligação (PAF
– Portugal à Frente),
cabendo a sua representação ao Dr. Passos Coelho. E adiantava que, se, por exemplo,
a deputada Heloísa Apolónia evidenciasse pretensão semelhante, a situação seria
por ele apreciada nos mesmos termos. Mais: o comentador julgava este raciocínio
tão linear que se admirava pelo facto de as estações televisivas se darem ao desplante
de alimentar a polémica.
O
certo é que a deputada Heloísa Apolónia, pelo PEV, também manifestou a sua
pretensão de intervir nos debates televisivos, mesmo esbarrando com o argumento
de que desde há muitos anos o seu PEV não se tem apresentado ao sufrágio, mas
integrando uma coligação, a CDU.
Ontem,
dia 9 de agosto, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, questionado sobre a
matéria no seu programa da TVI com Judite de Sousa, dizia que Paulo Portas
tinha razão, uma vez que a lei, embora aprovada somente com os votos da maioria
parlamentar, garante a todas as candidaturas a “representatividade política e
social”. Por outro lado, o critério de aferição da “representatividade política
e social” estabelecido na lei é a verificação de a candidatura em causa “ter
obtido representação nas últimas eleições, relativas ao órgão a que se
candidata”. Mais alvitrava a hipótese de, no caso de as televisões não lhe
darem lugar no debate, por falta de entendimento dos partidos, poderiam
oferecer-lhe a oportunidade de uma entrevista de compensação, embora o
professor-comentador confessasse que não sabia como é que isso se tornaria
possível na prática.
***
Obviamente
que não me cabe pronunciar pessoalmente sobre a bondade da lei em vigor nem
pretendo contestar a competência académica do professor-comentador. Todavia,
parece-me que o eminente professor de Direito terá lido apressadamente o texto
legislativo em vigor. Depois, quando uma excelsa figura da mesma área
partidária clamava que a lei até há pouco em vigor era a mais obsoleta do nosso
quadro jurídico, comparável à lei da reforma agrária, revogada há tantos anos, talvez
o professor devesse ter lido o diploma com mais um pouco de tempo.
Ora,
o artigo 6.º da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, que revogou o Decreto-lei
n.º 85-D/75, de 26 de fevereiro, estabelece, quanto à “igualdade de
oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas”:
“Durante
o período de campanha eleitoral, os órgãos de comunicação social devem observar
equilíbrio, representatividade e equidade no tratamento das notícias,
reportagens de factos ou acontecimentos de valor informativo relativos às
diversas candidaturas, tendo em conta a sua relevância editorial e de acordo
com as possibilidades efetivas de cobertura de cada órgão”.
Se
outra disposição não houvesse, teríamos de concluir que muitas mais
candidaturas estariam com razão de queixa quanto aos debates, pois a maior
parte fica de fora da obrigação que impende sobre os órgãos de comunicação
social em relação ao agendamento dos debates.
Porém,
concorde-se ou não com o teor da lei, o seu acatamento é obrigatório. Por outro
lado, o legislador pretendeu estabelecer normas de cobertura jornalística para
o período eleitoral (vd art.º 1.º/1). Não obstante, no período
eleitoral, distingue dois outros períodos: o período de pré-campanha eleitoral
e o período de campanha eleitoral propriamente dito (vd
art.º 3.º/1).
O
mencionado artigo 6.º (igualdade de oportunidades e de
tratamento das diversas candidaturas)
reporta-se apenas ao período estrito da campanha: o que se encontra fixado na lei eleitoral e na lei do referendo (vd
art.º 3.º/3).
Para
os debates entre candidaturas (e só para os debates), o artigo 7.º estabelece:
1
– No período eleitoral os debates entre candidaturas promovidos pelos órgãos de
comunicação social obedecem ao princípio da liberdade editorial e de autonomia
de programação, devendo ter em conta a representatividade política e social das
candidaturas concorrentes.
2
– A representatividade política e social das candidaturas é aferida tendo em
conta a candidatura ter obtido representação nas últimas eleições, relativas ao
órgão a que se candidata.
3
– O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de os órgãos de
comunicação social incluírem, no exercício da sua liberdade editorial, outras
candidaturas nos debates que venham a promover.
É
verdade que tanto o PEV como o CDS têm, por força dos resultados do último ato
eleitoral, assento parlamentar no momento em que se marcam as eleições
legislativas. Embora persista a diferença ente a situação do PEV (que
se apresentou ao eleitorado já coligado, integrando a CDU) e a do CDS (que
se apresentou ao eleitorado em candidatura autónoma; a coligação surgiu depois das
eleições), a lei não
tem em conta distinções como esta. Sendo assim, não se deve distinguir o que o
legislador não quis distinguir, pelo que, se um pretendente tiver razão, o
outro também a terá. E o enunciado contrário também será verdadeiro.
Porém,
no artigo 7.º acima transcrito, utiliza-se o termo “candidatura” e não “líder”,
“representante”, “partido” ou “coligação”. Sendo assim, há que ter em conta o
que dispõe a lei eleitoral para a Assembleia da República (Lei
n.º 14/79, de 16 de maio, na sua atual redação). É o que se pode ver no n.º 1 do artigo 21.º, que estabelece
que “as candidaturas são apresentadas
pelos partidos políticos,
isoladamente ou em coligação, desde
que registados até ao início do prazo de apresentação de candidaturas e as
listas podem integrar cidadãos não inscritos nos respetivos partidos”. (Sublinhei).
Segundo
o que se encontra determinado pelo legislador, os partidos apresentam candidaturas
isoladamente ou em coligação, devendo notar-se que a conjunção “ou” tem um
sentido disjuntivo ou alternativo e não um sentido copulativo ou aditivo. Por outro
lado, as coligações de partidos, para efeitos de apresentação de candidatura,
devem observar procedimentos análogos ao dos partidos, como preceitua o n.º 1 do
artigo 22.º:
“As coligações de partidos para fins
eleitorais devem ser anotadas pelo Tribunal Constitucional, e comunicadas até à
apresentação efetiva das candidaturas em documento assinado conjuntamente pelos
órgão competentes dos respetivos partidos a esse Tribunal, com indicação das
suas denominações, siglas e símbolos, bem como anunciadas dentro do mesmo prazo
em dois dos jornais diários mais lidos”.
Por
outro lado, de acordo com o n.º 3 do artigo 11.º da Lei dos Partidos políticos (Lei
Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei
Orgânica n.º 2/2008, de 14 de maio),
“uma coligação não constitui entidade
distinta da dos partidos políticos que a integram”.
Assim,
não parece possível coexistir para o mesmo ato eleitoral, em simultâneo, candidatura
da CDU e do PEV ou da PAF e do CDS. Se, por absurdo, se pensasse que a palavra “candidatura”
se devesse entender no sentido unipessoal ou uninominal, como o corpo da Lei
n.º 14/79, de 16 de maio, deixa entender no atinente a rejeição de candidaturas
pelo tribunal de comarca respetivo e a substituição das mesmas pelo mandatário
(vd
art.os 28.º e 29.º),
então todos os 230 deputados teriam direito a participar nos debates
organizados.
Nestes
termos, nem Paulo Portas nem Heloísa Apolónia têm legitimidade para reivindicar
a sua participação nos debates organizados ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º
72-A/2015, de 23 de julho, o que poderia ser contornado se Passos Coelho e Jerónimo
de Sousa delegassem os lugares nos debates. De resto, uma estrutura colegial
não deve ter presidência bicéfala (Não parece que coordenação
bicéfala do BE tivesse resultado. E, para a sua coordenação hexaédrica pudesse
resultar, o BE procedeu á designação de um porta-voz).
A
título de curiosidade, quero referir que participei em tempos num determinado órgão
colegial. Quando se colocou o tema da eleição do presidente do órgão, queriam a
todo o custo que a presidência do órgão e das sessões fosse confiada a duas
senhoras. Objetei que não. E, perante
a renitência, perguntei quem teria o voto de qualidade em caso de empate. Responderam
candidamente: As duas! Fiquei esclarecido
da teimosia, pelo que, sendo assim, o empate poderia persistir… votei contra,
no que fui seguido pela maioria.
Não
obstante, como a lei da cobertura jornalística do período eleitoral, ora em
vigor, releva, acima de tudo, como princípios orientadores a “liberdade
editorial” e a “autonomia de programação nos termos gerais” (vd
art.º 4.º) –
constituindo-se numa espécie de exceção o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas,
as duas personalidades indicadas, como outras, a juízo dos órgãos de
comunicação social em concreto, podem ser convidadas para entrevistas e
debates, desde que tal se justifique em termos jornalísticos. Isto, porque o
n.º 3 do art.º 7.º estabelece que “o
disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de os órgãos de
comunicação social incluírem, no exercício da sua liberdade editorial, outras
candidaturas nos debates que venham a promover”.
Ou
seja, direito a integrar os debates não o têm, mas podem ser convidados para
eles, ou para entrevistas, pelos órgãos de comunicação social, se o merecerem, isto
é, se se portarem bem.
Se
querem diferente, esperem pela revisão da lei que é obrigatória daqui a um ano
(vd
art.º 13.º)!
E
esta, hein?!
2015.08.10 –
Louro de Carvalho
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