De
6 a 9 de agosto, os japoneses viveram os 70 anos da memória do lançamento das
bombas atómicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Fora
o primeiro e único momento na história em que armas
nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis.
Um minuto de silêncio em cada um dos dois dias e a afirmação da esperança
de uma paz assente de vez no desenvolvimento e não nas armas marcam a memória
septuagenária do evento que encaminhou irreversivelmente as hostes para o fim
da II Guerra Mundial (ou 2.ª Grande Guerra).
Uns, os relacionados com a tripulação dos bombardeiros, recordam a
inauguração da era atómica, então direcionada para o aniquilamento das
populações e das cidades (no imediato e a prazo), ao passo que os
sobreviventes retêm na visualização e na carne o espectro da destruição, o belo
horrível. Terrível progresso o que se exprime na destruição massiva!
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Depois de uma campanha de bombardeamentos não
nucleares que destruiu várias cidades japonesas, as forças dos Aliados preparavam-se para invadir o
Japão. A guerra na Europa
terminara quando a Alemanha nazi assinou o acordo de
rendição em 8 de maio de 1945, mas a Guerra
do Pacífico prosseguia. Pela Declaração
de Potsdam, em 26 de julho de
1945, com a ameaça de uma “destruição rápida e total”, os Estados Unidos,
juntamente com o Reino Unido e a China,
exigiram a rendição incondicional das forças armadas japonesas.
Em agosto de
1945, o Projeto Manhattan dos Aliados tinha testado com sucesso
um artefacto atómico e produziu armas com base em dois projetos alternativos. O
509.º Grupo Composto das Forças Aéreas
do Exército dos Estados Unidos foi equipado com aeronaves Boing
B-29 Superfortress, que poderiam ficar em Tinian,
nas Ilhas Marianas.
Assim, a 6 de
agosto de 1945, uma especial missão das Forças Aéreas dos Estados Unidos lançou
uma bomba atómica de urânio (batizada como “Little boy”) sobre a cidade japonesa de
Hiroshima – o que teve como efeito a morte imediata, por força da explosão, de cerca
de 30% dos residentes da cidade – entre 70 mil e 80 mil pessoas – e a
subsequente onda de choque que provocou 70 mil feridos, prolongando-se os
efeitos nefastos na saúde e na vida de muitos, nos primeiros dois a quatro
meses e a longo prazo.
Assim, neste
ano de 2015, às 8.15 horas locais, os sinos
tocaram num memorial em Hiroshima, numa cerimónia que contou com um número de
recorde de representantes de diversos países, uma centena.
Por seu turno, a cidade, também japonesa, de Nagasaki
assinalou, a 9 de agosto, o 70.º aniversário do bombardeamento atómico, com uma
cerimónia em que foi defendido o caráter pacifista da Constituição Política perante
a reforma militar em curso promovida pelo Governo.
De maior potência
que a da “Little boy”, os efeitos da
segunda bomba atómica fizeram-se sobretudo sentir no vale de Urakami. Cerca de
74.000 pessoas morreram na explosão, a somar a milhares de outras que perderem
a vida nos anos seguintes devido aos efeitos da radiação.
Por isso,
este ano, os sinos soaram às 11:02 horas locais, hora em que fora lançada uma
bomba atómica com núcleo de plutónio (batizada de “Fat man”) sobre a cidade portuária, durante
um memorial realizado no Parque da Paz, em que participaram representantes dos
governos central e local e de um universo de 76 países, bem como “hibakusha”, designação pela qual são
conhecidos no Japão os sobreviventes dos bombardeamentos atómicos.
Embora
Hiroshima fosse um importante posto militar, nas duas cidades, a grande maioria
das vítimas das duas cidades era civil. No total, estima-se que os dois
bombardeamentos tenham tirado, de imediato, a vida a mais de 140 mil homens,
mulheres e crianças.
Alguns sustentam
as informações seguintes. Dentro dos primeiros 2 a 4 meses, após os ataques
atómicos, os efeitos agudos das explosões mataram entre 90 mil e 166 mil
pessoas, em Hiroshima, e 60 mil e 80 mil seres humanos, em Nagasaki. Cerca de
metade das mortes em cada cidade terá ocorrido logo no primeiro dia. Ao longo dos
meses seguintes, várias pessoas encontraram a morte por causa do efeito de
queimaduras, envenenamento
radioativo e outras lesões, que foram agravadas pelos efeitos da radiação.
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A 15 de
agosto de 1945, depois do bombardeamento de Nagasaki e da declaração de guerra
da União Soviética, o imperador Hirohito anunciou o cessar-fogo; e, a 2 de
setembro, o Japão assinava o instrumento de rendição incondicional, pondo fim à
Segunda Guerra Mundial.
Apesar das
inúmeras experiências e muitas ameaças, os ataques atómicos sobre as cidades
japonesas de Hiroshima (oeste) e Nagasaki (sudoeste) foram os únicos levados a cabo até hoje.
Enquanto a
Cruz Vermelha estima que estejam vivos atualmente 200 mil “hibakusha”, o papel
dos bombardeamentos atómicos na rendição japonesa e a sua justificação ética
continuam a ser debatidos entre os académicos e na sociedade civil.
Por outro
lado, apesar dos cinco graves acidentes nucleares ocorridos em centrais
nucleares – Chalk River
(Canadá), 1952.12.12; Three Mile Island (EUA), 1979.03.28; Chernobyl (Ucrânia, antiga URSS), 1986.04.26; Goiânia (Brasil),
1987.09.13; e Fukushima (Japão), 2011.03.11 – o aproveitamento alargado da
energia nuclear está sobre a mesa das discussões. É certo que a radiação
libertada no meio ambiente pode ferir gravemente e matar pessoas e outros seres
vivos. Todavia, apesar das preocupações e dos protestos de diversos grupos
ambientalistas e de alguns cientistas de renome, o uso civil da energia
nuclear, desde que devidamente gerido, não conhecerá, segundo os seus
defensores, o perigo de explosão em centrais nucleares, a não ser por razões de
cuidado ou por ação de elementos exteriores – análogas a outras fontes e
setores de energia.
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Sobre o
bombardeamento atómico e seus efeitos no Japão, o presidente da Câmara de
Nagasaki, Tomihisa Taue, proferiu um discurso, conhecido como a sua “Declaração
pela Paz”, em que apelou ao Governo que lidere os esforços com a comunidade
internacional para pôr fim à proliferação nuclear, e apresentou uma forte visão
crítica da reinterpretação da Carta Magna
impulsionada pelo primeiro-ministro, Shinzo Abe.
Referindo-se
ao artigo 9.º da Constituição Política, afirmou:
“Muitas pessoas questionam-se se o
princípio pacifista do Japão, que impede de nos envolvermos em qualquer guerra,
está a sofrer erosão devido a esta iniciativa”.
E foi
peremptório ao declarar:
“Nunca devemos abandonar este princípio,
sobre o qual se construiu a prosperidade do Japão atual. Não podemos olvidar as
trágicas memórias que a guerra nos deixou”.
É a crença
explícita em que o progresso se estriba na paz e não na utilização das armas.
Por isso, Shinzo
Abe e o seu Governo têm sido alvo de duras críticas da oposição e de uma
crescente contestação por parte dos japoneses relativamente à reinterpretação
do referido artigo pacifista que vai permitir, pela primeira vez em 68 anos,
que as Forças de Autodefesa (exército) operem
no estrangeiro e defendam aliados em caso de ataque.
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Também a
Igreja Católica presente no Japão assinalou
os 70 anos do bombardeamento atómico às cidades de Hiroshima e Nagasaki.
Em entrevista
à AsianNews, o presidente da Cáritas da Ásia, D. Tarcício Kikuchi, mostrou-se
convicto de que “o contributo nipónico para a paz mundial está não na sua
capacidade militar” mas no redobrar dos esforços eficazes “em prol do
desenvolvimento, sobretudo nos países mais desfavorecidos”. Por conseguinte,
acredita que “a procura desse desenvolvimento que abre ao respeito e à defesa
da dignidade humana seria muito apreciada pela comunidade internacional”.
Em causa, atualmente no Japão, está a vontade de o governo
liderado por Shinzo Abe aprovar até outubro uma revisão da Constituição, que
pela, primeira vez, desde 1947, possibilitará que as forças armadas nipónicas
venham a participar em operações militares no estrangeiro.
A contestação a esta possibilidade constitucional tem
sido constante em Tóquio, a capital, com manifestações a decorrer quase
diariamente em frente do Parlamento.
D. Tarcício Kikuchi frisa que “a Igreja Católica japonesa
está contra esta medida”. Com esta declaração, torna-se eco unívoco da mensagem
dos bispos nipónicos dedicada aos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, em
que os prelados salientam que “têm, como pastores, uma vocação especial em
favor da paz” – vocação que não é baseada em ideologia política, mas na
profunda preocupação de quem se propõe rezar e fazer rezar pela paz, “não como
uma questão política, mas como um facto humano”.
Por sua vez, o Papa Francisco recordou, no dia 9 de
agosto, no momento da recitação do Angelus,
à semelhança do que fez no dia 6 em relação a Hiroshima, o bombardeamento nuclear contra as cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Para o líder da Igreja Católica, este
acontecimento “converteu-se num símbolo do poder desmesurado do homem quando
faz um uso perverso dos progressos da ciência e da tecnologia e constitui um
chamamento perene da humanidade, para que repudie para sempre a guerra e acabe
com as armas nucleares”.
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É de anotar que, segundo um pertinente comunicado da Federação Internacional das
Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICR), setenta anos depois dos bombardeamentos atómicos
sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, dois hospitais da Cruz
Vermelha continuam a atender milhares de pessoas que ainda sofrem com sequelas
deixadas pelos ataques.
Aquelas duas unidades terão atendido, no ano passado,
4.657 vítimas da explosão ocorrida em Hiroshima e 6.030 da ocorrida em
Nagasaki. Calcula-se que milhares dessas pessoas continuem a precisar de
atenção e acompanhamento nos próximos anos por doenças relacionadas com a
radiação. No total, nos dois centros, foram hospitalizadas 2,6 milhões de pessoas
devido a sequelas da radiação causada pelas bombas atómicas.
Desde 1956, data da sua abertura, 63% das mortes
registadas no hospital de Hiroshima foram consequência sobretudo de diferentes
tipos de cancro, como do pulmão (20%), do estômago (18%), do fígado (14%) ou do
intestino (7%). A leucemia foi causa de 8% dos casos.
No hospital de Nagasaki, que entrou em funcionamento
em 1969, as mortes causadas por cancro representavam, até março do ano passado,
56% do total.
Segundo a Cruz Vermelha, a taxa de incidência da
leucemia entre os sobreviventes dos bombardeamentos foi entre quatro e cinco
vezes maior do que a das pessoas que não foram expostas à radiação durante a
primeira década, tendo diminuído posteriormente.
Além disso, as crianças com idade inferior a 10 anos
expostas à radiação em 1945 padeceram, mais tarde, de um tipo específico de
leucemia que, normalmente, afeta pessoas de idade avançada e com um índice
quatro vezes superior à média.
Além disso, as crianças que sobreviveram manifestaram
tendência para desenvolver diferentes tipos de cancro de forma separada,
sintoma que a Cruz Vermelha atribui à exposição de todo o corpo à radiação no
momento da explosão.
Por outro lado, os efeitos psicológicos dos
bombardeamentos continuam a afetar mesmo os sobreviventes que não apresentam
sequelas físicas. A instabilidade psicológica, a depressão e o stress pós-traumático
figuram na lista dos transtornos mais comuns.
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Tanto Hiroshima (oeste) como Nagasaki (sudoeste) pedem, há
anos, a Barack Obama que se torne no primeiro Presidente norte-americano a
visitar ambas as cidades. Apesar de Obama não marcar presença nas cerimónias
dos 70 anos dos bombardeamentos atómicos, a Casa Branca não descartou a
possibilidade de a visita poder ocorrer antes do termo do mandato presidencial,
em 2017. Entretanto, potências nucleares como a Rússia, Reino Unido ou França
tiveram representantes diplomáticos no memorial, realizado no Parque da Paz de
Hiroshima.
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Não valendo tapar o sol com a peneira, há que referir
que a guerra – seja feita com armas de fogo de destruição menos massiva, seja
feita com armas biológicas e/ou químicas, seja feita com armas nucleares – é
sempre uma fonte de destruição pela morte, pelo estropiamento ou pela
incapacitação psicológica. Morrem militares, morrem civis, criam-se ondas de prófugos,
inocentes funcionam como escudos humanos…
Não à guerra: bem-aventurados os pacíficos, venha o
reino de Deus!
2015.08.12 –
Louro de Carvalho
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