quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Nos 70 anos do bombardeamento atómico a Hiroshima e Nagasaki

De 6 a 9 de agosto, os japoneses viveram os 70 anos da memória do lançamento das bombas atómicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Fora o primeiro e único momento na história em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis.
Um minuto de silêncio em cada um dos dois dias e a afirmação da esperança de uma paz assente de vez no desenvolvimento e não nas armas marcam a memória septuagenária do evento que encaminhou irreversivelmente as hostes para o fim da II Guerra Mundial (ou 2.ª Grande Guerra).
Uns, os relacionados com a tripulação dos bombardeiros, recordam a inauguração da era atómica, então direcionada para o aniquilamento das populações e das cidades (no imediato e a prazo), ao passo que os sobreviventes retêm na visualização e na carne o espectro da destruição, o belo horrível. Terrível progresso o que se exprime na destruição massiva!
***
Depois de uma campanha de bombardeamentos não nucleares que destruiu várias cidades japonesas, as forças dos Aliados preparavam-se para invadir o Japão. A guerra na Europa terminara quando a Alemanha nazi assinou o acordo de rendição em 8 de maio de 1945, mas a Guerra do Pacífico prosseguia. Pela Declaração de Potsdam, em 26 de julho de 1945, com a ameaça de uma “destruição rápida e total”, os Estados Unidos, juntamente com o Reino Unido e a China, exigiram a rendição incondicional das forças armadas japonesas.
Em agosto de 1945, o Projeto Manhattan dos Aliados tinha testado com sucesso um artefacto atómico e produziu armas com base em dois projetos alternativos. O 509.º Grupo Composto das Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos foi equipado com aeronaves  Boing B-29 Superfortress, que poderiam ficar em Tinian, nas Ilhas Marianas.
Assim, a 6 de agosto de 1945, uma especial missão das Forças Aéreas dos Estados Unidos lançou uma bomba atómica de urânio (batizada como “Little boy) sobre a cidade japonesa de Hiroshima – o que teve como efeito a morte imediata, por força da explosão, de cerca de 30% dos residentes da cidade – entre 70 mil e 80 mil pessoas – e a subsequente onda de choque que provocou 70 mil feridos, prolongando-se os efeitos nefastos na saúde e na vida de muitos, nos primeiros dois a quatro meses e a longo prazo.
Assim, neste ano de 2015, às 8.15 horas locais, os sinos tocaram num memorial em Hiroshima, numa cerimónia que contou com um número de recorde de representantes de diversos países, uma centena.
Por seu turno, a cidade, também japonesa, de Nagasaki assinalou, a 9 de agosto, o 70.º aniversário do bombardeamento atómico, com uma cerimónia em que foi defendido o caráter pacifista da Constituição Política perante a reforma militar em curso promovida pelo Governo.
De maior potência que a da “Little boy”, os efeitos da segunda bomba atómica fizeram-se sobretudo sentir no vale de Urakami. Cerca de 74.000 pessoas morreram na explosão, a somar a milhares de outras que perderem a vida nos anos seguintes devido aos efeitos da radiação.
Por isso, este ano, os sinos soaram às 11:02 horas locais, hora em que fora lançada uma bomba atómica com núcleo de plutónio (batizada de “Fat man) sobre a cidade portuária, durante um memorial realizado no Parque da Paz, em que participaram representantes dos governos central e local e de um universo de 76 países, bem como “hibakusha”, designação pela qual são conhecidos no Japão os sobreviventes dos bombardeamentos atómicos.
Embora Hiroshima fosse um importante posto militar, nas duas cidades, a grande maioria das vítimas das duas cidades era civil. No total, estima-se que os dois bombardeamentos tenham tirado, de imediato, a vida a mais de 140 mil homens, mulheres e crianças.
Alguns sustentam as informações seguintes. Dentro dos primeiros 2 a 4 meses, após os ataques atómicos, os efeitos agudos das explosões mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas, em Hiroshima, e 60 mil e 80 mil seres humanos, em Nagasaki. Cerca de metade das mortes em cada cidade terá ocorrido logo no primeiro dia. Ao longo dos meses seguintes, várias pessoas encontraram a morte por causa do efeito de queimaduras, envenenamento radioativo e outras lesões, que foram agravadas pelos efeitos da radiação.
***
A 15 de agosto de 1945, depois do bombardeamento de Nagasaki e da declaração de guerra da União Soviética, o imperador Hirohito anunciou o cessar-fogo; e, a 2 de setembro, o Japão assinava o instrumento de rendição incondicional, pondo fim à Segunda Guerra Mundial.
Apesar das inúmeras experiências e muitas ameaças, os ataques atómicos sobre as cidades japonesas de Hiroshima (oeste) e Nagasaki (sudoeste) foram os únicos levados a cabo até hoje.
Enquanto a Cruz Vermelha estima que estejam vivos atualmente 200 mil “hibakusha”, o papel dos bombardeamentos atómicos na rendição japonesa e a sua justificação ética continuam a ser debatidos entre os académicos e na sociedade civil.
Por outro lado, apesar dos cinco graves acidentes nucleares ocorridos em centrais nucleares – Chalk River (Canadá), 1952.12.12; Three Mile Island (EUA), 1979.03.28; Chernobyl (Ucrânia, antiga URSS), 1986.04.26; Goiânia (Brasil), 1987.09.13; e Fukushima (Japão), 2011.03.11 – o aproveitamento alargado da energia nuclear está sobre a mesa das discussões. É certo que a radiação libertada no meio ambiente pode ferir gravemente e matar pessoas e outros seres vivos. Todavia, apesar das preocupações e dos protestos de diversos grupos ambientalistas e de alguns cientistas de renome, o uso civil da energia nuclear, desde que devidamente gerido, não conhecerá, segundo os seus defensores, o perigo de explosão em centrais nucleares, a não ser por razões de cuidado ou por ação de elementos exteriores – análogas a outras fontes e setores de energia.
***
Sobre o bombardeamento atómico e seus efeitos no Japão, o presidente da Câmara de Nagasaki, Tomihisa Taue, proferiu um discurso, conhecido como a sua “Declaração pela Paz”, em que apelou ao Governo que lidere os esforços com a comunidade internacional para pôr fim à proliferação nuclear, e apresentou uma forte visão crítica da reinterpretação da Carta Magna impulsionada pelo primeiro-ministro, Shinzo Abe.
Referindo-se ao artigo 9.º da Constituição Política, afirmou:
“Muitas pessoas questionam-se se o princípio pacifista do Japão, que impede de nos envolvermos em qualquer guerra, está a sofrer erosão devido a esta iniciativa”.
E foi peremptório ao declarar:
“Nunca devemos abandonar este princípio, sobre o qual se construiu a prosperidade do Japão atual. Não podemos olvidar as trágicas memórias que a guerra nos deixou”.
É a crença explícita em que o progresso se estriba na paz e não na utilização das armas.
Por isso, Shinzo Abe e o seu Governo têm sido alvo de duras críticas da oposição e de uma crescente contestação por parte dos japoneses relativamente à reinterpretação do referido artigo pacifista que vai permitir, pela primeira vez em 68 anos, que as Forças de Autodefesa (exército) operem no estrangeiro e defendam aliados em caso de ataque.
***
Também a Igreja Católica presente no Japão assinalou os 70 anos do bombardeamento atómico às cidades de Hiroshima e Nagasaki.
Em entrevista à AsianNews, o presidente da Cáritas da Ásia, D. Tarcício Kikuchi, mostrou-se convicto de que “o contributo nipónico para a paz mundial está não na sua capacidade militar” mas no redobrar dos esforços eficazes “em prol do desenvolvimento, sobretudo nos países mais desfavorecidos”. Por conseguinte, acredita que “a procura desse desenvolvimento que abre ao respeito e à defesa da dignidade humana seria muito apreciada pela comunidade internacional”.
Em causa, atualmente no Japão, está a vontade de o governo liderado por Shinzo Abe aprovar até outubro uma revisão da Constituição, que pela, primeira vez, desde 1947, possibilitará que as forças armadas nipónicas venham a participar em operações militares no estrangeiro.
A contestação a esta possibilidade constitucional tem sido constante em Tóquio, a capital, com manifestações a decorrer quase diariamente em frente do Parlamento.
D. Tarcício Kikuchi frisa que “a Igreja Católica japonesa está contra esta medida”. Com esta declaração, torna-se eco unívoco da mensagem dos bispos nipónicos dedicada aos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, em que os prelados salientam que “têm, como pastores, uma vocação especial em favor da paz” – vocação que não é baseada em ideologia política, mas na profunda preocupação de quem se propõe rezar e fazer rezar pela paz, “não como uma questão política, mas como um facto humano”.
Por sua vez, o Papa Francisco recordou, no dia 9 de agosto, no momento da recitação do Angelus, à semelhança do que fez no dia 6 em relação a Hiroshima, o bombardeamento nuclear contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Para o líder da Igreja Católica, este acontecimento “converteu-se num símbolo do poder desmesurado do homem quando faz um uso perverso dos progressos da ciência e da tecnologia e constitui um chamamento perene da humanidade, para que repudie para sempre a guerra e acabe com as armas nucleares”.
***
É de anotar que, segundo um pertinente comunicado da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICR), setenta anos depois dos bombardeamentos atómicos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, dois hospitais da Cruz Vermelha continuam a atender milhares de pessoas que ainda sofrem com sequelas deixadas pelos ataques.
Aquelas duas unidades terão atendido, no ano passado, 4.657 vítimas da explosão ocorrida em Hiroshima e 6.030 da ocorrida em Nagasaki. Calcula-se que milhares dessas pessoas continuem a precisar de atenção e acompanhamento nos próximos anos por doenças relacionadas com a radiação. No total, nos dois centros, foram hospitalizadas 2,6 milhões de pessoas devido a sequelas da radiação causada pelas bombas atómicas.
Desde 1956, data da sua abertura, 63% das mortes registadas no hospital de Hiroshima foram consequência sobretudo de diferentes tipos de cancro, como do pulmão (20%), do estômago (18%), do fígado (14%) ou do intestino (7%). A leucemia foi causa de 8% dos casos.
No hospital de Nagasaki, que entrou em funcionamento em 1969, as mortes causadas por cancro representavam, até março do ano passado, 56% do total.
Segundo a Cruz Vermelha, a taxa de incidência da leucemia entre os sobreviventes dos bombardeamentos foi entre quatro e cinco vezes maior do que a das pessoas que não foram expostas à radiação durante a primeira década, tendo diminuído posteriormente.
Além disso, as crianças com idade inferior a 10 anos expostas à radiação em 1945 padeceram, mais tarde, de um tipo específico de leucemia que, normalmente, afeta pessoas de idade avançada e com um índice quatro vezes superior à média.
Além disso, as crianças que sobreviveram manifestaram tendência para desenvolver diferentes tipos de cancro de forma separada, sintoma que a Cruz Vermelha atribui à exposição de todo o corpo à radiação no momento da explosão.
Por outro lado, os efeitos psicológicos dos bombardeamentos continuam a afetar mesmo os sobreviventes que não apresentam sequelas físicas. A instabilidade psicológica, a depressão e o stress pós-traumático figuram na lista dos transtornos mais comuns.
***
Tanto Hiroshima (oeste) como Nagasaki (sudoeste) pedem, há anos, a Barack Obama que se torne no primeiro Presidente norte-americano a visitar ambas as cidades. Apesar de Obama não marcar presença nas cerimónias dos 70 anos dos bombardeamentos atómicos, a Casa Branca não descartou a possibilidade de a visita poder ocorrer antes do termo do mandato presidencial, em 2017. Entretanto, potências nucleares como a Rússia, Reino Unido ou França tiveram representantes diplomáticos no memorial, realizado no Parque da Paz de Hiroshima.
***
Não valendo tapar o sol com a peneira, há que referir que a guerra – seja feita com armas de fogo de destruição menos massiva, seja feita com armas biológicas e/ou químicas, seja feita com armas nucleares – é sempre uma fonte de destruição pela morte, pelo estropiamento ou pela incapacitação psicológica. Morrem militares, morrem civis, criam-se ondas de prófugos, inocentes funcionam como escudos humanos…
Não à guerra: bem-aventurados os pacíficos, venha o reino de Deus!
2015.08.12 – Louro de Carvalho  

Sem comentários:

Enviar um comentário