Em carta, do passado dia 6 de agosto (divulgada
a 10), endereçada
aos cardeais Peter Kodwo Appiah Turkson, Presidente do Pontifício Conselho
da Justiça e da Paz, Kurt Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a
Promoção da Unidade dos Cristãos, o Papa Francisco comunica que decidiu
instituir na Igreja Católica o “Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação”,
o qual, a partir do ano corrente, será celebrado no dia 1 de Setembro, tal como
já ocorre há tempos na Igreja Ortodoxa.
Trata-se de uma iniciativa emoldurada pela encíclica Laudato Si’ e dela decorrente e com
sentido ecuménico já que para ela estão convocados todos os cristãos e a data já
é celebrada na igreja Ortodoxa.
Francisco sublinha a dimensão ecuménica da iniciativa ao
referir a sua postura de compartilhar “com o amado irmão, o Patriarca Ecuménico
Bartolomeu, as preocupações pelo futuro da criação (cf. LS, 7-9) e de acolher a sugestão do seu representante, o Metropolita
Ioannis de Pérgamo, um dos convidados na apresentação da encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa
comum. E entende que “a celebração deste dia, na mesma data, com a Igreja
Ortodoxa, será uma ocasião profícua para testemunhar a nossa crescente comunhão
com os irmãos ortodoxos”.
No entanto, o Papa não se fica pela enunciação da circunstância
da iniciativa da Igreja irmã ou pela indicação das preocupações em tese. Justifica,
antes, a instituição deste dia mundial de oração com a espiritualidade que
enforma a vida dos cristãos, na convicção de que os dramas da Humanidade têm de
estar presentes no coração dos discípulos de Cristo (cf GS,1). Assim, o Bispo de Roma explicita na sua carta:
“Como cristãos, queremos oferecer a nossa contribuição para a
superação da crise ecológica que a humanidade está vivendo. Por isso devemos,
antes de tudo, buscar no nosso rico património espiritual as motivações que
alimentam a paixão pelo cuidado da criação, lembrando sempre que para aqueles
que creem em Jesus Cristo, Verbo de Deus que se fez homem por nós, ‘a
espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das
realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que
nos rodeia’ (LS,216). “.
A seguir, aponta a grande exigência que a crise ecológica
suscita nos cristãos:
“A crise ecológica chama-nos, portanto, a uma profunda
conversão espiritual: os cristãos são chamados a uma ‘conversão ecológica, que
comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as
consequências do encontro com Jesus’ (ibid, 217). De facto, ‘viver a vocação de
guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspeto secundário da
experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa’ (ibid).”.
Na perspetiva do Papa argentino, a celebração anual do Dia Mundial de
Oração pelo Cuidado da Criação oferecerá aos fiéis e às comunidades o ensejo de
“renovarem a adesão pessoal à vocação de protetores da criação”, de elevarem “a
Deus o agradecimento pela obra maravilhosa que Ele confiou ao nosso cuidado” e
de invocarem “a sua ajuda para a proteção da criação e a sua misericórdia
pelos pecados cometidos contra o mundo em que vivemos.”
Num tempo em que “todos os cristãos enfrentam
idênticos e importantes desafios” as respostas devem ser iguais para serem
“mais plausíveis e eficazes”. Assim e ainda no contexto do desejável ecumenismo,
o Papa deseja que esta iniciativa possa efetivamente envolver outras Igrejas e
Comunidades eclesiais e a efeméride possa ser celebrada em sintonia com as
atividades que o Conselho Mundial de Igrejas promove sobre este tema.
Depois, ao presidente do Conselho Pontifício da
Justiça e da Paz incumbiu a tarefa de “implementar iniciativas de promoção e de
animação”, em colaboração com as Conferências Episcopais, para que esta data
anual seja um “momento forte de oração, reflexão, conversão e uma oportunidade
para assumir estilos de vida coerentes”; e ao presidente do Pontifício Conselho
para a Promoção da Unidade dos Cristãos, pediu que
contactasse o Patriarcado Ecuménico e outras realidades ecuménicas para que o
Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação possa ser “sinal de um caminho
conjunto” de todos os que “creem em Cristo”. Por seu turno, o Conselho Pontifício
para a Promoção da Unidade dos Cristãos assume também a responsabilidade da
“coordenação” com iniciativas similares do Conselho Mundial de Igrejas.
Aos dois responsáveis a quem comunicou a instituição
do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação Francisco
pediu a divulgação da instituição deste dia para que, “em harmonia com as
exigências e as situações locais” a sua celebração seja organizada com a
participação de todo o Povo de Deus.
***
Porém, além da valia da oração em si, o Papa pretende a
criação de uma aprofundada e alargada consciência da momentosidade da crie
ecológica e da exigência da mudança de mentalidades, atitudes e comportamentos
da parte de todos, considerados quer individualmente quer no quadro dos grupos
e da comunidades quer, ainda, no âmbito dos detentores do poderes político e
económico. Tanto assim é que postula o conhecimento das Comissões Justiça e Paz
das Conferências Episcopais, bem como dos Organismos nacionais e internacionais
comprometidos no âmbito ecológico, “para que, em harmonia com as exigências e
as situações locais, a celebração seja devidamente organizada com a
participação de todo o Povo de Deus: sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis
leigos”, como se pode ler na carta em apreço. Para tanto, sugere a
implementação de “oportunas iniciativas de promoção e de animação, para que
esta celebração anual seja um momento forte de oração, reflexão, conversão e
uma oportunidade para assumir estilos de vida coerentes”, em consonância com o
ser e a missão da Igreja e o perfil do genuíno discípulo de Cristo.
Por
outro lado, o Pontífice pretende que a celebração deste Dia Mundial “possa tornar-se sinal de um caminho percorrido
conjuntamente por todos os que creem em Cristo”.
Finalmente, em consonância com os pressupostos com a doutrina
da encíclica Laudato Si’ e como o escopo da efeméride de oração ora constituída,
coloca este Dia Mundial sob os auspícios “da Mãe de Deus, Maria Santíssima, e
de São Francisco de Assis, cujo Cântico das Criaturas inspira tantos homens e
mulheres de boa vontade a viver no louvor do Criador e no respeito pela criação”.
***
Para lá da evidenciação da responsabilidade do homem criado à
imagem e semelhança de Deus para com o mundo de que foi constituído guardião, a
produção desta mensagem no dia da Transfiguração do Senhor sugere um outro
escopo, uma outra dimensão e um perfil de cristão.
O escopo será o espelhado nas palavras recentes do Bispo das
Forças Armadas e Segurança de Portugal, Dom Manuel da Silva
Rodrigues Linda:
“É preciso lembrarmo-nos de que Deus
criou o mundo, como casa comum de todos os homens, e nós criamos as nações, enquanto linhas imaginárias de fronteiras,
mas o projeto de Deus tem de se sobrepor aos regionalismos humanos” (vd
entrevista a Leopoldina Simões, do Santuário de Fátima).
A dimensão será a dimensão cósmica evidenciada por Teilhard de Chardin,
assim exposta por Isabel Varanda:
O
crístico, para Teilhard, é “o ambiente de vida engendrado no encontro entre o
Cristo que emerge e um Universo que converge”; Cristo que emerge no universo e
o universo que converge para Cristo. Este lugar crístico é a essência do
ambiente divino onde “o universo é cristificado” e “Cristo universalizado”;
onde as forças do céu e as forças da terra, “entre as exigências cósmicas de um
Verbo incarnado e as potencialidades espirituais de um universo”, nos
comprometem na aventura de amar Deus e de acreditar no mundo do mesmo modo que
acreditar em Deus e amar o mundo. (vd Varanda, I. Deus, “história,
cosmos”, In didaskalia xxxvii (2007) 2,
pgs 80-81).
O
perfil de cristão expô-lo Bento XVI por ocasião da recitação do Angelus, a 3 de abril, no III Domingo da
Quaresma de 2011:
“Em Cristo resplandece a novidade da vida e a
meta à qual somos chamados. N’Ele, fortalecidos pelo Espírito Santo, nós recebemos
a força para vencer o mal e realizar o bem. De facto, a vida cristã é uma contínua configuração a Cristo,
imagem do homem novo, para chegar à plena comunhão com Deus. Quando a nossa
vida se deixa iluminar pelo mistério de Cristo, experimenta a alegria de ser
libertada de tudo aquilo que ameaça a sua plena realização”. (cf 2Cor 15,47-49;
Cl 1,13-15).
***
Que
o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação torne os homens e o seu mundo
mais conformes ao coração de Deus.
2015.08.11 –
Louro de Carvalho
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