O modificador apositivo “o
santo do mundo todo”, aplicado a Santo António, é a fórmula simpática e
salomónica de Leão XII para dirimir a disputa da pertença do insigne Doutor da
Igreja à lusa nação ou à italiana nação onde poisa a sede da Igreja Católica.
É óbvio que o santo é de
Lisboa, porque nasceu em Lisboa, mas é de Pádua porque faleceu em Arcella, nas
proximidades de Pádua. E poderia ser de Rimini, onde foi claramente rejeitado e
violentamente hostilizado (posto o que terá decidido pregar aos peixes, já que
os homens recusavam ouvi-lo), ou de Monpellier e Toulouse, cidades da região em
que o santo foi considerado “o martelo dos hereges”. Quanto ao sentido de
pertença, os portugueses também reivindicam, não sem razão, personalidades que,
não tendo nascido no território nacional, mas que, por cá tendo passado e
falecido, são consideradas como integrando o património hagiológico português,
como, por exemplo, Isabel de Aragão, a santa esposa de D. Dinis; Francisco
Xavier (nascido no Reino de Navarra), o apóstolo das Índias; e José de Anchieta
(nascido nas Canárias), o apóstolo fundador de São Paulo (Brasil), com Manuel
da Nóbrega.
Este santo merece, como
adiante se verá, o apreço de todos pela santidade de vida, qualidades doutrinais
e oratórias, defesa dos injustiçados, patrono das milícias e fautor do matrimónio.
***
A Igreja Católica celebra, a 13 de
junho, a festa litúrgica deste Santo, que nasceu em Lisboa no final do século
XII e se tornou uma figura global da Igreja.
Em entrevista à agência Ecclesia, Frei Armindo Carvalho, reitor
da igreja de S.to António, local do nascimento do santo, afirma que este
religioso é “com toda a certeza o português mais conhecido, mais amado e mais
espalhado pelo mundo inteiro”. E acrescenta que, no seu modo de ver, “é uma
espécie de braço de Deus, permanentemente estendido, protegendo o seu povo,
através desta amizade simples que lhes proporciona”.
O santo português, que morreu em
Pádua, no ano de 1231, foi o primeiro professor de Teologia na ordem fundada
por São Francisco de Assis. Lecionou
nas universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua,
adquirindo grande renome como orador sacro no sul da França e na Itália.
Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris.
O Papa Gregório IX canonizou-o apenas
um ano depois da morte, em 1232, também após os milagres que se verificaram por
sua intercessão. E Pio XII, em 1946, proclamou Santo António como “Doutor da
Igreja”, atribuindo-lhe o título de “Doutor evangélico”.
Por seu turno, Frei Hermínio
Gonçalves de Araújo, presidente da Fundação ‘Domus Fraternitas’ e responsável
do Convento de Montariol (Braga), refere à mesma agência Ecclesia que “são incontáveis as iniciativas relacionadas com Santo
António, o santo mais popular de Portugal, o português mais conhecido no
mundo”. O religioso franciscano de Braga destaca o ‘Pão dos pobres de Santo
António’ como gesto de solidariedade, que se estende a todos os que participam
na festa. E deixa um apelo à contemplação e à ação solidária:
“Caso
queira fazer parte desta nossa história, aceite o nosso convite: olhe para
Santo António, olhe para o pão que ele tem na mão, símbolo da solidariedade;
tal como ele, partilhe o pão”.
Ainda Frei Armindo Carvalho explica, que
a igreja de S.to António em Lisboa foi construção “muito demorada” e que o
serviço social começou com a vinda dos Franciscanos, há quase 9 décadas:
“O local de
encontro é a cripta, com a igreja em cima. À entrada, temos esse serviço social
há 87 anos, o chamado pão dos pobres de Santo António”.
***
Santo António nasceu em Lisboa (Portugal) no dia 13 de
setembro de 1191, segundo uns, e 1195, segundo outros. Com o nome de batismo de Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo, este
filho de Martinho de Bulhões e Maria Teresa Taveira, reside frente à Sé Catedral de
Lisboa, local onde hoje se encontra a Igreja de S.to António de Lisboa e onde
permanece o quarto onde nasceu. Pensa-se
que a sua era uma família nobre, oriunda da França, que no tempo das Cruzadas
teria prestado grandes serviços a Afonso VI de Castilha contra os mouros ou
tomado parte ativa na reconquista de Lisboa, em poder dos maometanos.
O jovem, que
a partir dos sete anos de idade frequentou a escola – coisa rara ao tempo – em 1209,
ingressou como noviço na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, de São
Vicente de Fora, em Lisboa. Ali ficou dois anos, após o que, porque eram tantas
as visitas de parentes e amigos que lhe perturbavam a paz e vida de ascese, veio
a solicitar a transferência para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, importante
centro cultural, onde se dedica de corpo e alma ao estudo e à oração, pelo
espaço de dez anos. Neste mosteiro, em Coimbra, estudou filosofia e teologia,
fez a profissão religiosa e foi ordenado sacerdote, em 1219. Pouco depois, conhece os primeiros
franciscanos, vindos de Assis, que ele recebe na portaria do Mosteiro e que o
deixam impressionado pelo seu modo simples e alegre de viver.
Um ano
depois, chegam a Coimbra os corpos de cinco mártires franciscanos. Fernando de
Bulhões, até agora agostiniano, decide fazer-se franciscano como eles. Conforme
seu desejo, é recebido na Ordem com o nome de Frei António e enviado para
missões entre os sarracenos de Marrocos.
Ao chegar a Marrocos, em 1221, adoece
gravemente, sendo obrigado a regressar à terra natal. Porém, uma tempestade
desvia a embarcação arrastando-a para o Sul de Itália, o que o levou ao desembarque
na Sicília. Em maio daquele ano, participa, em Assis, no capítulo das Esteiras,
uma famosa reunião de cinco mil frades, onde conhece o fundador da Ordem, São Francisco
de Assis. Terminado o capítulo, retira-se para o eremitério de Monte Paolo,
junto dos Apeninos, onde passa 15 meses na solidão contemplativa e no trabalho
braçal, não ficando ninguém a suspeitar da sabedoria de que é dotado este jovem
frade português.
Chamado de improviso a falar, em 1222,
numa celebração de ordenação sacerdotal, Frei António revela uma sabedoria e
eloquência extraordinárias, que deixam a todos estupefactos. Começa aí sua
epopeia de pregador itinerante. Uma vez
descoberta a sua grande queda pela oratória e sua aptidão para o ensino, São
Francisco de Assis, vendo a necessidade de proporcionar aos futuros
missionários uma instrução que os colocasse à altura do ministério sagrado, encarrega-o da formação teológica dos
irmãos em religião (nomeando-o “Lector” de Teologia), por meio de uma brevíssima carta a Frei António, em
1224, em que o chama cortesmente de “Frei António, meu bispo”.
Em 1225, depois de percorrer a região
norte da Itália, passa a pregar no Sul da França, com notáveis frutos,
sustentando disputas notórias com os hereges da região. Passa, no ano de 1226,
a “custódio” na França e, um ano depois, a “provincial” dos frades no Norte da
Itália.
O Capítulo Geral da Ordem, em Assis, em
que ele participa, no ano de 1228, envia-o a Roma para tratar com o Papa de
algumas questões pendentes. Convidado a pregar diante do Papa e dos Cardeais, causa
tanta admiração pelo conhecimento que tem das Escrituras que Gregório IX o
apelida de “Arca do Testamento”. Um ano depois, Frei António começa a redigir
os “Sermões”, de que hoje se possuem impressos dois grandes volumes.
Pregou em Pádua, em 1231, a famosa
quaresma, que foi entendida como o momento de refundação cristã da cidade. De
todos os lados acorreram as multidões; houve prodígios e conversões. Mas Frei António,
completamente exausto, sente aproximar-se o fim de seus dias. E, na tarde de 13
de Junho, mês do florescimento dos lírios, António morre às portas da cidade de
Pádua, exclamando: “Estou vendo o Senhor”. As crianças são as primeiras a sair
pelas ruas com o pregão: “Morreu o Santo”.
***
O santo foi brindado por
Deus com o dom da bilocação: durante um sermão contra os hereges, sem que
houvesse qualquer interrupção presencial e/ou discursiva, apareceu em Lisboa a defender
com êxito, qual excelente advogado, o pai, que fora injustamente condenado à
morte de enforcamento sob a acusação de homicídio; e, em mais outras ocasiões
de sua vida, se transportou de um lugar para outro, sendo visto contemporaneamente
nos dois lugares.
Em Portugal, sua terra
natal, e em outros países de língua portuguesa, nomeadamente o Brasil, a
devoção ao santo atingiu tal intensidade que era invocado mormente em ocasiões
de batalhas e guerras. Com isso, mereceu ser incorporado como soldado,
intervindo em 1595, e promovido a capitão internido da Fortaleza da Barra
(Salvador-Bahia) pelo governador da época D. Rodrigo da Costa, em 16 de julho
de 1705 – promoção que foi confirmada por D. João V, em carta régia de 7 de
abril de 1707. Mais tarde, o príncipe regente, D. João, futuro rei D. João VI, por
decreto de 13 de setembro de 1810 e carta patente de 4 de fevereiro de 1811,
promove o santo ao posto de sargento-mor, por atribuir à sua intercessão a
proteção celeste recebida, abençoando seus esforços para “salvar a Monarchia da
grande e difícil crise” a que esteve exposta, durante as invasões francesas em
Portugal. Finalmente, a 25 de
dezembro de 1814, D. João, ainda Príncipe Regente, assinou no Palácio da Real
Fazenda de Santa Cruz (Rio de Janeiro) o decreto promovendo o sargento-mor
Santo António ao posto de Tenente-Coronel de Infantaria. Em 22 de outubro de 1816, é expedida a carta
patente da promoção do Santo a tenente-coronel, já assinada pelo Rei D. João VI,
com o direito à respetiva remuneração ou soldo. E, em São Paulo, chegou mesmo ao
posto de Coronel de Infantaria.
Quanto às razões do seu padroado dos
namorados e do título de santo casamenteiro, é oportuno evocar o seguinte caso:
Havia, em Nápoles, uma bonita moça,
cuja família não podia pagar o dote de casamento. Certa vez, ajoelhada aos pés
da imagem do Santo, implorou com fé a sua ajuda, o qual, em resposta, lhe
entregou miraculosamente um bilhete, mandando que o entregasse a um determinado
comerciante. Pelo bilhete, Santo António pedia ao comerciante que desse à jovem
uma soma de moedas de prata equivalentes ao peso do papel. O comerciante não se
importou, achando que o peso daquela folheca era insignificante. Mas, para surpresa
sua, foram necessários 400 escudos de prata para lograr o equilíbrio da
balança. Foi aí que o comerciante se recordou de que outrora prometera 400
escudos de prata ao Santo, promessa que nunca havia cumprido. Percebeu, assim,
que Santo António viera fazer agora a cobrança daquele modo tão discreto como maravilhoso.
A jovem, assim, pôde casar-se de acordo com o costume da época e, a partir daí,
Santo António recebeu – entre outros epítetos – o de “O Santo Casamenteiro”.
Dele dá João Paulo II testemunho, na
alocução que proferiu em Lisboa a 12 de maio de 1982:
Nas primeiras experiências de franciscano aceita as contrariedades, fiel ao
ideal, e responde com alegria aos desígnios divinos, numa entrega total de
serviço generoso, pregando e ensinando teologia aos Frades, em atitude
paciente, como o lavrador que aguarda, até receber a chuva temporã e a tardia,
até se manifestar, de algum modo, o Senhor.
E, no dia 12 de setembro de 1982, por
ocasião da visita à Basílica de Santo António, em Pádua:
Crentes, os mais
pequenos e os menos defendidos sobretudo, sentem-no e consideram-no o seu
Santo, um intercessor sempre pronto e potente em seu favor.
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