Segundo
referência do Público de hoje, 23 de
junho, “Élsio Menau arrisca-se a uma pena de prisão por ter exposto uma
instalação artística, representando, de forma crítica, a situação do país”.
Trata-se de uma polémica obra de arte subordinada ao título Portugal na
Forca, em que surge a bandeira nacional “enforcada” numa estrutura de
madeira, que serviu de trabalho final da licenciatura em Artes Visuais pela
Universidade de Faro, a que o júri atribuiu a classificação de 17 valores.
O
caso exemplifica o conflito de valores: académico-artístico e cívico. Na primeira
vertente, exalta-se o mérito artístico e académico; no segundo, os poderes
públicos vislumbram o crime de ultraje à bandeira enquanto símbolo da Pátria.
É
verdade que a CRP, no seu artigo 11.º, define como símbolos nacionais: Bandeira Nacional, a adotada pela República instaurada pela Revolução de 5 de
outubro de 1910 (símbolo da soberania da República, da independência, unidade e
integridade de Portugal, é); e Hino Nacional, A Portuguesa. E o mesmo artigo consagra como língua oficial o
Português.
***
O
uso da bandeira está regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de março,
dada a necessidade de a dignificar como símbolo da Pátria e de avivar o seu
culto entre todos os portugueses. Sintetiza-se nos seguintes termos:
A
Bandeira Nacional, como símbolo da Pátria, deve ser respeitada por todos os
cidadãos, sob pena de sujeição à cominação prevista na lei penal (vd CP cit em baixo). No seu uso,
deverá ser apresentada de acordo com o padrão oficial e em bom estado, de modo
a ser preservada a sua dignidade.
Em
termos temporais, é hasteada em domingos, feriados e em dias de realização de
cerimónias oficiais ou outros atos ou sessões solenes de caráter público. Pode
ainda ser hasteada noutros dias a critério do Governo ou, nos respetivos
territórios, dos órgãos de governo das regiões autónomas ou dos órgãos
executivos das autarquias locais e dirigentes de instituições privadas.
Nos
edifícios-sede dos órgãos de soberania, a Bandeira pode ser arvorada
diariamente, por direito próprio. E será hasteada em edifícios de caráter civil
ou militar, qualificados como monumentos nacionais, e nos demais edifícios
públicos ou instalações onde funcionem serviços da administração central,
regional e local e da administração das regiões autónomas, bem como nas sedes
dos institutos públicos e das empresas públicas. Pode também ser hasteada pelos
institutos públicos e empresas públicas, fora dos locais da respetiva sede, bem
como por instituições privadas ou pessoas singulares, desde que respeitados os vigentes
procedimentos legais e protocolares.
Aos
domingos e feriados e nos dias em que tal seja determinado pelo Primeiro-Ministro, a Bandeira será hasteada em todo o território nacional; fora destes dias, será
hasteada nos locais de celebração dos respetivos atos. Permanecerá hasteada
entre as 9 horas e o pôr-do-sol. E, quando por motivos devidamente justificados
permanecer hasteada durante a noite, deverá, sempre que possível, ser iluminada
por meio de projetores.
Para
observância de luto nacional, a Bandeira será colocada a meia haste durante o
número de dias que tiver sido fixado. E, sempre que seja colocada a meia
haste, qualquer outra bandeira que com ela seja desfraldada será hasteada da
mesma forma. Para ser içada a meia baste, a Bandeira vai a tope antes de ser
colocada a meia adriça, seguindo-se igual procedimento quando for arreada.
A
Bandeira Nacional, quando desfraldada com outras bandeiras, portuguesas ou
estrangeiras, ocupará sempre o lugar de honra, de acordo com as normas
protocolares em vigor, devendo observar-se, designadamente: havendo dois
mastros, o do lado direito de quem está voltado para o exterior será reservado
à Bandeira Nacional; e, havendo três mastros, a Bandeira Nacional ocupará o do
centro.
No
caso de haver mais de três mastros: se colocados em edifício, a
Bandeira Nacional ocupará o do centro, se forem em número ímpar, ou o primeiro
à direita do ponto central em relação aos mastros, se forem em número par; em
todos os outros casos, a Bandeira Nacional ocupará o primeiro da direita,
ficando todas as restantes à sua esquerda.
Quando
os mastros forem de alturas diferentes, a Bandeira Nacional ocupará sempre o
mastro mais alto, que deverá ser colocado de forma a respeitar as regras
definidas anteriormente. Nos mastros com verga, a Bandeira Nacional será
hasteada no topo do mastro ou no lado direito quando o topo não estiver
preparado para ser utilizado.
Em
instalações de organismos internacionais sedeados em território nacional ou em
caso de realização de reuniões de caráter internacional, a Bandeira Nacional
será colocada segundo a regra protocolar em uso para esses casos.
A
Bandeira Nacional, quando desfraldada com outras, não poderá ter dimensões inferiores.
Os
mastros deverão ser colocados em lugar honroso no solo, nas fachadas ou no topo
dos edifícios, competindo aos responsáveis dos serviços a aprovação da forma e
do local da fixação.
Em atos públicos, a Bandeira, quando não se apresente hasteada, poderá ser suspensa em lugar honroso e bem destacado, mas nunca usada como decoração, revestimento ou com qualquer finalidade que possa afetar o respeito que lhe é devido.
Em atos públicos, a Bandeira, quando não se apresente hasteada, poderá ser suspensa em lugar honroso e bem destacado, mas nunca usada como decoração, revestimento ou com qualquer finalidade que possa afetar o respeito que lhe é devido.
Quanto ao uso do hino nacional, o site do
protocolo, acedido em 23 de junho de 2014, citando a respetiva legislação (vd http://www.portugalprotocolo.com/PROTOCOLO_SIMB_NAC.php), explicita:
“O
Hino Nacional é executado em cerimónias civis e militares onde se presta
homenagem a Portugal, à Bandeira Nacional, ao Presidente da República, ou
quando se dá a saudação a um chefe de Estado estrangeiro de visita a Portugal,
depois de tocado o hino do seu país. Conforme a ocasião em que é tocado ou
cantado, há ligeiras versões do mesmo, desde que não se infrinjam as disposições
apresentadas no Diário do Governo, 2.ª série, n.º 206, de 4 de setembro de
1957.
Também
se ouve em cerimónias desportivas como nos Jogos Olímpicos e outros jogos
internacionais em que participam atletas portugueses. Foi só a partir do século
XIX que as nações Europeias começaram a incluir um Hino como um dos
símbolos da Nação, embora desde sempre tenham existido gritos de guerra,
marchas patrióticas e louvores musicais os seus líderes.”
Por seu turno, o n.º 1
do artigo 332 do Código Penal estabelece o seguinte:
“Quem
publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio
de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino
nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito
que lhes é devido, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa
até 240 dias.”
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No
entanto, com o dever de respeito pelos símbolos nacionais, coexiste a liberdade
de criação cultural, consagrada no artigo 42.º da CRP, que nas suas vertentes
intelectual, artística e científica, compreende “o direito à invenção, produção
e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção
legal dos direitos de autor”. E o seu artigo 73.º/3, referindo-se à
democratização da cultura, estatui para o Estado como mobilizador dos agentes
culturais (a que estes devem corresponder convenientemente) para a realização deste desiderato o seguinte:
“O
Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso
de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos
de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as
coletividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património
cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais”.
E
o artigo 26.º da CRP, no seu n.º 4, determina que “a privação da cidadania e as
restrições à capacidade civil só podem efetuar-se nos casos e termos previstos na
lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos”.
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O
trabalho do jovem licenciado em Artes Visuais pela Universidade do Algarve,
validado pelo respetivo júri conforme se afirmou já, vai hoje responder no
Tribunal de Faro pelo crime de ultraje à bandeira nacional.
Não
sabemos o desfecho, dado o melindre e a complexidade da situação: a peça esteve exposta num terreno particular em
Faro, há cerca de um ano; mas, ao fim de dois dias, a GNR foi ao local e levou a
obra, que, mais tarde, foi selecionada para a integrar a exposição coletiva dos
alunos finalistas da Universidade do Algarve. por outro lado, um
dos jurados, que abona como testemunha do jovem acusado, justifica, afastando qualquer
ideia de ultraje a um dos símbolos nacionais: “Trata-se de uma metáfora, num
país com a corda na garganta”. E garante que o seu antigo aluno mais não fez do
que “expressar o mesmo que muitos políticos oficiais têm dito de forma verbal —
o país está com a corda na garganta”.
O
escritor e advogado Fernando Cabrita, ao tomar conhecimento do caso pelas redes
sociais, ofereceu-se para defender o artista de Quarteira, sem cobrar honorários,
por estar em causa a liberdade de expressão, argumentando que a arte, “por
natureza, transcende alguns limites”.
Sabe-se
também que o jovem artista apresentou, no mesmo ano, o Super-tuga, onde
a bandeira nacional surge como elemento caracterizador do “super-homem” que
iria salvar o país. E aí ele não foi elogiado pelos poderes, como seria sensato.
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Não
tendo motivos para me pronunciar sobre as referidas obras de arte, que, à
partida, não me parecem quadrar nos meus padrões de apreciação, devo, no
entanto, tomar posição pelo excessivo rigor policial e judicialista com que o
caso está a ser encarado. Parece-me que a intervenção das autoridades se
justificaria se tivesse a obra de arte sido acompanhada de palavras ou gestos complementares
ultrajantes ou se houvesse provocado escândalo e/ou incentivo a desrespeito aos
símbolos. De outro modo, ficarei eu então escandalizado por terem permitido e incitado
à proliferação de bandeiras a partir do ano 2004, de fabrico chinês, com
pagodes em vez dos castelos. Eram colocadas de qualquer modo em qualquer sítio
e abandonadas à intempérie e sujeitas aos piores tratos, mesmo a adornar sapatos e outros objetos. Não é fácil ver em
cerimónias públicas ou lugares a correta ordenação de bandeiras. Não vejo as pessoas
a parar diante dela ou a olhar para ela e os indivíduos do sexo masculino a
descobrir a cabeça em sinal de respeito. Usam a bandeira para acenarem, se cobrirem ou
embrulharem. E as autoridades não chamam à atenção. Quanto ao hino nacional, a
sua execução, vocal e/ou instrumental sofre de cuidados (?) análogos. Quanto ao
Português, que política da Língua, a nível interno e externo? Que discurso dos
governantes e do PR – representantes da Pátria – em Inglês em vez do Português!
Mas
faz-se justiça ao académico e artista…
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