Os crentes e os turistas que têm alguma familiaridade com o Santuário da
Senhora da Lapa, sito na freguesia de Quintela, do concelho de Sernancelhe,
sabem que, em torno do santuário, se desenvolvem muitas atividades que
demonstram a fé dos crentes, nomeadamente na vertente mariana e na eucarística.
De vez em quando, surgem também iniciativas de caráter cultural, mormente de
pendor etnológico.
No devir das atividades marianas do santuário, destacam-se as
festividades de 10 de junho, 15 de agosto e domingo subsequente ao 8 de
setembro. As duas primeiras são antecedidas de novenas de oração, pregação,
celebração dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação. A primeira novena
era tradicionalmente denominada de “a novena pelo São Barnabé”; a segunda, pela
Assunção de Nossa Senhora; a terceira festividade era celebrada a 8 de
setembro, a da Natividade de Nossa Senhora e integrava, como agora integra, a
peregrinação das gentes do Minho. Hoje já poucas pessoas falam do São Barnabé,
cuja celebração litúrgica ocorre a 11 de junho e que, em Portugal, fica
suplantada pela memória do Anjo de Portugal (10 de junho), com aparições em
Fátima, a preparar as da Virgem do Rosário.
Dada a importância de Barnabé nas primeiras ações da Igreja nascente e
nos primeiros rasgos da sua expansão missionária, bem como o facto de servir como um
excelente exemplo para qualquer pessoa que deseja servir a Deus e aos outros, aqui se explana a memória apostólica de São
Barnabé.
***
A primeira referência tem a ver com o nome próprio. Este nome
aparece em quatro dos livros bíblicos do Novo Testamento, inclusive umas 20
vezes no livro de Atos dos Apóstolos. Os pais, judeus do helenismo, deram-lhe o nome de José (em grego bizantino Ιὠσης).
Porém, quando se fez cristão (é um dos primeiros novos discípulos mencionados
no Novo Testamento) e vendeu todos os seus bens e entregou o dinheiro aos
apóstolos em Jerusalém, estes atribuíram-lhe o sobrenome “Barnabé”, por
que passou a ser conhecido e que parece originar-se no aramaico בר נביא,
que significa “o profeta” ou “o filho do profeta”. No entanto, o
texto grego dos Atos dos Apóstolos (At 4,36) desdobra o
nome de Barnabé em υἱός παρακλήσεως (hyiós paraklēseōs),
que significa “filho da exortação” ou “filho da consolação”, dada a sua
dedicação ao conforto das pessoas mais frágeis e testemunha da consolação
divina.
Nasceu no século I da nossa era, em Chipre, onde possuía
terras (At 4,36-37), que vendeu, doando o dinheiro para a igreja de Jerusalém, e foi martirizado, por volta do ano 61, em
Salamina, de Chipre, país de que é santo padroeiro. Lucas fala dele
como um “bom homem” (At 11,22.24). Seus pais pertenciam à tribo de
Levi. Sua tia era mãe de João Marcos (Cl 4,10), amplamente reconhecido como
o autor do Evangelho de Marcos.
Quando Paulo,
após a sua conversão em resultado da visão de Cristo que teve a caminho de
Damasco (At 9,1-25), voltou a Jerusalém, foi Barnabé que apresentou ao colégio
apostólico (At 9,27). É provável que ambos tenham sido condiscípulos na escola de Gamaliel.
Os progressos
verificados na igreja Antioquena levaram os apóstolos e os irmãos em
Jerusalém (os cristãos) a enviar Barnabé para lá (At 11,22) a fim de
supervisionar a sua caminhada, pelo que é considerado um dos primeiros
profetas (porta-vozes de Deus e do seu Cristo) e professores (da fé) da
igreja em Antioquia (At 13,1). Considerando a extensão e peso do
trabalho, foi a Tarso solicitar a ajuda de Paulo, que efetivamente o
acompanhou no regresso a Antioquia, tendo permanecido ambos durante um ano (At 11,25-26) e onde se
deu, pela primeira vez, aos discípulos o nome de cristãos. Transcorrido este
lapso de tempo, os dois subiram a Jerusalém (At 11,27-30) com o
produto da coleta que a igreja de Antioquia havia feito em prol dos
membros mais pobres da igreja de Jerusalém.
***
Embora seja
considerado como apóstolo, o facto de não ser uma das originárias e notórias
testemunhas do Ressuscitado, chegaram a pôr em causa, em época tardia, a sua
qualidade apostólica. Ora, a exigência da qualidade de testemunha da
Ressurreição de Cristo não pode ser tomada à letra. Em termos meramente
literais, também Paulo não o seria; e, no entanto, a Igreja apostólica não lhe
negou essa qualidade (tinham era medo dele, At 9,26), embora hic et nunc ele tenha sentido a necessidade ou, pelo menos, a
conveniência se se afirmar apostolo tal como os outros (vd portada da
maior parte das suas epístolas; 1Co 9,5; 2Co 11,5). Com Barnabé ninguém duvidou
no colégio apostólico dessa nota de testemunha de Cristo – ele deve ter vindo
para Jerusalém antes da crucifixão do Mestre, até por que é contado entre os
setenta discípulos. Tanto assim é que o colégio aceitou a sua apresentação de
Paulo, porque aceitavam a sua autoridade de apóstolo, provavelmente em virtude
da sua dedicação à causa e abnegação desde o início. Por outro lado, ele vem referido
(cf At 14,14), à frente de Paulo, “Barnabé e Paulo”, e ambos são
chamados ἀπόστολοι ( apostoloi, apóstolos).
Depois de
permanecerem em Jerusalém durante algum tempo, Barnabé e Paulo voltaram a
Antioquia, trazendo consigo João Marcos. Ali, devido à consolidação da igreja
antioquena e em consonância com o Espírito Santo, foram mandatados como
missionários para a Ásia Menor. Visitaram Chipre e algumas das principais
cidades da Panfília, Pisídia e Licaónia (At 13,2.14).
Entretanto, Paulo
de Tarso começa a ganhar destaque; e, a partir de determinado momento, ao
invés de “Barnabé e Paulo” (At 11,30; 12,25; 13,2.7), passa a ler-se
“Paulo e Barnabé” (At 13,43.46.50; 14,19-20; 15,2.22.35). Porém, Barnabé
virá a reocupar, em alternativa, a menção em primeiro lugar (At 14,14; 15,12.25), porque
tinha uma estreita ligação com a igreja de Jerusalém. Paulo sobressai numa pregação
missionária (At 13,9.13; 14,8-9.19-20), quando os habitantes de Lídia o tratavam como
Hermes e a Barnabé como Zeus (At 14,12), que a
custo os impediram de lhes oferecerem sacrifícios animais como se foram deuses,
ao passo que uns judeus Paulo e o feriram, julgando-o morto.
Regressados a
Antioquia após esta primeira viagem missionária, eles foram novamente enviados
a Jerusalém para consulta com aquela igreja sobre a relação com os pagãos, ou
seja, para discutir as condições de admissão dos oriundos do paganismo na
Igreja (At 15,2; Gl 2,1). Foi feito um acordo (Gl. 2,9-10) entre eles
e os apóstolos João e Pedro, ficando decidido que Paulo e Barnabé passariam a
pregar aos pagãos, porém, sem esquecer os pobres de Jerusalém. Resolvida a
questão (não obrigar os pagãos às praticas judaicas para a sua entrada no
cristianismo), voltaram para Antioquia, levando acarta do acordo do que ficaria
conhecido por concílio de Jerusalém (At 15,23-29).
Retornado a
Antioquia e passado algum tempo lá (At 15,35), Paulo
solicitou a Barnabé que o acompanhasse em outra viagem (At 15,36). Como
Barnabé queria levar João Marcos novamente e Paulo não concordou (At 15,37-38), a disputa
terminou com a tomada de rotas distintas por Paulo e Barnabé. Paulo fez-se acompanhar
de Silas, e ambos percorreram a Síria e a Cilícia, ao passo
que Barnabé, com seu primo João Marcos, seguiu para Chipre (At15,36-41).
Paulo perdera
a confiança em João Marcos, mas Barnabé deu-lhe uma segunda oportunidade (At 15,37-39). Sem
dúvida, esta paciência de Barnabé contribuiu para o crescimento de João Marcos,
que mais tarde escreveu um dos relatos da vida de Jesus (o Evangelho de
Marcos) e até se tornou útil para Paulo (2Tm 4,11).
Quando
Barnabé chegou à Síria e a Salamina a pregar o evangelho, alguns judeus
inconversos, tendo-se irritado com o seu extraordinário sucesso, caíram sobre
ele quando ensinava na sinagoga, arrastaram-no para fora e apedrejaram-no até a
morte. João Marcos enterrou o seu corpo numa caverna, onde permaneceu até ao
tempo do imperador Zenão I, no ano 85. Os restos mortais foram encontrados
em 488 e o túmulo encontra-se no mosteiro construído em seu nome, em
Salamina.
Apesar de
Barnabé não voltar a ser mencionado por Lucas no livro dos Atos,
depois da separação de Paulo, sabe-se que ele continuou a trabalhar como missionário
(1Co 9,6).
Pouco se conhece do percurso posterior de São Barnabé,
sabendo-se, no entanto, que, por volta do ano 57, ainda vivia como apóstolo
quando Paulo escreveu a 1.ª carta aos Coríntios (cf 1Co 11,6). A amizade entre os dois apóstolos não foi, porém, abalada.
Em 61-62, Paulo ficou prisioneiro em Roma tendo em sua companhia João Marcos, o
que parece revelar que Barnabé já teria morrido e que Marcos recuperara a confiança
de Paulo.
Tradições tardias e
não muito verosímeis apresentam Barnabé como primeiro bispo de Milão, pregador
em Alexandria e Roma, tendo nesta cidade conseguido a conversão de Clemente, o
quarto Papa. Seja como for, à exceção dos doze apóstolos (os onze
acrescidos de Matias, eleito segundo At 1,15.26), Barnabé é tido como o mais estimado missionário da primeira
geração cristã.
***
Em relação à sua
hipotética obra escrita, é provável que Tertuliano e outros escritores
ocidentais tenham razão em atribuir a Barnabé a autoria da epístola aos Hebreus,
pois, embora ela tenha conteúdo perfilhado por Paulo (não admira a convergência
de ideias doutrinais), o estilo difere bastante do modo de escrever paulino – o
pode ter a sua explicação no facto de, segundo a tradição romana, este libreto
ter sido um dos primeiros escritos neotestamentários. Há também quem refira que
ele tenha escrito parte do livro dos Atos dos Apóstolos, e não na totalidade,
pois consensualmente o livro é atribuído a Lucas, o autor do 3.º evangelho.
Tradicionalmente
o apóstolo fica associado à Epístola de Barnabé, embora estudiosos
modernos opinem que a epístola tenha sido escrita em Alexandria,
apenas no ano de 130.
O “Evangelho de Barnabé” consta de dois catálogos de
textos apócrifos. Outro livro com igual título “Evangelho de
Barnabé”, sobrevive em dois
manuscritos pós-medievais, em versão italiana e espanhola, só que a sua
análise textual leva a inferir que tenha sido escrito por um italiano do século
XIV e contraria muitas das afirmações evangélicas.
– cf
Leite, J.; e Coelho, A. (2005). Santos de
Todos os Dias. Vol. 6, Mês de junho. Matosinhos: Quid Novi;
– cf São
Barnabé. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2014. [ac. 2014-06-11]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$sao-barnabe>.
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