quinta-feira, 12 de junho de 2014

Pelo São Barnabé…

Os crentes e os turistas que têm alguma familiaridade com o Santuário da Senhora da Lapa, sito na freguesia de Quintela, do concelho de Sernancelhe, sabem que, em torno do santuário, se desenvolvem muitas atividades que demonstram a fé dos crentes, nomeadamente na vertente mariana e na eucarística. De vez em quando, surgem também iniciativas de caráter cultural, mormente de pendor etnológico.
No devir das atividades marianas do santuário, destacam-se as festividades de 10 de junho, 15 de agosto e domingo subsequente ao 8 de setembro. As duas primeiras são antecedidas de novenas de oração, pregação, celebração dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação. A primeira novena era tradicionalmente denominada de “a novena pelo São Barnabé”; a segunda, pela Assunção de Nossa Senhora; a terceira festividade era celebrada a 8 de setembro, a da Natividade de Nossa Senhora e integrava, como agora integra, a peregrinação das gentes do Minho. Hoje já poucas pessoas falam do São Barnabé, cuja celebração litúrgica ocorre a 11 de junho e que, em Portugal, fica suplantada pela memória do Anjo de Portugal (10 de junho), com aparições em Fátima, a preparar as da Virgem do Rosário.
Dada a importância de Barnabé nas primeiras ações da Igreja nascente e nos primeiros rasgos da sua expansão missionária, bem como o facto de servir como um excelente exemplo para qualquer pessoa que deseja servir a Deus e aos outros, aqui se explana a memória apostólica de São Barnabé.
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A primeira referência tem a ver com o nome próprio. Este nome aparece em quatro dos livros bíblicos do Novo Testamento, inclusive umas 20 vezes no livro de Atos dos Apóstolos. Os pais, judeus do helenismo, deram-lhe o nome de José (em grego bizantino Ιὠσης). Porém, quando se fez cristão (é um dos primeiros novos discípulos mencionados no Novo Testamento) e vendeu todos os seus bens e entregou o dinheiro aos apóstolos em Jerusalém, estes atribuíram-lhe o sobrenome “Barnabé”, por que passou a ser conhecido e que parece originar-se no aramaico בר נביא, que significa “o profeta” ou “o filho do profeta”. No entanto, o texto grego dos Atos dos Apóstolos  (At 4,36) desdobra o nome de Barnabé em υἱός παρακλήσεως (hyiós paraklēseōs), que significa “filho da exortação” ou “filho da consolação”, dada a sua dedicação ao conforto das pessoas mais frágeis e testemunha da consolação divina.
Nasceu no século I da nossa era, em Chipre, onde possuía terras (At 4,36-37), que vendeu, doando o dinheiro para a igreja de Jerusalém, e foi martirizado, por volta do ano 61, em Salamina, de Chipre, país de que é santo padroeiro. Lucas fala dele como um “bom homem” (At 11,22.24). Seus pais pertenciam à tribo de Levi. Sua tia era mãe de João Marcos (Cl 4,10), amplamente reconhecido como o autor do Evangelho de Marcos.
Quando Paulo, após a sua conversão em resultado da visão de Cristo que teve a caminho de Damasco (At 9,1-25), voltou a Jerusalém, foi Barnabé que apresentou ao colégio apostólico (At 9,27). É provável que ambos tenham sido condiscípulos na escola de Gamaliel.
Os progressos verificados na igreja Antioquena levaram os apóstolos e os irmãos em Jerusalém (os cristãos) a enviar Barnabé para lá (At 11,22) a fim de supervisionar a sua caminhada, pelo que é considerado um dos primeiros profetas  (porta-vozes de Deus e do seu Cristo) e professores (da fé) da igreja em Antioquia  (At 13,1). Considerando a extensão e peso do trabalho, foi a Tarso solicitar a ajuda de Paulo, que efetivamente o acompanhou no regresso a Antioquia, tendo permanecido ambos durante um ano (At 11,25-26) e onde se deu, pela primeira vez, aos discípulos o nome de cristãos. Transcorrido este lapso de tempo, os dois subiram a Jerusalém (At 11,27-30) com o produto da coleta que a igreja de Antioquia havia feito em prol dos membros mais pobres da igreja de Jerusalém.
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Embora seja considerado como apóstolo, o facto de não ser uma das originárias e notórias testemunhas do Ressuscitado, chegaram a pôr em causa, em época tardia, a sua qualidade apostólica. Ora, a exigência da qualidade de testemunha da Ressurreição de Cristo não pode ser tomada à letra. Em termos meramente literais, também Paulo não o seria; e, no entanto, a Igreja apostólica não lhe negou essa qualidade (tinham era medo dele, At 9,26), embora hic et nunc ele tenha sentido a necessidade ou, pelo menos, a conveniência se se afirmar apostolo tal como os outros (vd portada da maior parte das suas epístolas; 1Co 9,5; 2Co 11,5). Com Barnabé ninguém duvidou no colégio apostólico dessa nota de testemunha de Cristo – ele deve ter vindo para Jerusalém antes da crucifixão do Mestre, até por que é contado entre os setenta discípulos. Tanto assim é que o colégio aceitou a sua apresentação de Paulo, porque aceitavam a sua autoridade de apóstolo, provavelmente em virtude da sua dedicação à causa e abnegação desde o início. Por outro lado, ele vem referido (cf At 14,14), à frente de Paulo, “Barnabé e Paulo”, e ambos são chamados ἀπόστολοι ( apostoloi, apóstolos).
Depois de permanecerem em Jerusalém durante algum tempo, Barnabé e Paulo voltaram a Antioquia, trazendo consigo João Marcos. Ali, devido à consolidação da igreja antioquena e em consonância com o Espírito Santo, foram mandatados como missionários para a Ásia Menor. Visitaram Chipre e algumas das principais cidades da Panfília, Pisídia e Licaónia (At 13,2.14).
Entretanto, Paulo de Tarso começa a ganhar destaque; e, a partir de determinado momento, ao invés de “Barnabé e Paulo” (At 11,30; 12,25; 13,2.7), passa a ler-se “Paulo e Barnabé” (At 13,43.46.50; 14,19-20; 15,2.22.35). Porém, Barnabé virá a reocupar, em alternativa, a menção em primeiro lugar (At 14,14; 15,12.25), porque tinha uma estreita ligação com a igreja de Jerusalém. Paulo sobressai numa pregação missionária (At 13,9.13; 14,8-9.19-20), quando os habitantes de Lídia o tratavam como Hermes e a Barnabé como Zeus  (At 14,12), que a custo os impediram de lhes oferecerem sacrifícios animais como se foram deuses, ao passo que uns judeus Paulo e o feriram, julgando-o morto.
Regressados a Antioquia após esta primeira viagem missionária, eles foram novamente enviados a Jerusalém para consulta com aquela igreja sobre a relação com os pagãos, ou seja, para discutir as condições de admissão dos oriundos do paganismo na Igreja (At 15,2; Gl 2,1). Foi feito um acordo (Gl. 2,9-10) entre eles e os apóstolos João e Pedro, ficando decidido que Paulo e Barnabé passariam a pregar aos pagãos, porém, sem esquecer os pobres de Jerusalém. Resolvida a questão (não obrigar os pagãos às praticas judaicas para a sua entrada no cristianismo), voltaram para Antioquia, levando acarta do acordo do que ficaria conhecido por concílio de Jerusalém (At 15,23-29).
Retornado a Antioquia e passado algum tempo lá (At 15,35), Paulo solicitou a Barnabé que o acompanhasse em outra viagem (At 15,36). Como Barnabé queria levar João Marcos novamente e Paulo não concordou (At 15,37-38), a disputa terminou com a tomada de rotas distintas por Paulo e Barnabé. Paulo fez-se acompanhar de Silas, e ambos percorreram a Síria e a Cilícia, ao passo que Barnabé, com seu primo João Marcos, seguiu para Chipre (At15,36-41).
Paulo perdera a confiança em João Marcos, mas Barnabé deu-lhe uma segunda oportunidade (At 15,37-39). Sem dúvida, esta paciência de Barnabé contribuiu para o crescimento de João Marcos, que mais tarde escreveu um dos relatos da vida de Jesus (o Evangelho de Marcos) e até se tornou útil para Paulo (2Tm 4,11).

Quando Barnabé chegou à Síria e a Salamina a pregar o evangelho, alguns judeus inconversos, tendo-se irritado com o seu extraordinário sucesso, caíram sobre ele quando ensinava na sinagoga, arrastaram-no para fora e apedrejaram-no até a morte. João Marcos enterrou o seu corpo numa caverna, onde permaneceu até ao tempo do imperador Zenão I, no ano 85. Os restos mortais foram encontrados em 488 e o túmulo encontra-se no mosteiro construído em seu nome, em Salamina.
Apesar de Barnabé não voltar a ser mencionado por Lucas no livro dos Atos, depois da separação de Paulo, sabe-se que ele continuou a trabalhar como missionário (1Co 9,6).
Pouco se conhece do percurso posterior de São Barnabé, sabendo-se, no entanto, que, por volta do ano 57, ainda vivia como apóstolo quando Paulo escreveu a 1.ª carta aos Coríntios (cf 1Co 11,6). A amizade entre os dois apóstolos não foi, porém, abalada. Em 61-62, Paulo ficou prisioneiro em Roma tendo em sua companhia João Marcos, o que parece revelar que Barnabé já teria morrido e que Marcos recuperara a confiança de Paulo.  
Tradições tardias e  não muito verosímeis apresentam Barnabé como primeiro bispo de Milão, pregador em Alexandria e Roma, tendo nesta cidade conseguido a conversão de Clemente, o quarto Papa. Seja como for, à exceção dos doze apóstolos (os onze acrescidos de Matias, eleito segundo At 1,15.26), Barnabé é tido como o mais estimado missionário da primeira geração cristã.
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Em relação à sua hipotética obra escrita, é provável que Tertuliano e outros escritores ocidentais tenham razão em atribuir a Barnabé a autoria da epístola aos Hebreus, pois, embora ela tenha conteúdo perfilhado por Paulo (não admira a convergência de ideias doutrinais), o estilo difere bastante do modo de escrever paulino – o pode ter a sua explicação no facto de, segundo a tradição romana, este libreto ter sido um dos primeiros escritos neotestamentários. Há também quem refira que ele tenha escrito parte do livro dos Atos dos Apóstolos, e não na totalidade, pois consensualmente o livro é atribuído a Lucas, o autor do 3.º evangelho.
Tradicionalmente o apóstolo fica associado à Epístola de Barnabé, embora estudiosos modernos opinem que a epístola tenha sido escrita em Alexandria, apenas no ano de 130.
O “Evangelho de Barnabé” consta de dois catálogos de textos apócrifos. Outro livro com igual título “Evangelho de Barnabé”, sobrevive em dois manuscritos pós-medievais, em versão italiana e espanhola, só que a sua análise textual leva a inferir que tenha sido escrito por um italiano do século XIV e contraria muitas das afirmações evangélicas.
– cf Leite, J.; e Coelho, A. (2005). Santos de Todos os Dias. Vol. 6, Mês de junho. Matosinhos: Quid Novi;

–  cf São Barnabé. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [ac. 2014-06-11]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$sao-barnabe>.

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