A notícia da manhã de 2 de junho foi
surpreendente e foi dada em dois tempos: primeiro, através do primeiro-ministro,
e depois, diretamente pelo abdicante.
Num contexto de crise da casa real
espanhola, por motivos atinentes à pessoa do rei, em termos comportamentais, e
à família, por motivos ligados à especulação financeira, alguns discutiam se o rei
deveria ou não abdicar em favor do Príncipe Filipe, o primeiro na linha da sucessão.
Apesar de tudo, o monarca não abria o jogo e poderia continuar para salvar a
monarquia induzindo a sepultura da mesma, como poderia renunciar com a
probabilidade igual de salvar o regime político ou de o levar ao precipício.
Juan
Carlos, como dizem historiadores e jornalistas, foi o sexto rei da história
espanhola a abdicar e o primeiro a fazê-lo desde a renúncia de Alfonso XIII, que
a assumiu, em 1941, em favor do seu filho, Juan de Borbón, pai do rei espanhol
que acabou por renunciar ao cargo. Porém, a proclamação da República, em 1931,
precipitou no exílio Alfonso XIII, que em Roma e pouco antes de falecer, em
1941, abdicou para o seu terceiro filho, Juan de Borbón, conde de Barcelona, o
qual nunca chegou a reinar, porque em 1977 apresentou oficialmente a renúncia
aos seus direitos ao trono, cedendo o cargo ao rei Juan Carlos, que já era Chefe
de Estado desde 1975, em articulação com as disposições do caudilho do regime
ditatorial, o Generalíssimo Franco, que presidiu ao regime pátrio, que nem era
republicano nem monárquico: o chefe não o era por condição de nascimento nem
por eleição. Mas era na prática o monarca que conquistou o poder sem mandato que
o legitimasse e sem termo à vista.
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Porém, a história das
renúncias/abdicações em Espanha é mais complexa, como se pode ver pela
recordação de factos, muitos dos quais se devem a influências externas – o que
não é de espantar tendo em conta o dinamismo diplomático e os interesses expressos
em termos bélicos.
Quase setenta anos antes,
Afonso XIII, Amadeo I de Saboya – o primeiro monarca eleito pelas Cortes –
abdicou em 1873 depois de três anos de reinado, devido à instabilidade
política.
A anterior soberana
renunciante foi Isabel II a quem a revolução de 1868 forçou ao exílio em
França, acabando dois anos depois, em Paris, por abdicar em favor do filho
Afonso XII.
No início do século XIX,
em 1808, Carlos IV entregou a coroa a seu filho Fernando VII, que, em seguida,
a devolveu ao pai, o qual, por sua vez, a deu a Napoleão, que, por sua vez,
finalmente, a confiou ao seu irmão Joseph.
O primeiro Borbón, Filipe
V, abdicara, a 10 de janeiro de 1724, em favor do seu filho Luís I, que morreu
de doença, oito meses depois, forçando o pai a voltar ao trono até à sua morte
em 1746.
Durante a Casa das
Astúrias, o rei Carlos V cedeu os seus direitos dinásticos como rei de Espanha,
em 1556, em favor de seu filho Filipe II, e como imperador, em favor de seu
irmão, Fernando I de Habsburgo.
Agora, Juan Carlos de
Borbón y Borbón manifestou a sua vontade de entregar a coroa ao filho, depois
de um reinado de 39 anos, um dos mais longos da história espanhola, que começou
na sua proclamação como Chefe de Estado, a 22 de novembro de 1975.
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Porém, as
forças políticas, muitas delas latentes, aproveitaram a oportunidade, talvez
com alguma precipitação, para reivindicarem o referendo sobre a opção popular
de regime, ou seja, querem que o povo seja chamado a pronunciar-se sobre o
regime espanhol em quadro de monarquia ou de monarquia. Tal reivindicação
arrastará o novel soberano para o estatuto de herói, se a monarquia vingar, ou
de vítima, se a república triunfar. Segundo a informação corrente, os atuais
protestos são, formalmente, considerados ilegais, uma vez que não foi pedida autorização às
delegações governamentais para a sua realização.
No entanto,
dezenas de milhares de pessoas concentraram-se hoje, 2 de junho, no centro de
inúmeras localidades espanholas, com destaque para as duas maiores cidades
Madrid e Barcelona, exigindo referendo sobre a monarquia. Não se pode ignorar o
fervilhar das autonomias, travado pelo politicamente correto, ao serviço dos
interesses centralistas de Madrid.
Fontes policiais referiram que
se concentraram mais de 20 mil pessoas na Puerta do Sol, no centro de Madrid, e
nas ruas de acesso ao ponto que, como todos recordam, se tornou famoso como
palco dos protestos da cidadania espanhola.
“Espanha, mañana, será republicana”,
era uma das frases mais repetidas na praça onde continuam a chegar pessoas. “Referendo
já”, lia-se em muitos cartazes.
Protesto similar congregou milhares
de pessoas na Praça da Catalunha, no centro de Barcelona, onde além das
bandeiras tricolores (vermelhas, amarelas e roxas) da 2.ª republica se viam
bandeiras independentistas catalãs e cartazes em prol da independência na
Catalunha. E estes manifestantes põem o dedo na ferida, neste momento conturbado,
já que ninguém teve a lucidez de colocar em discussão a matéria de regime. E agora
profere-se em direção ao Príncipe o que nunca se disse ao pai: “Felipe,
querido, ninguém te elegeu”. Insiste-se na não eleição, problema que nunca se
colocou ao rei.
Durante as manifestações
multiplicaram-se os ‘tweets’ e as partilhas de informações relativas ao
referendo, com o ‘tag’ III republica a tornar-se um dos mais citados no mundo,
a par de ‘tags’ como el rey abdica e filipe VI. E, logo que o primeiro-ministro
comunicou a decisão de renúncia do soberano, surgiram espontaneamente nas redes
sociais os protestos, marcados para várias localidades espanholas e várias
cidades europeias, incluindo o Porto e Lisboa.
Depois da abdicação do rei da Espanha,
o seu filho mais velho (do género masculino) será declarado o novo Rei, por
herança, mas com a formalidade do voto pela maioria dos elementos das cortes.
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Dada esta anormalidade democrática, provocada
motu proprio pelo rei, as redes
sociais responderam convocando protestos em todo o país para pedir um referendo
sobre a monarquia.
“Após 39 anos de falsa democracia,
após 39 anos de monarquia, cai o bipartidarismo e cairá a monarquia. Agora
chegou o tempo de um processo constitucional e uma democracia real” – explica uma
das notas distribuídas.
Nas manifestações madrilenas, estiveram,
entre os manifestantes, líderes de várias forças políticas que advogam a
realização de um referendo sobre o futuro modelo de Estado em Espanha,
incluindo Cayo Lara, responsável da Esquerda Unida (IU). Esteve ainda presente
o co-porta-voz federal da plataforma Equo, Juantxo López de Uralde.
Têm os ativistas a consciência clara
de que a República ainda não chegou, mas hoje está mais próxima com a abdicação
do rei, pelo que é legítimo e necessário dar voz ao povo. No entanto, a par dos
protestos estão a ser partilhadas pelas redes sociais duas petições a favor de
um debate parlamentar sobre o futuro modelo de Estado em Espanha, que naturalmente
não afaste a realização de um referendo sobre a monarquia. As petições, oito
horas depois da abdicação de Juan Carlos, já reuniam mais de 120 mil
assinaturas.
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Por fim, leia-se o texto real, assinado
por Juan Carlos e entregue em tempo ao primeiro-ministro, Mariano Rajoy: “Para
os efeitos constitucionais procedentes, adjunto o escrito que li e entrego ao
senhor presidente do Governo neste ato, mediante o qual lhe comunico a minha
decisão de abdicar da Coroa de Espanha”.
É óbvio que este emérito não o será
pelos mesmos motivos que levaram Bento XVI à renúncia pontifical nem Juan
Carlos será substituído por via eleitoral (o sucessor está definido), muito
menos se recolherá em oração num qualquer mosteiro madrileno ou catalão.
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